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A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos. fundacaorespublica.pt
número 05 - junho 2024
EDITORIAL
FINITUDE, FRAGILIDADE E FUTURO
Jorge Pinto
MULTI-LEVEL GOVERNANCE AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT: POST-WESTPHALIAN TRANSFORMATION AND DEMOCRATISATION
Catarina Lima Silva
QUAL É A RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA CAPITALISTA E A CRISE AMBIENTAL?
Helena Halpern
CRISE DO ANTROPOCENO E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS: LIBERDADE, DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO E O COMBATE À POBREZA GLOBAL COMO CAMINHOS PARA MITIGAR A CRISE AMBIENTAL
Alexandre Freire
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS – O PAPEL DO PROGRESSO TECNOLÓGICO PARA A MITIGAÇÃO
DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL DA SOCIEDADE
Aníbal Lima Silva
CORRENDO ATRÁS DO TEMPO
Eduardo Carvalho
REVOLUÇÃO AMBIENTAL: TRANSFORMANDO PALAVRAS EM AÇÕES. REFLEXÕES SOBRE AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS
Jean Javarini
POLÍTICAS PÚBLICAS NUM FUTURO E NUM CONTEXTO DE ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Joana Pena
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS, LIBERDADE E DEMOCRACIA; OU DA OPOSIÇÃO AO “INTERESSE PÚBLICO” – E O “BEM COMUM” ROUSSEAUNIANO
Paulo Antunes
UM NOVO PARADIGMA DE DESENVOLVIMENTO
PARA A ÉPOCA DO ANTROPOCENO
Rui Sousa Basto
5 8 25 42 55 70 85 103 115 128 146
ESTATUTO EDITORIAL
1.
A Revista Res Publica Revista de Ensaios Políticos é propriedade da Fundação Res Publica e insere-se nos seus objetivos de debate e reflexão política.
2. A revista é aberta a colaborações que se insiram na sua linha editorial e possam contribuir para o aprofundamento do pensamento da esquerda de inspiração socialista, social-democrata e progressista.
3.
A escolha e seleção das contribuições publicadas é da responsabilidade da direção da revista que contará com a colaboração do conselho editorial.
4.
A Revista Res Publica Revista de Ensaios Políticos é de edição quadrimestral e de acesso aberto não implicando esse acesso qualquer contrapartida monetária.
5.
A Revista Res Publica Revista de Ensaios Políticos contará, no entanto, com um espaço para diálogo com os seus leitores que para tal efeito se queiram registar.
Diretor PEDRO SILVA PEREIRA
Projeto Gráfico e Paginação FILIPE PINTO
Secretariado HELENA BOTELHO
Conselho Editorial JOSÉ ANTÓNIO VIEIRA DA SILVA (coordenador)
PEDRO SILVA PEREIRA AUGUSTO SANTOS SILVA CONSTANÇA URBANO DE SOUSA MARIA HELENA ANDRÉ
EDITORIAL
As temperaturas médias globais vêm aumentando significativamente desde a revolução industrial. A última década (2011-2020) foi mesmo, segundo vários relatórios, a mais quente de que há registo. Mais impressionante, dos vinte anos mais quentes, dezanove foram registados no século XXI. Há atualmente um consenso na comunidade científica sobre o aumento de 2°C nas temperaturas médias globais, em comparação com os níveis pré-industrialização. Este consenso encontra respaldo em dados robustos que mostram que tal se deve ao aumento das emissões de gases com efeito de estufa causada pela atividade humana. A causalidade das atividades humanas nestas emissões e as consequências no aquecimento global e na estabilidade climática surge de tal forma evidente que cunhou, nos anos 80 do século XX, uma nova idade geológica, o Antropoceno, que se popularizou no início dos anos 20001. Este conceito procurou caracterizar a nova relação entre os seres humanos e o ambiente e o seu papel ativo nas alterações climáticas, um pouco por todo o globo, que se começavam a verificar de forma consistente. As alterações climáticas, ficava assim evidente, não resultavam da evolução milenar da atividade da Terra, mas da forma como os seres humanos exploravam os diferentes recursos naturais. Esta assunção pelos diferentes agentes implicou, politicamente, por consequência, uma outra: a de que não se tratava de mitigar alterações naturais alheias ao impacto humano, como acontece, por exemplo, com a atividade sísmica ou com a atividade vulcânica, mas antes de atuar sobre essas alterações, agindo diretamente sobre a atividade humana. A ação climática tornou-se assim, nos últimos anos, a expressão adotada pelos governos, não só para caracterizar a sua orgânica institucional, mas sobretudo para definir as políticas públicas dedicadas às alterações climáticas. É, porém, a emergência destas alterações, muito consubstanciada no objetivo amplamente partilhado de limitar o aquecimento global a 2º C até 2050, que precipita uma forte discussão sobre as políticas a adotar. O Acordo de Paris, firmado em Dezembro de 2015 no âmbito da 21ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP21), materializa-o internacionalmente.
1 Steffen W., Grinevald J., Crutzen P. and McNeill J. (2011). The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Phil. Trans. R. Soc. A: 369842–867.
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A assumida necessidade emergente de descarbonizar as economias, alarga a discussão da preservação ambiental, do tratamento de resíduos sólidos urbanos, da desflorestação, ou da gestão dos recursos hídricos, para todo o ciclo produtivo. As matérias-primas e a sua gestão, as cadeias logísticas e o seu impacto, a obsolescência programa dos produtos ou os padrões de consumo crescentes, o transporte aéreo e a livre circulação de pessoas, a limitação de acesso a determinados locais, ou mesmo a restrição ou proibição de consumo de determinados produtos trouxe uma discussão mais complexa e mais difícil para o espaço público.
Ao ser assumidas pelos governos dos diferentes países, as políticas públicas de ação climática refletem necessariamente as perspetivas económicas, sociais, culturais e institucionais dos governos. Por outras palavras, a transversalidade da resposta às alterações climáticas torna implausível não admitir as visões que diferentes famílias políticas, as suas correntes internas, e os movimentos sociais, mais ou menos estruturados e mais ou menos politicamente comprometidos, defenderão. Essa defesa será sempre integrada nas políticas públicas que implementarão e, por isso mesmo, obrigam-nos a um amplo debate e a uma reflexão profunda sobre as Políticas Públicas num futuro e num contexto de Alterações Climáticas.
Foi precisamente este o mote da 5ª Edição do Prémio Res Publica, cujo conjunto de trabalhos mais destacados pelo júri do Prémio publicamos na 5ª edição da Revista Res Publica. A coincidência das edições da revista e do prémio não mais é do que isso, mas a reflexão e promoção do debate democrático que aqui se procura fazer tem, pela sua importância e atualidade, laivos de quintaessência.
Os ensaios agora publicados responderam ao desafio de refletir genericamente sobre as políticas públicas num futuro e num contexto de alterações climáticas, ainda que pudessem versar sobre tópicos concretos que a Fundação Res Publica, no âmbito da sua missão, considerou particularmente relevantes:
i) A conciliação entre a Liberdade e a Democracia com as limitações de recursos naturais e as restrições às emissões de gases de efeito estufa;
ii) O papel do progresso tecnológico para a mitigação das alterações climáticas e para o desenvolvimento económico e social da sociedade;
iii) A sustentabilidade das metas de crescimento económico numa sociedade de recursos finitos;
iv) O conflito entre as trocas comerciais e relações internacionais com a premência de mitigação das deslocações e a preferência à produção local;
v) As grandes cidades na sua capacidade de auto-abastecimento em matérias como a alimentação e energia e nas transformações na mobilidade.
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Como recorda Jorge Pinto, autor do ensaio vencedor e, por isso, com a primazia na publicação desta edição, “pensar na resposta às crises ecológicas exige também que pensemos na justiça das medidas que vierem a ser tomadas, acrescentando assim uma camada de complexidade.” Foi pela complexidade desta camada que a reflexão não foi limitada, nem o poderá ser o debate que estes ensaios suscitarão aos diferentes públicos. Houvesse mais certezas do que desafios e não teria a autora do segundo ensaio vencedor, Catarina Silva, afirmado que “os desafios impostos às sociedades pela mudança climática são, a muitos níveis, novos e, por isso, as formas tradicionais de governança podem relevar-se, por vezes, inadequadas para abordar essas questões” (em nossa tradução livre).
À complexidade da reflexão e à novidade das soluções, acrescentamos “uma abordagem a esta problemática que procura enfatizar especialmente a natureza pluridisciplinar das questões relacionadas com a crise climática”, tal como tentada pela Helena Halpern, vencedora do prémio jovem desta edição. Importa referir que, num encontro feliz, esta é a primeira edição do Prémio Res Publica que dedica um prémio específico aos jovens, precisamente num dos temas que mais politicamente os tens mobilizado.
Apresentamos ainda nesta edição sete outros ensaios que, não tendo sido vencedores, merecem ser lidos e partilhados. As reflexões que trazem enriquecem a discussão, nas três dimensões que atrás referimos: complexidade, novidade e pluridisciplinaridade.
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JORGE PINTO
Formado em Engenharia do Ambiente (FEUP, 2010) e doutor em Filosofia Social e Política (Universidade do Minho, 2020). A nível académico, é o autor do livro A Liberdade dos Futuros - Ecorrepublicanismo para o século XXI (Tinta da China, 2021) e co-autor do livro Rendimento Básico Incondicional: Uma Defesa da Liberdade (Edições 70, 2019; vencedor do Prémio Ensaio de Filosofia 2019 da Sociedade Portuguesa de Filosofia). Tem artigos e capítulos publicados em revistas e livros de renome internacional. É co-autor das bandas desenhadas Amadeo (Saída de Emergência, 2018; Plano Nacional de Leitura), Liberdade Incondicional 2049 (Green European Journal, 2019) e Tempo (no prelo). Escreveu ainda o livro Tamem digo (Officina Noctua, 2022). Em 2014, foi um dos co-fundadores do partido LIVRE e exerce o mandato de deputado à Assembleia da República na XVI Legislatura.
FINITUDE, FRAGILIDADE E FUTURO Jorge Pinto
INTRODUÇÃO
As múltiplas crises ecológicas que a humanidade atravessa são um dos principais desafios que, enquanto espécie, alguma vez enfrentámos. Da perda drástica de biodiversidade, à subida do nível dos mares, passando por níveis historicamente altos de gases poluentes e ao conjunto de alterações conhecidas como alterações climáticas, são muitas as frentes a requerer políticas públicas capazes de responder a este que é o desafio da nossa era. Como mostram vários estudos, a situação presente é já de insustentabilidade, pelo que a urgência na tomada de medidas é real. O preço da inação será um aprofundar das crises ecológicas, com desconhecidas e incontroláveis consequências ambientais, sociais e políticas. Pensar na resposta às crises ecológicas exige também que pensemos na justiça das medidas que vierem a ser tomadas, acrescentando assim uma camada de complexidade. Assumindo que a transição ecológica é possível – e nisso acreditamos – é essencial que se pense em como tal se pode concretizar protegendo os mais frágeis e pedindo uma maior contribuição por parte daqueles que têm maior responsabilidade.
Se é difícil conceber como resultado último das crises ecológicas a extinção da espécie humana ou o fim da vida no planeta, é ainda assim possível associar as políticas que nos trouxeram até ao atual ponto de insustentabilidade ecológica sob uma lente de finitude e fragilidade. Como desenvolveremos na secção seguinte, estes dois princípios estão associados entre si e também interligados nas suas duas dimensões: a dimensão humana e a dimensão planetária. Como argumentaremos, a finitude e a fragilidade devem ser entendidas e assimiladas como condição da vida humana e condição da vida planetária. Aceitando ambos, o desafio é o de pensar em como, num quadro de finitude e fragilidade, podemos dar resposta às alterações climáticas. Neste curto ensaio argumentaremos que essa resposta pode ser capacitada pelo poderoso conceito de liberdade. Importa referir desde já que a forma como se concebe a liberdade é determinante. Faremos uma defesa da conceção republicana de liberdade, entendida enquanto não-dominação. Defenderemos que em tempos
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de múltiplas crises ecológicas e na procura de respostas socialmente justas, as políticas públicas assentes na promoção da liberdade republicana serão as melhores equipadas para, por um lado, permitir respostas efetivas às alterações climáticas e, por outro e em paralelo, assegurar a proteção da efetiva liberdade humana.
A evolução tecnológica terá um papel importante na procura de respostas às crises ecológicas mas a visão determinista da tecnologia pode ser perigosa. Discutiremos então a ideia de tecnologia apropriada onde a tecnologia e o seu desenvolvimento está mais próxima dos indivíduos, promovendo assim a sua emancipação.
Por fim, olharemos para o futuro e discutiremos como podem as políticas públicas ser apoiadas por ferramentas políticas republicanas inovadoras, tais como as assembleias cidadãs. Devendo ser vistas como complementares às estruturas políticas existentes, estas ferramentas podem trazer novas visões e novas formas de promover o princípio de universalismo, entendido como a efetiva pertença à comunidade e à capacidade de participação nos processos decisórios. Deste modo, far-se-á também jus à visão de intergeracionalidade que caracteriza a política e filosofia republicana.
FINITUDE E FRAGILIDADE
A vida humana, tal como a concebemos até hoje, é finita. Saber que há um fim terreno para as nossas vidas que, invariavelmente, culminará com o nosso desaparecimento físico, tem sido tema para filósofos e religiosos desde que a nossa espécie começou a pensar-se. Não por acaso, a maioria das religiões que existem ou existiram em diferentes latitudes esforçou-se em propor cenários para o que aconteceria no momento em que, pela última vez, fechássemos os olhos. Da reencarnação a uma eterna vida etérea, são várias as respostas propostas. Ainda assim, mesmo para aqueles que adiram a uma qualquer teoria de vida para lá da morte física, é certo que existe pelo menos uma morte, a da vida terrestre; ou seja, a vida humana é finita. Também o planeta Terra é finito e em múltiplos sentidos. É-o, desde logo, num sentido de muito longo prazo: em algum momento, daqui a alguns milhares de milhão de anos, o Sol deixará de ter energia para consumir, o que levará à sua morte e consequente destruição da Terra. Numa perspetiva mais concreta e palpável temporalmente, o planeta é finito de vários modos, destacando-se a finitude dos seus recursos, bem como a finita capacidade de processar as emissões poluentes de origem antropogénica sem que isso acarrete resultados desconhecidos e potencialmente catastróficos.1
1 Veja-se, a esse propósito, o conceito de Fronteiras Planetárias (Steffen et al. 2015) ou o recentemente apresentado conceito de “Earth system boundaries” (Rockström et al., 2023). De acordo com este último estudo, sete das oito fronteiras definidas já foram ultrapassadas.
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A finitude da vida humana e do planeta revelam a fragilidade e vulnerabilidade de ambos. Mais, esta fragilidade é partilhada e coloca em confronto a finitude da vida humana com a finitude do planeta. Sabendo e assumindo a finitude da sua vida, o ser humano tem procurado ao longo da história o prolongar da sua longevidade. O período do iluminismo e a sua ideia de progresso foi determinante e resultou numa aposta na ciência também, quando não sobretudo, como modo de prolongar e melhorar a vida humana.2 Esse esforço pode ser traçado até aos dias de hoje, onde ciência e tecnologia se aliam a uma tentativa de redefinição do conceito de vida sob a definição de transumanismo.3
No entanto, a expansão da longevidade humana, isto é, o atrasar da finitude humana, fez-se às custas de um enorme impacto sobre o planeta, ou seja, apressando a finitude planetária.4 A este propósito, a famosa afirmação de René Descartes é todo um programa: “o ser humano é mestre e detentor da natureza”. Esta visão de possessão do meio natural fez com que os impactos causados ao planeta – consequência das políticas associadas ao Progresso e, como tal, entendidas como essenciais para o desenvolvimento humano – fossem aceites sem grande oposição.5
De modo a rejeitar ou iludir a finitude humana e, em particular, de modo a rejeitar a ideia de fragilidade e vulnerabilidade, o iluminismo trouxe a aposta na ciência e na tecnologia, colocando-se a natureza apenas como algo que existe para ser dominado ou, na melhor das hipóteses, usado para servir o ser humano. Rejeitando-se qualquer forma de valor intrínseco, a natureza serve apenas propósitos utilitários.6
Ora, atendendo ao ponto fulcral em que nos encontramos e atendendo à situação de insustentabilidade ecológica na qual já vivemos, é essencial rever esta ligação entre o ser humano e a natureza. Reconhecendo a finitude humana, devemos ser capazes de reconhecer também a finitude planetária. Devemos portanto aceitar a fragilidade e a finitude enquanto condições essenciais para preparar um futuro sustentável. Olhando de forma integrada para a vida humana e para o planeta, deveremos ser capazes de reconhecer a fragilidade e
2 Não por acaso, é nesse mesmo período que, na Europa, começam a surgir críticas profundas às religiões maioritárias e ao seu foco na vida depois da morte e se começa a apontar o foco para o papel da ciência como promotor da vida terrena
3 More e Vita-More, 2013.
4 Os impactos das atividades humanas sobre o planeta são de tal amplitude que há quem apele a nossa era como Antropoceno ou Capitaloceno (Sharp, 2020); mais, como avançam Ceballos et al. (2017), podemos estar a atravessar a 6ª extinção em massa no nosso planeta, considerada como tal quando se observa uma perda de mais de 75 por cento das formas de vida conhecidas num curto lapso de tempo geológico.
5 Para um registo das várias, embora minoritárias, tentativas de oposição a esta visão, vejase Audier, 2017.
6 Para uma discussão sobre o valor intrínseco da natureza e da ética ambiental veja-se Pinto, Marcelo e Cadilha (no prelo).
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vulnerabilidade partilhadas, reconhecendo assim uma fragilidade tanto social quanto ecológica.
Não se trata aqui de propor uma rejeição da ideia de vida para lá da morte ou de propor uma qualquer forma de religião; essa discussão, por interessante que seja, está fora do âmbito deste curto ensaio. Para uma excelente proposta de teoria filosófica e política assente na ideia de finitude, veja-se o ensaio “Esta Vida”, do filósofo Martin Hägglund.7 Nesta reflexão interessa-nos antes pensar em como a aceitação da finitude humana pode ser traduzida em medidas concretas que possam, em simultâneo, assegurar a maior longevidade possível e uma vida de qualidade de para um maior número possível de seres humanos enquanto em paralelo se assegura a maior longevidade planetária possível. Sendo verdade que o iluminismo e a sua visão cientifista de progresso tiveram como consequência prática a depleção do planeta e uma visão de dominação da natureza que era mantida em paralelo com uma visão de dominação patriarcal e racista, devem por isso as suas bases e as ideias de tecnologia e de progresso ser simplesmente rejeitadas? Na nossa opinião, não.8 Devemos, no entanto, ser capazes de reformular essa visão à luz dos desafios do presente e de modo a preparar o futuro.
Mas é preciso mais. Devemos recuar ainda mais na história, indo até à Grécia e Roma Antigas, recuperando as bases do pensamento republicano e trazendo-o para o século XXI; um republicanismo ecologista, antirracista, feminista e cosmopolita. Neste ensaio, o foco estará na ideia de liberdade e de como esta pode ser entendida à luz de um republicanismo ecologista, sendo esta a conceção de liberdade melhor equipada para conciliar democracia e as necessárias medidas de proteção ecológica.
A LIBERDADE EM TEMPOS DE MÚLTIPLAS CRISES
Poucos serão os conceitos tão mobilizadores como o de liberdade. Não surpreende, portanto, que a ideia e a definição de liberdade estejam no âmago de várias escolas filosóficas. Termo emancipador, a ideia de liberdade aponta para algo que queremos, enquanto humanos, ter na maior quantidade possível e que, por outro lado, não queremos ver reduzido. Assim, a definição de liberdade reveste-se de uma importância crítica, estando em permanente (re)definição.
A liberdade é, por definição, uma termo em permanente mutação e em relação ao qual existe um conflito constante pela sua definição e caracterização. Se fosse possível trazer para o presente um cidadão da Grécia Antiga, um membro do Senado da República de Roma, um cidadão florentino do século XVI ou um francês do início do século XIX e pedir-lhes para explicar porquee como - são livres, as respostas seriam certamente muito diferentes. Esta luta
7 Hägglund, 2022.
8 Veja-se também Audier (2020) para uma crítica construtiva ao pensamento iluminista e de como este pode ser reformulado.
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pela definição de liberdade tem efeitos concretos muito visíveis e relevantes, servindo para apoiar ou limitar políticas públicas que possam ser vistas como promotoras ou como limitadoras da liberdade.
Também no presente, a ideia de liberdade tem sido usada de muitas, e por vezes antagónicas, formas. Durante a pandemia da COVID-19, era em nome da liberdade que se organizavam manifestações contra a vacinação ou contra outras medidas de combate à propagação do vírus; é também em nome de uma forma de liberdade que vemos ser feita a defesa do uso e porte de arma, a oposição a medidas estatais, em particular as do tipo fiscal, ou ainda oposição a qualquer tipo de medida que possa, independentemente da razão, coartar as possibilidades de ação do indivíduo. Não surpreende então que a ideia de liberdade tenha, nas últimas décadas e ao contrário do que aconteceu no século XIX e início do século XX, vindo a ser utilizada mais pela direita do espectro político que pela esquerda. Para que possamos discutir a conciliação entre liberdade e democracia em tempos de múltiplas crises temos de começar por definir diferentes conceções de liberdade.
Fazendo um curto e forçosamente limitado resumo de diferentes conceções de liberdade ao longo da história do pensamento humano, podemos centrar a nossa análise na liberdade entendida enquanto não-frustração, enquanto nãolimitação, enquanto não-interferência e finalmente enquanto não-dominação.9 Uma vez feita uma breve definição destas conceções de liberdade, seremos capazes de discutir como estas respondem, ou não, aos desafios das múltiplas crises que atravessamos, em particular as crises ecológicas.
É com a obra de Thomas Hobbes que se desenvolvem as conceções de liberdade enquanto não-frustração e não-limitação. Partindo da passagem do livro “Leviatã” em que Hobbes afirma que homem livre como aquele que “não é impedido de fazer o que deseja”, estas duas conceções focam-se numa forma de liberdade estritamente individual e radicalmente oposta a qualquer forma de limite imposto ao indivíduo.10 Ambas as conceções consideram que qualquer obstáculo, seja a má vontade de outro agente ou limitações naturais, contam como redutoras da liberdade. Ambas também concordam que desde que seja fisicamente possível para um agente escolher uma opção, o agente é livre nessa decisão, independentemente de todas as outras possíveis consequências negativas ou positivas. A principal diferença entre estas conceções reside no facto de o foco da não-limitação ser estritamente quantitativo - quanto maior o número de opções disponíveis para um agente, mais livre ele é -, o foco da nãofrustração está na proteção da opção favorita do agente.
9 Para uma discussão alargada sobre as diferenças entre estas conceções de liberdade e como estas dão resposta à crise ecológica veja-se Pinto, 2021.
10 Para uma defesa contemporânea do conceito de liberdade hobbesiano, afirmando que enquanto uma opção for fisicamente possível, o agente terá a liberdade de escolher, independentemente de quaisquer consequências possíveis, veja-se Steiner, 1994; Carter, 1999; Kramer, 2003.
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A conceção de liberdade como não-interferência pode ser associada à visão de liberdade negativa, tal como entendida por Isaiah Berlin na sua distinção entre liberdade positiva e negativa. Enquanto a conceção positiva de liberdade implica que uma pessoa é livre na medida em que pode ser mestre de si próprio e de exercer autodomínio, a conceção negativa é mais simples de explicar, e pode ser definida como a ausência de interferências. Ser livre neste sentido implica ter a possibilidade de escolher entre o maior número possível de opções - não apenas a que poderíamos desejar num determinado momento - sem sofrer a interferência intencional de outrem, que por sua vez poderia reduzir o número de opções disponíveis.
Esta conceção distingue-se das duas conceções anteriores de um modo relevante. Enquanto nas conceções hobbesianas qualquer tipo de obstáculo –humano ou natural, intencional ou não – é visto como redutor da liberdade, de acordo com a conceção de liberdade enquanto não-interferência, apenas aqueles obstáculos que são de origem humana e deliberados devem ser considerados enquanto tal. Deste modo, como afirma Berlin, “o sentido de liberdade ao qual me refiro implica não apenas a ausência de frustração (que pode ser obtida matando desejos), mas a ausência de obstáculos a possíveis escolhas e atividades - ausência de obstruções nas estradas pelas quais um homem pode decidir andar”.11
Desta curtíssima introdução às conceções de liberdade hobbeseanas e negativa entendida como não-interferência, fica rapidamente claro que estas terão sérios problemas em ser consistentes com medidas de políticas públicas que possam dar resposta efetiva às múltiplas crises ecológicas, desde logo as alterações climáticas. Reforçando que nos encontramos já numa situação de insustentabilidade ecológica, as políticas públicas que nos possam colocar numa rota de sustentabilidade terão de ser ambiciosas, corajosas, concretas. É difícil imaginar que essas políticas não impliquem algum tipo de limitação no número de opções disponíveis. Pensemos por exemplo nas leis que possam limitar as emissões de CO2, na interdição do acesso de veículos privados aos centros das cidades ou novos impostos ambientais – de acordo com as conceções referidas acima, todos estes elementos limitariam a liberdade.12 Na verdade, são muitas as políticas desse género já tidas no passado, seja por razões ambientais, como a interdição do uso de CFCs para preservar a camada do ozono, seja por razões tanto ambientais como de saúde humana, como a interdição do uso de alguns químicos nos produtos que consumimos. No fundo, o difícil é imaginar uma sociedade onde a liberdade entendida como não-interferência seja o fim último das políticas públicas.
11 Berlin, 2002, p. 32.
12 Aqui é importante realçar que mesmo que a totalidade dos fundos coletados por um imposto ambiental fossem redirecionados para os cidadãos, a liberdade entendida como não-interferência continuaria a afirmar que existe uma redução da liberdade. Berlin é aqui claro quando afirma que mesmo que seja usado como um meio de aumentar outras liberdades, todas as leis - e certamente as leis consideradas parte dos limites ecológicos“reduzirão alguma liberdade (Berlin, 2002, p.41, realce no original).
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O desafio é, portanto, o de saber como podemos desenvolver políticas públicas que, por um lado, respondam efetivamente às crises ecológicas e, por outro, assegurem o carácter democrático dessas medidas. Mas será que essas políticas serão forçosamente um ataque à liberdade ou representarão forçosamente uma limitação da liberdade? Tudo depende de como definamos o conceito e há pelo menos uma forma de liberdade que está mais bem equipada para dar resposta às crises ecológicas do presente: a liberdade republicana entendida como nãodominação. Esta conceção de liberdade foge ao dualismo proposto por Berlin e apresenta-se como uma terceira forma de liberdade que é, por um lado, negativa – liberdade de dominação – e, em paralelo, positiva – liberdade para agir.
A principal diferença entre dominação e mera interferência é colocada no nível da arbitrariedade; isto é, se tomado de uma maneira que sirva aos interesses do indivíduo, não se pode dizer que o ato de interferência seja arbitrário. Para ser considerada como tal, qualquer relação de dominação implica que o dominador possa cumprir três princípios: 1) capacidade de interferir, 2) arbitrariamente e 3) nas escolhas que o sujeito dominado está em posição de fazer.
A liberdade republicana, sendo social e não estritamente uma liberdade de escolha como as discutidas anteriormente, engloba por definição o aspeto democrático. Ao contrário de outras conceções de liberdade, a liberdade republicana como não-dominação é em primeiro lugar uma forma de liberdade agencial. A não-dominação refere-se principalmente à preocupação com a liberdade e o papel do agente na sociedade, mas também pode abrir espaço para a liberdade de opção, embora a um nível secundário.
Para a liberdade como não-dominação, “o objetivo principal (...) deve ser proteger as pessoas contra a dominação, [e] o secundário maximizar o número e a facilidade com que as pessoas podem exercer sua capacidade não-dominada de escolha”13.
Este esclarecimento é particularmente significativo porque, como referido, as políticas públicas de resposta às crises ecológicas provavelmente implicarão a redução do número total de opções. Mas essas interferências não representam automaticamente uma situação de dominação. Como afirma Lovett, “desde que o governo que emite essas leis ou políticas seja adequadamente controlado, ele não sujeitará os seus cidadãos à dominação e, portanto, não prejudicará a sua liberdade”, o que o leva a concluir que “o Estado de direito é uma condição necessária para a existência e usufruto da liberdade”.14 Pettit faz uma leitura semelhante e argumenta que “a interferência estatal não será dominadora (...) desde que possa ser submetida ao controlo eficaz e igualmente compartilhado por parte das pessoas”.15
13 Pettit, 2003, p. 401.
14 Lovett, 2018. p. 112. Veja-se também o mais recente ensaio de Lovett (2022) onde este desenvolve os conceitos de controlo popular que a política republicana deve ter em conta.
15 Pettit, 2014, p. 111.
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A liberdade para os republicanos é, portanto e em primeiro lugar, não viver à mercê de outros. E para que tal aconteça é preciso relacionar a liberdade com muitos outros fatores que promovem desigualdades entre indivíduos - ao nível da riqueza e poder, por exemplo, mas também ao nível das desigualdades ecológicas - que levaram o republicano Rousseau a argumentar no seu “Discurso sobre a Desigualdade” que “a pior coisa que pode acontecer a alguém nas relações entre homem e homem é viver graças à misericórdia de outro”.16 Podemos então balizar uma conceção ecologista da liberdade republicana da seguinte forma: a liberdade deve ser promovida mas não à custa da depleção dos recursos do planeta ou do desrespeito por indicadores como as fronteiras planetárias; e, em paralelo, a defesa de uma sociedade ecologicamente sustentável não pode ser feita à custa da liberdade, como seria o caso em visões ecofascistas e ecoautoritárias. Esta caracterização dual permite-nos assim fazer a ponte com os princípios de finitude e fragilidade acima discutidos: uma conceção ecologista da liberdade republicana obriga-nos a aceitar a finitude e fragilidade do planeta mas, fazendo-o, permite-nos pensar em como aceitar a a finitiude e fragilidade humana de forma partilhada. No fundo, trata-se de promover uma liberdade que assuma a fragilidade humana e do planeta e que faça dessa fraqueza força.
A TECNOLOGIA APROPRIADA
Antes de avançarmos para a secção dedicada às políticas republicanas de futuro, é importante discorrer, ainda que de forma breve e forçosamente incompleta, sobre o papel do progresso tecnológico para a mitigação das alterações climáticas e para o desenvolvimento económico e social da sociedade. Muitos, mesmo no seio de movimentos ambientalistas, vêm no progresso tecnológico a principal, quando não única, via de dar resposta às crises ecológicas. Esta é uma visão assente no otimismo tecnológico, em certa medida oriunda ainda da visão de Descartes em que a tecnologia deve ser uma ferramenta para o ser humano se tornar mestre do meio natural no qual se insere.
Esta defesa do progresso tecnológico é não raras vezes apolítica e determinista. Apolítica por não considerar os efeitos sociais associados à produção e uso da tecnologia e determinista por ser apresentada como um caminho pré-determinado que é importante percorrer. Ora, nem a tecnologia pode ser apolítica – muito menos podemos deixar de considerar os impactos do seu uso – nem há um caminho pré-definido para a evolução tecnológica. Importa pois pensar em como ter uma discussão sobre tecnologia que tenha estes dois factos em consideração.
As abordagens verdes focadas no otimismo tecnológico, também chamadas de eco-modernistas17, assemelham-se ao papel mitológico de Prometeu. De
16 A este propósito, veja-se a análise de Anne Frémaux (2019) sobre republicanismo verde e uma economia pós-capitalista.
17 Asafu-Adjaye et al., 2015, p. 21.
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acordo com a mitologia, Prometeu conseguiu, graças à sua destreza intelectual, roubar o fogo dos deuses e oferecê-lo à humanidade para que esta se pudesse desenvolver. Temendo que os humanos se pudessem aproximar dos deuses, Zeus condena Prometeu à punição eterna, amarrando-o a uma rocha onde, todos os dias e após a regeneração do seu corpo, uma águia o vem devorar. A questão atualmente é saber se existe sequer fogo sagrado para ser roubado ou se não estamos a arriscar apenas a punição sem qualquer benefício. Mesmo que essas tecnologias inovadoras venham a ser criadas, caso tal aconteça após a perda (ainda mais) massiva de biodiversidade ou após a passagem das fronteiras planetárias para lá do ponto de não-retorno a partir do qual as consequências são imprevisíveis, então essas tecnologias não servirão o seu propósito. Assim, mais do que assumir uma posição derrotista em relação à capacidade para alterar o funcionamento da economia baseada no extrativismo e no produtivismo e colocar todas as esperanças na evolução tecnológica, devemos também ser capazes de avançar com mudanças ao nível individual - de atitudes e de comportamento – e, sobretudo, ao nível sistémico, entrando assim naquilo a que Jackson chama a prosperidade sem crescimento.18
Deve por isso a tecnologia ser rejeitada? Pelo contrário; a evolução tecnológica teve, tem e terá um importante papel na resposta às crises ecológicas. O que deve ser evitado é a sacralização da tecnologia como forma única de o fazer. Deve ainda ser evitada a visão de uma evolução única da tecnologia, uma globalização tecnológica em que a mesma tecnologia se aplica em todo o planeta. Aqui, o princípio de tecnologia adequada é relevante e vai ao encontro da política republicana.
Este princípio foi desenvolvido a década de 1960 pelo economista E.F. Schumacher que, após visitar países como a Birmânia, apresentava a sua ideia de “tecnologias intermédias”. O autor, que se tornaria famoso pelo seu seminal “Small is beautiful”, defendia que em economias mais pobres e sem os meios necessários para adquirir tecnologia de alto custo, as comunidades locais poderiam codesenvolver a sua própria tecnologia. Pelo seu carácter potencialmente injurioso ou dúbio, o termo acabaria por evoluir para “tecnologias apropriadas”, podendo as suas características principais ser agrupadas em quatro pontos:
1. Tecnologias de simples utilização, de simples manutenção e reparação;
2. Tecnologias e ferramentas intensivas em trabalho, por oposição a intensivas em capital ou energia;
3. Construídas com recurso a materiais locais e adaptadas às realidades no terreno;
4. Tecnologias e ferramentas com o menor impacto possível no meio ambiente em que se inserem.
18 Jackson, 2013.
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O foco das tecnologias apropriadas estava, portanto, maioritariamente nas economias mais pobres, integrado numa visão de desenvolvimento local. Numa linha semelhante, Ivan Illich defendia a promoção das ferramentas conviviais.19 Era relevante não apenas o aspeto técnico, isto é, a concretização e utilização das próprias ferramentas, mas também a promoção da autonomia daqueles – e daquelas – que se serviriam das mesmas. Esta ideia de promoção da autonomia era central na defesa de Illich das ferramentas conviviais como pilar da sua visão de uma sociedade convivial e, numa definição bastante lata, afirma que as ferramentas conviviais são todos os dispositivos projetados racionalmente, sejam artefactos ou regras, códigos ou operadores.
Na esteira dos conceitos de Schumacher e Illich, um discípulo deste último, Wolfgang Sachs, definiu nos inícios dos anos 1990 um novo conceito que tem vindo a ganhar relevância: cosmolocalismo (ou localismo cosmopolita). Não rejeitando as suas implicações ideológicas, o cosmolocalismo desafia a visão capitalista da globalização e da economia tal como esta tem sido aplicada. Em particular, aqueles que tentam desenvolver o conceito e práticas comolocalista estão contra a homogeneização, não apenas das tecnologias e das ferramentas em si, mas também – e talvez sobretudo – contra a homogeneização das culturas, fomentada pela globalização tal como promovida pelo capitalismo do final do século XX e do século XXI.
“Desenha global, constrói local” é o mote que descreve o cosmolocalismo e que tem uma forte componente digital. Efetivamente, é da partilha que se constrói este movimento que junta engenheiros e agricultores, economistas e filósofos, europeus e africanos, entre outros. Com uma forte componente digital e informática, os princípios dos bens comuns digitais e do código aberto são uns dos pilares do cosmolocalismo tal como ele é entendido no presente. É com base nesses princípios que a partilha se faz, livre de custos, permitindo que haja uma melhoria e/ou adaptação de cada ferramenta às realidades locais. Uma construção de baixo para cima, da base local, com as suas especificidades, até uma base global, construída não a partir de um único local, mas antes constituindo-se graças às diferenças e realidades de cada geografia, numa espécie de internacional do faça-você-mesmo.
Estes princípios podem e devem reger o trabalho de progresso tecnológico que temos pela frente. Aliando tecnologia, autonomia, partilha, bens comuns, conhecimento das realidades locais e ligação entre o mundo rural e urbano, bem como a preservação do ambiente no qual se insere, o cosmolocalismo pode e deve fazer parte de uma estratégia de globalização justa e co-construída a partir de várias latitudes e longitudes.
19 Illich, 1973.
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A LIBERDADE DOS FUTUROS
No seu famoso discurso, Benjamin Constant confrontou a “Liberdade dos Antigos” com a “Liberdade dos Modernos”. Perante uma urgência tão grande como o colapso climático, torna-se evidente a necessidade de um novo tipo de liberdade que proteja as gerações futuras e, paralelamente, permita a existência de possíveis futuros diferentes: a liberdade dos futuros. Ironicamente, poderá ser olhando para a liberdade dos Antigos que obteremos respostas para este futuro, em particular no que diz respeito à definição do nosso futuro coletivo.
O republicanismo é intergeracional e é-o em dois sentidos. Primeiro, promove um sentimento de pertença, abordando assim o passado e a ligação a um determinado lugar. Isto é relevante numa perspetiva ecológica, pois pode dar aos cidadãos um sentimento de pertença que os motiva a proteger, pelo menos, o seu ambiente local. Em segundo lugar, o republicanismo olha para o futuro e para as melhores formas de preservar uma república permanentemente ameaçada. Pocock tornou este ponto claro quando argumentou que “a república não era intemporal, porque não refletia por simples correspondência a ordem eterna da natureza”, razão pela qual era “portanto transitória e condenada à impermanência”.20 Esta abordagem intergeracional reflete-se assim no presente: como honrar o passado, preparando ao mesmo tempo um futuro sustentável?
