Produção Científica Ciências & Saberes - segunda edição

Page 71

como Amy Gutmann, na introdução do já citado livro de Michael Ignatieff, será fácil pensar nos direitos humanos como não representando nenhuma “natureza humana”, mas como meras crenças extremamente úteis para se alcançar a realização de certos desejos: Direitos humanos são importantes instrumentos para proteger seres humanos contra crueldade, opressão e degradação. Isso é tudo que nós precisamos para acreditar e defender os direitos humanos. Muitas pessoas acreditam em muito mais coisas sobre os direitos humanos, como, por exemplo, que há uma fonte divina ou natural da qual eles jorram. Os propósitos humanos de defender direitos humanos, entretanto, não deveriam discordar tão dramaticamente, mesmo que suas fontes o façam. (IGNATIEFF, 2011).

ROMANCES E REPORTAGENS NO LUGAR DA TEORIA Se a teoria não constitui a parte privilegiada da nossa cultura, aquela que nos permite acessar a “verdade” e, dessa forma, realizar nossa “natureza” como seres cujo objetivo é tentar atingi-la, então lhe resta um papel bem mais modesto. Assim como o resultado do trabalho de romancistas e jornalistas, a teoria serve a fins específicos que só são atingidos quando, como disse acima, conseguem sensibilizar pessoas para compreender a vida ao redor delas. Em relação aos objetivos almejados pela cultura de direitos humanos, ou seja, formar uma comunidade internacional solidária à crueldade e à opressão sofridas por pessoas no mundo todo, a teoria tem muito pouco, ou quase nada, a contribuir. Isso porque o contraste importante não se põe entre interesse próprio x obrigação (RORTY, 2005, p. 94), como assevera Habermas, nem muito menos entre justiça x lealdade (RORTY, 2005, p. 101-122), como poderiam dizer os filósofos antigos, mas sim entre as pessoas que contamos como “um de nós” – aquelas em relação às quais nos sentimos na obrigação de justificar nossas crenças e desejos – e as outras (“eles”). Pessoas extremamente amáveis e doces entre os seus podem ser as mesmas que praticam os atos mais abjetos contra pessoas de fora da sua comunidade, por considerá-las algo abaixo da humanidade. A melhor forma de superar esse tipo de crença não é apelando para alguma “natureza humana” que una de nascença brasileiros e chineses, do tipo que se encontra nos livros de filosofia ou na Bíblia. As invasões americanas ao Afeganistão e ao Iraque, por exemplo, foram comandadas por um presidente americano protestante ultra-conservador, aquele espécime que em 70


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.