Para os republicanos, uma discussão fundamental é se as gerações atuais dominam as futuras. No seu ensaio dedicado ao republicanismo e à dominação da posterioridade, Corey Katz afirma que os republicanos, nomeadamente Pettit e Lovett, precisam de “morder a bala ou rever a sua conceção de dominação”.21 É assim, afirma Katz, porque os republicanos defendem uma conceção relacional de dominação, que, pelo menos tal como é entendida por estes autores, torna difícil, se não impossível, defender que um ato no presente que pode ser prejudicial no futuro constitui dominação.
Olhando para o que Pettit e Lovett consideram necessário para que a dominação ocorra, o argumento de Katz parece sólido. Lovett defende que a dominação requer desequilíbrio de poder, dependência e arbitrariedade, enquanto Pettit considera que a dominação deve ser interpessoal, de conhecimento comum e que, para que a dominação seja considerada como tal, a interferência arbitrária deve ser intencional ou, pelo menos, quase-intencional.22 Assim, é difícil justificar essas cláusulas quando se pensa na relação entre gerações.
Apesar de ser um tema com espaço para mais investigação no seio dos republicanos, Frank Lovett está consciente da “questão extraordinariamente
20 Pocock 2016, p. 53.
21 Katz, 2017, p. 296.
22 Pettit, 1997, pp. 52-53; 2012, p. 49.
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complexa” colocada pelo desafio de como deve ser distribuída a não-dominação entre gerações.23 O próprio Lovett é cético quanto à dominação intergeracional. Ao invés, reconhecendo que os recursos que passarão de uma geração para outra terão um impacto na possível quantidade de dominação a que os indivíduos estarão sujeitos, sendo essa dominação sempre atribuída a agentes contemporâneos. Em suma, as ações do presente podem promover as condições para a dominação futura, mas isso não faz com que os agentes do presente dominem os do futuro.
Surgem duas linhas possíveis para resolver este dilema. A primeira é uma conceção alternativa de dominação, como a proposta por Katz, em que, ao provocarem as alterações climáticas, os agentes atuais estão a praticar atos de dominação sobre a posteridade. A segunda é a atualização dos fundamentos da definição de dominação no âmbito da teoria republicana.
Quando se pensa na não-dominação entre gerações, os temas ambientais e as alterações climáticas colocam desafios ainda maiores aos republicanos e à sua definição de dominação. Se a criação e/ou manutenção de regimes opressivos - pensemos na escravatura ou no patriarcado - cria situações de dominação interpessoal e (pelo menos) semi-intencional, tanto no presente como no futuro, a realidade das alterações climáticas é um pouco diferente.
Em primeiro lugar, as alterações climáticas podem não criar situações de dominação no presente, mas promover, no futuro, situações de dominação interpessoal, bem como situações que fomentarão condições de dominação sem serem interpessoais. É o caso, por exemplo, da subida do nível do mar, do aumento do número e da intensidade dos furacões ou das secas extremas. Em segundo lugar, a cláusula da intencionalidade, já difícil de provar em qualquer relação intergeracional, é ainda mais complicada no que respeita às alterações climáticas. A ciência diz-nos que emitir mais carbono do que o planeta pode absorver terá consequências no futuro, mas será que se pode argumentar que aqueles que emitem mais do que a sua quota-parte hoje estão a limitar intencionalmente a liberdade das gerações futuras?
Seja como for, os republicanos sabem e aceitam que as alterações climáticas vão, pelo menos, fomentar situações de dominação. Como tal, podem não entender o impacto direto da geração atual sobre as futuras como uma dominação, mas, ao aceitarem que isso cria condições para relações de dominação, estarão interessados em definir limites ecológicos no presente. Em termos mais concretos, as possíveis respostas republicanas para garantir a liberdade dos futuros incluem medidas políticas como assegurar que a Constituição refira a necessidade de proteger um planeta ecologicamente sustentável, um “Ministério do Futuro” ou a participação cívica na elaboração de políticas e na contestação política. Como Stuart White argumenta, a participação política através da deliberação e contestação “implica uma
23 Lovett, 2010, p, 182.
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vontade e capacidade de pensar em termos do bem comum ... [e é por isso que] o cidadão democrático deve tentar formar uma certa conceção do bem comum e usá-la para considerar se existem boas razões para os outros cidadãos aceitarem propostas políticas específicas”.24 Em relação aos temas ambientais, quando os indivíduos discordam e nos casos em que o compromisso é inadequado, podem ainda estar dispostos a resolver esses desacordos através de argumentos.
Um dos desafios para os republicanos é criar inovações institucionais que lhes permitam pôr em prática os seus princípios teóricos. E uma possível resposta a este desafio passa por instituições que já existem em vários países, nomeadamente as assembleias cidadãs. Estas assembleias consistem em reunir um grupo de pessoas selecionadas (quase) aleatoriamente para que possam comentar e analisar um conjunto específico de propostas, contribuindo assim para a formação de políticas e leis. Podem também existir numa base permanente, trabalhando em conjunto com a assembleia legislativa ou com diferentes assembleias a nível local.
Não surpreende que os resultados destas assembleias cidadãs tenham frequentemente incluído uma forte dimensão ambiental. Foi o que aconteceu, por exemplo, no Reino Unido, onde os cidadãos que participaram na assembleia foram convidados a discutir e a propor um plano de luta contra as crises ecológicas, nomeadamente para combater o aquecimento global e atingir o objetivo de neutralidade carbónica em 2050. Estas pessoas foram acompanhadas neste exercício por especialistas de diferentes áreas. O resultado desta deliberação foi anunciado em setembro de 2020, num relatório com mais de 500 páginas, que defende que o caminho para a descarbonização da economia deve ser acompanhado por políticas de educação e justiça social. Da mesma forma, uma assembleia de cidadãos organizada em França, em 2020, reuniu 150 pessoas escolhidas aleatoriamente com o objetivo de definir medidas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 40% (em relação a 1990) até ao ano 2030 e garantir a justiça social dessas medidas.
Mas que poder devem ter estas assembleias de cidadãos? Por um lado, se tiverem demasiado poder, nomeadamente a capacidade de produzir legislação, estas assembleias seriam equivalentes às atuais assembleias legislativas com representantes eleitos. Sem entrar numa discussão aprofundada sobre os méritos de ter legisladores escolhidos aleatoriamente, isso representaria uma mudança profunda no atual sistema de eleição de representantes, que poderia ser problemático em termos da sua implementação prática. Por outro lado, se o seu poder concreto for demasiado reduzido, tornando-se uma espécie de órgão consultivo, a eficácia destas assembleias será limitada. Pensemos nos vários órgãos consultivos já existentes que, apesar do seu trabalho meritório, têm pouca influência real.
24 White, 2008, p. 126.
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Um meio-termo é, portanto, o ideal. Uma assembleia cidadã, tal como aqui imaginada, deve ter a capacidade de propor uma iniciativa legislativa, de participar e de comentar as leis elaboradas no processo parlamentar. Deve também poder propor vetos a decisões parlamentares e propor moções de censura (possivelmente sob condições como a necessidade de dois terços da assembleia de cidadãos a favor do veto), ou mesmo, como proposto por John P. McCormick, iniciar procedimentos para a destituição de representantes eleitos.25
Outra possibilidade foi avançada por Stuart White, que defende um sistema de petição, assembleia e referendo.26 Segundo este esquema, os cidadãos poderiam iniciar a formação de uma assembleia de cidadãos através de petições e sem necessidade de aprovação parlamentar. Uma vez constituídas (com o apoio e a assistência do Estado), estas assembleias teriam a possibilidade de submeter as suas recomendações a referendo, mais uma vez independentemente da vontade do parlamento.
Também assente em razões políticas e ambientais, Verret-Hamelin e Vandamme apontam diversas falhas à democracia centrada apenas nos processos eleitorais, tais como a não representação apropriada da juventude, a falta de diversidade dos representantes eleitos ou o curto horizonte temporal dos legisladores. Assim, avançam, o ideal seria rejuvenescer o sistema democrático através de uma câmara legislativa com membros selecionados aleatoriamente e que possa ter um papel deliberativo e de escrutínio.27
CONCLUSÃO
A resposta às múltiplas crises ecológicas que atravessamos exige fortes e urgentes políticas públicas. Essas políticas devem ser efetivas, retirando-nos do atual estado de insustentabilidade no qual nos encontramos, preservando e promovendo a liberdade partilhada. Neste ensaio o nosso foco foi na teoria política republicana e como esta está equipada para informar políticas públicas de resposta às crises ecológicas, sociais e económicas do presente. Focámo-nos em particular na conceção republicana de liberdade, entendida enquanto não dominação, argumentando que esta é a visão de liberdade mais adequada para preparar um futuro sustentável e emancipador. Sendo uma forma de liberdade social – e que, como tal, ultrapassa a simples conceção de liberdade de escolha – defendemos que esta visão é a mais capaz de promover um universalismo republicano, assente na pertença partilhada ao planeta e onde se assumam a fragilidade e finitude da vida humana e do planeta.
25 McCormick, 2011.
26 White, 2020.
27 Verret-Hamelin e Vandamme, 2022.
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Por fim, discutimos como ferramentas políticas republicanas, nomeadamente assembleias cidadãs, podem contribuir para democratizar a tomada de decisões públicas de resposta às crises ecológicas. Vivemos num momento charneira em que o nosso futuro comum e o futuro das próximas gerações está em jogo. Felizmente, é possível conceber um futuro onde todos sejamos mais livres, sejamos capazes de assim o ousar.
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CATARINA LIMA SILVA Natural do Porto, Catarina Lima Silva é doutoranda no Programa Doutoral em Políticas Públicas do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro. Licenciada em Línguas e Relações Internacionais e Mestre em História, Relações Internacionais e Cooperação, especialização em estudos políticos, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tem focado a sua carreira sobretudo na investigação e na área académica, seja a nível das relações internacionais, ciência política, políticas públicas, ou tomando uma abordagem multidisciplinar. Com presença em diversas conferências e colóquios, a sua investigação é direccionada a variados assuntos, com enfâse maioritário em temas como euro-regiões, cooperação transfronteiriça, governação multi-nível, política regional europeia, regionalização, desenvolvimento sustentável, transformação pósvestefaliana, entre outros.
MULTI-LEVEL GOVERNANCE AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT: POST-WESTPHALIAN TRANSFORMATION AND DEMOCRATISATION
Catarina Lima Silva
This essay looks at Sustainable Development (SD). Specifically, how a model of Multi-Level Governance (MLG), that better assesses Sustainable Development (SD), is establishing itself as an alternative to the current Westphalian system of International Relations. We will analyse the European Union (EU) as an example of MLG, taking a closer look at the intermediate level structures known as Euro-Regions. This transformation is, in turn, promoting a democratisation of policy-making and allowing for the blossoming of grassroots movements that enhance the Democracy, but also the MLG and get society closer to its’ SD goals.
SD is a pivotal issue in today’s political panorama. Essentially defined by the United Nation’s Brundtland Report, in 1987, this concept consists of assuring a better and healthier future, having a holistic view of nature and humanity (Blewitt, 2015). The concept has evolved through the years and, nowadays, the Sustainable Development Goals (SDGs) are the most recent expression, making up the Agenda 2030 developed in 2015 in the UN’s General Assembly, affirming this commitment to tackling human development and climate change challenges together. The SDGs are a group of goals and targets that followed from the Millennium Development Goals (MDGs), and that are broader and more comprehensive than the latter (Giller et al., 2019).
The concept of SD is difficult to grasp (Barbier, 1987). This concept emerged with the growing importance of environmental and ecological issues, such as climate change and seeks to integrate these concerns with the need to promote human development, thus linking environmental, social and economic goals. The distinction between sustainability and SD is also an important point, as it is important to distinguish the long-term goal (sustainability) from the “many processes and pathways to achieve it”, which is the SD itself (UNESCO, n.d.). SD has thus been seen as a “necessary but elusive process operating on
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various scales, including the global and local level”, as put by Blewitt (2015, p. 38). First appearing in the 1980’s, SD pinpointed the increasingly negative relation between humanity and biosphere in case of continuing with the current development model. Nevertheless, as authors like Gómez-Baggethun point out that, this 1980’s developments represented an inflection from previous incarnations of the concept, as “Sustainable Development effectively reshaped sustainability principles to fit economic imperatives of growth and shift the emphasis from social justice to ‘poverty alleviation’ [while also fitting] dominant economic ideas favouring ‘trickle down’ over redistribution of wealth.” (2019, p. 72). This shows that the concept of SD has been co-opted by the status quo, to serve its purposes, being fit into a sovereignty based Westphalian model and the concerns with sovereign economic development associated with it.
The World Commission on Environment and Development started, in 1983 to develop the work that would establish SD as the central concept, when it comes to environmental issues (Blewitt, 2015). Their results were published in 1987, in the Brundtland Report. The definitive concept of SD, that we are following, says that “Sustainable Development is development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs”, representing a balance between needs and limitations and, “in its broadest sense, the strategy for SD aims to promote harmony among human beings and between humanity and nature” (United Nations, 1987, pp. 16-57). We’ll use this definition, because it is, still today, the most widely used definition of SD, being seen as the UN’s “overarching paradigm” (UNESCO, n.d.). SD has since worked as a political and ethical guideline for dealing with the planet’s ecological and social crisis, as defined by the Brundtland Report (Grober, 2007). Since the publication of the Brundtland Report, several changes have occurred in international society, namely the growing importance of subnational and supranational actors in the pursuit of the SD agenda itself, that have shaped the notion of SD along different lines than those that presided the Westphalian framing of the concept. The 2015 Climate Change Conference would bring this new definition of Sustainable Goals and the new climate Protocol that would replace the 1997 Kyoto Protocol. The Paris Agreement (2015) is a treaty that determines that each country should have a plan to mitigate climate change and reduce its’ environmental impact. This treaty is, so far, more successful than Kyoto, as it has a more universal application, and is getting a more widespread acceptation (it was signed by 191 countries, including the USA). Besides the individual countries’ ratification, the EU also ratified this agreement, making it even more ambitious.
Being a concept focused on the future, SD demands ecological sustainability in the long-term, as well as social commitment and involvement from all areas of society (Barbier, 1987; see also: Endress & Roumasset, 1994). Besides cementing its position in international policy-making, it has also established itself at the national and local levels, zooming on its potential at the regional
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level and on the role that Euregions could have on its implementation. To achieve SD, commitment and effectiveness are needed (United Nations, 1987). To reach socio-ecological justice, focus must be on safeguarding the future and recognising the environment’s value, and re-examining policies (Heal, 1998; see also: Imran et al., 2011).
The most efficient environmental policy is thus one that creates the conditions for economic agents to “internalize” the costs of the degradation they cause (Lambacher, 2007; see also: Romeiro, 2011). All forms of SD include a broad set of concerns, but the fulcrum is that we should preserve the ecological conditions and understand that social conditions influence ecological sustainability, being seen as intrinsic elements of SD, without which it cannot have significant consequences (Baker et al., 1997; see also: Barbier, 1987). As a complex concept that has multiple layers, the SD supported by the UN can also be divided into dimensions, namely society, environment, culture and economy (UNESCO, n.d.). These dimensions should be regarded in a connected way and not separately, as SD demands a holistic view of reality, meaning to reach sustainability, which is a paradigm of environmental, societal and economic balance (UNESCO, n.d.). The integration of these different dimensions is the route to achieving the synergies and dynamics intended by SD, as its connection allows for positive synergies to be fostered and negative synergies to be eschewed, generating in turn smart growth and innovation (Mensah, 2019).
As other authors point out, SD has been evolving with the times, adapting to contemporary worries of a complex global environment (Klarin, 2018; see also: López, 2015). This flexibility is pointed as ideal, keeping the concept universal and abstract enough to fit different situations (Lafferty, 2004) and having an inherent ‘constructive ambiguity’ (Dale, 2001). The fact that SD has broad appeal and little specificity is the root of the acceptance of SD as a policy goal, in particular, and it has allowed the concept to provide a means whereby policy-makers can reject the notions that environmental conservation constrains development and that development necessarily means environmental pollution (Parris & Kates, 2003; see also: Baker et al., 1997). Thanks to this, governments and leaders embrace this approach as a crucial way of making compatible development needs and environmental concerns, (Rietig, 2013).
In the framework of SD, it became urgent to define goals of development, to structure the policies, that are efficient, inclusive and balanced (Romeiro, 2011).
The SDGs were adopted, at the Rio+20 conference, in 2012. These SDGs were built on the previous MDGs (adopted in 2000) while including expandinng its policy focus area (Lamichane et al., 2021). Comparing with the former goals, the SDGs are more comprehensive and are now directed to all countries (not solely the developing countries), which can facilitate the integration of the objectives and help SD have a more global adoption (Schleicher et al., 2018). At is inception it was defined that “this Agenda is a plan of action for people, planet
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and prosperity. It also seeks to strengthen universal peace in larger freedom.” (United Nations, 2015, preamble). So, the SDGs acknowledge that different issues such as poverty, hunger, health, education, gender equality, environmental degradation, among others, are intertwined and can therefore only be addressed together, being the central objective of the whole agenda implementing them as an indivisible whole (Weiland et al., 2021). For authors like Wysokinska, successful realisation of the MDGs and the later SDGs depends above all on appropriate planning and successful financing efforts (2017). Indeed, challenges posed to societies by climate change are new in many levels and so the traditional forms of governance turn out to be sometimes inaccurate to address these issues. As environmental questions are inherently transnational, or as put by Rogers “many environmental impacts have broad cross-boundary and global effects that require international frameworks and agreements to deal with them” (Rogers et al., 2008, p. 177), because of that we have seen a rise in cross-border cooperation (CBC) and multi-levelled/ multi-layered policy-making. Indeed, the UN has touted the importance to coordinate local efforts with broader initiatives, as patent in the Agenda 21 and its local counterpart, Local Agenda 21, brought forth in 1992, at the Rio Earth Summit, highlighting the need to harmonise action plans between national and supra-national structures and their local partners. The traditional system of international relations has been dominated by a Westphalian paradigm, centred around sovereignty and nation-states, yet many problems related to SD challenge the status quo with their transnational and cross-border character. These transnational aspects accentuate how the traditional Westphalian paradigm is going through a transformation, and they may disclose a paradigm change into a post Westphalian system, representing a drastic transformation of the political community (Linklater, 1998, p. 106). Glimpses of a postWestphalian paradigm are, not only the growing transnational character of the challenges faced by states, namely in what concerns those associated with SD, but also the growing need to deal with these challenges via the establishment of models of governance that defy traditional logics, implying extensive sharing of responsibility throughout different levels of power, across borders and through overlapping of roles, or what has been described by authors like Gary Marks and Liesbet Hooghe (2003), or Simona Piattoni (2010) as the emergence of forms of ‘Multi-Level Governance’.
These conflicting dynamics of, on the one hand, more intervention to promote CBC and, on the other hand, regional/local movements that are filling in for the institutions that are now moving away from their initial goal, illustrates the transformation that society is going through. This prompts us to consider that the problems intrinsic to SD may bring inherent challenges that cannot be solved within traditional models of governance, due to their transnational nature. Seeing this, MLG may get a bigger role in the promotion and implementation of SD, having been already adopted in several SD
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endeavours, which positions MLG as a possible future default model to address SD and its challenges. We can see how the Westphalian model is showing fragilities in dealing with SD issues. It is thus important to see SD as a “problem that operates simultaneously at several levels” (Gupta & Vegelin, 2016, p. 132), which cannot be solved through an exclusively sovereigntist perspective, such as the one that has constituted the status quo so far. This realisation appears to be leading to a transformation of the paradigm, with the adoption of new forms of governance, such as MLG that “engage the local governments voluntarily into the process of climate policymaking” (Gupta & Vegelin, 2016, p. 133) and help to build networks of dynamics between a variety of different actors.
MLG has been developed as a theoretical framework that seeks to understand the emergent forms of governance characterised by the action of various actors in different levels of power, working interdependently and simultaneously on various topics. Author Gary Marks showed us that MLG departed from the basic assumption that MLG is, simultaneously, having overlapping competencies and multiple interactions between the different actors across different levels, in order to explained a complex, layered and interconnect group of dynamics, where there are many simultaneous dynamics in several networks, involving not only subnational actors, but also supranational actors (Marks et al., 1996). While looking into MLG, putting the fulcrum on actors is also important, because it is “emphasized how the different levels were traversed and linked by actors moving rather freely across formally still existent levels of government and spheres of authority. [Illustrating why these] new processes were, therefore, not just multi-level, but also multi-actor—meaning that different types of actors linked different governmental levels and populated the policy networks thus formed” (Piattoni, 2010, p. 20). MLG also concerns shared decision-making competencies by actors at different levels in interconnected and overlapping political arenas (DeBardeleben & Hurrelmann, 2007). Thus, MLG describes a set of general purpose or functional jurisdictions that enjoy some degree of autonomy within a common governance arrangement and whose actors claim to engage in an enduring interaction (otherwise it would simply constitute networks and dynamics) in pursuit of a common good (Enderlein et al., 2010). Soon, “Multi-Level Governance (…) became a catch-all phrase that indicated phenomena taking place at three different analytical levels: that of political mobilisation (politics), that of policy-making arrangements (policy), and that of state structures (polity).” (Piattoni, 2010, p. 18).
Seeing that MLG reunites various actors from different levels, it has more flexibility than traditional governance models, operating between centre and periphery, state and society, and between domestic and international, simultaneously (Piattoni, 2009). This multi-levelled model sets itself apart from models like regionalism, federalism or decentralisation (Panara, 2015). While those systems focus on regions, autonomy and distribution of powers, MLG focuses on the interconnexion of multiple decision arenas (Enderlein
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et al., 2010). So, it contains both vertical and horizontal dimensions at once, rather than just establishing hierarchies or networks of governance and in some cases, simple centralisation or decentralisation policies provide no alternative to it (Bache & Flinders, 2004; Benz, 1999). When analysing a MLG model, we can see that it is not just a simple two-sided process, rather a complex one, spanning over different layers and scales both beneath and above the state, with inconsistent policy-making patterns (Marks, 1993), differing greatly from traditional modes of governance, while also revealing nuances within itself. Indeed, there is a “growing awareness of deepening interdependence” and “governments are in the process of transition, in terms of how authority is shared between different authorities, [so that] there is no clear division of responsibilities with respect to climate change” (Gupta & Vegelin, 2016, p. 136). At the same time, more actors have now an important role, reinforcing the centrality of actors beyond the traditional states, with “other actors, such as transnational companies, scientific laboratories, NGOs and social movements (...) [becoming] important members in the choir of voices needed to bring about trans boundary governance and democracy” (Lidskog & Elander, 2010, p. 39).
The fact is that it is also important to the states that they adopt these new modes of governance, since it can help them be more efficient and perceived as more legitimate, because “under current international power relations and decision-making patterns many states often find themselves in the position of a policy-taker, a fact that can erode their legitimacy as policymakers in the national context” (Zürn 2006, p. 244).
We need to see the SDGs as important parts of SD policy, as they were designed to supersede the MDGs and promote the process of social and economic change (Blewitt, 2015). It is important to understand that most policies that follow the SDGs, for implementing SD and shifting the current economic and social ways into more sustainable ones, need to take place beyond the national level, above and below it (international and local/regional levels) (Baker et al. 1997). This cross-border and transnational element is important because, as mentioned, SD has a holistic character that comprise all levels of action. In this context, SD has promoted a multiplication of “domestic and the cross-border causation chains (…) to the extent that the complex bio-physical-chemical mechanics of the biosphere as a whole are put under strain”, which means ecological and environmental problems are not territorially limited and span over multiple borders and countries, demanding a trans-territorial approach (Winter, 2006, p. 1). Rather, regarding SDGs, local actors are important for a system of MLG to achieve these targets (Hickmann, 2021). As pointed out by Marquardt (2017), MLG is useful for SD management, because climate change governance involves several different actors, state and non-state, at different jurisdictional levels. Also, as a matter that concerns all the community, in terms of governance, “sustainability requires the leadership and responsibility of the private sector alongside the public sector and civil society”, to capture the
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important synergies and accommodate the community’s specific needs (Sachs, 2012, p. 2210).
We have seen an increasing connection between MLG and SD. As the challenges of SD are inherently transnational in nature and pose issues to which the traditional Westphalian international society is not ready, MLG has been appearing more and more as a model used to address these questions. As seen in examples mentioned above, MLG has been used in different parts of the world and with various purposes, yet, SD has consistently lined up with it. MLG and SD have appeared together in very dissimilar territories, but always in a perspective of addressing transnational environmental issues that demand cooperation and a holistic view of the situation.
One example of how MLG has come to play a greater role in tackling environmental issues and pursue SD can be found in the EU. Indeed, the EU system has been described as one of Multi-Level Governance, by authors such as Ian Bache (2010), Marks and Hooghe (2001), or Benz (1999). The EU’s governance structure, with several intersecting and interconnecting levels of power, can be described as a Multi-Level Governance model, with the interaction between nested territorial administrations, where different levels of power (local, regional, national, supra-national) all intersect and overlap (Faludi, 2012). Besides, the EU has come to commit publicly to SD, as we can see by the EU Sustainable Development Strategy (first developed in 2001, and consequently reviewed in the following years) and its’ inclusion in the Europe 2020 Strategy (Boissière, 2009; European Commission, 2010). Here, SD is clearly defined as a priority in the EU’s goals. The EU evidences the role of CBC in the pursuit of its goals, as it actively seeks to promote the SDGs, having included them in an increasing number of its policy areas, and consequently making SD a key aspect of its’ governance structure (Blatter, 2000; see also: Rietig, 2013).
Despite some authors reckoning that the EU is not such an evident example of MLG, as a clear system wide multi-levelled model remains weak (even if efforts were made through the cohesion policy), signs of a multi-level model are visible (Bache, 2010). We can describe the EU as an example of MLG especially since the Maastricht Treaty, which established a framework for coordinating policy-making within and across multiple actors and territorial spaces (Stephenson, 2013). Throughout the years, the EU has been increasingly enhancing what we see as a model of MLG by integrating more networks and synergies between member-states and their regions (Bache, 2010). As put by Piattoni, Marks established the European Union as an example of MLG, by showing us the “roles that non-national state authorities and non-governmental organisations played in the daily politics of the European Union and therefore to their capacity to be present in the European and international arenas without the gatekeepers’ permission”, that fitted the model of MLG (2010, p. 18). Also, “the construction of the EU as a Multi-Level Governance system may create an area of discursive consensus which may keep the process of European
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integration going while leaving its exact shape and competences unspecified” (Piattoni, 2010, p. 257).
Fitting into the European ideal, this type of governance manages, at the same time, to champion the role of cities and the inter-regional networks (Castro & Pontes, 2011). MLG has various tiers of geographical and organisational functions, where several actors act and cooperate and these are autonomous and interdependent at the same time, working together for common goals (Duit & Galaz, 2008). In this type of multi-level scheme of governance, the state’s delegate and divide powers upwards, downwards and horizontally, with a scenario of “overlapping authorities and competing competencies” between the different levels and authorities (Petrariu, 2019; Aalberts, 2004, p. 23). MLG can be more effective if we address the balance between the local and central actors, allowing for a healthy cooperation, where regional and central authorities share responsibilities (Homsy et al., 2018; Jeffery & Peterson, 2020). It can also work as dispersion of authority, so that mutually exclusive jurisdictions can work together all the same and to surpass the limits from having several asymmetries between all members (Hooghe & Marks, 2001).
Indeed, “Sustainable Development is deeply rooted in the European project and firmly enshrined in the EU Treaties” (Eurostat, 2019, p. 4), and as SD can transcend national jurisdictions and change the political paradigm (Newman, 2006), to address the challenges of climate change, attention needs to be focused not only at the international level but also on how climate protection policy that is taking shape locally (Bulkeley & Kern, 2006). In a multi-level system like the EU, we can pinpoint the Euro-Regions as ideal structures to implement these policies. Indeed, MLG has come to take a central place in EU governance on SD, since SD brings challenges that “require integrated action at multiple levels of government and within the spheres of politics, economics, and society. National, regional, and local governments have both distinct and complementary roles in developing climate mitigation and adaptation strategies” (Schreurs, 2017, p. 101).
A fundamental actor in the European Union’s MLG are the Euro-Regions (also called Euregios, Euregions or Euroregions), i.e., groups of local and/ or regional authorities, from two or more EU member states, that promote cooperation across one or more borders (Wolf et al., 2006). As points of intersections between national, regional and EU-level actors and policies, these institutions play a very important role in nurturing CBC in the European Union, and in the overall model of MLG that characterises the European Union, by promoting a sharing of power between different level actors within and beyond national state borders (Schakel, 2020). This is reflected in the EU formalised legal framework for Euro-Regions entitled European Groupings of Territorial Cooperation (EGTC). For the EU, these groupings “shall (…) facilitate and promote cross-border, transnational and/or interregional cooperation, (...), between its members (...), with the exclusive aim of strengthening economic
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and social cohesion” (European Union, 2006, art.1). The figure of the EGTC was designed to foster CBC at interregional and transnational levels (Evrard, 2016), and so, it has also become one of the main frameworks to develop crossborder strategies for SD and address transnational environmental and related socio-economic issues. In this context, Euro-Regions thus appear as a keyactor in tackling not only environmental, but also related social and economic development problems, that are central to the EU’s development agenda and pursuit of the SDGs.
Euro-Regions and INTERREG are seen by many authors as a success case of MLG, having helped to connect people who inhabit border territories, while showing potential to connect different levels and bring a more flexible approach to cross-border question (Bufon, 2013; Cots et al., 2009). In fact, other authors point out that INTERREG contributes to the fulfilment of MLG principles and is an important trigger for cooperation (Scandola, 2017). The Euro-Regions are important parts of the European Union model, based on networks, horizontal/ vertical relations, as multiple autonomous actors help decentralising local policies, and this joint work and a multi-levelled approach can be beneficial to Euro Regional programs (Nadalutti, 2015; Perkmann, 2007; Scandola, 2017). The Euro-Regions are also important to the implementation of SD, being an example of CBC, in this context.
Some authors tell us that CBC and MLG feed into each other, being the partnership of various actors at regional and local levels (Araújo & Álvarez, 2014; Gobert-Keckeis, 2017) and having the potential to create a platform that is beneficial for fostering and enhancing SD and goal integration (Blatter, 2000).
In the EU, CBC began gaining ground, contributing to building MLG, while producing new transnational actors and new opportunities for regional/local actors (Perkmann, 1999). Euro-Regions are stable cooperation arrangements, involving local and regional entities, in a border area between two or more EU state-members, and directed at enhancing CBC, coming along as structures for cooperation between administrative, territorial and municipal institutions of neighbour countries (Perkmann, 2002; Fedorov, & Korneevets, 2009). Euro-Regions are based on transboundary identities and transboundary networking, to bring marginalised and peripheral border territories into the core of the European project (Kramsch & Hooper, 2004). These structures unite local and regional authorities across one or several borders (Wolf et al., 2006). The main objective of Euro-Regions is the creation of integrated cooperation spaces in territories on all sides of borders (transforming bilateral relations into networks and borders in common areas), and thus complying to the holistic nature of SD and presenting themselves as an ideal level of implementation of these policies (Tabarly, 2007; Kurowska-Pysz & Szczepańska-Woszczyna, 2017). Euro Regions have been created mainly with support of INTERREG, to enhance development, CBC and deepen the EU’s system of MLG (Medeiros, 2013).
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The EGTC framework provides the chance for regional and local authorities to act in parallel to national governments, that get to keep their roles in the regional governance scheme, while they can act under a new supranational legal and institutional framework for cooperation, with more flexibility and opportunities for innovation (Csizmadia, 2020). Yet, the structure of the CBC still has fragilities, as it does not erase developmental differences and sometimes even accentuates asymmetries between the given territories (Durand et al., 2017). Some obstacles faced by the Euro-Regions are administrative and organisational differences, as their structures are heavily bureaucratic and their discourses removed from citizens’ lives (García-Alvarez & Trillo-Santamaria, 2013). In fact, between most Euro-Regions there are several differences, and some problems arise from this heterogeneity, which prompted the EU to eventually establish a legal framework, the EGTC, to simplify these connections (Lepik, 2009). This is not without its disadvantages, as initially Euro-Regions appeared as community-based, bottom-up fluxes, they were new strategies for border territories that suffered from their peripherical location, but now the EU is focused on a more structured model, the top-down EGTC framework, that may disturb some cooperation dynamics previously established (Sanguin, 2013).
In the EU, small-scale cross-border regions have flourished, in particular, because of their increasingly relevant role as implementation units for European regional policy, as emergent cross-border actors can benefit cooperation, effectiveness and sustainability (Perkmann, 2003; Makkonen et al., 2019). In terms of legal framework, the EGTC, which is a policy tool for CBC, was adopted in 2006 and amended in 2013 (Engl, 2016; Csizmadia, 2020; Ulrich, 2019).
Euro-Regions enhance local/regional development, having potential to become examples in SD (Bartiniczak, 2019). This strategic environmental CBC has clear goals, such as diversity of participating actors, experience in CBC, coherence of objectives, and benefits to both sides, posing Euro-Regions as a good vehicle for its application, since they already share these conditions and have proven to be collaborative and problem-oriented approaches, which could benefit the success of SD (Kurowska-Pysz et al., 2018; Meadowcroft, 1999).
“The success of the 2030 Agenda will depend on implementation at the country level, as well as international collaboration. (…) International collaborations and partnerships are essential components of this effort” (United Nations, 2019, p. 140), but as well as the SDGs are global, they have an important local dimension (Jones & Comfort, 2019). Cities and their governments are increasingly recognized as important actors in global sustainability governance, and due to their proximity to citizens, local authorities have an advantageous position in the MLG system allowing them to act as transmission belts between the 2030 Agenda and the plethora of local stakeholders operating in the field of SD (Hickmann, 2021).
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We highlight the link between Euro-Regions, MLG and SD, and the successes, obstacles and barriers we can find in that process. Euro-Regions were not designed thinking only in SD, but on the confluence of levels, and the interconnection and overlapping of different actors, being an intermedium platform for the implementation of these measures/policies. Euro-Regions are an intermedium platform that serves as a multi-level perspective point for identifying the positive and the negative points of the connection between EuroRegions and SD, while also giving broader lessons on the role of MLG in the promotion of SD.
We can see that the system is evolving in the sense of overcoming its’ shortcomings in tackling SD, with the progressive rise in prominence of MLG and other alternatives to the traditional Westphalian international system. This transformation also shows how democratic ways of governance are evolving, since MLG and new forms of governance are bringing to light voice from grassroots movements and leading to rise in local movements that highlights the increasing importance of diversity and inclusion, indicating that the policymaking process is becoming more open and democratised, comprising not only different levels of power but also multiple actors involved in the different stages of policy-making.
In a way, SD is a cause and a consequence of MLG, since we already saw some forms of MLG before SD came to the forefront of international politics and established itself as the central motivation in policy making (Marks, 1993), SD as played a large role in the ascendance of MLG as a form of governance, but as also been boosted into mainstream by these exact forms of governance. As a matter of fact, the problems arising from climate change have pointed the inadequacy of the traditional systems in dealing with inherently cross-border and transnational issues, empowering MLG structures due to their capacity to, on the one hand, deal with overlapping, intersecting realities and multiple actors at the same time, and to, on the other hand, to include various perspectives and inputs into the policy-making. This, in turn, lead to a natural adoption of SD, since it was seen as the perspective that better addressed the current problems and issues, stemming from climate change and environmental problems, while also keeping economic growth as a central issue. Simultaneously, with the emergence of SD as an official concept in the 1980’s, with the Brundtland Report and other groundbreaking documents (United Nations, 1987), policymakers started to notice the clear discrepancy between the new challenges posed by environmental problems and the implementation of SD, in order to bring about a solution coalescing tackling climate change and promoting economic development, and the usual modus operandi of states and power players, leading to the adoption of MLG models, as a way to better adapt to SD.
For instance, we have been emphasising the case of the EU, which is paradigmatic in terms both of SD and MLG. In fact, the EU has always showed MLG tendencies, being a transnational and multi-levelled institution,
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but particularly since the Maastricht Treaty, in the 1990’s, that established the intertwined network of different levels of power and diverse actors, all reunited in the policy-making process (Stephenson, 2013), moreover the EU has also been an early adopter of SD, including it in its goals, and trying to go beyond the UN’s expectations SDGs (even if the results are sometimes questionable and the commitment to SD and the SDGs seems to be somewhat symbolic at times) (Baker, 2007). The EU is, therefore, an example of this interconnection between MLG and SD, since it has a model where synergies between different actors and multiple levels of power are encouraged, all at once, also promoting CBC, magnifying the MLG dimension, while having all-encompassing goals of SD and environmental concerns, in general.
A good case in point is the Euro-Regions, which are intermediate level transnational organisation, that act in cross-border areas and include public and private actors from different levels of power. They are, thus, intrinsically MLG and have been fine-tuned to adapt to SD, after all its’ original goal was not to exclusively cater to the environmental concerns but mainly to promote CBC and European Integration. Today, we can see that the EU and, specifically, the Euro-Regions are an integral part of the EU’s MLG dimension and play an important role at maintaining the commitment to SD, expanding the local and regional dimension of these environmental goals, which are crucial for better assessing and achieving the SDGs and SD as a whole (Blewitt, 2015). This local/ regional dimension and the multi-actor, multi-level and multi-scale facets of Euro-Regions show us a democratising tendency, since including more voices and more perspectives is the best way to allow for easier and better participation and representation, while also allowing to approach the growing concerns with accountability (which is an elusive concept in the top-down model of the traditional Westphalian system, but can become easier to attain in bottom-up models that include more players, or in multi-layered models that allow for interaction and dialogue between levels and actors).
In conclusion, we can see that the recent concerns with environmental questions and the goals for SD have allowed for MLG models to thrive, as we can see in the paradigmatic case of the EU, particularly the Euro-Regions, showing that we are witnessing a transformation into a new post-Westphalian system, which seems to, not only approach more accurately transnational issues, but also to promote better participation, representation and, in general, democratising the process of policy-making, contributing to a healthier Democracy as a whole.
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HELENA HALPERN
É estudante do segundo ano da licenciatura de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade NOVA de Lisboa, tendo, em 2024, estudado na Sciences Po - Instituto de Estudos Políticos de Paris, ao abrigo do programa Erasmus. Entre outras atividades, representou a Sciences Po, no Sorbonne International Model United Nations (SIMUN), e a NOVA, no Moot Court Nacional, obtendo, neste último, o segundo lugar. Nasceu em outubro de 2004, em Lisboa, onde fez toda a sua escolaridade. Foi no Liceu Camões que ganhou o gosto pela política, em parte graças ao professor José Saraiva, tendo a oportunidade de participar em várias iniciativas da escola que permitiram estimular o seu interesse. Federada de Badminton, dá explicações a alunos do ensino básico e secundário, faz voluntariado e, nos tempos livres, gosta de viajar. Acredita num mundo melhor. Mas nem sempre.
QUAL É A RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA CAPITALISTA E A CRISE AMBIENTAL?
Helena Halpern
“O capitalismo não é verde. Uma visão alternativa sobre as alterações climáticas”, este é o título de um seminário organizado em 2019 pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu e pelo Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/ Esquerda Verde Nórdica do Parlamento Europeu. Três anos mais tarde, o deputado João Dias do PCP declara “o capitalismo não é nem nunca será verde”. Estas afirmações expõem uma problemática: qual é a relação entre o capitalismo e os problemas ambientais? É esta a questão a qual se procurará responder ao longo deste ensaio. Será feita uma abordagem a este tópico que procura enfatizar especialmente a natureza pluridisciplinar das questões relacionadas com a crise climática, e como é necessário a união do trabalho da área das Ciências Naturais e das Ciências Sociais para dar uma resposta eficiente a este desafio. É também defendido que a análise do impacto do capitalismo no meio ambiente deve ter em conta a distribuição geográfica deste impacto, e as desigualdades sociais que pode ou não estar a criar.
Deste modo, o ensaio irá, numa parte inicial, procurar clarificar o impacto do capitalismo no ambiente, neste contexto irá ser falado do Antropoceno, um conceito basilar para a compreensão da pluridisciplinaridade da área. De seguida, e caso se confirme que existe uma relação direta entre o capitalismo e a crise climática, vai-se procurar averiguar o grau de veracidade da afirmação de João Dias, ou seja, analisar a possibilidade de o capitalismo vir a ser ambientalmente sustentável, nesta fase, vai ser falado das soluções tradicionais que os governos têm encontrado para responder às alterações climáticas, mas também vai ser defendida a tese de que o capitalismo só virá a ser sustentável se for menos desigual.
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Figura 1
Temperaturas no hemisfério norte entre 1000-2000
Michael E. Mann, Zhihua Zhang, Malcolm K. Hughes, Raymond S. Bradley, Sonya K. Miller, Scott Rutherford, and Fenbiao Ni. 2008. ‘Proxy-based reconstructions of hemispheric and global surface temperature variations over the past two millennia’ Proceedings of the National Academy of Sciences 105 (36): pp. 13252–13257; Morice, C. P., J. J. Kennedy, N. A. Rayner, and P. D. Jones (2012). ‘Quantifying uncertainties in global and regional temperature change using an ensemble of observational estimates: The HadCRUT4 dataset’ Journal of Geophysical Research Updated 15 September 2016.
No intuito de iniciar a reflexão sobre a relação entre o capitalismo e a crise climática, a figura 1 é-nos de grande utilidade. Esta figura apresenta as variações climáticas ao longo de um milénio. Através da análise do gráfico é possível verificar que , embora tenham havido oscilações nas temperaturas ao longo dos séculos, no século XIX começa uma subida muito mais acentuada das temperaturas que tem vindo a escalar até à atualidade. A subida acentuada de temperaturas parece estar relacionada com a revolução industrial no século XVIII, que levou à consolidação do capitalismo como sistema económico vigente. O consumo de combustíveis fósseis e as emissões de CO2 aumentaram acentuadamente depois deste evento, o que teve repercussões no meio ambiente. Há várias teorias que procuram clarificar a relação entre o aumento acentuado da produção e a degradação do meio ambiente, entre elas, de destacar talvez seja The Theory of the Treadmill Production. Esta teoria foi criada por Schnaiberg em 1980, e apoia-se em duas observações:
First, a major change appeared in the impact of production processes upon ecosystems in the last half of the 20th century. Second, social and political responses to these production processes were quite variable and volatile. While some people rebelled against this modern production system, others embraced these new technologies as their best hope for solving environmental problems. (Schnaiberg, A., Pellow, D. N., & Weinberg, A. 2002)
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De uma forma simplificada, pode-se dizer que esta teoria afirma que a procura incansável pelo crescimento económico leva a que as pessoas não só não consigam aumentar o seu nível de bem estar, como também, vão influenciar negativamente o ambiente. Esta afirmação sublinha a ligação direta que há entre a produção e o ecossistema.
O conceito de antropoceno também é valioso para estudar esta relação. O antropoceno é uma ideia que já data, pelo menos de 1864, quando George Perkins Marsh escreveu a obra Man and Nature Or, Physical Geography as Modified by Human Action. Este livro, que é um dos primeiros a debater-se sobre a relação do Homem com a natureza, já no século XIX, retrata um Homem como um ser que mudou o meio à sua volta e que provoca danos no ambiente natural. No entanto, esta ideia chega a uma magnitude e grau de divulgação muito maior, quando Paul Crutzen, vencedor do prémio nobel da química, juntamente com o botânico Eugene Stoermer, publica dois artigos, em 2000 e 2002, onde indica que detectaram um conjunto de mudanças à escala global nos últimos anos, tais como, a exaustão dos combustíveis fósseis, alterações da composição química da atmosfera, degradação ambiental dos solos e perda de biodiversidade. Dado isto, afirma que, verificando-se estas mudanças, é “mais do que apropriado enfatizar o papel central da Humanidade na geologia e ecologia, propondo o uso do termo “antropoceno” para a atual época geológica.” ( Crutzen, P.; Stoermer, E. 2000). Ou seja, o que está a ser afirmado é que o impacto do homem na terra foi tão intenso que modificou o suficiente o meio ambiente para ter uma época própria, que ,por causa da ação humana, se distingue de todas as outras. Estes dois atores afirmam que o limite inferior do antropoceno é entre 1800-1850 quando se dá a invenção da máquina a vapor. Portanto, aqui vê-se uma ligação evidente entre o início da produção em massa e a acentuação do impacto negativo que o Homem provoca no meio ambiente. Jason W. Moore em 2016 publica o livro “Anthropocene Or Capitalocene?” onde tece uma relação mais direta entre o capitalismo e as alterações climáticas afirmando que uma empresa bem sucedida é a que tem mais lucro e que essa busca infinita pelo aumento do lucro contrasta com a finitude dos recursos naturais. Para o autor, as mudanças na estrutura do planeta estão estritamente relacionadas com o sistema capitalista, pelo que a era geológica em que vivemos se deve denominar de “Capitoloceno”.
Nem o antropoceno, nem o capitoloceno foram oficialmente reconhecidos como uma divisão geológica do tempo. Isto porque não houve uma certeza relativamente a quais seriam os limites temporais desta era, não se sabe que registos geológicos é que a nossa ação vai deixar e, por isso, a decisão de abrir uma nova era geológica foi adiada. No entanto, este conceito tem uma grande magnitude e poder na conscientização da população relativamente ao impacto humano no meio ambiente. O conceito de antropoceno também teve um papel fundamental no entendimento que as questões climáticas devem ser estudadas pelas mais diversas áreas, quer das ciências naturais, como das ciências sociais.
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Uma vez que foi trabalhado por jornalistas, por exemplo, Andrew Revkin que no seu livro Global Warming: Understanding the Forecast falou de “Antroceno”, termo que viria a ser substituído pelo “antropoceno” e que foi criado antes de P. Crutzen e E. Stoermer escreverem sobre este tema. Uma das evidências mais claras desta capacidade do antropoceno de reunir diversas áreas foi o Anthropocene Working Group que segundo Zalasiewicz et al. “considers human phenomena and time scales as well as geological processes, it includes representatives beyond, but for the purposes of the AWG work complementary to, the geological sciences — archaeology, ESS, ecology, geography, oceanography, history, philosophy, and international law.” (Zalasiewicz J. et al. 2021)
Assim, podemos concluir que, embora esta temática não seja consensual, havendo variações de autor para autor, especialmente no que toca ao nível em que a ação do Homem impactou a terra, assim como o contributo do capitalismo para esta ação, a realidade é que, as opiniões variam em grau mas não em espécie, ou seja, o impacto da ação humana nas alterações climáticas já não é contestado entre a comunidade científica, é dado como um facto, que aliás se tem vindo a sentir nos dias de hoje. Sendo também, bastante consensual relacionar a revolução industrial e a consolidação do capitalismo ao advento dos danos climáticos. O progresso tecnológico associado ao capitalismo contribuiu para o aumento da utilização dos recursos naturais, permitindo a diminuição da utilização de recursos humanos e o aumento da produção. Isto causou várias externalidades negativas, entre as quais, a mais impactante, a poluição.
No entanto, o mesmo não se pode dizer relativamente à tese “o capitalismo não é nem nunca será verde”. Primeiro, não se pode ignorar o potencial que a tecnologia tem para resolver esta situação, ou seja, a possibilidade de a constante evolução tecnológica em que nos encontramos desde a revolução industrial contribuir para a atenuação dos efeitos da atividade humana no meio ambiente. Em segundo lugar, é necessário reconhecer o impacto das ações do governo na redução das externalidades negativas que afetam o ambiente. É preciso considerar os diferentes impostos que podem ser aplicados e quão impactantes são e podem ser na reversão da crise ambiental em que nos encontramos.
Relativamente à esperança de que o próprio progresso tecnológico tenha capacidade de resolver este problema. Deve-se destacar que, na atualidade, é quase impossível negar que a tecnologia vai cada vez mais ao encontro do que é ambientalmente sustentável.
Um destes exemplos, é o aparecimento da “Sharing economy”. Este termo foi usado pela primeira vez em 2008, tendo sido definido como “collaborative consumption made by the activities of sharing, exchanging, and rental of resources without owning the goods.” (Lessig, 2008). No fundo, está relacionado com o hábito da população de usar plataformas online para diversos fins como a comunicação ou o transporte. Hoje em dia, exemplos disto são a Uber, o Airbnb ou o Booking. Muitos investigadores afirmam o impacto positivo que esta situação tem no ambiente. “In general, the sharing
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economy allows the use of under-utilised resources and, therefore, has an environmental benefit by reducing consumption” (Boar, A.; Bastida, R.; Marimon, 2020). Vários autores vão ainda mais fundo dizendo que the sharing economy pode ser “a potencial new pathway to sustainability” (Heinrichs, 2013). De todas as formas, fica explícita uma hipótese que tem a capacidade de conciliar a sustentabilidade ambiental com o capitalismo, mantendo este as suas instituições principais ( as empresas, propriedade privada e mercados), mas que ao invés de produzirem bens reutilizam-nos e oferecem serviços através de uma plataforma digital.
Outro exemplo do impacto positivo do desenvolvimento tecnológico no ambiente, é a adoção das energias renováveis. Os exemplares mais comuns deste tipo de energia são a energia solar e a eólica. No entanto, muitos autores vêm nas energias renováveis menos convencionais uma solução viável para o problema dos combustíveis fósseis “Proposed solutions for countering the climate impacts of fossil fuel emissions include CO2 capture from large fossil fuel combustion plants, and even direct CO2 capture from the air, followed by sequestration, and geoengineering.”(Moriarty, Patrick, and Damon Honnery,2012). Se tal for verdade, é mais um mecanismo que irá possibilitar a passagem para um capitalismo verde. Podemos ser céticos relativamente à aderência das empresas na passagem de uma tecnologia mais poluente para outra mais ecológica. Na atualidade, há vários casos em que os empresários optam por adotar tecnologias mais poluentes por não terem inovation rent ao proceder de outro modo. No entanto, esta situação nem sempre corresponde à realidade. O conceito technology ecoadvantage é definido pelo Boston Consulting group como “using advanced technologies and ways of working to enable profitable solutions that also have a positive impact on net zero and other environmental, social, and governance goals.”(Karalee Close, Norbert Faure, and Rich Hutchinson,2021). No mesmo artigo em que este conceito é explorado é dado um exemplo real de como é possível adotar tecnologias sustentáveis e lucrar com isso.
A leading European minerals company, for instance, used a digitally enabled energy control tower with a cloud-enabled data platform and AI and advanced analytics to create an end-to-end model for an integrated energy management solution. As a result, it achieved a reduction in energy consumption of 5% to 10% and is on track to save €8 million to €9 million a year in costs. (Karalee Close, Norbert Faure, and Rich Hutchinson,2021)
Neste caso em concreto, há inovation rent. No entanto, querendo fugir do idealismo, penso que não é razoável supor que esta situação se aplique a todos os casos. Haverá certamente conjunturas em que é impossível dar-se à passagem às energias sustentáveis e lucrar com isso. Nestes casos ,é aconselhável a interferência do governo no sentido de dar incentivos à adoção de tecnologias
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amigas do ambiente. A ação do governo poderá passar pela imposição de taxas , ação esta que irá ser discutida posteriormente, ou a atribuição de subsídios. Embora a atribuição de subsídios seja, em muitos dos casos, um bom incentivo para as empresas adotarem tecnologias sustentáveis, não deixam de haver problemas relativos à monitorização de como os subsídios devem ser utilizados e ao montante de dinheiro que deve ser fornecido às empresas. O The Guardian em 2013 publicou um artigo relativo a esta questão. Nele são expostos vários problemas adjacentes à atribuição de subsídios e , entre eles, é considerado importante destacar o facto de “Long-term structural subsidies may serve to stifle innovation, and slow up the emergence of new competing industries. For over 50 years the global nuclear industry has received increasing subsidies, yet nuclear energy remains uncompetitive in a free market.” (Seb Beloe,2013). Ou seja, parece que as empresas subsidiadas não conseguem emancipar-se do apoio governamental e nunca chegam a ser competitivas no mercado aberto. Assim, embora os subsídios sejam um incentivo, não são a totalidade da solução.
Há várias outras formas de intervenção do governo. Uma delas, que pode ser uma ferramenta indispensável para construção do capitalismo verde , são as Pigouvian taxes. Este género de imposto tem como objetivo fazer com que o produtor compense as externalidades negativas que a sua produção implica. No caso de as externalidades serem danos ambientais, considera-se que esta taxa deve ser aplicada no intuito de chegar ao nível socialmente eficiente de emissões, isto acontece quando o benefício marginal das empresas equivale ao custo marginal social. Nesta situação os produtores estariam a suportar tanto o custo privado como o custo social da sua produção. Embora haja vários países a adotar esta estratégia, considera-se que não é de utilidade máxima nem garante necessariamente a sustentabilidade. Primeiramente, porque o cálculo das externalidades negativas de uma ação não é tão linear como aparenta, podem não estar a ser todos os fatores externos contemplados ou pode haver uma falha nas medidas. Para além disso, não impede a poluição, as empresas irão continuar a poluir enquanto tiverem a capacidade de pagar a taxa. Uma segunda forma de intervenção do governo na economia, é a imposição de limites à produção e comercialização de certos componentes. Esta medida foi implementada no âmbito da convenção de Viena, cujo principal objetivo era a reconstrução da camada de ozono. Através do Regulamento (CE) n.º 1005/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro, cujo cumprimento foi assegurado em Portugal com a promulgação do DecretoLei n.º 85/2014, de 27 de maio, foi possível a progressiva eliminação da comercialização de componentes que provocam danos na camada de ozono. Este conjunto de medidas tomadas em diversos países possibilitou a recuperação desta camada, esperando-se que o buraco na mesma feche até 2060. Este é um exemplo bem sucedido da importância que a atividade governamental pode ter na conciliação entre um sistema capitalista e a necessidade de reduzir os
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danos ambientais e garantir a sustentabilidade. Na prática, verifica-se que a abolição deste componentes contribuiu para o aparecimento de novas técnicas de produção que já não provocam danos à camada de ozono. Assim, houve uma evolução das técnicas de produção que permitiu que as empresas continuassem a comercializar o mesmo tipo de produtos mas sem causar tantos danos ambientais. Outra história de sucesso foi a das chuvas ácidas. Este problema era gerado pelo gás emitido pelas fábricas para a atmosfera ao fabricar os mais diversos produtos. Quando estas moléculas poluentes se combinaram com a água acabaram por dar origem às chamadas “chuvas ácidas”. Durante dias choveu uma água ácida que criava graves problemas tanto aos ecossistemas naturais como à vida humana. Em 1979 trinta e dois países fizeram uma convenção criando o primeiro tratado internacional para tratar da poluição atmosférica numa ampla base regional, uma base europeia. A solução final passou por obrigar as fábricas a instalar filtradores de gases. Houve assim histórias em que a atividade política a nível internacional possibilitou a chegada a soluções viáveis para os problemas ambientais. Em terceiro lugar, é essencial incentivar a produção no seio das ciências sociais em torno desta temática. Na minha perspectiva esta é uma área que carece de incentivos por parte do governo. Embora, numa primeira análise pareçam dispensáveis, as ciências sociais são de extrema importância na resolução dos problemas ambientais. Como já discutimos acima, o termo “antropoceno” promoveu a junção das várias áreas académicas em torno dos problemas ambientais. Isto possibilitou o trabalho de Rob Nixon, que é um dos grandes académicos como raiz nas humanidades que produziu trabalhos de extrema importância sobre as alterações climáticas. Em 2013 escreveu um livro com muito sucesso chamado Slow violence and Environmentalism of the Poor, nesta obra ele define a slow violence, ou violência lenta, como “a violence that occurs gradually and out of sight, a violence of delayed destruction that is dispersed across time and space, an attritional violence that is typically not viewed as violence at all. (Nixon R . 2013). Para além disso, Rob Nixon, expõe a seguinte problemática:
Violence is customarily conceived as an event or action that is immediate in time, explosive and spectacular in space, and as erupting into instant sensational visibility. We need, I believe, to engage a different kind of violence, a violence that is neither spectacu- lar nor instantaneous, but rather incremental and accretive, its calamitous repercussions playing out across a range of temporal scales. In so doing, we also need to engage the representational, narrative, and strategic challenges posed by the relative invisibility of slow violence. Climate change, the thawing cryosphere, toxic drift, biomagnification, deforestation, the radioactive aftermaths of wars, acidifying oceans, and a host of other slowly unfolding environmental catastrophes present formidable representational obstacles that can hinder our efforts to mobilize and act decisively. The long dyings — the staggered and staggeringly discounted casualties, both human
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and ecological that result from war’s toxic aftermaths or climate change — are underrepresented in strategic planning as well as in human memory.(Nixon R . 2013)
Ou seja, no raciocínio de Rob Nixon, está clara uma grande dificuldade em representar a slow violence de forma a que as pessoas a interiorizem. Vivemos numa altura em que a população está habituada a ter constantes fluxos de informação a chegarem-lhe por intermediários das tecnologias. Dentro de tanta informação o que sobressai é a violência visível e sanguinária. Qualquer um de nós é capaz de passar horas à frente da televisão a ver a guerra do médio oriente ou da Ucrânia. No entanto, poucos são os que conseguem ver notícias sobre as alterações climáticas, mesmo sendo conhecimento público que tal fenómeno pode vir a matar metade da população mundial até 2050. Assim, há um contraste que parece desapropriado entre as guerras que afetam maioritariamente uma determinada região do mundo, que tem muitíssima visibilidade e acompanhamento por parte das pessoas, e , por outro lado, fenómenos que têm implicações graves a nível global e, por algum motivo, parecem não ser merecedoras de atenção por parte dos espectadores. A explicação é a preferência pelo visível e palpável, e um imenso desinteresse pelos processos de violência lenta que , em muitos casos, ocorrem ao longo de séculos, e que por serem graduais não captam tanto a atenção. Assim, é do entendimento geral que um dos grandes desafios que tem de ser ultrapassado, para resolver a crise ambiental, é fazer a violência lenta mais apelativa para o espectador.
Rob Nixon põe-nos este problema mas também oferece uma solução. Esta solução passa por escrever romances, fazer filmes e pintar quadros sobre este tema. Ou seja, vemos aqui que a solução para a pouca conscientização da população de todo o mundo para com os problemas climáticos, para Rob Nixon, nasce nas humanidades e não nas Ciências exatas. Assim sendo, penso que é fundamental o governo intervir também nesta área. É necessário haver incentivos para que haja uma maior produção literária, cinematográfica e artística relacionada com as alterações climáticas em particular, e a slow violence em geral. Deste modo, será possível uma maior conscientização da população e ,assim, promover uma alteração dos hábitos de consumo , permitindo diminuir o desperdício. Isto iria proporcionar a mudança de estilo de vida num movimento de baixo para cima e não tendo na sua origem uma imposição de cima para baixo, ou seja, dos decisores políticos para a população.
Em quarto lugar, é fundamental agir a nível nacional e internacional para mitigar as desigualdades sociais que a crise climática vem acentuar. Esta questão está também associada à slow violence, Nixon afirma que “people lacking resources who are the principal casualties of slow violence.”(Nixon R . 2013) Esta questão tem duas dimensões, uma relativa às desigualdades internas de cada Estado e outra que remete para as desigualdades a nível global, isto é , de Estado para Estado.
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De salientar que o sistema capitalista quando não está devidamente controlado pode originar desigualdades extremas. Para abordar este ponto focome num romance que Indra Sinha escreveu em 2007 chamado Animal’s People. Este romance investiga o ponto fraco da globalização neoliberal a partir do ponto de vista de um marginal. O romance centra-se em três das características definidoras da ordem neoliberal contemporânea. Em primeiro lugar, o abismo cada vez maior, dentro e entre as nações, que separa os ricos dos pobres. Em segundo lugar, o fardo que a degradação ecológica representa e como afeta mais diretamente a saúde e os meios de subsistência dos pobres. Em terceiro lugar, a forma como as corporações transnacionais exploram, sob a cobertura de uma ideologia de mercado livre, o universo desequilibrado da desregulamentação, através do qual as leis e as lacunas são aplicadas seletivamente num mercado muito mais livre para algumas sociedades e classes do que para outras. Este romance é um bom ponto de partida para o tópico seguinte, uma vez que versa sobre as desigualdades geográficas, mas também faz refletir como mesmo numa sociedade de um país desenvolvido são as classes mais baixas que sofrem mais com as alterações climáticas. Nas sociedades de hoje em dia vemos uma classe alta ligada, maioritariamente, ao setor terciário, que sofre pouco com as alterações climáticas, e uma classe pobre que vive do setor primário dependendo grandemente de questões como a fertilidade dos solos e a não existência de secas ou de cheias para sobreviver. Deste modo, Rob Nixon ao analisar este romance deixa-nos a seguinte questão
Animal’s People stages a simultaneous inquiry into the border zones between human and animal and the economic boundaries between rich and poor, the ever-deepening, dehumanizing chasm that divides those who can act with impunity and those who have no choice but to inhabit intimately, over the long term, the physical and environmental fallout of actions undertaken by distant, shadowy economic overlords. What does it mean, the novel asks, to belong to the same species—in biological, existential, ethical, and economic terms?(Nixon R . 2013)
Na minha perspectiva, é inevitável debatermos sobre questões relacionadas com a desigualdades sociais quando procuramos relacionar o capitalismo com os danos ambientais. No entanto, a injustiça climática não ocorre só no plano interno do estado, a nível internacional há também uma grande desigualdade geográfica, e um abismo que aumenta entre os ricos e os pobres, ou seja , os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. O capitalismo levou à globalização, uma vez que a seguir à revolução industrial teríamos um processo de transformação de recursos fósseis que permitiu às pessoas circular pelo mundo inteiro como nunca antes tinha sido possível, sendo isto feito de forma mais rápida e mais segura, como circulam pessoas circulam também bens, que são vendidos e comprados pelas mais diferentes entidades, que fazem trocas em todas as partes do mundo. No entanto, para Ary Ramos, a globalização veio aumentar as desigualdades do capitalismo , o autor afirma que este processo
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é espacialmente exclusivo sendo marginalizados os países que estão fora da Europa, Japão e EUA, que não apresentam nenhuma ligação a estes pólos e que não fazem parte dos novos países industrializados. Diz também que a globalização atual é seletiva e polarizadora também entre entre regiões de um mesmo país ou zonas de uma mesma região e que as empresas deslocam se pelo espaço à procura de custos de mão-de-obra mais baixos, com isso, vão deixando um caminho de desemprego e miséria nas áreas das quais se retiram ao mesmo tempo em que criam emprego precário nas áreas em que aportam ( Ramos A. 2004). Portanto, temos o capitalismo por si só a levar à desigualdade social e a globalização a acentuar ainda mais este processo. Agora, é desvendado um novo agravante, também , como vimos, diretamente acentuado ao capitalismo: as alterações climáticas. Ora, como foi visto acima, procurou-se encontrar várias medidas para solucionar o problema ambiental. Estas passam pela redução da libertação de gases nas fábricas ou pela adoção de tecnologias verdes. Estas mudanças são exequíveis para países desenvolvidos que passaram por uma revolução industrial há vários séculos atrás e que estão desde aí a acumular capital e a aprimorar as suas técnicas de produção. Por outro lado, estas medidas constituem um entrave ao desenvolvimento dos países mais pobres. Assim sendo, os Estados mais ricos têm duas opções: Por um lado, podem continuar a tentar chegar a acordos internacionais para reduzir a poluição, se assim o fizerem, as probabilidade de receberem respostas iguais às que Xi Jinping deu no BRICS SUMMIT 2023 que passam pela afirmação de que pura e simplesmente o Sul Global não vai atrasar o seu desenvolvimento por questões climáticas, porque desenvolver é um direito de todos, e tal como o Norte Global o fez anteriormente, o Sul Global tem direito de o fazer agora; Por outro, podem ingressar em planos para apoiar o desenvolvimento dos países mais pobres de forma amiga do ambiente. Na minha perspectiva, é indispensável escolher a segunda via, afinal de contas , não se pode pedir a um povo esfomeado que tenha preocupações ambientais. Nesse sentido, um outro plano em que eu penso que os Estados europeus deviam ser proativos era em investirem na criação de planos viáveis para remediar a situação dos países mais pobres, isto era algo que já devia ter sido feito há bastante tempo, mas agora, é mais que nunca, urgente fazê-lo, porque caso contrário nunca iremos conseguir fazer frente aos desafios ambientais que se avizinham.
Ainda relacionado com esta temática, não é só um entrave no desenvolvimento que a slow violence representa para os países mais pobres, também são eles quem mais sofre com a mesma. Por um lado, são muitos os países em desenvolvimento que ficam com as sobras do lixo Europeu, formamse lixeiras intermináveis em África de lixo que nem sequer é Africano. O poder económico europeu compra à Europa um continente livre de lixo, enquanto os países pobres se afundam no desperdício dos outros. Em segundo lugar,, por questões geográficas, os países africanos estão mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas do que a maioria dos países desenvolvidos , sendo
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muitas as regiões que se revelaram incapazes de prover às necessidades de uma população que vive da agricultura ou da pecuária, isto porque os solos tornamse menos férteis, perde-se a costa ou o calor torna a vida impossível. Isto origina novos problemas , entre eles, o aparecimento de massas a pedirem o estatuto de refugiados climáticos. O exemplo por excelência destes casos é Tuvalu, um país na Oceania que , em breve, vai desaparecer por causa da subida do nível das águas do mar. No entanto, mais casos destes irão acontecer, irão haver milhões de pessoas a pedir o estatuto de refugiado climático e a desejarem mudar-se para os países do Norte Global.
Em terceiro, não posso deixar de salientar que, por mais que não se perca a esperança em um dia vir a reverter os efeitos das alterações climáticas, hoje em dia sabe-se que estes efeitos são irreversíveis, pelo menos, através dos meios que temos atualmente disponíveis, assim sendo, mesmo que parássemos de poluir, os efeitos da ação humana na terra iriam continuar a aumentar, por isso, falase muito não só de mitigação, mas também de adaptação. Vejamos o caso de Portugal, está a ser atualmente realizado o plano geral de drenagem de Lisboa que passa por um conjunto de ações para proteger Lisboa de alguns efeitos do aquecimento global, mais especificamente das cheias e inundações associadas a fenómenos extremos de precipitação, este plano tem um orçamento de cento e oitenta milhões de euros. 1 Isto lança uma questão que é, qual é a capacidade que os países em desenvolvimento têm de se adaptar às alterações climáticas, poucos deles podem tecer um programa como o plano geral de drenagem de Lisboa. Assim sendo, isto quer dizer que caso sejam deixados por conta própria irão ter severas dificuldades em prover as necessidades da população em vários ramos, desde a segurança à alimentação.
Para concluir, desejo deixar explícita a ideia de que quando se pensa no impacto do capitalismo no ambiente e na forma de o reverter, ferramentas das Ciências Exatas e das Ciências Sociais são de extrema utilidade. A desigualdade social é um aspecto inerente ao capitalismo que, se por um lado, dentro de certas regiões houve tentativas de atenuação através do Estado Providência, à escala global, as alterações climáticas, causadas por este sistema, têm acentuado as desigualdades, com o aumento do abismo que separa os países desenvolvidos dos países em desenvolvimento. Dada esta situação, é urgente que os Estados mais ricos ajudem os mais pobres a desenvolverem-se dentro do ecologicamente sustentável, acolham os refugiados climáticos que são obrigados a sair dos seus países porque já não conseguem produzir nada neles, ou porque simplesmente os países deixaram de existir e que, acima de tudo, ajudem também os países em desenvolvimento a adaptarem-se às novas realidades que as alterações climáticas vêm trazer. Tomar esta ação faz parte de combater as alterações climáticas e tornar o capitalismo verde.
1 fonte: https://amensagem.pt/2022/09/14/tuneladroa-maquina-china-lisboa-chegou130-metros-cavar-tuneis-plano-drenagem-cidade-cheias/#:~:text=O%20Plano%2C%20 em%20execução%20até,%25”%20das%20inundações%20em%20Lisboa
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Considero difícil a chegada a uma resposta definitiva relativamente à possibilidade do capitalismo vir a ser ambientalmente sustentável. No entanto, acredito que é precipitado afirmar que isto nunca há de acontecer. A ação governativa conjunta de vários países já provou diversas vezes uma capacidade extraordinária de lidar com ameaças à escala global, já o provou , inclusive , em questões ambientais, como foi o caso da reconstrução da camada de ozono. A tecnologia, como se mostrou, também tem vindo ao encontro do que é ambientalmente sustentável. Há também um leque de medidas que visam fazer frente aos desafios sociais inerentes à crise climática e ao capitalismo. Assim, há esperança de que a junção destes elementos proporcione uma versão do capitalismo amiga do ambiente, até lá, uma coisa é certa: o capitalismo ainda não é verde.
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ALEXANDRE FREIRE
Licenciado em Engenharia do Ambiente, mestre em Engenharia Sanitária e em Gestão Autárquica e doutor em Hidráulica Ambiental. Diretor do Departamento de Resíduos Urbanos nos Serviços Municipalizados de Setúbal, desde 2022, Diretor dos Departamentos de Ambiente e Atividades e Económicas e Serviços Urbanos na Câmara Municipal de Setúbal, entre 2017 e 2022, Inspetor do Ambiente na IGAMAOT, entre 1999 e 2011. Investigador no Grupo de Emissários Submarinos e Hidráulica Ambiental da Univ. de Cantábria e no Grupo de Mecânica de Fluidos Ambientais da Univ. de Karlsruhe, entre 2006 e 2009. Publicação de diversos artigos em revistas e em atas de congressos e encontros técnicos e científicos, apresentação de comunicações e posters em congressos técnicos e científicos, nacionais e internacionais, publicação de relatórios técnicos, participação em projetos nacionais e internacionais, coordenação de candidaturas a financiamentos.
Especialista em Engenharia Sanitária pela Ordem dos Engenheiros.
CRISE DO ANTROPOCENO
E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS: LIBERDADE, DEMOCRACIA
E GLOBALIZAÇÃO E O COMBATE À POBREZA GLOBAL COMO CAMINHOS PARA MITIGAR A CRISE AMBIENTAL
Alexandre Freire
1.
CRISE AMBIENTAL COMO SÍNTESE DO ANTROPOCENO
A era do Antropoceno, na qual vivemos, conduziu-nos a uma situação de esgotamento dos recursos naturais, próxima de atingir os limites de não retorno, no que se refere ao equilíbrio dos ciclos e das dinâmicas naturais.
O Homem construiu civilizações e impérios, promoveu revoluções, transformou o crescimento económico no primeiro dos seus objetivos, e nesse processo extraiu recursos, delapidou riquezas naturais e ameaçou a biodiversidade. Procurou incessantemente novas formas de energia para alimentar a máquina colossal da produção, mesmo que tal ameaçasse os limites da biosfera.
Neste processo de produção virtualmente ilimitado gerou resíduos, emissões atmosféricas, efluentes líquidos, contaminou os solos, delapidou recursos biogenéticos, introduziu novos compostos químicos perigosos no ambiente, depauperou os solos, dizimou as florestas, ameaçou os oceanos, foi paulatinamente explorando os recursos aquáticos, encarados como recursos haliêuticos, explorados por uma indústria pesqueira intensiva.
O aquecimento gradual da atmosfera tornou-se como que a síntese deste processo, uma reação termodinâmica do globo ao consumo exacerbado de recursos energéticos, num contexto de aumento exponencial da população mundial e do seu acesso a níveis superiores de consumo.
A grande máquina da produção global parece não ser já suficiente para alimentar os níveis de consumo e o desejo de quem produz é produzir cada vez mais e acumular a riqueza desse processo.
Nesta dinâmica do paradigma produtivista há que afastar os custos das externalidades ambientais, num esforço de reduzir os preços, combater a concorrência e aumentar os lucros. Os custos de despoluir e os resíduos gerados são um custo a evitar pela máquina de produção e acumulação de lucro, cabendo às autoridades ambientais imprimir uma lógica que contrarie esta tendência.
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No entanto, também as autoridades ambientais não são indiferentes às dinâmicas da globalização e ao facto da concorrência se fazer agora nesse tabuleiro global em que as regras do jogo económico estão longe de serem as mesmas para todos, e onde as práticas de dumping ambiental e social ou as diferentes regras fiscais e obstáculos aduaneiros e ainda os regimes protecionistas dos Estados impedem uma circulação livre e justa das mercadorias. As dinâmicas económicas globais são cada vez mais complexas e os interesses da proteção ambiental têm muita dificuldade em impor-se, mesmo num cenário de prérotura ou colapso ecológico.
Ultrapassadas que estão as divergências quanto à origem das alterações climáticas, cujos efeitos são cada vez mais evidentes e inegáveis, com aumento da ocorrência de fenómenos extremos, a comunidade científica tem procurado ganhar a comunidade política para o combate às alterações climáticas, propondo regimes legais mais restritivos e metas de redução de emissões. Após a Segunda Guerra Mundial as emissões de dióxido de carbono dispararam, tendo superado as 35.000 milhões de toneladas em 2017. Quase metade do consumo de combustíveis ocorreu após 1989, ano que marca o fim da Guerra Fria, e em que se intensificaram ainda mais os processos de extração de recursos e de produção.
Sucedem-se conferências das Nações Unidas para discutir as metas e as medidas a tomar, desde a Conferência do Rio, mas nem os consensos são fáceis de alcançar, nem os resultados têm expressão assinalável. O objetivo de conter a subida da temperatura a menos de 1,5ºC sem prejudicar o crescimento do PIB é claramente uma miragem impossível de alcançar, tanto mais que a desagregação entre o PIB e as emissões não tem sido almejada.
A solução passa necessariamente por uma revolução ética e de comportamentos humanos, pelo combate à pobreza global e pela redução do consumo, associada a soluções técnicas adequadas, integradas em novas dinâmicas económicas e num novo quadro de Governação Global.
II.
LIBERDADE E CRISE DA DEMOCRACIA
Continua a existir a nível global uma predominância de regimes autoritários, e assistimos mesmo atualmente a um certo recuo das democracias, após um momento de esperança vivido com a queda do muro de Berlim e dos regimes comunistas de tipo soviético.
Os regimes democráticos liberais com preponderância no mundo ocidental, mas ainda minoritários a nível global, sofrem atualmente de uma crise associada à crise do próprio sistema representativo. A participação política limitada ao voto conduziu a um crescente desinteresse dos cidadãos pela vida política, desinteresse que se encontra expresso nas crescentes taxas de abstenção eleitoral.
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Hannah Arendt diagnosticou este fenómeno de apolitização do povo, ao mesmo tempo em que manifestou admiração pela democracia direta e defendeu a deliberação conjunta como horizonte de crítica à sociedade moderna (Arendt, 2019). Para esta autora a liberdade é condição essencial ao exercício de uma cidadania política. A democracia representativa limita a liberdade política, já que esta fica confinada ao ato de votar, e impede o ressurgimento do espírito revolucionário, indutor da mudança. Esta autora apela a formas mais ativas de participação política.
Com efeito, o desinteresse atual de muitos cidadãos para com a política é fruto de um sistema que lhes confere um papel muito limitado. Há verdadeiramente um desencantamento com a democracia, resultante da consciência da quebra de vínculo entre as propostas e as ações dos representantes. Há também a consciência de que uma parte muito significativa das decisões que são tomadas ocorrem numa esfera que escapa ao controlo político e ao escrutínio dos cidadãos.
Há um conjunto de instituições globais, tais como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial ou a Organização Mundial do Comércio, cujas decisões não são sujeitas ao escrutínio dos cidadãos, mas que são efetivamente as decisões que interferem com as suas vidas. E nessa esfera de decisão as decisões são propriedade de certas elites. Para essas elites as soberanias dos Estados não passam de um pormenor negligenciável a suprimir dos algoritmos de cálculo. Note-se como na União Europeia o único órgão diretamente eleito pelos cidadãos continua a ser o órgão com menor peso nas decisões, ainda que as sucessivas reformas institucionais lhe tenham atribuído um maior peso na arquitetura institucional das decisões.
A crise das democracias liberais encontra-se expressa no aumento da expressão eleitoral de movimentos extremistas e no crescimento de movimentos populistas, sobretudo do espectro político da extrema-direita. Esta crise da democracia liberal constitui nesta medida uma ameaça para as políticas de defesa do ambiente e de combate às alterações climáticas. Com efeito, a extremadireita tem manifestado sistematicamente oposição a políticas de defesa do ambiente e de combate às alterações climáticas, como se viu recentemente com os exemplos do Brasil governado por Jair Bolsonaro ou dos Estados Unidos da América de Donald Trump.
Mas a resistência dos partidos da extrema-direita relativamente a políticas de combate às alterações climáticas teve recentemente expressão igualmente em países da União Europeia, como a Holanda, a Dinamarca, a Polónia e a Áustria, bem como na Noruega, conforme refere um estudo realizado em 25 países, que concluiu que os partidos populistas de direita tiveram um impacto negativo na política climática, tais como os compromissos de redução das emissões de carbono (Horton, 2022).
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III. GLOBALIZAÇÃO HEGEMÓNICA
Boaventura Sousa Santos (Sousa Santos, 2001) identifica o fenómeno da globalização como um processo de intensificação das interações transnacionais, na sua extraordinária amplitude, abrangendo os sistemas de produção, os movimentos financeiros, a comunicação e imagem e as deslocações humanas. Reconhece que se trata de um processo multifacetado, com uma dimensão económica, social, política, cultural, religiosa e jurídica, dimensões que interatuam e que, atuando com indiferença face às fronteiras nacionais, não deixa ainda assim de incorporar a diversidade local. Trata-se de um processo complexo e que coloca novos problemas, designadamente ao aumentar a desigualdade, ao contribuir para a crise ambiental e climática, ao despoletar fenómenos migratórios de grande dimensão, muitas vezes associados à crise do Estado-nação e à reconfiguração dos Estados.
Se enquanto processo e no que se refere às suas dinâmicas próprias e dimensão a globalização não é consensual, existe claramente uma preponderância da abordagem económica, em torno da qual se gerou um consenso hegemónico, promotor de uma visão neoliberal, também identificado como “Consenso de Washington”. Este “consenso neoliberal” assenta fundamentalmente numa visão sobre o futuro da economia mundial e do desenvolvimento e especificamente sobre o papel do Estado na economia.
Se lhe oferecem resistência campos subalternos ou contra-hegemónicos, o certo é que a visão neoliberal ganhou terreno desde os anos 80 do século passado, num quadro em que as clivagens políticas se desvaneceram e se intensificou a interdependência e cooperação entre Estados e até mesmo a integração económica regional, num quadro de institucionalização do conflito entre o capital e o trabalho, do fim do paradigma revolucionário e da crise do Estado-Providência.
O autor considera que as características essenciais da globalização são as características da globalização dominante ou hegemónica, marcadas pela dimensão económica. E esta é marcada pela nova divisão internacional do trabalho e pelo papel central das empresas multinacionais, as quais ocupam um lugar central na economia mundial, tendo em muitos casos um poder económico muito superior ao dos próprios Estados.
Trata-se de um modelo económico dominado pelo sistema financeiro e pelo investimento à escala global, indiferente às fronteiras dos Estados, com a produção flexível e multilocal, baixos custos de transporte, incorporação das tecnologias de informação e comunicação, desregulação das economias nacionais e o papel determinante das agências de rating dos Estados.
Neste quadro, todas as ações devem favorecer as transações internacionais, desde logo de capitais, devendo os Estados adaptarem-se, com a abertura das economias nacionais ao mercado global, a adaptação dos preços, a prioridade
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às exportações, a redução da inflação e da dívida pública, os direitos da propriedade privada invioláveis, a privatização do setor empresarial do Estado, a especialização dos mercados, por decisão privada, a mobilidade de recursos, investimentos e lucros e a redução da regulação estatal e dos apoios sociais a níveis mínimos concedidos apenas àqueles que não são capazes de sobreviver numa sociedade regida exclusivamente pelo mercado. Deste modo, a globalização económica é suportada no consenso neoliberal: regulação estatal da economia mínima (“menos Estado”), direito de propriedade internacional e intelectual e subordinação dos Estados às agências multilaterais, como o Banco Mundial, o FMI e a OMC, bem como às agências financeiras de rating. Neste contexto de hegemonia de um modelo económico, torna-se complexo introduzir na equação a variável da proteção do ambiente e do combate às alterações climáticas, mais ainda num quadro em que na política internacional prevalecem os interesses dos Estados, sem que existam organismos internacionais com poder suficiente para imposição de um modelo de Governação Global em que haja lugar para o combate às alterações climáticas.
Zygmunt Bauman (2001) vai mais longe na sua análise, referindo que o Estado neoliberal na sua estratégia de aumento da produção e acumulação de riqueza, exclui todos aqueles que não lhe são úteis e que podem inclusivamente prejudicar a sua estratégia de multiplicação e acumulação do capital. Neste grupo incluem-se também os defensores das causas ambientais. Para levar a cabo o seu objetivo o estado neoliberal recorre aos métodos mais execráveis da vigilância dos indivíduos, da sua segregação e isolamento, desprovendo-os de qualquer papel social. A vigilância e a punição como métodos de eliminação daqueles que lhe são prejudiciais ou que não lhe são úteis. O recurso à instituição prisional, mais além do método do panótico, de controlo total através da vigilância total, confinando agora os indivíduos em espaços exíguos e sem qualquer contacto com o exterior, tornou-se o método de anulação. É o recurso às “instituições disciplinares” de que nos fala Michel Foucault em “Vigiar e Punir”, como locais de “tratamento” infligido aos indivíduos que estão nos limites do sistema social, os indesejados do sistema. O Estado neoliberal impõe-lhes tratamentos repressivos, não lhes reconhecendo utilidade. É neste contexto que se dá frequentemente lugar à repressão de movimentos sociais e ambientais. Veja-se, a título de exemplo, o Movimento dos Sem Terra no Brasil, ou mais recentemente os movimentos de contestação anticapitalista ou de ação climática.
Enfim, um Estado securitário que usa a justiça e a lei para salvaguardar os interesses dos investidores, na perspetiva de que o Estado deve garantir a “confiança dos investidores”, como pressuposto fundamental ao sucesso da atividade económica. Todos os fatores que contrariem este princípio devem ser suprimidos, segundo o “consenso neoliberal”. A prisão, o confinamento espacial forçado e o isolamento são ferramentas ao dispor do “Estado neoliberal”
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que devem ser usadas com aqueles que estão fora do sistema. Tal, suportase na retórica de “menos Estado”, mais controlo estrito dos gastos públicos, redução dos impostos, reforma do sistema de proteção social, e sobretudo desmantelamento das normas rígidas do mercado de trabalho.
Menos Estado, menos Proteção Social, menos direitos laborais e mais flexibilidade (isto é, mais precariedade) são princípios basilares que regem o “consenso neoliberal”. Toda a liberdade deve estar do lado de quem contrata o trabalho. Ao trabalhador não deve restar outra opção senão aceitar o que lhe seja oferecido, por mais dura que seja essa condição. O “consenso neoliberal” quer trabalhadores dóceis e manipuláveis, com baixos salários e sem direitos. Os trabalhadores são encarados apenas como mais uma peça na grande engrenagem de multiplicação do capital. O próprio desemprego é encarado como tendo um papel na regulação do trabalho pelo investidor, designadamente na fixação do seu preço (Marx referira-se já ao “exército de desempregados” e ao seu papel na determinação do preço do trabalho). De acordo com esta abordagem, os investidores devem gerir o fator trabalho conforme lhes seja mais conveniente, sem incertezas nem intromissões do Estado. Uma abordagem que agudiza as desigualdades e as tensões sociais. O Banco Mundial e o FMI têm dado suporte ao entendimento neoliberal da necessidade de flexibilização do mercado de trabalho, dissolvendo direitos laborais em prol da concorrência. Mas também as políticas de regulação ambiental e de combate às alterações climáticas são indesejadas pelo “consenso neoliberal”, já que encaram a economia como uma máquina de produção ilimitada de lucro, numa lógica produtivista e aceleracionista, sempre com o objetivo de aumentar o crescimento económico e o PIB.
O recurso à prisão permite estigmatizar e excluir os excluídos do sistema. A ética é irrelevante para esta abordagem, pois os indivíduos são descartáveis.
O Estado prisional, securitário, tem crescido em todo o mundo e isso não é indiferente aos interesses do capital. Os setores da população encarados como ameaça à ordem social são excluídos pelo sistema. As populações pobres ou pertencentes a minorias têm sido particularmente afetadas por este processo de exclusão social. E este é um processo global, fruto da globalização, na medida em que a interação dos fluxos de capital são transnacionais, subordinados ao paradigma neoliberal do “Consenso de Washington”. Esta dinâmica comporta riscos evidentes para a democracia, para a liberdade e para a proteção ambiental. A comunicação ocupa um lugar central na sociedade atual, e os atores neoliberais pretendem do Estado que a utilize para veicular uma mensagem securitária, e que o Estado atue punindo. Ocorre uma captura do Estado pelos interesses neoliberais, e a abordagem securitária é explorada com esse fim. Leis mais pesadas, Estado mais atuante. Esse é o objetivo dos atores neoliberais, que usam o Estado para ir ao encontro dos seus propósitos. O populismo é uma ferramenta ao serviço desta abordagem, numa sociedade vetada ao espetáculo. Os investidores querem segurança e o Estado investe nela. Os mais fracos, os
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da base da pirâmide social, são também os mais vulneráveis a esta estratégia securitária de estigmatização, exclusão e confinamento. São também indefesos, e como tal alvos fáceis para a estratégia comunicacional. Os crimes das elites, ainda que muito mais relevantes, são difíceis de abordar, pois estas movem-se num contexto global, indiferente às fronteiras dos Estados.
A dinâmica gerada pela globalização, em particular a globalização hegemónica ou por esta determinada no quadro do paradigma neoliberal do “Consenso de Washington”, apresenta aspetos profundamente desumanos e contrários a uma ética do desenvolvimento humano global. Os mecanismos que adota relativamente aos excluídos do sistema, que chegam ao ponto de confinálos no sistema prisional, não são moralmente aceitáveis.
A abordagem de menos Estado ou de um Estado meramente regulador deve respeitar as exigências de garantia de direitos, de solidariedade e de proteção do ambiente. A abordagem de acumulação de capital deve ser substituída por outra mais humana e ambientalmente sustentável, num quadro de uma economia estacionária. Mas a globalização comporta igualmente benefícios. A regulação global pode oferecer vantagens, mas essas vantagens devem ser vistas na ótica da solidariedade, incluindo a solidariedade intergeracional, e da garantia de direitos. A superação do modelo de consumo sem limites é fundamental, e importa que seja implementada numa escala global. A adoção de uma abordagem de decrescimento numa economia estacionária, é condição sine qua non à sobrevivência humana, e a sua implementação será necessariamente à escala global. Para que tal se concretize há que modificar o modelo Global de Governação, as relações políticas internacionais e reformular o quadro institucional das relações entre os Estados.
Joseph Stiglitz (2002) alerta para a necessidade de uma globalização mais humanizada, mais justa, que respeite os pobres, que respeite os valores tradicionais, que promova uma integração mais gradual e que não ameace a democracia. Como refere, por vezes, a globalização tem conduzido à substituição das antigas ditaduras de elites nacionais por novas ditaduras da finança internacional. As instituições internacionais como o FMI não devem impor condições que limitem a soberania dos Estados, nem os Estados podem estar sujeitos à ditadura dos ratings. Os países da Ásia Oriental que não se sujeitaram aos ditames do FMI conseguiram maior crescimento com mais igualdade e uma maior redução da pobreza. Estão também finalmente a implementar políticas ambientais que ultrapassem os problemas criados numa primeira fase de expansionismo económico.
Contrariamente ao defendido por Sousa Santos (2001), vimos hoje que não existem apenas pequenas guerras na periferia do sistema mundial. A invasão da Ucrânia pela Rússia, que se tornou já num conflito entre a Rússia e o Ocidente, e recorde-se que a Rússia encontra parceiros quer na China, quer no Sul Global, não deixará certamente de reconfigurar os equilíbrios internacionais existentes antes do conflito, acrescentando incerteza sobre a configuração das
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relações internacionais, ainda que não necessariamente quanto à globalização económica. A própria dimensão económica do gigante asiático hoje conduzido por Xi Jinping, com uma população de 1,38 bilhões de habitantes, e o seu papel absolutamente determinante na reconfiguração do xadrez mundial, terá necessariamente que ser tido em conta, incluindo no que refere às políticas ambientais. Recorde-se que a China é o país que mais emite gases com efeito de estufa (11.396,8 milhões de toneladas de CO2 em 2022), seguida pelos Estados Unidos da América (5.057,3 milhões de toneladas de CO2 em 2022).
Importa que um novo modelo de Governação global considere todas as peças relevantes do xadrez e procure promover o avanço das democracias ao mesmo tempo que promova um verdadeiro desenvolvimento humano que reduza a pobreza e as desigualdades e promova a proteção ambiental e o combate às alterações climáticas.
IV.
COMBATE À POBREZA GLOBAL E PROTEÇÃO DO AMBIENTE
O combate à pobreza global é um desafio fundamental e condição para o sucesso das políticas ambientais. A pobreza global é fruto de um processo histórico que promoveu injustiças que ainda perduram, com um benefício claro do mundo ocidental, da Europa e dos Estados Unidos da América, e o prejuízo do Sul Global, de África, da América do Sul e da Ásia. A concentração da riqueza no mundo ocidental conduziu à pobreza do Sul Global, num processo que se construiu sobre a escravatura, o genocídio, a tortura e a exploração humana, num processo de drenagem de riqueza que continua ativo.
Nigel Dower (1995), aprofunda a abordagem de Singer e considera que a pobreza extrema e a desigualdade são resultantes de uma injustiça ativa, fruto do processo de desenvolvimento histórico, ao longo do qual os países ricos exploraram os recursos dos países pobres para seu proveito, condenando-os ao subdesenvolvimento e à pobreza. Deste modo, o dever de ajuda é um ato de justiça, entendida como justiça social global, garantindo a satisfação das necessidades dos seus membros, através da distribuição equitativa dos recursos mundiais, o que exige desde logo a alteração das relações económicas internacionais. A ajuda é um ato compensatório pela exploração a que foram e continuam a ser sujeitos, é o pagamento de uma dívida. Não pode haver desenvolvimento sem mudança socioeconómica nos países de origem. A abordagem deve ser a de uma ética cosmopolita como resposta à globalização, na qual todos os indivíduos devem ser considerados iguais em termos morais, como cidadãos do mundo. Só esta ética cosmopolita como resposta à globalização, na qual o combate à pobreza é central, permitirá a promoção de políticas ambientais e de combate às alterações climáticas.
Neste contexto Charles Beitz (1999), propõe uma justiça distributiva global, suportada na interdependência económica. Atualmente, esta
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interdependência tem contribuído para agravar as desigualdades, permitindo que os recursos dos países pobres sejam canalizados para os países ricos, através de multinacionais e governos corruptos instalados nos países pobres. Mas é o próprio quadro institucional e legal global que tem favorecido esta dinâmica. Refira-se a título de exemplo, as pautas aduaneiras dos países ricos e outras medidas protecionistas vertidas em acordos internacionais.
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, referiu a este propósito, em 21 de maio de 2023, em Hiroxima, na Cimeira do G7 (recorde-se que este grupo teve um papel central na conformação da ordem institucional pós Guerra Fria, tendo favorecido os interesses das elites empresariais nacionais), que há “um fracasso moral dos países ricos”, denunciando a “distorção injusta e sistemática a favor dos países ricos” e pedindo reformas das instituições multilaterais, designadamente do Conselho de Segurança da ONU, e das instituições resultantes do Acordo de Bretton Woods de 1945 (FMI e Banco Mundial), para transformar as relações de poder entre os países. De acordo com a perspetiva de Thomas Pogge (2002), a pobreza absoluta é uma consequência da ordem económica mundial, imposta pelo ocidente, devendo ser criado um quadro institucional que promova o bem-estar coletivo e uma ordem social global mais justa.
Somos responsáveis pela sua pobreza em virtude de termos falhado o nosso dever positivo de ajudar os pobres e de termos falhado o dever negativo de não pactuarmos e beneficiarmos das injustiças que conduziram os pobres à pobreza. A pobreza é um mal e devemos combater esse sofrimento, sendo certo que tal conduta não nos é prejudicial. A nossa conduta enquanto exploradores dos países pobres deve ser alterada, quer através de ações diretas, quer pelas nossas decisões enquanto consumidores, isto é, pelas nossas escolhas individuais. O nosso bem-estar resulta de um sistema económico injusto, com instituições internacionais que lhe dão suporte e agravam as desigualdades.
Thomas Pogge propõe a criação de um Dividendo Global dos Recursos (Pogge, 2007), canalizando recursos para o desenvolvimento dos países pobres, na medida em que todos os pobres do mundo têm direito a uma parte dos recursos naturais limitados do Globo, a qual tem beneficiado apenas os ricos que os exploram, violando o dever negativo de justiça. As desigualdades atuais resultaram do processo histórico de exploração dos países pobres pelos países ricos, através do colonialismo, da escravidão, do genocídio, da apropriação dos bens dos autóctones em atos de conquistas. A solução para a pobreza absoluta exige assim que seja seguido um critério de justiça global (Pogge, 2008), e esta é condição sine qua non para o sucesso das políticas públicas ambientais e climáticas.
Como contributos para combate à pobreza absoluta, permitindo uma atuação rápida e eficaz sobre o fenómeno da pobreza absoluta, propõem-se as seguintes linhas de atuação:
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• Ajuda alimentar e monetária direta num contexto de emergência humanitária.
• Ação sobre os sistemas políticos democráticos dos países ricos, pressionando os governos no sentido da promoção da democracia nos países pobres, como medida compensatória pelo processo de desenvolvimento histórico injusto que conduziu à desigualdade.
• Pressão no sentido de que sejam promovidas políticas de apoio ao desenvolvimento dos países pobres, desenvolvimento dos seus sistemas económicos, de educação e formação profissional, de saúde, de segurança social, criação de emprego e realização de reformas agrárias e reformas estruturais da economia, fomentando um desenvolvimento mais autocêntrico e independente do investimento estrangeiro.
• Promoção de condições de desenvolvimento das instituições num quadro democrático, promoção da igualdade de direitos e deveres, promoção da igualdade de género, combate à corrupção, aos conflitos violentos e ao poder das oligarquias.
• Reforma do modelo de Governação Global, do quadro institucional e legal global (ONU, FMI, Banco Mundial e OMC), de modo a que deixe de favorecer os interesses dos países ricos, promovendo o princípio da justiça distributiva global e o sentido de pertença a uma comunidade global. Neste contexto, importa acabar com medidas protecionistas e subsídios à produção nos países ricos, bem como com os empréstimos a governos despóticos.
• A proposta de criação de um Dividendo Global dos Recursos, apresentada por Thomas Pogge, merece ser analisada, permitindo canalizar recursos para o desenvolvimento dos países pobres com origem nos países ricos.
• Avaliar a possibilidade de implementação de um rendimento básico incondicional (Merril et al., 2019) nos países pobres, na perspetiva de estancar a saída de jovens.
• Discutir o perdão total ou parcial da dívida dos países pobres, uma vez que tem constituído um garrote ao seu desenvolvimento.
V.
UM CASO PRÁTICO: O PARQUE NATURAL DA ARRÁBIDA COMO EXEMPLO E EXPRESSÃO DAS DINÂMICAS GLOBAIS E DA CRISE AMBIENTAL
Vila Nogueira de Azeitão é uma povoação nos limites do Parque Natural da Arrábida. O Parque Natural da Arrábida foi criado em 1976, por apelo do poeta Sebastião da Gama, face às ameaças que recaiam sobre o seu valioso património paisagístico e biogenético. Trata-se de uma área de elevado valor natural, com
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grande riqueza geológica, faunística e florística, assumindo relevância no plano da Área Metropolitana de Lisboa (AML) e no plano nacional.
No entanto, o Parque Natural da Arrábida encontra-se sujeito a fortes pressões, de que cabe destacar como mais grave a instalação de uma indústria cimenteira e a existência das pedreiras que lhe fornecem a matéria-prima. Instalada em 1906, a cimenteira não tem parado de crescer, com sucessivas renovações da licença de funcionamento e pretendendo aumentar a área de exploração de matérias minerais. Trata-se de uma grande unidade de combustão, e está, como tal, abrangida pelo regime europeu do comércio de emissões. É uma unidade que procede à coincineração de resíduos industriais perigosos. A sua produção tem como destino essencialmente a exportação, sendo que a sua atividade desenvolve-se numa lógica de mercados globais. E recorde-se, em pleno Parque Natural da Arrábida, um dos pulmões da AML e um reservatório de biodiversidade.
Esta instalação é uma unidade de produção inserida no xadrez de distribuição de papéis da ordem económica mundial, do mercado global capitalista, promotor de uma dinâmica extrativista, focalizada na produção e consumo sem limites, numa lógica de criação e acumulação de capital (lucro). Enquadra-se na lógica do crescimento contínuo e infinito, indiferente ao caráter não renovável dos recursos naturais explorados e à externalização do seu impacte ambiental, traduzido pelo agravamento das emissões atmosféricas, das alterações climáticas e da produção de resíduos. Promete “progresso” em troca da externalização de impactes globais, quer a nível local, pelas alterações que provoca no meio natural, quer a nível global, pelos contributos que dá para as alterações climáticas. E nem a lógica da sua integração no sistema europeu de comércio de emissões a exime de uma responsabilidade maior, pois esta lógica, que é também a do mercado, já demonstrou a sua ineficácia, ao não conduzir à redução efetiva de emissões e ao agravar as desigualdades, contrariando a apregoada justiça climática.
Afinal que diferença faz reduzir as emissões num local ou noutro, se o cômputo global e o seu efeito na atmosfera é o mesmo? Integrar as emissões na lógica do mercado mais não é do que continuar a garantir aos países ricos o direito a emitir, ainda que os efeitos dessas emissões se venham precisamente fazer sentir nos países mais pobres, que são também os que têm menor capacidade de lhes fazer face, os mais vulneráveis.
Seguindo uma conceção que associa o bem-estar individual e coletivo à posse de bens materiais, este modelo tem atribuído à tecnologia a solução para todos os problemas ambientais. A mesma tecnologia que tem permitido a intensificação da exploração dos recursos naturais (energéticos e matériasprimas), e que tem criado novos produtos, associados a novas “necessidades”, com mecanismos a que Joseph Schumpeter (2018) atribuiu a designação de ciclos de “destruição criadora”, com crises cíclicas de produção e colapso da economia, criando novos mercados.
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Neste quadro, os conflitos bélicos representaram ao longo do Século XX oportunidades de afirmação da tecnologia, posteriormente usada para fins civis, catapultando a produção e o mercado, sempre numa lógica de intensificação da espiral de consumo, da procura e expansão para novos mercados, com o objetivo de continuar a promover a acumulação de capital. Neste processo perderam-se oportunidades de redirecionar o desenvolvimento humano, como foi a destruição do sistema de transportes públicos nas cidades americanas para favorecer a indústria automóvel (hoje em dia 92% das deslocações nos EUA são feitas em viaturas particulares) e os obstáculos ao desenvolvimento da energia solar por interesse dos setores das energias fóssil e elétrica.
Neste processo as indústrias militar e automóvel tiveram sempre preponderância, sendo o Estado invariavelmente capturado e conivente com estes interesses. Processo despoletado pela Revolução Industrial, a produção em massa e o taylorismo vieram intensificar a produção industrial, os grandes conflitos bélicos induziram saltos quantitativos e qualitativos na produção industrial e na inovação, mas induziram também saltos incrementais na extração de recursos e na emissão de gases com efeito de estufa.
A “Grande Aceleração” deu-se em meados do século XX com uma explosão do consumismo, do hedonismo, do império do efémero e da satisfação das necessidades e desejos privados (Lipovetsky, 2017). De que é exemplo a casa “Levitt” (Viallet, 2018), com a padronização e multiplicação do consumo e a introdução do crédito para consumo e das hipotecas, induzindo a expansão das áreas urbanas e a intensificação do consumo energético. E este processo ocorreu quer no sistema capitalista fordista, quer no sistema comunista produtivista, com mais crescimento e consumo, como motores de supremacia e ordem social. A globalização intensificou estes processos e a exploração do Sul Global ganhou nova dimensão, canalizando recursos para o Norte Global e recebendo (invisibilizando) os seus resíduos.
É a Era do Antropoceno a que se refere Saito (2022), os “dois últimos milissegundos da história da Terra” (Viallet, 2018), uma era de produção e de conforto para o Norte Global e de externalização do lado errado desse conforto, dos resíduos e da desigualdade, para o Sul Global.
Uma perspetiva eurocêntrica (Amin, 1997), assente no determinismo das forças produtivas, para cujas consequências Marx chamou a atenção, partindo do materialismo histórico, referindo-se-lhe como o “metabolismo entre o homem e a natureza” e os respetivos limites (Saito, 2022). O crescimento infinito não é viável, pois os recursos são escassos, e a sua exploração pelo atual modelo económico (modo de produção capitalista e respetivas relações sociais de produção, de acordo com Marx) não tem sido usada para combater as desigualdades, mas antes as tem agravado, pois tem por objetivo a reprodução e acumulação de capital. As desigualdades são um motor da produção capitalista, levado ao paroxismo pelo neoliberalismo, através da distribuição de papéis na economia global.
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Samir Amin (1997), na sua teoria da dependência, considera que os países subdesenvolvidos são uma criação do sistema capitalista, formando a “periferia” e estando obrigados a um permanente ajuste estrutural no que diz respeito à dinâmica de reprodução dos “centros” da economia mundial, ou seja, dos países industriais capitalistas avançados. Considera que a solução para estes países passa pela desvinculação do sistema mundial capitalista e pelo desenvolvimento autocêntrico.
Alguns autores propõem o decrescimento e um programa político ecosocialista próprio como solução global para evitar a hecatombe (Latouche, 2020). Saito (2022) propõe um regresso a Marx através da construção de uma sociedade alternativa que trave o aquecimento global através de um “comunismo decrescentista”, assente numa economia estacionária, como o melhor caminho para superar a crise do Antropoceno, propondo que relativamente aos bens seja dada importância ao seu valor de uso em vez do seu valor de troca, visando ultrapassar o problema de escassez que a abordagem atual implica. Considerando a ineficácia da abordagem neokeynesiana que tem sido seguida em matéria de políticas ambientais, considera fundamental valorizar o comum, retomando o paradoxo de Lauderdale, que valoriza a importância dos bens comuns na riqueza das nações, e recordando o paradoxo de Jevons, que permite concluir que contrariamente ao que é comum assumir a melhoria do rendimento aumenta a carga ambiental.
A crise do Antropoceno está bem patente na ameaça da cimenteira à Serra da Arrábida, nos riscos do aquecimento global, da ameaça dos incêndios florestais, nos rasgos abertos no calcário da serra, da ameaça à “brecha da Arrábida”, à raposa, ao “maquis” e ao “garrigue”. Quando os centros de decisão capitalista mundiais decidirem que deixa de ser interessante produzir cimento na Arrábida, com o olhar e a hipocrisia passiva do Estado, restarão apenas os rasgos na paisagem.
A mudança não pode ocorrer mantendo o sistema de produção e consumo e o sistema sociopolítico e socioecológico tal como estão, isto é, por via da reforma, tornando o capitalismo “verde”. Não pode continuar a ser o Norte Global a decidir o papel dos “outros” na dinâmica global de exploração dos recursos e do trabalho. É urgente rever estes processos recordando as narrativas de Galeano (2017), sobre o extrativismo de recursos e de sangue humano em África e na América Latina, o triângulo comercial que sempre beneficiou a Europa. Extrativismo que continua nos nossos dias, agora em nome da transição “verde” digital e energética europeia, o “green deal”, o conforto oferecido por novos produtos tecnológicos consumidos no Norte Global, produtos que representam novas “necessidades”, fabricados com metais raros extraídos em países do Sul Global (Pitron, 2023), como o lítio do Chile, ou com o trabalho infantil, como o cobalto do Congo, onde a igualdade, a liberdade e a democracia continuam a ser palavras que carecem de sentido.
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CONCLUSÕES
O atual modelo de Governação Global e o próprio estado atual das democracias liberais não favorecem o combate às alterações climáticas, pesem embora os esforços desenvolvidos pelos Estados através da celebração de acordos e protocolos, os quais apresentam claramente um défice de implementação.
O modelo económico global, de cariz neoliberal, dificulta a adoção de medidas efetivas, dado que se focaliza exclusivamente na extração de recursos, na produção de bens, no consumo e na acumulação de capital.
Como condição fundamental para construção de um futuro sustentável e alternativo é condição sine qua non o combate à pobreza global, a promoção de uma justiça global para com os mais pobres, a promoção do desenvolvimento e da democracia nos países pobres e a construção de um quadro de relações internacionais e de Governação Global distinto do atual e que seja fiel a uma ética cosmopolita, colocando os interessas da humanidade em primeiro lugar e, desde logo, o interesse de proteção ambiental e do combate às alterações climáticas.
Só neste quadro se poderá caminhar para a aplicação de soluções e ferramentas técnicas que permitam minimizar o impacte antropogénico no planeta e, em particular, na atmosfera. As soluções para superar os riscos pressupõem uma abordagem distinta da atual, na qual o Homem ocupe o lugar que lhe cabe no sistema ecológico global, em respeito pelas dinâmicas naturais.
A consideração do direito ao ambiente e do direito ao clima como um Direito Humano constitui um avanço importante a ter em conta no quadro de uma nova Governação Global.
As abordagens decrescentistas constituem um contributo fundamental a ter em consideração. Uma economia estacionária e a importância da valorização dos comuns são elementos centrais na mudança necessária. Não há lugar para uma produção sem limites e a escassez que é gerada pela transformação dos comuns em propriedade privada é o elemento que conduz a que estes bens ou recursos passem a ser encarados em função do seu valor de troca e não em função do seu valor de uso, sendo que este último é realmente aquele que importa, quer sob o ponto de vista da sua utilização, quer sob o ponto de vista ecológico.
É fundamental promover uma cultura focalizada no Homem na sua dimensão integral e superar a perspetiva do Homo consumericus a que se refere Gilles Lipovetsky na sua obra “A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo”. O Homem por “ter”, que consiste numa construção social absurda da modernidade, terá necessariamente que ceder lugar ao Homem por “ser” e, antes de mais, “por ser em equilíbrio com o seu sistema ecológico”, sob risco de, não se promovendo esta mudança, estarmos todos condenados a “deixar de ser”. Nesta perspetiva, esta mudança depende de nós, pelo que existe um imperativo ético global de que lutemos por que aconteça.
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VI.
VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Amin, Said (1997), El capitalismo en la era de la globalización, Paidós, Barcelona; Arendt, Hannah (2019), Sobre a Revolução, Relógio d’Água, Lisboa; Bauman, Z. (2001), Globalização: as consequências humanas, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, Capítulo 5. Lei global e ordens locais; Galeano, Eduardo (2017), As Veias Abertas da América Latina, Antígona, Lisboa; Horton, Helena (2022), Rightwing populist parties blight climate policy, study finds, The Guardian, 14 april 2022; Latouche, Serge (2020), Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno, Edições 70, Lisboa; Lipovetsky, Gilles (2017), A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumo, Edições 70, Lisboa; Lusa e Público (2023), Guterres fala em fracasso moral dos países ricos e pede reformas das instituições multilaterais, Jornal Público, 21 de maio de 2023, Lisboa; Merril, Roberto, Bizarro, Sara, Marcelo, Gonçalo e Pinto, Jorge (2019), Rendimento Básico Incondicional. Uma Defesa da Liberdade, Edições 70, Lisboa; Pitron, Guillaume (2023), The rare metals war, Scribe, London; Pogge, Thomas (2008), ¿Qué es la Justicia Global?, Revista de Economia Institucional, Vol. 10, N.º 19, Segundo Semestre 2008, pp. 99-114; Pogge, Thomas W. (2007), Para erradicar a pobreza sistémica: em defesa de um Dividendo dos Recursos Globais, SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, Número 6, Ano 4, pp. 142-166; Saito, Kohei (2022), El capital en la era del Antropoceno, Sine Qua Non, Barcelona; Schumpeter, Joseph (2018), Capitalismo, Socialismo e Democracia, Actual Editora, Lisboa; Sousa Santos, B. (org.) (2001), Globalização. Fatalidade ou Utopia?, Porto: Edições Afrontamento, Capítulo 1. Os Processos de Globalização; Stiglitz, J. E. (2002), Globalização: A Grande Desilusão, Lisboa: Terramar; Viallet, Jean-Robert (2018), Breakpoint: Uma Outra História do Progresso. L’homme a mangé la terre», documentário baseado na obra de Christophe Bonneuil & Jean-Baptiste Fressoz: «L’Evénement Anthropocène: La Terre, l’histoire et nous».
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ANÍBAL LIMA SILVA Licenciado em Sociologia pela Universidade do Porto, cidade de onde é natural, cedo percebeu que pretendia continuar ligado ao mundo académico. Nesse sentido, completou o Mestrado em Economia e Gestão da Inovação, também pela Universidade do Porto, tendo, entretanto, realizado diversos cursos nas áreas das políticas públicas, desporto, inovação e gestão em prestigiadas instituições, como a Universidade de Londres ou a Universidade Autónoma de Barcelona. Apresentou ainda o seu trabalho em algumas conferências como o P3DT (Políticas Públicas, Planeamento e Desenvolvimento Territorial) ou as Jornadas Internacionais sobre Grandes Problemáticas do Espaço Europeu. Paralelamente à sua vida académica, esteve envolvido na gestão de empresas, tendo enveredado pelo mundo do empreendedorismo. Actualmente encontra-se a realizar o Doutoramento em Políticas Públicas na Universidade de Aveiro, sendo também colaborador na Câmara Municipal de Matosinhos.
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS
– O PAPEL DO PROGRESSO
TECNOLÓGICO PARA A MITIGAÇÃO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E PARA
O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
E SOCIAL DA SOCIEDADE
Aníbal Lima Silva
AS
CIDADES, A INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA E AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
É inevitável falar sobre elas. Já as sentimos no nosso quotidiano e se nada for feito para mudar a situação actual, será demasiado tarde para inverter o processo de alterações climáticas que estamos a viver. Temperaturas extremas, fenómenos meteorológicos severos e imprevisíveis, subida contínua dos níveis da água do mar ou secas persistentes. Tudo exemplos de desafios complexos para a humanidade, mas que urge combater, sobretudo na óptica da mudança de comportamentos, seja a título individual, seja numa perspectiva de gestão por parte das autoridades. Mas como conseguir alcançar as metas rumo a um desenvolvimento sustentável, mantendo em simultâneo o desenvolvimento económico e social para as populações? A aposta na tecnologia pode ser uma das respostas. Neste trabalho observamos o fenómeno da inovação e da tecnologia ao serviço das cidades e tentaremos perceber se essa poderá ser a resposta que necessitamos. De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), aquando o estabelecimento dos objectivos do desenvolvimento sustentável (2015), existe a necessidade de olharmos para as cidades, já que metade da população mundial vive em ambientes urbanos. Aliás, garantir a existência de cidades e comunidades sustentáveis trata-se de um dos objectivos das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável, mais concretamente o décimo primeiro dos dezassete traçados. Afirma-se que, com o horizonte de 2030, se pretende reduzir o impacto ambiental negativo, por habitante, dentro das cidades. Não é, porém, fácil atingir tal desígnio, sendo para isso necessário um forte envolvimento por parte dos Estados, nomeadamente através da criação de políticas públicas capazes de atingir resultados.
Segundo Thomas Dye, políticas públicas são tudo aquilo que os Governos escolhem fazer ou não fazer. São um grupo de decisões inter-relacionadas tomadas
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por um indivíduo ou grupo político, relativamente à selecção de determinadas metas e à forma de a elas chegar. Tudo isto numa situação específica, onde as decisões que se tomam estão ao alcance dos referidos indivíduos ou grupo (Jenkins, 1978). Falar em políticas públicas é sublinhar a importância dos Estados na sociedade. Se outrora lhes estavam apenas confiadas as competências de assegurar a defesa ou a justiça, à medida que os anos se foram passando o seu raio de acção foi-se estendendo pela economia, educação ou assuntos sociais, entre outros (Nys, 2006).
As políticas públicas destinadas às cidades podem ser ou não provenientes de decisões atribuídas ao Estado Central, podendo, muitas vezes surgir dos órgãos mais próximos das populações, nomeadamente o poder local. Se olharmos para o caso Português, a Constituição da República Portuguesa, de 1976, estabelece que “a organização democrática do Estado compreende a existência de Autarquias locais. As Autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas.” Institui-se também que “o Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios de subsidiariedade, da autonomia das Autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública.” Refere ainda que “as Autarquias locais são as Freguesias, os Municípios e as Regiões Administrativas” a que se juntam as Regiões Autónomas nas ilhas. Na Constituição, encontra-se também referência para a existência de Regiões no Continente, porém, tal desígnio nunca chegou a concretizar-se, permanecendo a regionalização por realizar em Portugal (Silva, 2018).
Recentemente, o termo inovação tornou-se num dos mais utilizados na sociedade. Naturalmente associamos inovação a diversas políticas públicas implementadas, daí que seja relevante perceber concretamente o que é a inovação e como se foi alterando o seu significado ao longo dos tempos.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) estabelece que existem quatro tipos de inovação, nomeadamente a de produto, que pode ser um novo serviço ou o melhoramento de um outro que já existisse, a inovação de processo, que constitui o surgimento de um novo processo ou uma melhoria, inovação de marketing, que pode ser uma nova abordagem ou uma grande mudança no que já se fazia e, finalmente, a inovação organizacional, que passa pela criação de uma nova organização ou em mudanças no que já existe (OCDE, 1995). A referida organização, no seu Manual de Oslo, de 2018, refere que nem tudo o que é lançado para o mercado se trata de uma inovação, sendo preciso que a mesma seja assimilada pelo mercado para a que a possamos considerar nesses moldes (OCDE, 2018). Esta trata-se da visão mais recente e, simultaneamente, mais consensual da actualidade, onde se afirma que a inovação deve respeitar o meio-ambiente em que vivemos, nunca ignorando conceitos tão fundamentais como a qualidade de vida das pessoas e das futuras gerações, devendo a inovação ter sempre a preocupação da sustentabilidade
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do planeta (Seyfang & Smith, 2007). Para percebermos onde estamos agora e, assim, entender o que é a inovação, importa perceber de que forma o conceito se foi alterando ao longo dos anos, desde o seu surgimento. Recuando ao século XIX, entendemos inovação como uma abordagem fora dos cânones habituais, destinada a procurar aumentar o lucro conseguido (Śledzik, 2013). Trata-se de um contexto muito associado aos primórdios da análise económica, pelo que não é de estranhar que os grandes nomes da economia clássica tenham também olhado para o fenómeno. Na “Riqueza das Nações”, Adam Smith (1756) afirma que o desempenho de uma fábrica pode ser melhorado graças ao conhecimento científico. David Ricardo (1817) introduz o progresso técnico como relevante para a indústria, numa abordagem com bastantes semelhanças ao anteriormente citado. Karl Marx (1867) utiliza o mesmo termo que Ricardo, sublinhando a sua relevância no que concerne à dinâmica capitalista.
Com o advento da escola neoclássica, a inovação deixou de constar nos tópicos de maior importância, passando o enfoque da generalidade dos economistas para a forma de criar condições para a existência de uma alocação óptima de recursos (Nelson, 1998).
Aquele que acaba por ser considerado, quase unanimemente como o pai da inovação é Josef Schumpeter. Segundo ele, a inovação causava o desenvolvimento económico através de um processo de substituição de tecnologias antigas por tecnologias novas. A este processo chamava de destruição criativa (Schumpeter, 1912). Para o autor austríaco, este era um fenómeno endógeno às empresas, já que no seu âmbito se insere a criação de novos produtos, métodos de produção, mercados ou ainda a exploração de matérias-primas novas ou a criação ou destruição de um monopólio que seja vigente (Schumpeter, 1912). De sublinhar que, para Schumpeter, uma inovação é distinta de uma invenção, pelo facto da segunda resultar da implementação da primeira no mercado. Só a inovação corresponde a algo novo.
No entanto, após Schumpeter introduzir este tema de grande relevância, a generalidade dos investigadores não continuou a sua abordagem. A temática volta a ser aflorada na análise de John Maynard Keynes, que se socorre do termo progresso técnico, como Ricardo fizera. Afirma então, que o mesmo se reveste de uma importância secundária. Para o autor é importante a existência do progresso técnico, mas a mesma carece de relevância, já que não se traduz, necessariamente, na geração de emprego, ponto este considerado como o fundamental para o autor (Keynes, 1936).
E assim se manteve a abordagem científica até à chegada do modelo de Abramovitz e de Solow. O seu modelo de equilíbrio geral de crescimento económico associava o progresso técnico à função de produção. Os autores acreditavam que o desenvolvimento tecnológico tinha influência directa na relação entre o produto e os factores de produção. De referir que, à época, não se incluía a componente qualitativa na análise realizada (Abramovitz, 1956; Solow, 1957).
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O autor mais relevante que se seguiu neste domínio foi o Nobel da Economia Paul Romer. Se até então se observava um claro desconforto resultante das críticas feitas ao facto da análise vigente ser bastante restritiva no atinente ao progresso técnico, a qual esquecia tudo o que advinha do conhecimento e que assumia que os mercados se comportavam como uma competição perfeita, o que sabemos não ser o caso (Costa, 2016), Romer afirmava que o conhecimento acumulado dos agentes económicos era o causador do crescimento económico equilibrado. Para ele, o conhecimento era um bem não rival, parcialmente exclusivo, ou seja, podia dar retorno para as populações, as quais poderiam adquirir conhecimentos e depois utilizá-los. Após Romer, Porter abordou também a inovação, classificando-a como um método de criação de novos serviços, técnicas ou produtos (Porter, 1990).
Mais recentemente, foi Fagerberg (2004) a assumir o papel de protagonista no âmbito da investigação acerca de inovação, estabelecendo que se trata de um factor fundamental no crescimento económico, sendo mesmo a tábua de salvação das economias, evitando estagnações e proporcionando o crescimento contínuo.
A inovação é encarada como um factor de grande importância na acção dos Estados. Com efeito, defende-se a utilização de políticas públicas de inovação, as quais entendemos como um conjunto de acções sectoriais diversificadas, realizadas pelos Governos, onde existe interesse em as integrar na sociedade, nomeadamente nos socorrendo do nível do conhecimento científico existente (Edquist, 1997).
É até vista como um pilar para sustentar os Estados nos momentos de crise e dificuldade, proporcionando vantagens competitivas mesmo em contextos adversos que levem a que seja possível superar as dificuldades (De Massis, Frattini & Lichtenthaler, 2016). As dificuldades são, para muitos autores, uma grande motivação para o surgimento da inovação, sendo destacada a importância e a necessidade de agentes inovadores que sejam bastante persistentes (Peters, 2009), mesmo se também se entende e considera que “success breeds success”, já que o sucesso de uma dada inovação acaba por criar um ambiente favorável ao surgimento de novas inovações, facilitando o processo para os envolvidos (Mansfield, 1968; Stoneman, 1983). De uma perspectiva meramente financeira, o sucesso de uma inovação pode trazer consigo lucro e esse lucro pode ser reinvestido, criando a tal dinâmica favorável e facilitando a chegada a novo sucesso (Les Bas & Latham, 2006; Les Bas & Scellato, 2014). De referir que o êxito económico de uma dada inovação funciona como um dos principais atractivos para o alcance de mais inovações. As grandes inovações exigem, por norma, um grande investimento, nomeadamente no seu início (Sutton, 1991; Peters, 2009), o que leva à necessidade de retorno para sustentar os custos existentes, retorno este que é mais facilmente atingível se o processo de criação de inovações for contínuo, com um forte enfoque no I&D (Peters, 2009; Kuratko, Hornsby & Naffziger, 1997).
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Não podemos deixar de sublinhar que a maioria dos contributos para o estudo da inovação enquanto conceito vêm da Economia, não deixando as outras áreas de contribuir também para a análise deste fenómeno (Boschma, 2010). Este autor encara a inovação como um fenómeno social, associado às populações e ao espaço onde a acção se desenrola. Richard Nelson e Bengt-Ake Lundvall, respectivamente os criadores da ideia de Sistema Nacional de Inovação nos Estados Unidos da América e na União Europeia (chamado Sistema de Inovação), corroboram da opinião que o factor económico não é o único capaz de influenciar a inovação, sendo a localização onde a mesma ocorre um factor fundamental e indelevelmente associado ao resultado obtido e ao meio através do qual se chega a esse objectivo. De sublinhar que estes referidos Sistemas, surgiram ainda na década de 1980, aportando consigo políticas destinadas ao desenvolvimento dos contextos, algo aprofundado ao longo dos anos com os Sistemas Regionais de Inovação.
Estamos perante um fenómeno multidimensional e multidisciplinar, o que leva a que seja capaz de atingir um crescimento de múltiplas maneiras, como por exemplo ao nível do conhecimento ou da tecnologia. Quando se pensa em inovação deve-se olhar para todas as dimensões deste fenómeno, criando um valor acrescentado para o público-alvo com criatividade e encarando a multidisciplinariedade como uma pedra basilar do que é a inovação (Santos, 2018).
Não sendo, conforme referi, a inovação um feudo da área económica, o seu estudo ultrapassa fronteiras científicas e académicas tradicionais, bebendo de áreas tão distintas para lá da Economia, como a Engenharia, a Gestão, a Sociologia, a Geografia (Wolffenbuttel, 2018) ou as Políticas Públicas. O Sociólogo Italiano Francesco Ramella (2014) afirma que a inovação possui cinco características chave na sua natureza. Ela é relacional, processual, distinta da mudança, diferente de invenção e não é, obrigatoriamente, algo positivo, podendo ser nociva no contexto em que se aplica.
Muitos autores divergem acerca da origem da inovação. Para muitos, ela deve surgir de um contexto privado, nomeadamente através de empresas como startups ou de capital de risco. Segundo esta linha de pensamento, é o cariz empreendedor das pessoas e das empresas que leva ao surgimento da inovação, afirmando que os Estados possuem uma grande rigidez que os impede de serem inovadores e trazerem soluções novas para as populações. Acrescentam que os Estados estão desfasados do que é a realidade e que essa distância faz com que não seja possível criar uma sintonia entre as inovações necessárias e o Estado enquanto criador e propiciador das mesmas (Thurik, Stam & Audretsch, 2013). Uma das mais destacadas autoras que se opõe a esta corrente é a Italiana Mariana Mazzucato, que reforça a importância do Estado como o grande inovador. Refere que uma larga maioria das inovações marcantes da sociedade surgiram por intermédio do Estado, fosse como criador directo ou como impulsionador das mesmas. Dentro dos exemplos destacados estão os comboios, os medicamentos
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ou até a própria nanotecnologia. Sublinha o surgimento da internet, hoje tão associada às grandes empresas e seus respectivos magnatas, como uma conquista proveniente de políticas públicas, da acção do Estado, ou não surgisse ela como o resultado de uma rede criada nos Estados Unidos da América para que as forças armadas pudessem comunicar entre si. Postula que existe uma visão dissonante sobre qual o papel do Estado na economia, sendo a visão de muitos marcadamente negativa, olhando para a Administração Pública como algo lento, afastado das necessidades da população, fortemente burocratizada, pouco ágil e incapaz de proporcionar qualidade de vida aos cidadãos, assim como proporcionar crescimento económico aos países, sendo olhada, muitas vezes, como um estorvo à acção das empresas. Para Mazzucato esta é uma visão que ignora o papel fundamental dos Governos no surgimento de um sem número de inovações, que mesmo sendo hoje detidas por privados ou simplesmente a eles associados, vieram da iniciativa Estatal, que tinha como objectivo afectar positivamente a vida dos seus cidadãos, nas suas mais diversas dimensões (Mazzucato, 2014). Sendo certo que se concorda com a visão de West (2014), que não exclui nenhum agente da inovação e que afirma que ela deve ser aberta à generalidade dos actores sociais, na medida em que só assim a informação flui e é possível estimular o surgimento da inovação, sublinha-se no decurso deste trabalho a importância do Estado enquanto criador de inovação, nomeadamente através da sua acção directa na vida dos cidadãos, criando e implementando inovações no dia-a-dia das populações, particularmente em contextos urbanos, que são aqui focados. As próprias cidades foram recebendo inovações ao longo dos tempos. Se outrora não eram mais do que meras aglomerações populacionais onde pululavam as construções, mais ou menos bem pensadas, actualmente existe a preocupação de planear e de decidir em prol da melhoria das condições de vida das populações. Acresce a isso a influência da preocupação ambiental, que leva a que as decisões sejam tomadas numa perspectiva de não prejudicar a natureza. De acordo com a OCDE, corroborando o que nestas linhas foi escrito, citando as Nações Unidas, pelo menos metade da população vive num centro urbano, entendendo por centro urbano como um território onde habitam pelo menos cinquenta mil habitantes. Na sua definição, afirma-se que é composto por uma aglomeração de grande densidade, com malhas contíguas de um quilómetro quadrado e uma densidade mínima de 1500 habitantes por quilómetro quadrado. O crescimento contínuo das cidades e dos fluxos populacionais em torno das mesmas levou a que se tornasse cada vez mais difícil para as autoridades controlar os territórios. Não nos referimos apenas ao ambiente, mas também a outras questões, como a mobilidade ou a segurança, que influenciam de sobremaneira a qualidade de vida das populações, que se deteriora à medida que as cidades crescem sem controlo. Se olharmos para as preocupações dos cidadãos, percebemos que boa parte delas incluem o que agora se referiu, acabando, por isso mesmo, por influenciar fortemente a própria agenda política das localidades. São diversos os motivos que levam alguém a
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tomar a sua decisão na hora de votar em alguém, no entanto, sabemos que um dos mais fortes motivos na hora de preencher o boletim de voto se prende com a salvaguarda dos interesses pessoais. Se a ele adicionarmos a escolha por pretender aquilo que se julga melhor para a comunidade, então facilmente percebemos que o funcionamento correcto das cidades influencia muito as possíveis escolhas eleitorais. É nesse sentido que boa parte das políticas públicas locais ou dirigidas às localidades estão ligadas à segurança das populações, assim como à construção de infraestruturas de transportes que facilitem o dia-a-dia das populações. São exemplos disso mesmo a construção de uma linha férrea ou de uma nova estrada, assim como apostar na compra de novos veículos de transportes públicos. Este último exemplo é fundamental no combate às alterações climáticas. Se pensarmos que uma fatia importante da poluição causada vem das viagens realizadas pelos cidadãos, causando problemas até ao nível da qualidade do ar das cidades, então facilmente percebemos que o caminho deve ser feito para que a mobilidade urbana seja cada vez menos poluente. A tecnologia pode ajudar a esse nível, nomeadamente através da criação de meios de transporte não poluentes, como é exemplo a aposta na electrificação dos transportes ou então em veículos movidos a hidrogénio. Mas os avanços tecnológicos não se ficam por uma simples melhoria dos meios existentes. Muitos autores defendem que o paradigma das próprias cidades se deve alterar, nomeadamente através de uma aposta em cidades tecnológicas, denominadas de smart cities. Segundo Komninos (2006), uma smart city trata-se de um território que apresenta uma forte capacidade de aprendizagem e de inovação. Constróise através da criatividade da população, aliada às instituições de criação de conhecimento e à infraestrutura existente para as comunicações e a gestão e disseminação de know-how. O autor salienta a importância dos cidadãos e das instituições locais na busca pelo estatuto de smart cities, naquilo que se considera ser, também, uma forma de engajamento com a população na busca de objectivos. A empresa de consultoria McKinsey (2018), defende que uma smart city tem três características em particular. Em primeiro lugar, a base tecnológica. Qualquer cidade que almeje o estatuto de inteligente deverá possuir um número alargado de equipamentos ligados a redes de alta velocidade, como smartphones, computadores ou tablets, de modo a que seja possível estar em constante transmissão e recepção de dados. Deverão igualmente ser implementados múltiplos sensores, espalhados pela cidade, os quais servirão não apenas para “tomar o pulso” à urbe, mas também para gerir questões tão prementes como o fluxo de tráfego, a energia consumida, a qualidade do ar respirado ou a intensidade necessária de luz artificial, entre muitos outros exemplos. Seguidamente, as smart cities deverão possuir aplicações específicas, as quais permitam informar as populações e os decisores em tempo real. A existência dessas aplicações oferece uma ligação permanente entre cidadãos e criadores de tecnologia, o que levará a uma melhoria contínua
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da sua performance. As aplicações podem ser fundamentais no contacto entre cidadãos e serviços públicos em diversos âmbitos, nomeadamente na habitação, segurança, mobilidade, saúde, água e gestão de resíduos ou na energia, entre outros exemplos. Finalmente, defendem a utilização pública alargada, ou seja, não chegam as duas premissas que anteriormente se avançaram, sendo necessário que elas sejam acessíveis a todos e que todos as saibam dominar. Aliás, para que sejam bem-sucedidas, as inovações terão de ser bem utilizadas e mudar os comportamentos existentes (Woetzel, 2018). Nesse sentido, as smart cities têm como finalidade redefinir o planeamento urbano, baseando-o nas tecnologias de informação e comunicação, assim como em outras tecnologias capazes de levar a uma melhoria da qualidade de vida das populações e a uma utilização mais eficiente dos recursos disponíveis.
Ainda de acordo com a McKinsey (2018), o reconhecimento de uma cidade com o rótulo smart, não deve ser o seu derradeiro objectivo. Na realidade, aquilo que se pretende é, essencialmente, uma resposta mais dinâmica e eficiente às necessidades e desejos dos residentes das cidades. A tecnologia não pode ser mais do que uma ferramenta de optimização das infraestruturas, dos recursos e dos espaços à disposição dos habitantes. Alerta-se ainda que a generalidade das cidades não quer ficar para trás neste domínio. Porém, é importante que não se deixem enredar no que é o fascínio exagerado pela tecnologia, que esquece o bem-estar e os interesses da população.
E a verdade é que, em muitas ocasiões, quase sem darmos conta disso, vivemos num mundo profundamente tecnológico. Muitas das “profecias” e das teorias acerca do crescimento tecnológico já são uma realidade e a verdade é que até nas mais simples tarefas, não dispensamos o uso de aparelhos tecnologicamente desenvolvidos. É um grande exemplo disso mesmo, no nosso país, a forma como a Administração Pública se relaciona com os Portugueses. Se pensarmos no que eram os contactos entre cidadãos e Estado antes da criação do programa Simplex, facilmente percebemos que foi feito um caminho bem longo para chegarmos ao momento actual, onde tarefas que outrora consumiam bastante tempo estão agora à distância de um mero clique ou da utilização de uma aplicação. Mas está longe de ser apenas aí que encontramos a tecnologia como factor de ajuda à população. A área da saúde é outro exemplo claro. Com o investimento no Serviço Nacional de Saúde, tem sido possível adquirir maquinaria capaz de realizar procedimentos complexos e com isso melhorar a assistência aos cidadãos, com óbvios ganhos no atinente à sua esperança de vida. Muitas vezes mal vistos pelos cidadãos, mas factores importantes na prevenção da sinistralidade rodoviária, os radares de trânsito são capazes de monitorizar a velocidade instantânea ou a velocidade média das viaturas, no que constitui um uso simples de tecnologia por parte do Estado, no quotidiano das populações. Mais polémicos, fruto de questões relacionadas com a preservação da privacidade individual, são os sistemas de videovigilância. Câmaras instaladas pelas ruas acabam por funcionar como
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elemento dissuasor de crimes, quase como encarnando um papel de substituto dos agentes da autoridade. É um exemplo claro do uso de tecnologia, onde se dá, inclusivamente, uma substituição da figura da autoridade, de um indivíduo por uma máquina. Não menos polémico é o voto electrónico, um sistema que não é utilizado em Portugal e que altera por completo o momento de exercer o direito ao voto, passando o mesmo a ser colocado num aparelho electrónico, no que constitui mais uma inovação, à semelhança das anteriormente citadas. Posto isto, a inovação na tecnologia permite o acesso a múltiplas mudanças para as populações, devendo o caminho das smart cities ser trilhado para melhorar as condições de vida dos cidadãos e o tratamento dado actualmente ao meio ambiente. Mas será assim tão simples? Pois bem, a verdade é que não. Por muito que seja tentador imaginar um mundo composto por smart cities, quase ao nível de um filme de ficção científica, a verdade é que, como nos diz a sabedoria popular, nem tudo o que reluz é ouro. Com efeito existe um lado negro nas smart cities que nos leva a ser cautelosos nesta abordagem.
Em primeiro lugar, o conceito, em si, é demasiado amplo e subjectivo. Afinal de contas, como podemos definir correctamente o que é uma cidade inteligente? É certo que já aqui foram exprimidas neste ensaio definições desse conceito, todavia não nos é fácil aquilatar se uma cidade alcançou ou não uma transformação que a leve a ser considerada uma smart city, algo que seria mais simples de fazer se estivéssemos a falar de uma cidade criada de raiz para o efeito, à semelhança do que se vem fazendo em algumas latitudes.
Junte-se a isso a demora no processo e a complexidade do mesmo. Não existe um livro de instruções sobre como tornar uma comunidade numa smart city. Sim, existem determinados passos essenciais, porém eles devem ser ajustados à realidade local. Tomemos o exemplo do nosso país. O esforço para fazer do Município de Aveiro ou de Vila Real smart cities não é semelhante. As características dos espaços são distintas, assim como as infraestruturas já existentes. Exige-se para isso que seja feito um estudo detalhado das necessidades locais, o que levará a que não seja um processo tão fácil e rápido, com óbvias consequências na grandeza do investimento a realizar, o que pode condicionar esta transformação.
A estes factores associam-se, igualmente possíveis limitações a nível político e/ou empresarial. No que concerne às políticas públicas, algumas limitações podem condicionar a transformação para cidade inteligente. Um desses factores é a questão da opção política. Já aqui foi dito, há algumas linhas, que é muito mais simples construir uma smart city de raiz, do que adaptar uma cidade já existente e, muitas vezes, com origens seculares ou milenares. Sendo certo que países como a República Popular da China, a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes Unidos apostaram na criação de cidades com estas características, não é tão simples ou acessível para países Europeus, realidade onde Portugal se insere, criar cidades a partir do zero. O desafio é sobretudo desenvolver e inovar nas cidades. Tal situação leva a que possa existir uma dissonância entre os decisores,
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a qual poderá ser agudizada através dos ciclos eleitorais, que podem ser curtos para a implementação de políticas deste género. Imaginemos um processo que possa levar mais do que os quatro anos habituais de duração de um mandato autárquico ou legislativo em Portugal. Fruto das obras existentes e quase sempre necessárias em apostas deste género, a insatisfação dos cidadãos poderá levar a mudanças na liderança dos destinos da cidade, mudança essa que poderá deitar por terra as alterações a operar. Ora tudo isto provoca uma incerteza numa opção deste género, o que faz com que a aposta seja mais pontual e não em tão larga escala. Os tempos políticos são, também eles, considerados um possível obstáculo. Por vezes, a velocidade da evolução tecnológica é tal, que a legislação a ela dirigida se torna rapidamente ultrapassada. Sentiu-se isso, por exemplo, com a entrada generalizada dos drones no mercado. A aposta numa smart city ser, eventualmente travada por demoras processuais ou burocráticas, poderia influenciar negativamente a opinião popular e o engajamento com as populações é fundamental para que este desígnio se atinja. Ainda a nível de decisões políticas, as questões ligadas aos custos são também preponderantes. O investimento em tecnologia, sobretudo de vanguarda, é elevado. Ora fruto das exigências existentes, assim como os apertos orçamentais que possam existir, não é simples para o decisor levar adiante projectos desta índole. A própria manutenção da maquinaria e das infraestruturas existentes tem um custo elevado, necessitando de recrutar trabalhadores qualificados para o efeito.
Já para as empresas, sublinha-se que elas podem ser fundamentais na criação de uma smart city. Porém, elas são, por norma, incapazes de por si só resolver a questão. Na verdade, a decisão final terá de passar sempre pela Administração Pública, mas dir-se-ia que o envolvimento público não ficaria por aí. Os custos associados a uma operação deste género são normalmente incomportáveis para o sector empresarial, que dificilmente obteria lucro dessa aposta. O mais recomendável para eles seria a aposta em parcerias público-privadas, com a tecnologia a ser desenvolvida em consonância com as necessidades públicas. Tal tem sucedido em diversas partes do mundo, com empresas tecnológicas consideradas de referência. Mais importante, e nem sempre factor impulsionador para a aposta em tecnologia, é a opinião dos cidadãos. Muitas vezes, as pessoas são avessas a mudanças de grande ordem, pelo que as mudanças causadas neste âmbito iriam seguramente impactar nas suas vidas. Tal acaba por causar, por vezes, reacções negativas para com a situação. Acresce a isso a dificuldade de uma larga franja da população. Nem todos sabemos lidar com as novas tecnologias e a existência de cidades inteligentes leva a que uma miríade de acções necessitem de conhecimentos que muitos não têm. Tal constituiria uma discriminação social para com certos indivíduos, o que é altamente indesejável. Indesejável também seria uma possível intrusão nos dados dos cidadãos. Para qualquer empresa, os dados com as preferências dos utilizadores constitui um enorme valor, já que é através desses dados que têm a possibilidade de conhecer os hábitos dos seus
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consumidores e assim ajustar a sua oferta. Pegar em dados públicos relevantes, constitui um perigo elevado, pelo que este é outro motivo capaz de travar as smart cities e sublinhando como é essencial planear correctamente as opções e contar com o apoio e adesão popular para projectos desta envergadura. John Kotter (1995) refere que a forma como a mudança é conduzida pode levar a que o sucesso seja atingido ou não. O que se pode retirar dos casos de sucesso é que eles passam por uma série de momentos até ao desígnio final ser alcançado, o que necessita de tempo e de paciência. Não devemos saltar passos, já que fazê-lo constitui um erro, pois cada momento é importante para cimentar essa ideia. Para Kotter, a mudança de paradigma corre o risco de falhar se não for estabelecido um sentido de urgência forte, se não existir uma liderança de confiança, se faltar uma visão ou se a questão for mal comunicada aos stakeholders. Acrescenta que não devem ser removidos obstáculos, mas sim ultrapassados, assim como seguir sempre o plano inicial e levá-lo até ao fim, sem cantar vitória demasiado cedo, na medida em que a mudança é um processo que leva tempo. Voltando ao caso nacional, não é simples implementar medidas que convertam as cidades Portuguesas em smart cities. Sendo certo que as Autarquias sempre gozaram de autonomia em relação ao Estado central, que são fortemente arreigadas no país e fundamentais no dia-a-dia das populações (Bilhim, 2004), a verdade é que se debatem com claras dificuldades para conseguirem levar a cabo operações deste género e desta envergadura.
Posto isto, será possível dizer que a aposta em inovação, em novas tecnologias e a conversão das cidades actuais em smart cities são os passos mais adequados para acabar com as alterações climáticas? A resposta não pode ser taxativamente afirmativa. Efectivamente e de acordo com o que se observou e enunciou no decurso deste ensaio, inovar e apostar em novas tecnologias pode ser bastante positivo e proveitoso para as populações. Porém, esse não é um caminho linear. Criar cidades inteligentes e utilizar tecnologias em todos os momentos da vida dos cidadãos pode constituir um problema claro, criando dificuldades quando a ideia era solucioná-las. Porém, a tecnologia pode e deve ser um aliado dos cidadãos e dos Estados para que sejam alcançadas metas no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável. Conforme foi possível demonstrar, a inovação pode ser um factor positivo e dinamizador para a população, trazendo consigo novos métodos, novos produtos ou novas abordagens a problemas. Devemos, por isso, adoptar uma postura inovadora no desafio que são as alterações climáticas. Aproveitando as tecnologias de comunicação para sensibilizar as populações sobre a importância das suas acções, monitorizando as emissões de CO2 de modo a conseguir controlá-las ou verificando a quantidade de água utilizada para rega, de modo a evitar perdas desnecessárias, estamos a servir-nos da inovação tecnológica para alcançar o objectivo do bem comum. Estes são alguns exemplos do muito que pode ser feito, tomando sempre uma postura dialogante com as populações, de forma a garantir a sua motivação para com este desígnio.
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Acrescenta-se que o objectivo não deve ser a criação por si só de uma smart city. Deve-se sim trabalhar para fazer das nossas cidades o mais inteligentes possível e mais aptas para melhorar a vida da sociedade, garantindo sempre o desenvolvimento económico. Felizmente esse trabalho tem vindo a ser feito no âmbito nacional, quer por iniciativa do Estado central, quer por iniciativa de diversas Autarquias, cimentando a ideia que, não sendo a resposta para todos os males, a inovação tecnologia tem a capacidade de ser decisiva no combate às alterações climáticas, assegurando simultaneamente a prosperidade económica e social dos cidadãos.
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EDUARDO CARVALHO
Luiz Eduardo de Carvalho estudou Farmácia e Bioquímica e Letras na Universidade de São Paulo e formou-se em Comunicação Social na ESPM, é licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Nove de Julho e fez o Curso de Extensão Universitária de Escrita Criativa: Técnicas e Práticas da PUC - RS. Sempre atuou na intersecção entre Cultura, Educação e Política, tendo emprestado da Comunicação Social as ferramentas para as pontes: professor, teatrólogo, publicitário, jornalista e gestor cultural, dedica-se exclusivamente à produção literária desde 2015, conquistou 110 prêmios literários. Publicou 17 títulos: O Teatro Delirante; Retalhos de Sampa; Sessenta e Seis Elos; Frasebook; Xadrez; Quadrilha; Evoé, 22!; O Pirata Grilheta e os Dragões do Mar; Um Conto de Réis (e de Rainhas); Crônicas do Ofício; Curtas-metragens; Cabra Cega; Q Absurdo!; Multiversos Mãos de Deus - Biografia do Padre Júlio Lancellotti e Os Primeiros Músicos. No prelo: Bicho-da-Seda.
CORRENDO ATRÁS DO TEMPO
Eduardo Carvalho
INTRODUÇÃO
A palavra tempo tem algumas acepções. Dispensa definição a que indica um período, duração de algo medido em horas, dias, meses ou anos. Pode também significar a condição ou o estado meteorológico da atmosfera numa região em certo período. Este ensaio tratará exatamente da superposição de ambos os sentidos: o tempo urgente em relação às medidas para melhoria das condições do tempo ou, em outras palavras, do histórico descompasso entre a passagem do tempo e a necessidade crescente de mitigação dos efeitos causados pelas alterações climáticas sob a decorrência de causas naturais e, sobremaneira, das ações humanas.
Muito se discute a respeito das alterações climáticas que incidem sobre o planeta desde que os seres humanos tornaram-se capazes de as observar e aferir fenômenos naturais decorrentes dos movimentos orbitais e das alterações da radiação solar, por exemplo, e relacioná-las comparativamente com o componente antropogênico, ou seja, aquele decorrente de sua própria atividade, notadamente a emissão de gases geradores do efeito estufa decorrente de ações fabris, transporte ou criação extensiva de rebanhos, entre outras atividades de profundo interesse para o desenvolvimento econômico.
Não há dúvidas de que atitudes no campo das políticas públicas internacionais estão sendo tomadas para dinamizar a discussão a respeito dos efeitos deletérios das mudanças climáticas sobre o meio ambiente e, consequentemente, em relação à manutenção do desenvolvimento sustentável e da própria ocupação humana no planeta de recursos finitos. Cabe debater se a velocidade com que ações mitigadoras estão sendo propostas e efetivamente implantadas corresponde à urgência da questão que aponta cenários de, num horizonte extremo, extinção, senão de nossa espécie, ao menos do modo com que ela se organiza em seu modelo político, social e econômico vigente.
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ANTECEDENTES
Há registros de teorias acerca do clima desde a antiguidade clássica, porém as formulações teóricas inaugurais a respeito da interferência humana no clima remontam ao século XIX, quando ainda não se manifestaram como motivo de preocupação, menos ainda como objeto de políticas públicas. Até a metade do século XX, a comunidade científica não elencava as ações humanas como agentes significativas de deformações no sistema climático, como asseverado nos estudos de Fourier e Chamberlain. Alguns, como Arrhenius, Ekholm e Callendar, apontavam a contribuição humana como positiva.
A construção social do problema fundou-se nos meados da década de 1950, quando observados os resultados do Programa Internacional de Geofísica 1 – IGY1, potencializados pelas conclusões do IGY2, que introduziram com contundência no debate científico o problema das alterações climáticas derivadas de ação humana inadvertida. O marco inaugural da construção das políticas públicas relativas ao tema aponta, portanto, ao ano de 1956 quando da realização da primeira audiência legislativa de aprovação do orçamento do programa americano para o IGY, ocasião em que se introduziu no congresso estadunidense a questão das alterações climáticas e seu reconhecimento no campo político, embora ainda restrito à escala localizada ou, se visando à análise de efeitos mais generalizados, concernentes exclusivamente aos campos militares e geoestratégicos, à margem do pensamento ambientalista propriamente dito. Tal iniciativa correspondeu a uma reação inicial do campo político a um processo iniciado fora do campo acadêmico, no setor privado da economia: foi a indústria, com investigadores empregados em laboratórios próprios, a primeira instituição a desenvolver pesquisa e a produzir serviços de modificação do tempo, os chamados rainmakers, com projetos comerciais para o bombardeamento de nuvens (cloud seeding projects). A partir de 1957, estudos passaram a ser encomendados pelo governo para avaliar a pertinência da implantação de políticas públicas na área, levando à implantação de diversos programas em diferentes departamentos do Estado. Assim, o investimento finalmente chegou às universidades para projetos de pesquisa em Modificações do Clima canalizados pela Fundação Nacional de Ciência – NSF. No encalço da formação de programa nacional de modificação do clima, nesse mesmo ano, aconteceram audiências legislativas para a discussão, em segundo plano, dos problemas relacionados com as alterações inadvertidas do clima, entre elas, a questão da acumulação de dióxido de carbono e o possível efeito designado por aquecimento global. O processo legislativo norteamericano relativo às modificações do clima, no entanto, só viu a primeira legislação promulgada quinze anos adiante, em 1972, e um programa federal a ser aprovado ainda mais tardiamente, apenas em 1976.
Nas últimas cinco décadas, acirrou-se a oposição entre aqueles que acolhem os padrões predatórios em que se baseiam nossa economia e os do
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grupo que defende o uso racional de recursos naturais e o esforço para a erradicação dos efeitos deletérios de nossas atividades sobre o meio ambiente. Há, entre os dois extremos, uma extensa gama de posicionamentos que ora pendem mais a uma, ora a outra das alegações; o suficiente para fundar um complexo e continuado debate que se manifesta no campo político, tanto no espectro mundial, quanto no das decisões locais. Mediante o contraste de tais premissas, a questão traduz-se no âmbito das discussões em torno de políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável, ou seja, ao conjunto de práticas econômicas capazes de suprir as necessidades atuais, sem comprometer a capacidade de atendimento das futuras gerações, ou, já nas palavras do Chefe Seattle em carta escrita em 1854, um alerta traduzido na seguinte formulação: “o que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.”
MEIO SÉCULO DE ARTICULAÇÃO POLÍTICA INTERNACIONAL PARA O COMBATE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
DUAS TÍMIDAS DÉCADAS
Embora houvesse precedentes, como o visionário grupo de cientistas intitulado Clube de Roma que, já em 1968, reunia-se para a debater um vasto conjunto de assuntos relacionados à política, economia internacional e, sobretudo, ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável, um dos marcos históricos fundantes de encaminhamentos de soluções aconteceu entre 5 e 16 de junho de 1972, na cidade de Estocolmo, onde cento e treze países reuniram-se na I Conferência da Nações Unidas Sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano que se desdobrou na elaboração da Declaração de Estocolmo, com dezenove princípios que representam um Manifesto Ambiental a abordar a necessidade de “inspirar e guiar os povos do mundo para a preservação e a melhoria do ambiente humano”, além de estabelecer as bases para a nova agenda ambiental do Sistema das Nações Unidas. Naquela ocasião, não só a poluição atmosférica, que já alarmava a comunidade científica, mas também a poluição da água e a do solo provenientes da industrialização e a pressão do crescimento demográfico sobre os recursos naturais foram discutidas, o que derivou na criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, que prioriza o monitoramento e os estudos acerca dos aspectos ambientais das catástrofes e conflitos, a gestão dos ecossistemas, a governança ambiental, as substâncias nocivas, a eficiência dos recursos e as mudanças climáticas.
A iniciativa, contudo, apenas engatinhava, sem muita amplitude no tocante à disseminação de seus teores já adiantados pelo industrial italiano Aurelio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King, fundadores do Clube de Roma que, naquele ano de 1972 ganharia evidência planetária com a
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publicação do relatório intitulado Os Limites do Crescimento, elaborado por uma equipe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts – MIT, contratada pelo clube e chefiada por Dana Meadows. Tal documento, também conhecido como Relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows, tratava de problemas cruciais para o futuro desenvolvimento da humanidade tais como energia, poluição, saneamento, saúde, ambiente, tecnologia e crescimento populacional. Uma edição comercial foi publicada e impressa com mais de 30 milhões de cópias em 30 idiomas, tornando-se o livro sobre ambiente mais vendido da história.
Nos Estados Unidos, a promulgação do National Climate Program Act, em 1978, foi uma ação governamental pioneira a estabelecer meios de financiamento e enquadramento legal para diversos serviços ligados ao clima e iniciou um programa de monitorização destinado a aferir dados críticos da teoria do aquecimento global com rigor acadêmico. Em 1980, Jimmy Carter promulgou leis que ficariam conhecidas como Energy Security Act, uma resposta americana à crise petrolífera da década de 70, cujas audiências legislativas elencaram diversas intervenções acerca das preocupações com as alterações climáticas com a definição do alerta de que um apoio à produção endógena de combustíveis fósseis derivasse na consolidação de um complexo industrialcientífico, nos âmbitos público e privado, com a criação de poderosos lobbies, que não permitiriam o incremento de mecanismos de travamento dos interesses estabelecidos assim que o problema das alterações climáticas deletérias fosse percebido pelas futuras gerações. Tais preocupações proféticas não foram suficientes para impedir a promulgação da lei, mas estabeleceram importantes características legais inovadoras, que a consagram como a primeira lei mundial com medidas de estímulo à eficiência energética e apoio às energias renováveis, em especial da energia solar, além de ser uma das primeiras a elencar o questão do aquecimento global no contexto de uma política energética.
Já presentes nos movimentos antinucleares das décadas de 1950 e 1960, os ambientalistas engajados na política somente se organizam em partidos verdes a partir de 1972 na Oceania, notadamente na Tasmânia e na Austrália, seguidos, nos anos consecutivos, da fundação de de outras instituições partidárias em países europeus como a Alemanha, França, Grã-Bretanha, Espanha. Desde então, ao longo das cinco décadas seguintes, o crescimento foi espantoso e os verdes alcançaram, por exemplo, 118 cadeiras no Bundestag, além de outras 21 no Parlamento Europeu em 2022. Cabe ressaltar, no entanto, que, embora busquem alcance global, a atuação desses legisladores ambientalistas pautase mais pelas questões internas de cada país, ainda que contribuam para a melhoria planetária seguindo a velha máxima ecológica de que ações locais têm repercussão global.
No âmbito das políticas internacionais propriamente ditas, demorou mais de uma década desde a Declaração de Estocolmo, até que, em 1983, a exPrimeira Ministra da Noruega, a médica mestre em saúde pública, Gro Harlem
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Brundtland foi convidada pela ONU para ser a primeira presidente da recéminstalada Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A escolha para este papel derivou do fato de a visão da cientista transcender as barreiras do mundo médico e alcançar aspectos ambientais e de desenvolvimento humano. Em abril de 1987, a Comissão Brundtland, como ficou conhecida, publicou um relatório inovador, “Nosso Futuro Comum”, apresentando o conceito de desenvolvimento sustentável ao discurso público. Eis alguns de seus postulados:
“O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades.”;
“Um mundo, onde a pobreza e a desigualdade são endêmicas, estará sempre propenso às crises ecológicas, entre outras… O desenvolvimento sustentável requer que as sociedades atendam às necessidades humanas tanto pelo aumento do potencial produtivo como pela garantia de oportunidades iguais para todos.”;
“Muitos de nós vivemos além dos recursos ecológicos, por exemplo, em nossos padrões de consumo de energia… No mínimo, o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos.”;
“Na sua essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de mudança, no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas.”
Enquanto o planeta já se esvaia em recursos e despejava quantidades nefastas de poluentes no meio ambiente, seriam necessários mais cinco preciosos anos de estudos e tímidos avanços no debate até, em 1988, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas – IPCC ser criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – ONU Meio Ambiente, e pela Organização Meteorológica Mundial – OMM, e constituído por um grupo de cientistas reunido com o fito de suprir os formuladores de políticas públicas com avaliações científicas continuadas a respeito da mudança climática, suas implicações e possíveis riscos futuros, bem como para propor opções de adaptação e mitigação.
Os relatórios do IPCC, elaborados por três grupos de trabalho (o de Base da Ciência Física, o de Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade e o de Mitigação da Mudança do Clima) eram essencialmente neutros, não prescritivos e relevantes à política, pois ofereceram, em um relatório de síntese das três frentes a cada ciclo de avaliação, dados e argumentos para negociações internacionais direcionadas ao enfrentamento das mudanças climáticas, ao passo que determinaram os consensos da comunidade científica e apontaram as áreas em que são necessárias mais pesquisas. Além disso, criou-se uma
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força-tarefa sobre Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa, cujo escopo abrangia o desenvolvimento e o refino da metodologia empregada no cálculo e na apresentação de resultados das emissões e das remoções de tais gases em cada país.
A CÚPULA DA TERRA, UM DIVISOR DE ÁGUAS
O movimento em busca de Desenvolvimento Sustentável, enfim, ganhou grande impulso duas décadas após àquela quase desconhecida reunião de Estocolmo: foi realizada, em 1992, no Rio de Janeiro, a II Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Humano, conhecida como Cúpula da Terra, que adotou a chamada Agenda 21, um detalhado traçado de medidas para a proteção do planeta. Mediante o agravamento das condições ambientais e o aumento da percepção acerca das mudanças climáticas, bem como pelo acirramento do debate com crescente adesão dos meios de comunicação de massa, o debate introduziu o premente tema do desenvolvimento sustentável com contundência sem precedentes na agenda pública internacional e com definitivo reconhecimento e adesão de seus principais agentes no sentido de elaborarem um detalhado programa para um crescimento econômico baseado em prerrogativas que considerem a proteção e renovação dos recursos ambientais dos quais depende: proteção da atmosfera e da camada de ozônio, combate ao desmatamento e à desertificação, prevenção à poluição do ar, do solo e das águas, com defesa às faunas terrestre e aquática, promoção da gestão segura de resíduos tóxicos, destinação do lixo, prevenção contra o aumento das temperaturas na terra e nos mares e suas consequências, com o descongelamento das calotas polares e aumento dos níveis dos oceanos, morte de corais, etc.
A contenda entre desenvolvimentistas, sustentabilistas, conservacionistas e ambientalistas, além de apresentar uma plural gama de opiniões com diferentes sensos de urgência, acirrou-se com os desdobramentos socioeconômicos atrelados com maior evidência e contumácia ao debate relacionado ao meio ambiente e às mudanças climáticas. Os campos políticos ideológicos passaram a ficar cada vez mais indistintos daqueles relacionados com as práticas econômicas no que diz respeito ao campo proximal ao preceito de sustentabilidade. Os ecologistas ou ambientalistas, chamados de “verdes”, passaram a ser vistos com dupla pele, sendo a outra a de cor vermelha, associada aos socialistas ou comunistas, numa dura e combatente postura em oposição à dos capitalistas como detentores dos meios de produção deletérios. O discurso prevalente do neoliberalismo passou a ser combatido com mais eficácia mediante a incorporação dos argumentos que incorporaram a longevidade do planeta, e consequentemente da espécie humana, no centro de suas preocupações. Movimentos insurgentes, que culminariam com grandes manifestações anti-hegemônicas, como os do Fórum Social Mundial, começavam a pulular em todos ambientes, desde os corredores acadêmicos, até o chão-de-fábrica, passando pelas diversas diversas casas legislativas mundiais e
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evidenciando-se, de forma cada vez mais contundente, por meio dos noticiários veiculados nos meios de comunicação de massa.
Além da Agenda 21, também foram elaboradas pela Assembleia da Rio 92 a Declaração dos Princípios sobre Florestas, as Convenções sobre a Diversidade Biológica, a Declaração do Rio e a Convenção sobre a Mudança do Clima. Ainda naquele ano de 1992, foi adotado o principal instrumento internacional nesse assunto, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – UNFCCC, responsável pelo contínuo fórum de debates realizado nas Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que presentemente, em 2023, tem a sua vigésima sexta edição.
RECURSOS E AMPLITUDE ECONÔMICA DO DEBATE
De acordo com a assembleia da Cúpula da Terra, os recursos para o financiamento da implantação da Agenda 21 viriam preponderantemente dos setores públicos e privados de cada país. Como, entretanto, montantes adicionais mostraram-se necessários para contemplar os esforços dos países em desenvolvimento, a fim de implementar as práticas de desenvolvimento sustentável e proteger o meio ambiente global, foi instituída a Facilidade Ambiental Global – GEF (em inglês), que forneceu U$ 8,8 bilhões em doações e gerou mais de U$ 38,7 bilhões em co-financiamento com os governos beneficiários, agências de desenvolvimento internacional, indústrias privadas e ONGs, para viabilizar quase 2,5 mil projetos em mais de 165 países em desenvolvimento ou com economias em transição –também fez mais de 10 mil pequenas doações diretamente à organizações nãogovernamentais e comunitárias.
Os projetos do GEF, realizados em sua maioria pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, pela ONU Meio Ambiente e pelo Banco Mundial, conservam a diversidade biológica, combatem as mudanças climáticas, revertem a degradação das águas internacionais, eliminam as substâncias que destroem a camada de ozônio, combatem a degradação da terra e a seca, reduzem ou eliminam a produção e o uso de poluentes orgânicos persistentes.
Ainda no plano das políticas econômicas para fins de financiamento de ações voltadas ao Desenvolvimento Sustentável, cabe ressaltar que a lista dos órgãos ativos da ONU inclui também a Organização Marítima Internacional – OMI, a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – UNIDO, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos –ONU-HABITAT e a Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA. O Pacto Global da ONU ainda envolve, para o cumprimento dos princípios ambientais, a comunidade empresarial internacional, com cujo financiamento concorrem iniciativas da GEF, do Banco Central, da ONU Meio Ambiente e do PNUD.
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A Agenda 21 extrapolou a discussão ambiental para abordar a pobreza e a dívida externa dos países em desenvolvimento; padrões insustentáveis de produção e consumo; pressões demográficas e a estrutura da economia internacional, com a recomendação de instrumentos de fortalecimento de grupos hipossuficientes como o das mulheres e dos povos originários bem como o de outros como as organizações sindicais, de agricultores, de crianças e jovens, da comunidade científica, de autoridades locais, de empresas, indústrias e ONGs, a fim de, conjuntamente pautados em ações sinérgicas, alcançar o urgente desenvolvimento sustentável. Com a intenção de fortalecer tal esforço e assegurar amplo apoio, a Assembleia Geral instituiu a Convenção da ONU sobre a Diversidade Biológica e a Convenção da ONU de Combate à Desertificação em Países que Sofrem com a Seca e/ou a Desertificação e estabeleceu a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável como um órgão funcional do Conselho Econômico e Social.
No bojo desta abrangência, um relatório da ONU de 1994 já demonstrava que as alterações climáticas ensejam um desafio ao desenvolvimento sustentável não somente relacionado aos impactos sobre o meio ambiente, mas, concomitantemente, no desenvolvimento econômico e social, com variações tão notadas em termos de distribuição geográfica, no aspecto estritamente físico, como naqueles políticos e econômicos. Assim, suas consequências variam não apenas de região para região mas, também, em função das diferenças sociais, ocupacionais, geracionais e até mesmo de gênero.
Os dados apontaram que, sobremaneira nos países em desenvolvimento, as pessoas em situação de pobreza e, mais ainda, aquelas na linha de extrema pobreza, sofreriam impactos deveras mais contundentes. O relatório do Banco Mundial, Shock Waves: Managing the Impacts of Climate Change on Poverty, que avalia as relações entre a mudança climática e o empobrecimento, aponta que desdobramentos tais como desastres naturais, crise hídrica – com a redução da água potável e a consequente diminuição da segurança alimentar devido a perdas de safras, além dos decréscimos na geração de energia elétrica – e a propagação de doenças como malária, diarreia e nanismo podem deixar centenas de milhões de pessoas completamente desassistidas, comprometendo seriamente a segurança da saúde da população global.
Ainda em 1994, foi realizada em Barbados a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, que adotou um Programa de Ação propositor de políticas, ações e medidas em todos os níveis para promover o desenvolvimento sustentável para essas nações.
CONFERÊNCIAS
DO CLIMA – COPS E OUTROS DESDOBRAMENTOS DA CÚPULA DA TERRA
A partir de 1995, foi criada uma plataforma para reunir os chefes e representantes de Estados: as Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas,
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realizadas anualmente, sob o âmbito da UNFCCC. São as chamadas COPs que já aconteceram sucessivamente em Berlim, Genebra, Kyoto, Buenos Aires, Bonn, Haia, Marrakech, Deli, Milão, novamente em Buenos Aires, Montreal, Nairóbi, Bali, Poznan, Copenhagen, Cancún, Durban, Doha, Warsaw, Lima, Paris, novamente em Marrakech, mais uma vez em Bonn, Katowice, Madri, Glasgow, Sharm El-Sheikh e Dubai (ainda por acontecer em 2023).
Em março de 1997, com o intuito de avaliar e suplementar a implantação da Agenda 21, a Assembleia Geral reuniu-se na Cúpula da Terra+5, no Rio de Janeiro. A carta de recomendações da sessão indicou “a adoção de metas juridicamente vinculativas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa que geram as mudanças climáticas; uma maior movimentação dos padrões sustentáveis de distribuição de energia, produção e uso; e o foco na erradicação da pobreza como pré-requisito para o desenvolvimento sustentável.” Tais princípios ficariam implícitos em muitas das futuras conferências da ONU, como a Segunda Conferência da ONU Sobre Assentamentos Humanos, em Istambul, no ano de 1999; a Sessão Especial da Assembleia Geral sobre Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, em Nova York, em 1999; a Cúpula do Milênio, também em Nova York, em 2000, cujo sétimo item dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio é “garantir a sustentabilidade ambiental”, e a Reunião Mundial de 2005, entre outros.
Em dezembro de 1997, durante a COP 3 no Japão, foi assinado o protocolo de Kyoto que estabelece metas obrigatórias para trinta e sete países industrializados e para a comunidade europeia reduzirem as emissões de gases estufa; são elas: “aumento da promoção de práticas autossustentáveis, especialmente ligadas ao manejo florestal, como reflorestamento, por exemplo; mais formas de agricultura sustentável, com menos impactos ao meio ambiente; maior utilização de fontes limpas e renováveis de energia; realização de pesquisas com o objetivo de encontrar tecnologias ambientais seguras; redução da emissão de metano; colaboração entre os países participantes, visando à adoção de tecnologias mais seguras.”
Embora tenha sido discutido e ratificado em 1997, apenas em 16 de fevereiro de 2005 o protocolo de Kyoto entrou em vigência, depois de a Rússia aceitar e ratificar seus termos, integrando assim o conjunto de países responsáveis por ao menos 55% das emissões de gases poluentes no planeta. No entanto, os Estados Unidos, maior emissor de gases poluentes do mundo, responsável por cerca de 25%, não demonstraram interesse na assinatura, alegando que a preferência do país era por meios alternativos no controle da emissão de gases poluentes.
Entre 8 de agosto e 4 de setembro de 2002, realizou-se a Cúpula Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável de Joanesburgo, também chamada de Rio+10. Após um criterioso balanço acerca das realizações e dos novos desafios decorridos desde a Cúpula da Terra de 1992, o principal objetivo da nova reunião foi o da efetiva implementação das metas, promessas e compromissos
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da Agenda 21 traduzidas em ações tangíveis e aferíveis. Assim, os países participantes assinaram a Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável e um Plano de Implementação, com trinta e sete itens a detalhar prioridades de ações, sob a perspectiva de, entre outras, trabalharem “juntos para nos ajudar mutuamente a ter acesso a recursos financeiros e aos benefícios da abertura de mercados, assegurar a capacitação e usar tecnologia moderna em prol do desenvolvimento, e assegurar que haja transferência de tecnologia, desenvolvimento de recursos humanos, educação e treinamento para banir para sempre o subdesenvolvimento”, com “a promessa de aplicar foco especial e dar atenção prioritária à luta contra as condições mundiais que apresentam severas ameaças ao desenvolvimento sustentável de nosso povo. Entre essas condições estão: fome crônica; desnutrição; ocupações estrangeiras; conflitos armados; problemas com drogas ilícitas; crime organizado; corrupção; desastres naturais; tráfico de armamentos; tráfico humano; terrorismo; intolerância e incitamento ao ódio racial, étnico e religioso, entre outros; xenofobia; e doenças endêmicas, transmissíveis e crônicas, em particular HIV/AIDS, malária e tuberculose”; com o comprometimento de “assegurar que a valorização, fortalecimento e emancipação da mulher e a igualdade de gênero estejam integradas em todas as atividades abrangidas pela Agenda 21” e reafirmando ”o papel vital dos povos indígenas no desenvolvimento sustentável”.
Em janeiro de 2005, a comunidade internacional, reunida nas Ilhas Maurício, procedeu à revisão do Programa de Barbados das Nações Unidas e aprovou um amplo conjunto de recomendações específicas para sua implementação, A Estratégia de Maurício, aborda questões como “as mudanças climáticas e a elevação do nível do mar; desastres naturais e ambientais; gestão de resíduos; recursos costeiros, marítimos, de água doce, terrestres, energéticos, turísticos e de biodiversidade; transporte e comunicação; ciência e tecnologia; globalização e liberação do comércio; produção e consumo sustentável; desenvolvimento de capacidade e educação para o desenvolvimento sustentável; saúde; cultura; gestão do conhecimento e da informação para tomada de decisão.”
CAMPANHAS DE CONSCIENTIZAÇÃO E MOBILIZAÇÃO
A década compreendida entre 2005 e 2014 foi declarada pela Assembleia Geral como a Década das Nações Unidas da Educação Para o Desenvolvimento Sustentável, num esforço de alavancar de forma contínua a disseminação e assimilação do conceito. Assim, a Década, que tem a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO como principal agência promotora e divulgadora, procurou auxiliar as diversas populações mundiais a desenvolverem atitudes, habilidades e conhecimento para tomarem decisões informadas para o benefício próprio e dos outros, agora e no futuro, e para agirem sobre essas decisões.
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Baseadas em tal iniciativa, outras observâncias similares e com igual intento foram designadas como, por exemplo, a Década Internacional “Água para a Vida”, também iniciada em 2005; o Ano Internacional das Fibras Naturais, em 2009, o Ano Internacional da Biodiversidade, em 2010, e o Ano Internacional das Florestas, em 2011, entre outras que se seguiram. Além disso, datas comemorativas relacionadas ao meio ambiente também foram declaradas pela Assembleia e incluem: o Dia Mundial da Água (22 de março), o Dia Internacional para a Diversidade Biológica (22 de maio), o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca (17 de junho), o Dia Internacional para a Preservação da Camada de Ozônio (16 de setembro), o Dia Internacional para a Prevenção da Exploração do Meio Ambiente em Tempos de Guerra e Conflito Armado (6 de novembro) e o Dia Internacional das Montanhas (11 de dezembro).
AUMENTO DE MOBILIZAÇÃO NA ÚLTIMA DÉCADA
Entre 13 e 22 de junho de 2012, aconteceu, no Rio de Janeiro, a Rio+20 que contou com a participação de chefes de Estado e de Governo de 188 nações, das quais, 185 dentre os 193 países-membro da ONU, além de representantes do Vaticano, da Palestina e da União Europeia, que reiteraram seus compromissos com a sustentabilidade do desenvolvimento, sobretudo, no que concerne ao modo como estão sendo usados os recursos naturais do planeta.
A Conferência foi marcada pelo esforço de promover a participação social com a concessão inédita de espaço de palavra aos representantes dos nove grupos sociais distinguidos na Agenda 21, os Major Groups, para se manifestarem na Plenária de Alto Nível - na qual tradicionalmente somente se manifestam os Chefes de Estado e de Governo dos países-membro da ONU. O intuito era a ampliação do esforço e representatividade na construção e na implementação dos compromissos pela sustentabilidade vistos sob dois eixos temáticos: o da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e o da estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável.
A “plena participação da sociedade civil” ficou realçada no primeiro parágrafo do documento intitulado “O Futuro que Queremos”, embora tal participação tenha sido questionada por diversos grupos sociais, gerando críticas ao texto síntese da Conferência.
O debate sobre “economia verde” apontou para oportunidades de complementaridade e de sinergia com outros esforços internacionais, englobando atividades e programas para atender às diferentes realidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento. É importante relembrar que a redução das desigualdades – em níveis nacionais e internacionais – é fundamental para a plena realização do desenvolvimento sustentável no mundo. As discussões sobre a estrutura institucional buscaram formas para melhorar a coordenação e a eficácia das atividades desenvolvidas pelas diversas instituições do sistema
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ONU que se dedicam aos diferentes pilares do desenvolvimento sustentável: o econômico, o social e o ambiental.
Os países debateram, principalmente, maneiras pelas quais os programas voltados ao desenvolvimento econômico, ao bem-estar social e à proteção ambiental podem ser organizados em esforços conjuntos, que realmente correspondam às aspirações do desenvolvimento sustentável, visando maior mobilização dos militantes e crescente envolvimento e participação da sociedade civil.
Algumas das propostas apresentadas propuseram a reforma da Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável – CDS, com o objetivo de reforçar seu mandato de monitoramento da implementação da Agenda 21, adotada durante a Rio-92, e seu papel de instância de coordenação e de debate entre representantes dos países e da sociedade civil. Quanto à reforma das instituições ambientais, vários países apontaram a importância de que sejam fortalecidas as capacidades de trabalho do PNUMA, aumentando a previsibilidade dos recursos disponíveis para que essa instituição apóie efetivamente projetos em países em desenvolvimento. A reforma da estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável observou o equilíbrio entre as questões sociais, econômicas e ambientais.
Em setembro de 2015, ocorreu na sede da ONU em Nova York, mais uma Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, na qual definiram-se os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, como parte de uma nova agenda de desenvolvimento sustentável que deve finalizar o trabalho dos ODMs e não deixar ninguém para trás. Com prazo para 2030, mas com o trabalho iniciado desde então, tal agenda ficou conhecida como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que reúne 17 objetivos com 169 metas integradas para abrangem as dimensões social, ambiental e econômica do desenvolvimento sustentável.
Os objetivos são: “acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos; promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos; construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus
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impactos; conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade; promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; e fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.”
O ACORDO DE PARIS
Ainda em 2015, no mês de dezembro, foi firmado, por 195 países, o Acordo do Clima de Paris, com o empenho conjunto para adotar uma economia de baixo carbono até o fim deste século, com o objetivo central de manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais e de garantir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. Ficou estabelecido que, com o fito de alcançar a neutralidade e acabar com a era do combustível fóssil, mudando a matriz para as chamadas energias limpas como a eólica e a solar, além de reduzir significativamente o desmatamento global, as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas o mais rápido possível em algum momento próximo do final deste XXI. Para atingir tal objetivo, as emissões precisam ser cortadas em cerca de 50% até 2030.
O acordo foi aberto para assinatura em 22 de abril de 2016, Dia da Terra, e ratificado, a seguir pela União Europeia, entrando em vigor em 4 de novembro de 2016. Até setembro de 2022, 194 membros da UNFCCC faziam parte do acordo sendo que, de seus quatro estados membros que não ratificaram o acordo, o único grande emissor é o Irã. Os Estados Unidos retiraram-se do Acordo em 2020, mas, mediante a pressão política e econômica internacional, voltaram em 2021.
Firmou-se o objetivo de ajudar os participantes a se adaptarem aos efeitos das mudanças climáticas e mobilizar financiamento suficiente. Cada país deve determinar, planejar e informar regularmente sobre suas contribuições, sendo que não há mecanismos que obriguem um país a estabelecer metas de emissões específicas, porém ficou estipulado que cada meta deve oferecer resultados superiores às anteriores. Ao contrário do Protocolo de Kyoto de 1997, a distinção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento no Acordo de Paris é tênue, equalizando o compromisso de todos para apresentar planos consecutivos e crescentes de redução de emissões.
Alguns criticam a fragilidade do Acordo de Paris pelo fato de que, sem penalizações previstas, seus signatários podem sair a qualquer momento, e sob a severa observação de que as promessas então firmadas são insuficientes
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para atingir as metas de temperatura estabelecidas. Na prática, alguns aspectos mostraram-se um fracasso, já que, em 2015, segundos dados do PNUMA, 55 bilhões de toneladas de gases de efeitos estufa foram lançados à atmosfera e, em vez de alcançar a redução estabelecida, o volume, em 2019, cresceu para 55 bilhões de toneladas, portanto um acréscimo de 10%.
Com o advento da pandemia de COVID, no entanto, a taxa caiu numa média de 17%, bem menos do que o esperado mediante a drástica redução das atividades industriais, comerciais e de transportes, projetando a necessidade de uma mudança sistêmica muito mais drástica, sobremaneira na substituição da matriz energética, uma vez que a produção de combustíveis fósseis continua crescendo a taxas superiores a 2% e a destruição de sumidouros de carbono cresce em índices superiores a 6% ao ano. Com isso, até 2020, ou seja, em apenas cinco anos, as temperaturas globais já haviam se elevado acima de 1% dos 1,5% toleráveis até 2030.
Efeitos do aquecimento que acabam ocasionando ainda mais aumento podem ser vistos em todo o planeta, como os incêndios florestais que se espalham na Amazônia, na Austrália, nos EUA e no Canadá. Outros efeitos catastróficos são observados com o crescimento de furacões, de ondas de calor, de potencialização de efeitos do El Niño, ondas de calor em regiões frias como a Sibéria, o derretimento acelerado das calotas polares, sobremaneira do Ártico.
Por outro lado, observam-se progressos como, por exemplo, a nova composição da matriz energética que, cinco anos após o Acordo de Paris, atingiu, de acordo com a Agência Internacional de Energia, um índice recorde de crescimento na casa dos 90% no incremento dos índices de participação da energia renovável em relação aos totais globais. A expectativa é a de que, até 2025, ela componha mais de 50% da matriz total, resultado esperado principalmente mediante o incentivo oferecido pela queda dos custos de produção e implantação de usinas eólicas e de painéis solares, que diminuem em virtude do aumento de demanda e de novas soluções tecnológicas, as quais também englobam outros setores, como o crescente desempenho e a diminuição de custo de veículos elétricos, com consequente crescimento de oferta de unidades na frota total, o que pode ser avalizado pela impressionante alta do preço das ações de empresas como a Tesla e pela adesão de toda a indústria automobilística tradicional, antes pautada exclusivamente em produção de motores à explosão de combustíveis fósseis, com montadoras que agora concorrem para essa nova demanda que o mercado consumidor mais consciente oferece.
Observa-se que o mundo está se unindo em torno de novos objetivos pautados nas metas da Conferência de Paris que pretende trazer os índices de emissões de gases de efeito estufa a uma proporção igual ou inferior à capacidade de absorção pelos sumidouros de carbono, como as florestas, por exemplo. Reino Unido, Estados-membros da União Europeia, Noruega, Chile, China, Coreia do Sul, Japão e até os resistentes Estados Unidos anunciaram promessas de carbono zero líquido a partir de 2050 a 2060. Caso isso enfim se
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verifique, de acordo com o Climate Action Tracker, que analisa dados relativos ao carbono atmosférico, o aumento da temperatura esperado para o período seria de 2,1º C, muito próximo da meta estipulada em Paris. Questiona-se, no entanto, se os países transformarão as promessas para os meados do século em grandes mudanças políticas e econômicas nos dias atuais. Os governos de países em desenvolvimento apresentaram planos nacionais não vinculativos em Paris, as chamadas contribuições determinadas nacionalmente em 2015, que foram inadequadas, projetando um desastroso aumento de 3 ºC de aquecimento global. Foi firmado também um mecanismo pelo qual os países devem apresentar novos planos nacionais quinquenais, para trazê-los em linha com a meta de longo prazo.
SALVAÇÃO POSTERGADA?
A última Conferência do Clima, realizada no Egito em 2022, trouxe resultados relevantes, contudo também mais postergação de agendas urgentes. Entre os avanços, o principal destaque foi a criação de um fundo de perdas e danos. O fundo é uma vitória para os países mais vulneráveis, que são os mais impactados pelos desastres climáticos, e que agora têm, com o Plano de Implementação de Sharm Al-Sheik, um reconhecimento de que os países que mais contribuíram para a mudança do clima devem responsabilizar-se em pagar esta conta. Foi criado um comitê responsável por apresentar as recomendações para as regras de funcionamento deste novo mecanismo financeiro na COP 28, marcada para Dubai no final de 2023, quando também se espera que seja debatido quem efetivamente participa e quanto de dinheiro será destinado a esses países. Em relação ao mercado de carbono, o Artigo 6 trouxe alguns avanços e segue debatendo mecanismos que sejam determinantes para os critérios de adicionalidade e integridade, incluindo estabelecimento de disposições para abordar o monitoramento, permanência e as reversões liberadas na atmosfera. Acerca das perdas e danos, elenca-se a operacionalização da Rede de Santiago, criada na COP 25, em Madri, que tem o objetivo de prover assistência técnica e transferência de tecnologia para apoiar os países mais vulneráveis no enfrentamento às emergências climáticas, além do incremento na agenda de Adaptação Climática com a criação de uma estrutura para o alcance da meta global de adaptação. Para Agenda de Mitigação, também objetivou-se a aceleração da implementação de medidas e, no tema de florestas e agricultura, o Plano de Implementação reconhece a urgência em garantir a segurança alimentar e o combate à fome, uma vez que os sistemas agrícolas são fortemente impactados pelas mudanças climáticas, o que inclui o papel crítico da restauração, incluindo o pagamento por serviços ambientais, conservação e proteção dos sistemas de água doce, além de reconhecer as sinergias entre as agendas de biodiversidade e clima. No mais, apenas reforçou velhos compromissos ainda sem planos claros de execução, sem adição ao que já estava acordado anteriormente. Sendo assim,
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e na contramão dos alertas da ciência, não houve nenhuma mudança em relação ao uso de combustíveis fósseis ou processos de descarbonização, deixando o chamado, feito em Glasgow, sem resposta.
O primeiro Balanço Global (Global Stocktake), processo estabelecido para avaliar a redução das emissões de gases de efeito estufa, da construção de resiliência aos impactos climáticos e da obtenção de financiamento e apoio para enfrentar a crise do clima, será concluído na próxima Conferência do Clima, a COP28, em Dubai em novembro e dezembro de 2023. O primeiro Balanço Global reúne mais de 1,6 mil documentos de diversas fontes, além de contribuições a partir de consultas não apenas com cientistas, mas também governos, cidades, empresas, agricultores, povos indígenas, líderes da sociedade civil, entre outros. Os principais resultados já vieram a público durante o lançamento do Relatório Síntese do Balanço Global e demonstram o quão longe o mundo está de alcançar os objetivos do Acordo de Paris e como a janela de oportunidade para o sucesso da ação climática está se fechando. Destaca que, se não tomarmos medidas mais ambiciosas antes do segundo Balanço Global em 2028, poderemos testemunhar a devastadora realidade de temperaturas globais acima de 1,5°C já nesta data. Embora o relatório destaque o progresso alcançado desde o Acordo de Paris – mostrando que atualmente a previsão de aumento das temperaturas globais está entre 2,4°C e 2,6°C até ao final do século, em comparação com 3,7°C e 4,8°C previstos em 2010 –, também deixa claro que será preciso mais ambição e urgência em todas as frentes para combater a crise climática.
Os países precisam aproveitar a fase política do Balanço para maximizar o seu impacto e evitar ficar apenas em conclusões vagas. Caberá aos líderes políticos dos países utilizarem os resultados para reforçar a implementação nacional dos seus compromissos climáticos, bem como aumentar a ambição e a ação – inclusive através de maior acesso a financiamento e apoio.
A resposta ao Balanço Global deve incluir um sinal inequívoco de que os países apresentarão novas Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDCs melhoradas, com metas climáticas ambiciosas para 2030 e 2035, muito antes da COP30. O financiamento para permitir o desenvolvimento e a implementação dessas NDCs será essencial. Como resultado do Balanço Global, o SecretárioGeral da ONU pode convocar um evento de alto nível no início de 2025, convidando os países a apresentarem as suas NDCs e compromissos financeiros. Os países também podem convocar a realização de balanços voluntários nacionais, regionais e temáticos em 2024 para ajudar a informar suas NDCs e outros compromissos nacionais.
Desde Estocolmo 1972, meio século de promessas e compromissos foram firmados e pouca ação efetiva na implantação de ações de desenvolvimento sustentável visando combater os efeitos das alterações climáticas foi observada. Com o perdão do prosaico trocadilho, insinuado desde a introdução deste ensaio, fica a inquietante indagação: haverá tempo para mudarmos o tempo a tempo de termos mais tempo para a espécie humana sobre o planeta?
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JEAN JAVARINI
Formação Acadêmica:
Graduação em Licenciatura Plena Matemática na FAFIA Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Alegre em 2004. Graduação em Administração de Empresas na FACIASC Faculdade de Ciências
Aplicadas Sagrado Coração em 1999. Especialização em Gestão Escolar nas Faculdades Integradas de Linhares, concluída em 2008. Experiência
Profissional: Professor B v.2 de Matemática na Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo. SEDU Tutor EAD da Unopar em Administração de Empresas, Pedagogia e Contabilidade. Participação em eventos: XII OBA (Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica) em 2009. Programa Vale Semear de Educação Ambiental - Meio ambiente e cidadania em 2003. Vários seminários e encontros acadêmicos relacionados a Administração, incluindo o Seminário dos Cursos de Administração em 1998 e 1997, o III EREAD (Encontro Regional dos Estudantes de Administração) em 1997, e outros eventos similares.
REVOLUÇÃO AMBIENTAL: TRANSFORMANDO PALAVRAS EM AÇÕES. REFLEXÕES SOBRE AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS
Jean Javarini
Cada escolha que fazemos é uma oportunidade para criar um mundo melhor. A discussão acerca das alterações climáticas e das políticas públicas, que visam mitigar seus impactos, é uma pauta urgente e de relevância crescente em nossa sociedade. Compreender o eixo de reflexão e promoção do debate democrático sobre esse tema é crucial, pois envolve a conciliação de princípios fundamentais, como a liberdade e a democracia, com as limitações de recursos naturais e as restrições às emissões de gases de efeito estufa. A primeira reflexão que se impõe é a necessidade de equilibrar a liberdade individual e a democracia com a preservação dos recursos naturais e a minimização das emissões de gases de efeito estufa. É inegável que a liberdade de empreender e a democracia são pilares essenciais de uma sociedade justa, mas o uso inadequado dos recursos ambientais ameaça o equilíbrio ecológico e, por conseguinte, o bem-estar das gerações presentes e futuras. Nesse contexto, o progresso tecnológico desempenha um papel fundamental. Através do desenvolvimento de tecnologias mais limpas e eficientes, é possível conciliar o crescimento econômico com a preservação ambiental. A inovação, aliada a políticas públicas eficazes, pode fomentar a transição para uma economia mais sustentável, impulsionando o desenvolvimento econômico e social da sociedade, sem comprometer a viabilidade ambiental. Outro ponto de reflexão é a sustentabilidade das metas de crescimento econômico em uma sociedade de recursos finitos. A busca incessante por crescimento, muitas vezes baseada no consumo exacerbado de recursos naturais não renováveis, é insustentável a longo prazo. Nesse sentido, é imprescindível repensar modelos de desenvolvimento que considerem o equilíbrio ecológico, a preservação ambiental e a gestão sustentável dos recursos da Terra e minerais. A dicotomia entre trocas comerciais e relações internacionais e a necessidade premente de mitigar as alterações climáticas é um
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desafio complexo. É vital encontrar formas de incentivar o comércio global sem comprometer o meio ambiente. O estímulo à produção local e a implementação de práticas sustentáveis nas cadeias de suprimentos podem ajudar a reconciliar esses interesses conflitantes. As grandes cidades desempenham um papel crucial nesse contexto, pois são centros de consumo de recursos ambientais e emissões de gases de efeito estufa. A capacidade de promover o auto abastecimento em áreas como alimentação e energia, bem como a transformação na mobilidade, são medidas que podem contribuir para mitigar os impactos ambientais. Megacidades e metrópoles, ao adotarem práticas ecoeficientes e sustentáveis, podem se tornar exemplos de gestão sustentável e ecossistemas equilibrados. Para que essas reflexões se traduzam em ações efetivas, é imperativo que a sociedade como um todo, juntamente com os governos e instituições, assuma a responsabilidade ambiental. A conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável devem ser prioridades em todas as esferas da vida, e práticas ecologicamente corretas devem ser incentivadas e recompensadas. Em síntese, o debate democrático em relação às alterações climáticas e políticas públicas é um desafio que requer um equilíbrio cuidadoso entre a liberdade, a democracia e a responsabilidade ambiental. Somente através do engajamento da sociedade, do avanço tecnológico, e da adoção de práticas sustentáveis, poderemos alcançar um futuro em que o crescimento econômico seja compatível com a preservação dos recursos naturais e a mitigação das alterações climáticas. A viabilidade ambiental do planeta e o bem-estar das gerações presentes e futuras dependem da ação consciente e decisiva nesse sentido.
O futuro da humanidade está intrinsecamente ligado à saúde do nosso planeta. Além das reflexões já apresentadas, é fundamental analisar a interconexão entre as políticas públicas e as alterações climáticas sob a perspectiva internacional. A colaboração global é essencial, uma vez que as emissões de gases de efeito estufa não respeitam fronteiras nacionais. A cooperação e o compromisso mútuo são imprescindíveis para enfrentar esse desafio, mesmo diante das complexidades políticas e econômicas que envolvem acordos internacionais sobre o clima. Nesse contexto, a diplomacia ambiental e as relações internacionais desempenham um papel vital. Outro ponto relevante diz respeito à conscientização da população. A promoção do debate democrático sobre as alterações climáticas envolve educar as pessoas sobre a importância de suas ações individuais e coletivas. A sociedade, ao compreender a relação entre suas escolhas de consumo, mobilidade e uso de recursos ambientais, pode pressionar por políticas públicas mais eficazes e demandar que as empresas adotem práticas mais sustentáveis. A transição para uma sociedade mais sustentável também exige uma análise profunda sobre o uso de recursos naturais renováveis e não renováveis. Os recursos da natureza, se explorados de maneira irresponsável, podem exaurir-se, comprometendo não apenas a economia, mas também a qualidade de vida. A gestão sustentável desses ativos naturais deve ser uma prioridade, visando ao desenvolvimento econômico de
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longo prazo. Um aspecto adicional a ser considerado é a necessidade de políticas públicas que incentivem a eco eficiência e a sustentação ambiental. Estimular a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias limpas, bem como promover a reciclagem e a economia circular, são medidas que podem aliar o progresso econômico ao equilíbrio ecológico. Por fim, a promoção de cidades mais sustentáveis é um dos desafios mais prementes. As metrópoles e aglomerações urbanas, onde a maioria da população reside, devem repensar a mobilidade, o planejamento urbano e a gestão de recursos ambientais. Investir em sistemas de transporte público eficientes, no desenvolvimento de áreas verdes e na redução das emissões de poluentes atmosféricos são práticas que podem contribuir para um futuro mais promissor. Nesse contexto de discussões sobre alterações climáticas e políticas públicas, a sociedade, os governos, as instituições e o setor privado têm papéis complementares a desempenhar. A eco sustentabilidade é a palavra de ordem, e a transição para uma economia verde e responsável é um caminho inegociável. Somente através do debate democrático e da cooperação internacional poderemos enfrentar os desafios ambientais e garantir um futuro mais equilibrado e próspero para todos.
Não herdamos a Terra de nossos antepassados, a pegamos emprestada de nossos filhos. No âmbito do debate democrático sobre as alterações climáticas e políticas públicas, é essencial considerar o papel das empresas e do setor privado. Empresas têm uma influência substancial nas emissões de gases de efeito estufa e no uso de recursos naturais. Nesse sentido, promover a responsabilidade ambiental e incentivar práticas sustentáveis nas corporações é uma medida crucial. Isso pode ser alcançado através de regulamentações governamentais, incentivos fiscais para empresas que adotam práticas sustentáveis e, principalmente, por meio da conscientização dos consumidores, que podem influenciar as decisões de compra e investimento. A busca por equilíbrio ecológico e preservação ambiental também requer uma revisão das políticas de subsídios e investimentos governamentais. Recursos públicos devem ser direcionados para setores que promovam o desenvolvimento sustentável, como a pesquisa em energias limpas, a proteção de ecossistemas naturais e a promoção de práticas agrícolas mais amigáveis ao meio ambiente. A gestão sustentável dos recursos da Terra e minerais também deve ser priorizada, uma vez que eles são vitais para a fabricação de tecnologias limpas e para a transição para uma economia mais verde.
A metropolização crescente em todo o mundo traz desafios e oportunidades. Megacidades e centros urbanos densamente povoados podem se beneficiar da concentração de recursos e serviços, mas também enfrentam desafios significativos relacionados ao abastecimento de água, alimentos, energia e à mobilidade. Portanto, a promoção do auto abastecimento em áreas como a alimentação e energia é um passo importante na direção da sustentabilidade. Investir em sistemas de transporte público eficiente, como o transporte ferroviário e sistemas de compartilhamento de veículos, e promover
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a transição para fontes de energia renovável são medidas que não apenas reduzem as emissões atmosféricas, mas também melhoram a qualidade de vida nas cidades. Além disso, a consciência de que a preservação ambiental e a mitigação das alterações climáticas são responsabilidades compartilhadas, transcende as fronteiras de uma única cidade, região ou país. Portanto, é crucial que as políticas públicas e as estratégias de desenvolvimento considerem o impacto global das ações locais e nacionais. As grandes cidades têm o potencial de liderar o caminho ao adotar práticas sustentáveis e compartilhar suas experiências com outras regiões do mundo. Em resumo, a discussão sobre as alterações climáticas e políticas públicas é um tópico complexo que abrange uma ampla gama de desafios e oportunidades. É essencial que o debate democrático seja embasado em conhecimento, colaboração, responsabilidade ambiental e ações concretas. Somente através de um esforço coletivo que envolva governos, empresas, cidadãos e comunidade internacional, poderemos alcançar um futuro em que a liberdade, a democracia e a preservação ambiental caminhem juntas, garantindo o bem-estar das gerações presentes e futuras em um planeta sustentável e equilibrado.
A responsabilidade pela preservação do nosso planeta recai sobre todos nós. Uma consideração fundamental no debate sobre as alterações climáticas e políticas públicas é o fato de que, muitas vezes, as medidas necessárias para a mitigação do impacto ambiental podem ter implicações sociais e econômicas significativas. A transição para uma economia mais sustentável pode levar à perda de empregos em setores tradicionais, como a indústria de combustíveis fósseis. Portanto, a discussão sobre políticas climáticas deve ser acompanhada de estratégias de reconversão e reciclagem profissional, para garantir que nenhum grupo seja deixado para trás no processo. Além disso, a conscientização sobre a importância da ecologicamente correção deve ser promovida em todas as camadas da sociedade. Isso envolve educação ambiental em escolas, universidades e até mesmo no local de trabalho. Quando as pessoas compreendem o impacto de suas ações no meio ambiente, elas se tornam mais propensas a adotar práticas sustentáveis e a apoiar políticas públicas nesse sentido. A complexidade das relações entre as alterações climáticas e as políticas públicas é evidenciada pela necessidade de avaliação constante e ajuste de estratégias. A ciência meteorológica e atmosférica desempenha um papel crítico nesse processo, fornecendo informações valiosas para a formulação de políticas e tomada de decisões. Governos, instituições de pesquisa e organizações internacionais devem continuar a investir em pesquisa e monitoramento ambiental, a fim de compreender e responder adequadamente às mudanças climáticas. Outro ponto crucial é a importância da cooperação internacional na resolução das questões ambientais. As alterações climáticas são um desafio global, e a busca por soluções eficazes transcende as fronteiras nacionais. A diplomacia ambiental e o compromisso com acordos internacionais, como o Acordo de Paris, são passos importantes para a mitigação das alterações
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climáticas e a promoção da sustentabilidade global. Em resumo, o eixo de reflexão e promoção do debate democrático sobre as alterações climáticas e políticas públicas é uma tarefa complexa, mas de importância inegável. Requer a colaboração de todos os setores da sociedade e uma compreensão profunda das interações entre liberdade, democracia, economia e preservação ambiental. À medida que avançamos no século XXI, a conscientização sobre a necessidade de equilíbrio ecológico, desenvolvimento sustentável e responsabilidade ambiental deve crescer e guiar nossas ações, garantindo um futuro próspero e equitativo para todos. Uma consideração adicional que merece destaque é a relação intrincada entre o crescimento econômico e as alterações climáticas. Historicamente, o crescimento econômico muitas vezes foi percebido como dependente da exploração intensiva de recursos naturais, o que resultou em emissões elevadas de gases de efeito estufa. No entanto, é cada vez mais evidente que esse paradigma não é sustentável a longo prazo. O conceito de crescimento econômico em uma sociedade de recursos finitos requer uma reavaliação das metas e indicadores tradicionais. Em vez de focar exclusivamente no aumento do Produto Interno Bruto (PIB), as políticas públicas devem se concentrar em métricas mais abrangentes que levem em consideração fatores ambientais e sociais. O Desenvolvimento Sustentável, com sua abordagem de equilíbrio entre os pilares econômicos, sociais e ambientais, torna-se essencial. Nesse contexto, a promoção da eco sustentabilidade é uma prioridade. Isso envolve a gestão responsável dos recursos naturais renováveis e não renováveis, a proteção de ecossistemas frágeis e a restauração de áreas degradadas. Também significa incentivar práticas de agricultura sustentável, o uso responsável da água e a conservação da biodiversidade. As áreas urbanas, como as metrópoles, têm um papel fundamental a desempenhar na busca pela sustentabilidade. É necessário repensar o planejamento urbano para promover o uso eficiente de recursos, reduzir a poluição e criar ambientes mais saudáveis. Além disso, as cidades devem se adaptar a estratégias de mobilidade sustentável, como o incentivo ao transporte público, bicicletas e caminhadas, a fim de reduzir a dependência de veículos movidos a combustíveis fósseis e as emissões de poluentes atmosféricos. Em relação às trocas comerciais e relações internacionais, o conflito entre a necessidade de mitigação das deslocações e a preferência pela produção local é um desafio complexo. As cadeias de suprimentos globais são uma realidade, e os países dependem do comércio para suprir necessidades essenciais. No entanto, é importante repensar a logística e transporte de mercadorias, priorizando modos de transporte mais sustentáveis e reduzindo o desperdício. Finalmente, é essencial reconhecer a influência do poder público na promoção de práticas sustentáveis. A legislação e regulamentação ambiental desempenham um papel central na orientação das ações individuais e corporativas em direção a uma maior responsabilidade ambiental. A promoção de incentivos para práticas sustentáveis, como a produção de energias limpas e a redução das emissões de gases de efeito estufa, é fundamental para alcançar os objetivos de mitigação das
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alterações climáticas. Neste cenário complexo, a reflexão e o debate democrático em torno das alterações climáticas e políticas públicas devem continuar a evoluir. É necessário um compromisso constante para encontrar soluções que equilibrem a liberdade, a democracia, o crescimento econômico e a preservação ambiental. Somente através do esforço conjunto de governos, empresas e cidadãos em nível local, nacional e global poderemos enfrentar eficazmente esse desafio premente e criar um futuro sustentável para as próximas gerações. Pequenas ações individuais podem gerar grandes impactos coletivos. Um aspecto crucial na reflexão sobre as alterações climáticas e políticas públicas é a necessidade de uma mentalidade de longo prazo. Frequentemente, as decisões políticas são moldadas por ciclos eleitorais curtos, enquanto os impactos das alterações climáticas se desenrolam ao longo de décadas e séculos. É imperativo que as políticas públicas adotem uma visão de futuro, priorizando soluções que possam ser sustentadas ao longo do tempo e que considerem as gerações vindouras. No que diz respeito ao conflito entre trocas comerciais e relações internacionais e a necessidade de mitigação das deslocações e a preferência pela produção local, é preciso encontrar um equilíbrio. Uma abordagem possível é a promoção de práticas de comércio justo e a valorização de produtos e serviços locais. Isso não apenas apoia as economias locais, mas também reduz a pegada de carbono associada ao transporte de mercadorias pelo mundo. No entanto, em um mundo globalizado, o comércio internacional é inevitável e, portanto, é essencial buscar maneiras de torná-lo mais sustentável, como a utilização de transporte marítimo mais limpo e a transição para fontes de energia renovável em operações de transporte. As grandes cidades, frequentemente caracterizadas por altas concentrações populacionais e poluição ambiental, têm a capacidade de liderar a transformação. Investir em soluções inovadoras, como edifícios eficientes em termos energéticos, sistemas de transporte público de qualidade e a promoção do auto abastecimento em alimentos e energia, pode criar cidades mais saudáveis e com menor impacto ambiental. Além disso, a transformação na mobilidade urbana, com ênfase em modos de transporte sustentáveis, como o uso compartilhado de bicicletas e carros elétricos, é uma estratégia eficaz para reduzir as emissões atmosféricas e melhorar a qualidade de vida nas áreas urbanas. Uma dimensão crucial que deve ser destacada é a necessidade de transparência e prestação de contas. Os governos, as empresas e as organizações precisam ser transparentes sobre suas emissões de gases de efeito estufa e suas práticas sustentáveis. Os cidadãos e os consumidores podem usar essas informações para tomar decisões informadas e pressionar por ações mais responsáveis. Além disso, a prestação de contas é fundamental para garantir que as metas ambientais sejam alcançadas e que os compromissos internacionais sejam cumpridos. Por fim, a educação desempenha um papel central na promoção da conscientização sobre as alterações climáticas e a necessidade de políticas públicas eficazes. A educação ambiental, desde os primeiros anos de escola até a educação continuada, deve ser uma prioridade. Uma população bem informada está mais
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propensa a apoiar medidas e a cobrar ações governamentais que contribuam para um futuro mais sustentável. Em resumo, o debate democrático sobre as alterações climáticas e políticas públicas é um desafio multifacetado que exige reflexão constante e ação coordenada. A busca de soluções que equilibrem a liberdade, a democracia, o crescimento econômico e a preservação ambiental é uma jornada contínua que exige o envolvimento de todas as partes interessadas. Somente através da colaboração entre governos, empresas e cidadãos em todos os níveis, e através do compromisso com o desenvolvimento sustentável, podemos enfrentar eficazmente as alterações climáticas e construir um futuro melhor para as gerações vindouras. Uma adição importante às reflexões sobre as alterações climáticas e políticas públicas envolve a necessidade de equidade. Muitas vezes, os impactos das mudanças climáticas afetam de maneira desproporcional as comunidades mais vulneráveis, que têm menos recursos para se adaptar e se recuperar. Portanto, políticas públicas eficazes devem levar em consideração a equidade e a justiça social. Isso pode incluir o apoio a comunidades marginalizadas na adaptação às mudanças climáticas e a promoção da igualdade de acesso a recursos e oportunidades para todos. Outro ponto de reflexão diz respeito à gestão responsável dos recursos naturais, incluindo recursos da terra e minerais. A exploração desenfreada desses recursos pode resultar em degradação ambiental, perda de biodiversidade e impactos negativos nas comunidades locais. As políticas públicas devem, portanto, focar na conservação dos recursos naturais e na promoção de práticas sustentáveis de extração e uso. Além disso, a noção de eco eficiência e gestão sustentável deve ser amplamente promovida. Empresas, governos e indivíduos devem se esforçar para fazer mais com menos, buscando maximizar o valor produzido a partir de recursos limitados e minimizar o desperdício. A economia circular, que busca reduzir, reutilizar e reciclar materiais, é uma abordagem exemplar para alcançar essa eco eficiência. A educação ambiental também desempenha um papel crucial na formação de cidadãos conscientes e responsáveis. Instituições de ensino e organizações da sociedade civil devem trabalhar em conjunto para aumentar a conscientização sobre as questões ambientais e promover a responsabilidade ambiental. Isso pode levar a mudanças culturais que valorizam o respeito pela natureza e a preservação do meio ambiente. Em relação às grandes cidades, é importante reconhecer seu potencial como laboratórios para soluções sustentáveis. O planejamento urbano inovador, o investimento em transporte público eficiente e a transição para fontes de energia limpa podem servir como modelos para outras regiões. Além disso, a criação de espaços verdes nas áreas urbanas não apenas melhora a qualidade de vida, mas também contribui para a conservação ambiental e a promoção de ecossistemas equilibrados. Para avançar na mitigação das alterações climáticas e na promoção de políticas públicas eficazes, a sociedade precisa estar disposta a aceitar mudanças em seu modo de vida. Isso inclui a redução do consumo de recursos, a adoção de fontes de energia mais limpas,
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o apoio a medidas de preservação ambiental e a pressão por regulamentações governamentais mais rigorosas. Em resumo, o eixo de reflexão e promoção do debate democrático sobre as alterações climáticas e políticas públicas é uma tarefa complexa, que exige uma abordagem multidisciplinar e o envolvimento de todos os setores da sociedade. A busca por soluções equitativas, a gestão responsável dos recursos naturais, a promoção da eco eficiência, a educação ambiental e a disposição para mudanças são elementos-chave para construir um futuro mais sustentável e equilibrado para as gerações atuais e vindouras. Somente através de um compromisso coletivo podemos enfrentar eficazmente os desafios das alterações climáticas e alcançar um mundo mais verde e justo. Nosso planeta é um presente, não um dado adquirido. Uma reflexão adicional que merece destaque é a importância de reconhecer que as alterações climáticas não são um problema isolado. Elas estão interligadas com muitos outros desafios globais, como a segurança alimentar, a escassez de água, a pobreza, os conflitos e as migrações forçadas. Portanto, as políticas públicas devem adotar uma abordagem holística que leve em consideração essas interconexões. Ao abordar as alterações climáticas, podemos abordar simultaneamente muitos desses problemas, criando soluções mais eficazes e sustentáveis. Outra consideração importante é a necessidade de transparência e responsabilidade na prestação de contas das ações governamentais e empresariais. Os cidadãos têm o direito de saber o que seus governos e empresas estão fazendo para combater as alterações climáticas e preservar o meio ambiente. A divulgação aberta e acessível de informações sobre emissões, práticas sustentáveis e resultados é essencial para construir a confiança e a participação pública na busca de soluções. Além disso, o papel da inovação não pode ser subestimado. O progresso tecnológico desempenha um papel fundamental na mitigação das alterações climáticas e no desenvolvimento econômico e social. Investir em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias verdes e incentivar a adoção dessas inovações é essencial. Isso pode criar oportunidades econômicas significativas, ao mesmo tempo em que reduz as emissões de gases de efeito estufa. A promoção de uma economia circular, na qual os recursos são utilizados de forma eficiente e o desperdício é minimizado, é uma abordagem que merece consideração. Isso envolve o redesenho de produtos e sistemas para que os materiais possam ser reutilizados e reciclados, minimizando a extração de recursos naturais e o impacto ambiental. A economia circular também pode criar novos modelos de negócios e empregos, ao mesmo tempo em que contribui para a preservação ambiental. Outro tópico relevante é a necessidade de promover a conscientização sobre as alterações climáticas desde a infância. As escolas desempenham um papel fundamental na educação das gerações futuras sobre os desafios ambientais e a importância de ações responsáveis. Isso pode criar uma cultura de responsabilidade ambiental que influenciará o comportamento e as escolhas das futuras gerações. Em relação ao conflito entre trocas comerciais e relações internacionais e a premência de mitigação das deslocações e a preferência pela produção local, é
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necessário encontrar soluções que equilibrem esses interesses. Isso pode incluir o estabelecimento de acordos comerciais que incentivem práticas sustentáveis, como a redução das emissões de carbono no transporte de mercadorias, bem como o apoio à produção local quando possível, para reduzir as emissões associadas ao transporte internacional. Em resumo, o debate democrático sobre as alterações climáticas e políticas públicas é um desafio multifacetado que exige uma abordagem abrangente e colaborativa. Ao reconhecer as interconexões entre os desafios globais, promover a transparência e responsabilidade, investir em inovação, adotar uma economia circular e promover a educação ambiental, podemos criar um caminho sustentável em direção a um futuro mais verde e equitativo. Somente por meio do compromisso coletivo e da ação coordenada em todas as esferas da sociedade podemos enfrentar eficazmente os desafios das alterações climáticas e promover um mundo mais sustentável e resiliente.
A reflexão sobre as alterações climáticas e políticas públicas nos conduz a um entendimento profundo das complexas interações entre a sociedade, a economia e o meio ambiente. Cada aspecto discutido - equidade, transparência, inovação, educação, economia circular e comércio internacional - contribui para a compreensão de como enfrentar esse desafio global. No entanto, para que nosso compromisso com a sustentabilidade seja efetivo, é essencial transcender as discussões e adotar ações concretas. A inovação é a chave para a resolução das alterações climáticas e o desenvolvimento de políticas públicas eficazes. Ela não deve ser vista apenas como um meio de mitigação, mas como uma ferramenta para a construção de um futuro melhor. A humanidade enfrentou desafios extraordinários ao longo da história e, a cada vez, respondeu com criatividade e engenhosidade. Agora, diante das ameaças às quais nosso planeta está exposto, é chegada a hora de nos unirmos em busca de soluções inovadoras. Podemos imaginar cidades onde os edifícios produzem mais energia do que consomem, onde os sistemas de transporte são sustentáveis e acessíveis a todos, e onde a natureza coexiste harmoniosamente com o ambiente urbano. Podemos visualizar um mundo em que a equidade e a justiça ambiental são realidades, em que as ações responsáveis são a norma, e onde a educação ambiental é uma prioridade universal. Neste futuro, as trocas comerciais e relações internacionais serão moldadas por um compromisso comum com a preservação ambiental. As cadeias de suprimentos globais serão redesenhadas para minimizar o impacto ambiental, e a produção local será incentivada quando possível. A cooperação internacional não será mais uma opção, mas uma necessidade para enfrentar desafios que transcendem fronteiras. Em última análise, nosso sucesso na resolução das alterações climáticas e na formulação de políticas públicas eficazes será um reflexo de nossa capacidade de nos adaptar, inovar e evoluir como sociedade. Enquanto as questões climáticas podem ser avassaladoras, elas também representam uma oportunidade única de redefinir nossa relação com o planeta e uns com os outros. Nesse sentido, devemos nos lembrar de que somos agentes da mudança e que a história é escrita por aqueles
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que têm a coragem de agir. Portanto, que esta reflexão sirva como um catalisador para ação, inspirando-nos a enfrentar os desafios das alterações climáticas com determinação, inovação e a compreensão de que um mundo mais sustentável é um mundo melhor para todos. O tempo de agir é agora, e o caminho para um futuro extraordinário começa com nossas escolhas e ações hoje.
A sustentabilidade não é um objetivo a ser alcançado, é um caminho a ser seguido. À medida que exploramos as complexidades das alterações climáticas e das políticas públicas, é evidente que não existe uma solução única para enfrentar esse desafio global. Em vez disso, é uma rede de ações e abordagens interligadas que nos levará ao sucesso. Continuando nossa reflexão, podemos traçar mais cenários inovadores e conclusões inspiradoras para moldar um futuro sustentável. A Economia da Sustentabilidade: Podemos imaginar um futuro em que a economia global seja fundamentada em princípios de sustentabilidade. Nesse mundo, empresas não apenas buscam o lucro, mas também consideram seu impacto ambiental e social. Modelos de negócios que priorizam a responsabilidade ambiental e a justiça social são incentivados, levando a uma economia global mais equitativa e ambientalmente consciente. Tecnologia e Descarbonização: Com foco na inovação tecnológica, podemos vislumbrar uma realidade onde as emissões de gases de efeito estufa sejam consideravelmente reduzidas. O desenvolvimento de tecnologias de captura de carbono, energias renováveis avançadas e soluções de mobilidade limpa poderia transformar nossa relação com o planeta e criar uma sociedade mais ecológica. Educação Global: A educação ambiental é o alicerce de um futuro sustentável. Podemos visualizar um mundo em que a conscientização sobre as alterações climáticas e a importância da preservação ambiental seja uma parte integral do currículo em todo o mundo. Isso não apenas criaria cidadãos mais informados, mas também inspiraria líderes e inovadores a encontrar soluções criativas e eficazes. Metas Ambiciosas e Cooperação Global: Ações decisivas podem ser lideradas por países que se comprometem com metas de mitigação audaciosas e implementam políticas abrangentes para alcançá-las. A cooperação global entre nações, organizações e cidadãos torna-se uma força imparável na luta contra as alterações climáticas. Sociedade Empenhada: Em uma sociedade onde a conscientização e o compromisso com a preservação ambiental são generalizados, podemos esperar ver uma pressão crescente sobre governos e empresas para que atuem de forma responsável. A mudança de mentalidade impulsiona a inovação e impõe a adoção de práticas sustentáveis. Investimentos Sustentáveis: O mundo financeiro abraça a sustentabilidade, com investidores buscando oportunidades em setores verdes e empresas comprometidas com práticas responsáveis. Isso não apenas acelera a transição para uma economia mais verde, mas também demonstra que o sucesso econômico e a responsabilidade ambiental não são mutuamente exclusivos. Bem-Estar Humano e Saúde Ambiental: Uma visão de futuro inclui uma sociedade em que a saúde humana e a saúde ambiental são cuidadosamente entrelaçadas. Com a
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redução da poluição atmosférica e a proteção de ecossistemas naturais, o bemestar das pessoas melhora consideravelmente. Lembrar que estamos todos juntos nesta Terra é o primeiro passo para a mudança. A reflexão sobre as alterações climáticas e políticas públicas nos leva a uma conclusão inegável: o nosso futuro depende da ação conjunta e resoluta. Em um mundo complexo e interconectado, as soluções inovadoras e abordagens audaciosas são essenciais para garantir que possamos superar os desafios ambientais e construir um futuro extraordinário. Cada passo que damos em direção à sustentabilidade e à responsabilidade ambiental nos aproxima de um mundo onde a liberdade, a democracia e o equilíbrio ecológico coexistem harmoniosamente. O tempo de agir é agora, e nossa visão de um futuro sustentável está ao alcance das nossas mãos. É hora de abraçar a mudança, abraçar a inovação e abraçar um futuro mais verde e promissor para todos. O tempo para a ação é agora, pois o futuro depende do que fazemos hoje. Continuando nossa exploração sobre as alterações climáticas e políticas públicas, podemos adicionar mais reflexões e conclusões brilhantes para moldar nosso caminho em direção a um futuro sustentável: Adaptação Resiliente: Além da mitigação, a adaptação é crucial. Podemos visualizar uma sociedade que não apenas reduz as emissões, mas também se prepara de maneira resiliente para os impactos já inevitáveis das alterações climáticas. Isso envolve o fortalecimento de infraestruturas, sistemas de alerta precoce e comunidades preparadas para enfrentar desafios climáticos. Agricultura Sustentável: Uma revolução na agricultura é essencial. Agricultores adotam práticas agroecológicas que regeneram o solo e reduzem a dependência de produtos químicos. A produção local de alimentos é incentivada, reduzindo o desperdício e as emissões relacionadas ao transporte de alimentos. Justiça Climática: A justiça climática é uma prioridade. Nossas políticas públicas devem abordar as disparidades e garantir que as comunidades mais afetadas pelas alterações climáticas recebam apoio adequado. Isso promove a equidade e a coesão social. Conservação de Ecossistemas: A proteção e restauração de ecossistemas naturais, como florestas e oceanos, tornam-se uma prioridade global. Esses ecossistemas desempenham um papel crucial na absorção de carbono e na manutenção da biodiversidade. Energia Limpa para Todos: Podemos imaginar um futuro em que o acesso à energia limpa seja um direito universal. A expansão de fontes de energia renovável democratiza o acesso à eletricidade e reduz a poluição do ar. Mobilização da Sociedade Civil: A sociedade civil desempenha um papel ativo na promoção de políticas públicas sustentáveis. Movimentos ambientais e ONGs trabalham em colaboração com governos e empresas, pressionando por mudanças significativas.
A natureza não precisa de nós, nós é que precisamos dela. À medida que navegamos por um mar de desafios climáticos, estamos forjando uma nova era de inovação, colaboração e consciência ambiental. O futuro que visualizamos é extraordinário: um mundo onde a Terra é restaurada e respeitada, onde os seres
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humanos vivem em harmonia com a natureza e uns com os outros. Neste futuro, a liberdade e a democracia florescem em um ambiente de equilíbrio ecológico. Os cidadãos, governos e empresas entendem que são guardiões do planeta, e agem de maneira responsável, buscando soluções que transcendem os interesses imediatos. Cada ação, cada inovação e cada escolha individual contribuem para a construção deste futuro extraordinário. À medida que as gerações avançam, continuamos a trilhar o caminho da responsabilidade ambiental e do compromisso com um planeta saudável. O tempo de agir é agora, e a visão de um futuro brilhante e sustentável é o farol que nos guiará. Vamos abraçar essa visão, trabalhar juntos e enfrentar os desafios climáticos com resiliência, criatividade e determinação. O extraordinário está ao nosso alcance - é hora de construir um mundo verdadeiramente inovador e sustentável.
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JOANA PENA
Formada em Economia (20012007), pela Universidade do Porto e Doutora em Ciências Empresariais (2012-2018), pela Universidade do Minho, com a tese: Essays on Social Screening and Mutual Fund Performance. Mestrado em contabilidade (2009-2012), pela Universidade do Minho, com o tema da dissertação: Estudo da Relação entre Responsabilidade Social e Desempenho Empresarial. Pós-graduação em Auditoria e Controlo de Gestão (20082009), pela Universidade Católica Portuguesa.
POLÍTICAS PÚBLICAS
NUM FUTURO E NUM CONTEXTO
DE ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Joana Pena
INTRODUÇÃO
A mudança climática é um tema debatido há décadas, mas que apenas recentemente assumiu o estatuto de mainstream, e pode ser descrita como um dos principais desafios do século XXI. Existe uma forte incerteza sobre o futuro do Planeta, mas não podemos negar que estamos cada vez mais a sentir as consequências do aquecimento global e as mudanças da vida na Terra. E está, de facto, mais patente que a preocupação com o ambiente deixou de ser um fenómeno localizado e, fruto da mediatização decorrente da gravidade dos problemas ambientais, se tornou globalizado.
O Nobel da Paz de 2007 atribuído ao político e ambientalista Al Gore e ao Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) pelo seu papel na sensibilização para as alterações climáticas realçando a ameaça de uma crise universal é um exemplo dessa crescente relevância no panorama internacional. As catástrofes ambientais que “assombraram” a década de 2010 (em 2010, uma plataforma petrolífera da British Petroleum (BP), designada de Deepwater Horizon, explodiu e afundou-se e, em 2011, decorreu o acidente nuclear em Fukushima, no Japão) fortaleceram as preocupações ambientais, sendo que o receio de um impacto potencialmente catastrófico foi agudizado pela pandemia COVID-19.
Na área das ciências económicas, a importância do tema foi igualmente reconhecida através da atribuição do prémio Nobel de 2018 ao economista e professor William Nordhaus, pelo seu trabalho pioneiro em modelos de economia climática. Conhecido informalmente como o “pai das mudanças climáticas”, foi um dos primeiros economistas a tentar quantificar o custo da mudança climática, e concebeu modelos macroeconómicos com o objetivo de avaliar o impacto potencialmente catastrófico das alterações climáticas na economia (por exemplo, uma das funcionalidades dos seus modelos consiste em examinar as consequências das intervenções políticas em matéria de clima, como os impostos sobre as emissões de carbono). O seu trabalho de
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compreensão das complexas interações entre mudança climática e atividades económicas humanas são consideradas uma base científica sólida para várias orientações políticas discutidas em fóruns internacionais (como os do IPCC), e foi adotado em muitos países industriais desde o final do século XX (The Nobel Prize, 2023).
É importante notar que as distintas dimensões da transição climática reforçaram a sua condição de crise ou até mesmo o “alarmismo” que se vive atualmente, tornando-se uma questão política e simultaneamente uma obrigação moral. A base do problema é fundamentalmente científica – a ciência desempenha um papel de extrema relevância na deteção e compreensão das alterações climáticas –, mas envolve igualmente opiniões políticas, preferências económicas, valores sociais, culturais e éticos, o que confere complexidade adicional a uma realidade já bastante dramática. Podemos negar a realidade das alterações climáticas ou os seus potenciais e reais efeitos nas sociedades (não faltarão opiniões de que constituem uma narrativa falsa), mas o luxo da indiferença parece começar a desaparecer a um ritmo acelerado. E o combate a este grave problema deverá ser transversal, afetando a atuação dos diferentes setores económicos, e em que o Estado deverá ser um agente essencial, ao incentivar e conduzir esses setores no objetivo comum de evitar o ecocídio e, consequentemente, o colapso da nossa civilização.
A AGENDA EM MATÉRIA DE ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
No seu livro de 2021 acerca da mudança climática, o empresário e filantropo Bill Gates menciona dois números essenciais: o primeiro é cinquenta e um biliões; o outro é zero. O número cinquenta e um biliões refere-se às toneladas de gases de estufa que o mundo tipicamente envia para a atmosfera em cada ano – é linear que, a menos que paremos de adicionar gases de estufa para a atmosfera, a temperatura vai continuar a subir. E é onde estamos hoje. Zero é o objetivo que temos de atingir para parar o aquecimento global e evitar os efeitos mais nefastos da mudança climática, e o único objetivo sensato para a humanidade (Bill Gates, 2021).
Nesta linha de análise, é necessário proceder à descarbonização da produção de eletricidade e promover a generalização do recurso a energias limpas e renováveis, à gestão sustentável das florestas, da pesca e dos recursos hídricos, e à preservação das espécies, atentando-se nos efetivos e possíveis impactos na sociedade em matéria de rendimento e emprego. Para maximizar os benefícios e minimizar os efeitos negativos das políticas de mitigação das alterações climáticas, os responsáveis públicos têm de estar perfeitamente cientes dos impactos indiretos e frequentemente complexos das políticas em termos de desigualdades sociais (Markkanen e Anger-Kraavi, 2019).
Apesar da relativamente recente preocupação pública com as mudanças climáticas, os comportamentos em relação ao consumo e energia permanecem
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largamente imutáveis. E é cada vez mais claro que serão necessárias mudanças de estilo de vida, ação comunitária, mudança social, muito exigentes do ponto de vista das sociedades como um conjunto e como indivíduos. Em conflitos como os que decorrem atualmente na Ucrânia e em Gaza, temos nações em pontos diametralmente opostos, cada uma das quais com os seus respetivos apoiantes. Não obstante, no que concerne às alterações climáticas, estamos todos juntos (ou deveríamos, pelo menos) contra um inimigo comum e extremamente perigoso, impossível de combater isoladamente, por um indivíduo, setor ou país.
Um grave problema que temos de resolver antes de agir prende-se com a falta de conhecimento (e de consciência) por parte das populações, a qual pode contribuir para um sentimento de dúvida acerca da mudança climática. Sem a devida comunicação com o público, torna-se difícil exigir as mudanças comportamentais tão necessárias para mitigar e adaptar aos efeitos causados.
A título de exemplo, uma votação do canal British Broadcasting Corporation (BBC) em 2004 descobriu que apenas cerca de metade da população britânica acreditava que a alteração do seu próprio comportamento teria impacto na mudança climática (Lorenzoni et al., 2007). Além disso, Darier e Schule (1999) concluíram que um conjunto de indivíduos no Reino Unido pretendiam que o governo impusesse regulação que os obrigasse a agir, por considerar que unicamente a ação coletiva teria efetividade em resposta à mudança climática.
É irrefutável que a forma como o Homem tem vindo a consumir os recursos naturais não permite a sua reposição por parte do meio ambiente de modo a assegurar o seu usufruto e continuidade para a população atual e gerações futuras. Esta preocupação com as questões ambientais ligadas à atividade de consumo da sociedade iniciou vários debates e movimentos preocupados em combater a mudança climática.
A questão ambiental, a par do desenvolvimento sustentável, foi elevada a primeiro plano da agenda política, sendo que todas as questões e problemas se referem ao meio ambiente como bem comum e às necessidades das gerações futuras (Afonso, 2010). Na esfera empresarial, também se disseminou a perceção de que o sucesso das empresas e os benefícios duradouros para os seus stakeholders não se obtêm através do foco na obtenção de lucros a curto prazo, mas sim de um comportamento coerente e responsável. Isto equivale a dizer que as empresas tomaram consciência de que a sua responsabilidade social e ambiental é passível de se revestir de um valor económico direto (Comissão das Comunidades Europeias, 2001, 2002). E estas mudanças de perspetiva devem repercutirse, tornando a causa climática uma prioridade geograficamente ampla com impacto a nível internacional, nacional e local, e levada a cabo por académicos e práticos, políticos e populações.
Egan e Mullin (2017) mencionam que existem dois desafios à criação de soluções para o problema da mudança climática. O primeiro, já mencionado, prende-se com a sua natureza abstrata, intangível que torna mais difícil para
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o público a compreensão e a preocupação com o aquecimento global e as suas consequências. O segundo refere-se ao facto de reduzirem os incentivos para qualquer sistema político agir sozinho, exigindo que os governos trabalhem bilateralmente com os de outras nações, ou através de organizações internacionais. Neste contexto, Harrison e Sundstrom (2007) referem que, mesmo quando os responsáveis políticos são motivados por imperativos morais para conservar os recursos do Planeta e proteger gerações futuras, os custos associados ainda constituem uma barreira de extrema relevância na tomada de decisão.
O artigo de Lorenzoni et al. (2007) também expõe que as perceções de uma ação política limitada pelos governos locais, nacionais e internacionais foram consideradas uma barreira significativa ao comprometimento de muitos indivíduos. Os participantes deste estudo afirmavam que, mesmo quando tinham vontade em agir, o seu comportamento era constrangido pela falta de infraestruturas e mecanismos. Por exemplo, mencionavam a ausência de transportes públicos acessíveis e confiáveis na sua localidade, os preços elevados de bens “amigos do ambiente”, o incentivo ao uso do carro, a falta de desincentivos a poluir (por exemplo, impostos mais elevados para carros maiores), entre outros impedimentos.
O trabalho de Bergquist et al. (2020), com base na população americana, conclui que pacotes de medidas políticas que incluem reformas sociais e económicas em temas como habitação a preços acessíveis, salário mínimo, ou garantia de emprego, aumentam o apoio público à mitigação das alterações climáticas.
Como parece fácil de compreender, a gestão efetiva da mudança climática, além de um conjunto de ações e prioridades de curto prazo, requer uma perspetiva de longo prazo e uma mudança sistémica com investimentos incisivos em setores que privilegiem saúde, educação, lazer e bem-estar das populações. Daí que seja extremamente pertinente que o envolvimento social seja acompanhado de um conjunto de políticas governamentais com vários níveis de atuação.
A nível internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu um modelo de desenvolvimento económico sustentável, aceite por 193 nações – os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (doravante ODS) –, o qual fixa metas de sustentabilidade, com foco em áreas críticas para a Humanidade como o Planeta, e cujo ênfase é colocado na proteção dos recursos naturais e no clima para as gerações futuras (BCSD, 2023).
Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU no período de 2007 a 2017, assumiu o seu papel determinante ao afirmar que “são a nossa visão comum para a Humanidade e um contrato social entre os líderes mundiais e os povos” e “uma lista das coisas a fazer em nome dos povos e dos planetas e um plano para o sucesso” (BCSD, 2023).
No enquadramento dos ODS, existe um problema e uma solução para o mesmo. Do lado do problema, temos o facto de o progresso do atual modelo de desenvolvimento não só ter melhorado as condições de vida da maioria
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das pessoas, como ter sido igualmente capaz de alavancar um crescimento populacional ímpar na história da Humanidade. No entanto, esta aceleração extraordinária teve um sério preço: por um lado, a degradação da biosfera e a crise climática atual; por outro, o aumento das desigualdades e surgimento de novos fenómenos de exclusão e mal-estar social. Os ODS são apresentados como a solução, ou seja, como uma oportunidade única e necessária para apoiar um crescimento sustentável, regenerativo e inclusivo, sem o qual será impossível fazer face à emergência climática, à perda galopante de biodiversidade e às desigualdades e assimetrias sociais (BCSD, 2023).
Tristemente, notícias de setembro de 2023, aquando da reunião em Nova Iorque dos líderes mundiais que tentam “reacender” a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adiantam que, segundo o último relatório anual “Unidos na Ciência”, apenas 15% das metas da Agenda 2030 estão no caminho certo, o que levou a que o atual secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, proferisse a seguinte declaração: “Arriscamo-nos a deixar os ODS para trás e, por isso, precisam de um plano de salvamento global” (Dias, 2023).
Uma divulgação do Jornal Público de novembro de 2023 reporta o mesmo sentido de incumprimento de objetivos – em particular, este agente informativo noticia que um relatório recente das Nações Unidas baseado na análise dos compromissos dos países que assinaram o Acordo de Paris para limitar o aquecimento global mostra que os números estão muito aquém do necessário –se forem cumpridos, os planos atuais dos países signatários do Acordo de Paris levarão a uma redução de 2% das emissões até 2030, em relação aos valores de 2019, sendo que os cientistas referem que essa percentagem de redução deveria cifrar-se em 43%.
Em Portugal, a sociedade “acordou” tarde para os assuntos ambientais, tendo sido somente na década de 1980, após o período de ditadura, que a consciência ambiental começou a emergir (Carvalho et al., 2013). De acordo com estes autores, existem várias lacunas na investigação (ainda escassa) dos custos económicos da mudança climática em Portugal, bem como dos custos e benefícios de adaptação à mesma, a qual é uma preocupação cada vez mais urgente dadas as vulnerabilidades em termos de recursos hídricos, agricultura, florestas, zonas costeiras, saúde e turismo.
O trabalho de Carvalho et al. (2013) também ressalva que os domínios da ciência climática e sua avaliação, o desenvolvimento de políticas e o envolvimento público refletem vários aspetos do contexto social e histórico de Portugal, designadamente os desafios económicos, políticos e culturais herdados de um regime repressivo duradouro, as transformações políticas que se seguiram e a adesão à atual União Europeia, uma falta endémica de apoio governamental à investigação (apesar das substanciais melhorias nas últimas décadas), as rápidas transformações económicas e sociais dos anos 1990 e 2000, e as crises económicas e financeiras que se iniciaram no final da década de 2000, entre outros.
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A ECONOMIA CIRCULAR
Qualquer estudante de Economia do 1.º ano (que frequente as aulas, claro!) conhece as noções de “custo de oportunidade” e “trade-off” – isto é, os recursos são finitos e temos de efetuar escolhas económicas (quando alocamos mais fundos a uma componente da nossa vida, menores recursos estarão disponíveis para outras componentes). São as decisões diárias na vida de qualquer cidadão e, claro, de governos e instituições.
Mas e se economia e ambiente se complementassem? Parece algo utópico, mas foi neste âmbito que surgiu o conceito de economia circular, cada vez mais explorado como a mudança de paradigma necessária para adaptar e mitigar a mudança climática, em alternativa ao capitalismo contemporâneo fortemente alicerçado no consumo.
Existe a necessidade de as políticas e os governos transitarem para um paradigma de baixo consumo tendo em vista retirar a população da sua área de conforto de uma vida intensiva em carbono, transição essa que geraria benefícios de promoção de justiça social e bem-estar, para além da mitigação do problema da mudança climática (Lorenzoni et al., 2007). Daí que o conceito de economia circular, bem como o seu potencial de oportunidades e de cooperação entre nações, esteja a ter a sua importância amplamente reconhecida entre os responsáveis políticos e a comunidade científica, particularmente em países com forte impacto ambiental (Martinho e Mourão, 2020).
De modo muito simples, a economia circular promove o crescimento económico e a competitividade sem comprometer o ambiente. Uma utilização mais eficiente dos recursos pode gerar resultados mais relevantes em termos de sustentabilidade, com impactos positivos em termos de qualidade de vida e saúde. Embora os desenvolvimentos sustentáveis não sejam objetivos fáceis de atingir, as políticas de economia circular devem visar dimensões como a reutilização, reparação e reciclagem, inovação, promoção da utilização de material secundário (Martinho e Mourão, 2020).
Na prática, este novo modelo económico permite a passagem do atual modelo de produção e consumo, um linear “take-make-use-dispose”, para um paradigma baseado na sustentabilidade e na regeneração de recursos já existentes. Dado o seu relevo no panorama das nações e o potencial impacto das suas ações em matérias ambientais, económicas e sociais, o setor público poderá desempenhar um papel decisivo na transição para a economia circular enquanto legislador, mas de igual modo como comprador, consumidor e utilizador de bens e serviços.
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E MUDANÇA CLIMÁTICA – O SETOR PÚBLICO COMO ATOR CHAVE
Os principais grupos de interesse na política da mudança climática incluem ambientalistas, empresários, negociadores internacionais e líderes políticos
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de países desenvolvidos e em desenvolvimento. E esses interesses variam dramaticamente. A título de exemplo, em muitos países com menor grau desenvolvimento, o debate das alterações climáticas relativiza-se perante o problema da falta de alimentos, água ou habitação.
Hahn (1998) apresenta um conjunto de fatores políticos genéricos que, independentemente dos grupos de interesse e do grau de desenvolvimento dos países, afetam o assunto da mudança climática, designadamente: os interesses das gerações atuais, a estratégia política de curto prazo, o poder das partes interessadas existentes, os custos para os países desenvolvidos, a probabilidade de serem delineadas medidas significativas para enfrentar o aquecimento global, o resultado das negociações internacionais, o problema do “free riding”, a credibilidade das sanções e a corrupção.
É de claro entendimento o facto de os políticos serem mais motivados por considerações eleitorais de curto prazo, atentando nos interesses e preocupações das gerações dos seus mandatos, e a negligenciar o que está mais distante no futuro, o que se articula com o fator da estratégia de curto prazo – uma estratégia política vencedora é falar com frequência e intensidade sobre o assunto da mudança climática mas fazer muito pouco, apelando à emoção de salvar o Planeta, e menos à ação de controlo efetivo das reduções de emissões para a atmosfera. E se algo é feito no curto prazo, em princípio, os países desenvolvidos suportarão praticamente todos os custos – como já referido, as alterações climáticas não são, de um modo geral, uma prioridade elevada para os países com menor grau de desenvolvimento. Outro elemento com poder de influenciar a política de alterações climáticas prende-se com o facto de quaisquer instrumentos utilizados para reduzir as emissões poluentes serem provavelmente baseados (pelo menos em parte) a distribuição corrente do poder político – a título de exemplo, se existirem quotas de poluição a serem transacionadas, possivelmente serão adquiridas pelos produtores ou utilizadores existentes de combustíveis fósseis. Podemos identicamente afirmar com razoabilidade que os custos e os benefícios económicos da redução das emissões de gases poluentes não variam dramaticamente, dado que as medidas significativas não serão de impacto imediato, e os países desenvolvidos não enfrentam qualquer imperativo político para tomar medidas drásticas.
A existência do problema do “free riding” agrava esta situação, uma vez que os países com maior grau de desenvolvimento não terão incentivos a levar a cabo as políticas necessárias, e os países com menor grau de desenvolvimento, como já observado, não reconhecem o assunto da mudança climática como prioritário. A este nível, as organizações internacionais poderão ter um papel proeminente se, das suas negociações, surgir um grupo seleto de países desenvolvidos que concorde em fazer algo com um custo relativamente baixo. Isto até porque não existe modo de forçar um país soberano a participar num acordo internacional, e é pouco provável que um país participe num acordo, a
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menos que considere que os custos de não participar são inaceitáveis. No caso das alterações climáticas, os países terão um forte estímulo ao “free riding” (ou seja, a beneficiar sem pagar o custo do benefício) ao não se juntarem ao acordo, ou a não cumprirem.
Por fim, as sanções podem ajudar a induzir os países a participar num acordo, desde que sejam visivelmente credíveis. No entanto, num acordo para a mudança climática, é crítico o problema da estruturação de sanções para países não participantes, cuja forma específica será de complexa definição e aplicação. A corrupção em alguns países também poderá representar um problema considerável, principalmente em países em que os governos não cumpram com as suas promessas. Dado que é endémica em certos sistemas políticos, a corrupção poderá fazer surgir um acordo para limitar a emissão de gases de efeito de estufa que resulte em avultadas transferências de riqueza para “mãos erradas” e sem o efeito desejado.
Estamos a viver um período de impactos climáticos severos, isso é certamente óbvio para todos, e a meta durante as próximas décadas deverá ser resolver este dilema a uma escala global, mobilizando-se o maior número possível de países para um acordo em matéria ambiental, apesar dos já notados problemas de cooperação entre nações. E o envolvimento governamental deverá ser pleno, com compromissos e ações bem definidos, pelos quais terão de ser chamados a responder em caso de insucesso.
Uma comunicação de agosto de 2023 expõe um precedente judicial em matéria de responsabilização do poder político pelas consequências da mudança climática. Especificamente, um grupo de jovens ativistas norte-americanos processou o Estado do Montana por falhar com a promessa de proporcionar aos seus cidadãos um “ambiente limpo e saudável” para viver. O lema deste Estado é “O Último Melhor Lugar”, o qual não é oficial, mas a promessa é, uma vez que consta da Constituição do Montana. O Tribunal considerou que os jovens têm o direito constitucional a um ambiente limpo e saudável, e que devem ser consideradas mudanças climáticas potenciais aquando da aprovação de projetos, o que constitui uma decisão histórica e um primeiro passo para obrigar os governos a assumirem uma maior responsabilidade na proteção do ambiente e dos próprios cidadãos (Ribeiro, 2023).
Está cada vez mais manifesto que o poder político tem de interiorizar a necessidade de integração de alterações climáticas em todas as áreas da política pública. Algumas estratégias de envolvimento são mais propícias à intervenção política, e tendem a ocorrer em escalas temporais mais curtas. Mas tentativas de envolvimento do público serão mais efetivas se forem parte de uma resposta coerente e consistente à mudança climática. Até porque os choques provocados pelo clima e pela biodiversidade são cada vez mais sistémicos, o que exige que se use a experiência política prévia para o desafio em mãos, mas igualmente que se recorra a novas ferramentas (atente-se, por exemplo, no papel que a inteligência artificial poderá desempenhar) para combater esta crise.
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Bill Gates (2021) sugere uma maior intervenção governamental e que os líderes das várias nações deverão articular uma visão para a transição da economia global para o carbono zero, a qual poderá servir de orientação para as ações de pessoas e negócios. O poder político poderá intervir ao nível da imposição de limites às emissões de carbono de centrais elétricas, carros e fábricas, por exemplo. Poderá identicamente adotar regulação que modele os mercados financeiros e clarifique os riscos da mudança climática para os setores público e privado. Muito importante, poderão ser os principais investidores em investigação científica, e delinear as regras que determinam quão rápido os novos produtos podem chegar ao mercado. E, por fim, poderão desempenhar um papel de destaque ao ajudar a resolver alguns problemas com os quais o mercado não está preparado para lidar, incluindo os custos ocultos que os produtos emitentes de carbono impõem ao ambiente e aos humanos. Embora o mundo e o nosso país em particular não estejam ainda no caminho certo para controlar a mudança climática, e as principais arenas em que a política ambiental é determinada sejam cada vez mais internacionais, foi aprovado em Portugal, em 31 de dezembro de 2021, um diploma – a Lei de Bases do Clima –, o qual estabelece metas de redução de emissões poluentes e institui um dever de coordenação de políticas públicas tendo em vista a ação sobre a emergência climática. De acordo com esta Lei, a mitigação (ou seja, o combate às causas das alterações climáticas) e a adaptação às alterações climáticas (ou seja, atenuar as consequências das alterações que vão ocorrer) têm de ser tidas em conta no planeamento, execução e avaliação das políticas públicas em todas as áreas nas quais possam estar relacionadas. Esta coordenação inclui todas as políticas relativas ao desenvolvimento de atividades económicas, sociais e políticas (Lei de Bases do Clima, 2021).
Preconizando que as políticas públicas devem ser delineadas tendo em conta a perspetiva ambiental, a Proposta de Orçamento de Estado para 2024 também introduz uma inovação: a classificação da despesa pública por impacto no clima. Esta metodologia, designada de “green budget tagging” segmenta a despesa em verde (favorável ao ambiente), castanha (desfavorável ao ambiente), mista (com ambos os impactos), ou neutra (sem impacto significativo) no que respeita ao seu contributo para os objetivos climáticos e ambientais, e é aplicada à despesa de três programas orçamentais – Ambiente e Ação Climática, Infraestruturas e Habitação, e Agricultura e Alimentação (Oliveira, 2023).
Já a Lei Europeia em matéria de clima prevê que os países têm de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em, pelo menos, 55% até 2030, com o objetivo de atingir a neutralidade climática da União Europeia até 2050. Ter um impacto neutro no clima significa que, até 2050, os países terão de reduzir drasticamente as suas emissões de gases e encontrar formas de compensar as emissões restantes e inevitáveis, a fim de atingir o ponto zero de emissões líquidas. Nas suas conclusões, o Conselho Europeu sublinhou que a transição para a neutralidade climática trará oportunidades significativas em termos de
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crescimento económico, mercados e emprego, e desenvolvimento tecnológico (Conselho Europeu, 2023).
Entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023, no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (ironicamente, um dos maiores produtores mundiais de petróleo e gás), irá decorrer a cimeira ambiental COP-28, a 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, sendo uma das questões-chave um acordo global para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, o que poderá ter um impacto substancial em termos de ação climática conjunta (Conselho Europeu, 2023).
CONCLUSÕES
Ao longo dos últimos anos, a conversação global acerca da mudança climática deu uma volta notável para melhor. A temática massificou-se, e a vontade política está a crescer em todos os níveis também porque os eleitores em todo o mundo exigem ação, e as cidades e os estados comprometem-se em efetuar reduções dramáticas na emissão de gases poluentes. Muitos desses compromissos são assumidos a nível nacional, mas os governos locais também desempenham um papel importante. E claro que a nível mundial também são tomadas decisões – o Pacto Ecológico Europeu, rumo às emissões líquidas zero até 2050, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável adotada por todos os Estadosmembros das Nações Unidas em 2015, entre outros – que mostram que a comunidade internacional está seriamente preocupada com a crise climática e a coordenar conhecimento científico com liderança governamental. Embora o âmbito e a complexidade do desafio sejam sem precedentes, é fácil de reconhecer que o desenvolvimento de soluções para o problema das alterações climáticas envolve todas as partes interessadas (governos, grupos de interesse e público em geral). As empresas, a indústria e o financiamento privado devem trabalhar com os objetivos alinhados, e os governos devem continuar a envolver a sociedade civil e o meio académico para promover a sustentabilidade e proteger o Planeta. Fenómenos climáticos extremos, destruição de ecossistemas, escassez de alimentos e mortes decorrentes de poluição atmosférica são indícios de uma catástrofe climática global que temos de evitar. Os setores científico e tecnológico poderão liderar o caminho da transição energética, tentando reduzir o fosso entre as nações e prevenir uma crise de direitos humanos inédita. E a politização da causa climática será igualmente imperativa. Deverão ser os agentes políticos, apoiados por peritos das mais diversas áreas (economia, finanças, engenharia, saúde pública, geografia e planeamento, geologia, entre outras), os motores do desenvolvimento de uma capacidade institucional de longo prazo que permita, a um custo suportável, a justiça climática e solidariedade internacional.
Se quisermos compreender o tipo de danos que a mudança climática irá infligir, basta olhar para a COVID-19 e então imaginar essa dor espalhada pelo
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mundo num período bem mais longo de tempo. A perda de vida e a miséria económica causadas por esta pandemia estão a par com o que irá acontecer regularmente se não eliminarmos as emissões de carbono à escala mundial (Bill Gates, 2021).
E é basicamente porque a nossa forma de vida está a ser afetada pelo que podemos considerar uma grave emergência de saúde pública que a paralisia política não deverá prevalecer, sendo fundamental uma estreita colaboração entre o indispensável financiamento governamental (que não bastará per si) e o setor privado e investidores multilaterais para desbloquear o investimento numa escala suficientemente grande para financiar as necessidades que vão desde a revolução energética até setores de economia verde e azul.
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*Este texto toma parte e revê alguns pontos da apresentação:
“From urban planning theories to political philosophy: adversative take on the existence of a ‘public interest’”. 13th Braga Meetings in Ethics and Political Philosophy, 15 e 16 de junho de 2023, Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho. Org. Centro de Ética, Política e Sociedade (CEPS), subunidade orgânica de Investigação do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho; revê e desenvolve, noutro sentido, alguns apontamentos que podem ser encontrados em Marx e o Interesse Público. Lisboa: Editora Página a Página, 2024; e teve o financiamento de fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto «PL/FERETC/1226/2021».
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS, DEMOCRACIA E LIBERDADE; OU, DA OPOSIÇÃO AO “INTERESSE PÚBLICO” AO “BEM COMUM”
ROUSSEAUNIANO*
Paulo Antunes
PAULO ANTUNES
Investigador integrado no Centro de Ética, Política e Sociedade (CEPS), Universidade do Minho. Pós-doc. financiado pelo projeto exploratório O Interesse Público. Uma Investigação Político-Filosófica/ The Public Interest. A PoliticoPhilosophical Investigation (EXPL/FER-ETC/1226/2021; doi.org/10.54499/ CEECINST/00157/2018/ CP1643/CT0004), associado ao CEPS, 2023-2024. Doutor em Filosofia (bolseiro FCT: SFRH/ BD/116938/2016) pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), 2017-2021.
Resumo: No presente artigo, vamos confrontar alguns dos argumentos que têm sido esgrimidos em desfavor do que pode ser entendido como um “interesse público” nas sociedades modernas; e qual o impasse registado no mesmo debate: nalguns quadrantes, tornou-se moda rejeitar o conceito de “interesse público”. Depois, vamos reler uma proposta de elevada significância para a tradição de pensamento até hoje – a de Jean-Jacques Rousseau (e uma outra proposta que deriva grandemente deste autor) –, que já nos indica outro caminho que não apenas o de um desfavorecimento: se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Com este processo terminado, devemos extrair algumas conclusões relacionadas com a preocupação ambiental que nos motiva o estudo Palavras-chave: Interesse comum; Sobrevivência climática; Valor(es)
Abstract: In this article, we will confront some of the arguments that have been wielded against what can be understood as “public interest” in modern societies; and the impasse registered in the same debate: in some quarters, it has become fashionable to reject the concept of “public interest.” Then, we will revisit a proposal of high significance for the tradition of thought to date – that of Jean-Jacques Rousseau (and another proposal that greatly derives from this author) – which already points us in a direction other than just opposition: if there were not a point at which all interests agreed, no society could exist. With this process completed, we should draw some conclusions related to the environmental concern that motivates our study
Keywords: Climate survival; Common interest; Value(s).
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It has become fashionable in some quarters to dismiss the concept of “the public interest” as devoid of content. Its use as a counter of public debate is said to be fraudulent, since there is no such thing as “public interest”, and it is claimed that if it has any social function, it is merely that of casting an aura of legitimacy around decisions which are in fact the outcome of group pressures. Barry (1967 [1965]: 207).
[…] l’établissement des sociétés, c’est l’accord de ces mêmes intérêts qui l’a rendu possible. C’est ce qu’il y a de commun dans ces différents intérêts qui forme le lien social; et s’il n’y avait pas quelque point dans lequel tous les intérêts s’accordent, nulle société ne saurait exister. Rousseau (1915 [1762]: II. I, 39-40). § 1.
DECLARAÇÕES INICIAIS
Em tempo de profundas alterações climáticas, a questão pelas políticas públicas sustentáveis, orientadas para o ambiente, o clima e a Natureza, tem-se tornado cada vez mais premente e presente. Veja-se, a título de menção, como esta preocupação domina os dezoito objetivos colocados pela ONU. No nosso entendimento, sete destes estão diretamente relacionados (6, 7, 11, 12, 13, 14, 15), e os outros quase sempre indiretamente (p. ex., o 3 e o 9, quando não a generalidade dos restantes), com este quadro1 Portanto, esta não apenas tem sido uma preocupação generalizada, gradualmente desde os anos de 1970-80, transcrita ou transposta para distintos documentos e/ou cimeiras das mais diversas ocorrências e tipologias, como tem sido constante no estabelecimento de metas para o futuro e, com a máxima premência, para o mais imediato, entre a larga maioria das nações do mundo. Não interessando, de momento, o escrutínio dos diferentes níveis de envolvimento de cada uma.
Na verdade, este não é o espaço tribunício para se apontar o dedo aos variados fautores (sobretudo coletivos) de poluição atmosférica (do ar, da água e do solo), de toxicidade e contaminação global, inter alia, pois, para este tipo de circunstância, já nos encontramos suficientemente avisados: Xenofonte (1855: § 2, 8, 706) dizia que em Esparta era costume as pessoas (por outras traduções: as crianças) serem punidas, não por roubar, mas, realmente, por não saberem dissimular o roubo. Quer dizer, quantos agentes coletivos (governos, empresas públicas e, em especial, privadas, etc.) não saberão dissimular tão bem os seus resíduos poluentes, quase sempre pouco lícitos, para que não lhes caia o opróbrio ou a justiça em cima?
1 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). (Aproveita-se, já nesta nota, para indicar que, salvo se indicado o contrário em referências bibliográficas, todas as traduções de excertos são da responsabilidade do autor.)
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De outro modo, este texto pretende ser o espaço que do negativo tenta fazer sobressair o positivo: um interesse que seja comum à humanidade, ou, no mínimo, ao geral das suas – por vezes, tão divergentes – comunidades.
Em outras palavras, vamos confrontar alguns dos argumentos que têm sido esgrimidos em desfavor do que pode ser entendido como um “interesse público” nas sociedades modernas; qual o impasse registado (anunciado pela primeira epígrafe): nalguns quadrantes, tornou-se moda rejeitar o conceito de “interesse público”; e, depois, reler uma proposta de elevada significância para a tradição de pensamento até hoje – a de Jean-Jacques Rousseau (e um derivado deste) –, que (na segunda nota epigrafada) já nos indica outro caminho: se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Com este processo terminado, devemos extrair algumas conclusões relacionadas com a preocupação ambiental que nos motiva o estudo.
Para reduzir ao essencial, o combate contra as “alterações climáticas” de mão humana é geralmente entendido como sendo do “interesse público”, “comum”, mas nem sempre se procura questionar o que é, ou do que se trata, e como se apresenta, esse “interesse”, mesmo em relação a este problema concreto da sociedade hodierna. É este o exercício que nos incumbe, ainda que, por vezes, à vol d’oiseau, perante o tema amplo a que visamos dar resposta.
§ 2.
O “INTERESSE PÚBLICO” NÃO EXISTE: TRÊS ARGUMENTOS
Outras pistas podiam ter sido seguidas (p. ex., Schubert, 1958; e, Sorauf, 1962), no que tange à discussão do que se posiciona como uma postura desfavorável ao “interesse público”, ou melhor, a afirmação da sua não existência, porém, optámos – porque se trata de uma síntese suficientemente abarcante do que é concebido adversativamente – por adaptar a tripla definição que aparece num artigo mais recente de Stefano Moroni (2004: 152).
O autor italiano tem como ponto de partida o debate dentro da teoria do planeamento urbanístico, e não diretamente num âmbito político-filosófico, mas isso não obsta o nosso exercício teórico (nem mesmo o facto de o autor coincidir poucas vezes connosco quanto ao geral do que é considerado).
Os três pontos de vista aí levantados e que assestam a não existência de um “interesse público” opõem-se a: um “valor holístico” – “o interesse público não existe como um valor extra-individual” –; um “valor substantivo prevalecente” –“o interesse público não existe como um valor substantivo sempre preponderante”; e um “valor factual” – “o interesse público não existe como um facto”2.
2 Para efeito meramente expositivo, foi trocada a ordem pela qual a descrição aparece no texto de Moroni, e adverte-se ainda que não vamos apoiar cada ponto com os autores que ele utilizou, aparecerão poucos e quase sempre escolhidos por nós, pois o que importa é como cada uma das perspetivas se insinua dentro do debate mais amplo.
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Por um lado, os dois primeiros pontos de vista correspondem ao que Leys e Perry (Held, 1970: 205) identificam como “interesse público substantivo”, e, o último, sem perder a mesma afinidade, ao que nesse espaço aparece identificado como “formal”. Não obstante, não iremos aprofundar esta ligação, fica apenas a pista.
Por outro, ainda que a doutrina do Utilitarismo pareça, em particular, visada com este levantamento de Moroni (que, por seu turno, pretende superar este ceticismo em relação ao “interesse público” por uma via que apresenta como “rawlsiana”), não é esse o objetivo do autor, nem o nosso, o de no final se ter garantido o engavetamento – ou, à guisa de um volte-face, acautelá-lo perante a crítica – do caso utilitarista. Não é este posicionamento filosófico que vai estar em estudo, mesmo quando seja novamente lembrado3. Vejamos cada argumento com o detalhe possível.
2.1.
A primeira afirmação pretende ilustrar a ideia de que não existe nada (substantivamente) supra ou extra individual, excluindo, com efeito, qualquer visão compreensiva de sociedade: o(s) indivíduo(s) deve(m) ser a única entidade moral a ter em conta, como um fim em si. Fora do entendimento dos indivíduos não há nenhuma reivindicação legitima para as comunidades, estruturas, etc. Moroni (2004: 154) estabelece a ligação desta argumentação adversativa com o “individualismo moral”.
Este tipo de “individualismo” pode ser definido pela ênfase que dispensa ao sujeito individual, não por se considerar a sua pertença de grupo, mas por se considerar as suas próprias características particulares. Quer dizer, se um indivíduo é tratado de um modo diferente de outro, isso deve acontecer por causa de determinadas caraterísticas de um e de outro, e não por este ou aquele indivíduo pertencer a este ou àquele grupo, nem sequer quando o grupo possa ser o dos “humanos” (Rachels, 1990: 173-174).
Por sinal, este sujeito é irredutível, semelhante a uma mónada e relacionase ao jeito de uma interação entre átomos, mesmo que os seus promotores por via de regra não o afirmem desta maneira. E como o “interesse público” é, normalmente, visto como alguma coisa que extrapola cada indivíduo, se nada há além de um relacionamento inter-individual, inalienável, logo, semelhante “interesse” não existe
3 No entanto, como aperitivo para os pontos subsequentes, indica-se aqui o motivo que pode levar ao entendimento de que o Utilitarismo é visado: este tem a “felicidade”, o “prazer”, não como parte de um todo, mas de um “agregado”, que se pode aceitar, até certo ponto, como extra-individual; a “utilidade” como o fator substantivo a ter em conta para a finalidade das ações; e, a factualidade como confirmadora de que o ser humano busca prazer e utilidade, ou seja, esta condição será da ordem do facto, alegadamente, está à vista, e é da experiência humana, os indivíduos perseguirem a felicidade e o que lhes é mais útil.
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Para ilustrar esta questão, dificilmente se poderia encontrar melhor exemplo do que o aventado pelo próprio Moroni (Nozick apud 2004: 155): “‘[n]ão há nenhuma entidade social com um bem que se submeta a um sacrifício para o seu próprio bem. Existem apenas pessoas individuais, pessoas individuais diferentes, com as suas próprias vidas individuais’”4.
Trata-se de uma recuperação filosófica que nos convida a recordar o papel que nas últimas décadas tem sido desempenhado, no plano económico, pelo mesmo tipo de “individualismo”, ou melhor, pela sua designação “metodológica” (“individualismo moral” e “metodológico” devem ser vistos como ramificações de um mesmo tronco “individualista”)5. Com este detour, trazemos à colação Friedrich Hayek.
O contributo deste influente economista (1958 [1948], passim) para este “individualismo” – cujo foco atual não visa outro objetivo que não reconduzir a sociedade ao agente económico – traduz-se no conceito de “ação espontânea” (spontaneous action), o qual se liga à ideia de uma ordem económica (espontânea) não concebida por um plano, porquanto desenvolvida a partir de interações entre indivíduos racionais, devendo, p. ex., contribuir para uma atitude mais modesta da parte dos cientistas sociais, para que se evite o “cientismo” na análise6.
O cotejo não vem por uma simples coincidência de propósitos ou arbitrariamente, deve-se, antes, ao facto de, nos últimos decénios, as políticas inspiradas por este e outros pensadores e economistas semelhantes estarem na base de uma desregulação das políticas públicas, em particular, as relacionadas com o ambiente, uma vez que a crença absoluta no “mercado livre” –autorregulado, ou entenda-se, praticamente desregulado (pois segue a fantasia de que todos os agentes possuem igual “racionalidade” perante as condições do mercado) – tem deixado nas mãos das empresas, e na dependência de haver ou não lucros, decisões vitais para o planeta.
É este o caminho que este tipo de objeção à existência de um “interesse público” nos parece apontar. A alternativa não pode ser esta.
4 «[...] there is no social entity with a good that undergoes some sacrifice for its own good. There are only individual people, different individual people, with their own individual lives».
5 “O individualismo metodológico defende que uma explicação adequada de uma regularidade ou fenómeno social se baseia em motivações e comportamentos individuais”. - “Methodological individualism holds that a proper explanation of a social regularity or phenomenon is grounded in individual motivations and behaviour (Basu, 2018: 8715).
6 Contributos que fazem quase lembrar umas famosas passagens de Mandeville (1824 [1714]: 36-37 [23-24]), que escrevia umas décadas antes do nosso principal autor –Rousseau – e no alvor da sociedade industrial que se veio a desenvolver. Esta lembrança surge, designadamente, quando ele escrevia sobre os benefícios sociais dos vícios, i.e., na contribuição destes para a “ordem”. O que veio a encontrar correspondência, entre outros autores, com Smith, Bentham e Malthus, alguns dos antepassados intelectuais de Hayek e Milton Friedman. E, eventualmente, também poderá encontrar correspondência com alguns dos “vícios” coetâneos.
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2.2.
A segunda afirmação, a ideia de que “o interesse público não existe como um valor substantivo sempre prevalecente”, pretende significar que o “interesse público” não se trata de um valor substantivo “preponderante” e de “categoria superior”, uma vez que não deve ser possível distinguir-se um valor substantivo de outro: do ponto de vista ético, os interesses de indivíduos e grupos serão equivalentes. O que denota imediatamente um “relativismo” basilar.
A recusa de um “interesse público” que se estabelece por via desta crítica, entende que os defensores deste “interesse” têm por caráter “prevalecente” o que seja tido como: “universal”, “permanente”, “invariável” e “absoluto” (Moroni, 2004: 157 e 166 n.). Um “interesse” que corresponda a algum destes descritivos não pode existir, não respeita a diferença, logo, não pode haver “interesse público”.
Dito isto, é possível perceber-se que esta perspetiva crítica, prima facie, parece favorecer uma leitura contextual (no limite, até histórica), ao menos na medida em que recusa uma permanência absoluta. Todavia, o objetivo destes críticos não é a historicidade ou o devir, mas a relativização que deve impregnar a sociedade em lugar de alguma “universalidade”.
Perante o relativismo que sustenta este desfavorecimento, até se pode dar com a sua proximidade a algo tão subtil quanto o proposto por James (1908: 53) no preciso momento em que associou a “verdade” à “utilidade”, quando procurava aclarar o pragmatismo como uma conceção que relativizava a realidade em benefício de um sujeito particular, nomeadamente, o da “experiência” – as teorias tornam-se instrumentos, no lugar de respostas. Com efeito, pode-se associar igualmente que nenhum “interesse”, ou a satisfação deste, pode ser permanentemente útil.
No que ainda concerne a esta afirmação, é possível encontrar-se alguma conexão não apenas com o “individualismo” da anterior, mas, outrossim, com a defesa simultânea do pluralismo: o relativismo reconhece em absoluto a pluralidade de opiniões e pontos de vista. No entanto, é preciso ter em conta que o contrário já não se segue, pois, o pluralismo é mais bem explicado pelo consenso social, o que não implica aceitar-se a total equivalência dos argumentos que conduziram até aí7.
Se o caminho que nos é apontado nos leva para uma quase equivalência entre o que pode ser uma política “pró-clima” e uma “anti-clima” (ou que, pelo menos, não o comtemple), então, a alternativa também não pode ser esta.
7 O pluralismo, por seu turno, pode tender a considerar que o “interesse público” prevalece através do processo de negociação e compromisso. Este conceito serve uma doutrina normativa, tanto quanto uma análise comportamental, e tem sido diagnosticado como uma versão moderna do liberalismo clássico (Balbus, 1971: 154). No ponto imediatamente a seguir, vamos ver como o “pluralismo” também pode ser usado contra o “interesse público”.
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2.3.
A terceira e última afirmação – “o interesse público não existe como um facto” –, além de soar mais neutra no seu posicionamento, tem por base um argumento empírico (por sinal, perfunctório): há demasiada variedade (pluralidade) nas sociedades atuais para se sobrepor alguma coisa como um “interesse comum”, por isso, deve ser impossível um planeamento (alguma coisa) para benefício efetivamente geral (Moroni, 2004: 153). Não apenas acaba por recuperar a Framework liberal para este argumento, como o autor o apresenta como parte de uma “conceção realista do interesse público”.
Acresce a isto, além de um enquadramento “realista político” –precisamente pelo motivo factual –, o apoio, na sua formalidade, ao conteúdo expresso nos pontos anteriores. Se a adversativa antes visava diretamente qualquer caráter “extra-individual” ou “substantivo” do/para o “interesse público”, aqui visa-o indiretamente, o facto – a medida em causa – é o da “pluralidade”, e não o de um “interesse público” ou de outro tipo.
Mas é por o “facto” na tradição empírica – a que fundamenta a natureza destes argumentos – lograr uma suposta áurea mais neutra na análise, porque se pretende do âmbito de uma experiência mais imediata, que se podem encontrar aqui – no bulício desta argumentação – duas posturas adversativas, segundo a nossa leitura, mitigadas.
Por exemplo, quando este “realismo” compreende a sociedade não a partir de uma reciprocidade relacional dos diversos fatores intervenientes social e historicamente, mas a partir do que é dado imediatamente à análise, aos sentidos, ao senso comum8, pode aceitar que por o ser humano se enredar em guerras, logo, a sua natureza é “má”, e, a sociedade, conflituosa, sem se procurar perceber (quase sempre) a natureza, as causas, do conflito (Hobbes, 1996 [1851]: 85 [I, ch. 13, § 13]). Pode tratar-se de uma adversativa mitigada porque é capaz de aceitar uma espécie de “interesse público” pela “preponderância da força” (Preponderance of Force, Held, 1970: 50 ss.), o que é o mesmo que dizer que não será exatamente um “interesse público”.
O outro exemplo que temos em mente, ainda sobre uma adversativa mitigada, atribuirá a preponderância à “opinião” (Opinion, Held, 1970: 57 ss., desta vez baseando-se em Hume), se ali era a “força” que forçava o “interesse público”, aqui é a força argumentativa que o compulsa, o que, igualmente, parece não ser bem um “interesse público”9
8 Um exemplo lapidar do que aqui estamos a criticar pode ser encontrado na seguinte passagem: “[…] do mundo exterior, não sabemos nem podemos saber absolutamente nada, exceto as sensações que dele experimentamos”. - “[...] of the outward world, we know and can know absolutely nothing, except the sensations which we experience from it” (Mill, 1981 [1843]: 1, iii, § 7, 62).
9 Held considera-os como “registos do interesse público” debaixo do chapéu da dita “preponderância”, onde também coloca o “agregativo” normalmente associado a Bentham. O “registo deliberativo de interesse público” (p. ex., Habermas) vai atribuir
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O certo é o facto plural, pela “força” ou pela “opinião”, não deixando espaço a alguma “substancialidade”, quando muito exorta-se à formalidade governativa: para o “realismo político” as políticas atuais são as possíveis, podendo ser aí o lugar máximo para o “interesse público”.
A alternativa, uma vez mais, não pode ser esta: a pluralidade social – uma vez, com relativa facilidade, aceite – não pode servir de efeito negativo, e tem de se orientar de outro modo que não se restrinja à “força” ou à “opinião”, quando não ao simplesmente “exequível”.
O fundamento teórico geral que permeia as conceções de “interesse público” tem sido conferido pela tradição liberal, mais vezes pela vertente económica do que social, explicitamente quando procura separar o político, tendencialmente público, do económico, tendencialmente privado, exortando à liberdade do setor particular e passando os encargos ao setor público. E isso é visto inclusivamente (para não dizer: precisamente) pelas críticas ao “interesse público”.
Quaisquer qualidades “extra-individuais”, “substanciais” e, mesmo, “factuais” (exceto se por uma pluralidade irredutível), não se conjugam bem com o tipo de perspetiva que tem suportado, em especial, o novo (neo!) liberalismo. É, em vista disto, aceitável pensar-se que a cidade contemporânea (dentro do quadro do Estado moderno) – tendo juntado (historicamente, através de um processo determinado) uma grande quantidade de indivíduos e com interesses tão diferentes – tornou-se não somente num claro desafio à ideia de “interesse público” (e de planeamento, a principal preocupação do autor italiano), como as contradições sociais que a envolvem podem estar por detrás desta ideia desde a sua origem. Efetivamente, estas contradições têm alimentado posturas e políticas que só têm servido para desregular qualquer perspetiva mais orientada sobre o que fazer em relação ao clima (e bem para além deste).
§ 3.
A DIMENSÃO APORÉTICA DA QUESTÃO
Com ou sem ordenação de argumentos desfavoráveis ao “interesse público” – os quais fomos rejeitando e procurando expor os seus culs-de-sac –, o que é certo é que parece que paira um espetro aporético sobre as conceções que o procuram sustentar. Isto parece suceder-se mesmo quando não é o próprio “interesse público” a avantesma: “[…] a opinião mais proeminente [...] parece ser a de que o interesse público é um fantasma” (Lucy, 1988: 147)10
A insistência de uma adversativa, conjugada com uma patente polissemia, quando não uma ambiguidade definitória, no que respeita ao “interesse bastante peso à “persuasão”, mas é nosso entendimento que nem o que se pode extrair de Hobbes, nem o que se extrai de Hume, pode corresponder realmente a alguma proposta clara de “interesse público”, senão também de modo mitigado.
10 “[...] the most prominent opinion [...] seems to be that the public interest is a Phantom”.
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público”, permite que a dimensão aporética do tema ganhe força ou que o “interesse público”, pelo menos, se tenha de suspender (Braybrooke, 1962: 129) até maiores conclusões, tratando-se mesmo de um impasse difícil de superar11 Por vezes, algo como o “interesse público” parece que está apenas ao alcance de uma “sociedade de deuses”12, ou, se nos quisermos manter em terrenos, em parte, mais mundanos, que o “desafio” lippmanniano é praticamente inultrapassável (a ver de seguida).
3.1.
No princípio da terceira década do século xx, Lippmann marcava o ritmo dos estudos mais especificamente focados na política, com o lançamento de Public Opinion, obra na qual os temas do “interesse”, do “interesse próprio” e de uma “vontade comum” já aparecem destacadamente (1998 [1922]: §§ 4-5)13
Mas é em meados do mesmo século, quando publica Essays in the Public Philosophy, que ele vai gizar, num capítulo precisamente intitulado de “public interest”, o que entende por este “interesse” – um balanço de “equações” ajustáveis entre o possível e o desejado –, enquanto lançava o desafio: “[…] pode presumir-se que o interesse público é o que os homens escolheriam se vissem claramente, pensassem racionalmente, agissem desinteressadamente e com benevolência” (1955: 42).
Com esta ideia, uma vez que o ser humano nem sempre ou poucas vezes parece corresponder a este padrão (no mesmo meio teórico, é o entendimento mais comum), o que ficava sublinhado era o caráter aporético do debate, a despeito de o autor acreditar, como dirá no mesmo espaço, que os “[o]s adultos vivos partilham […] o mesmo interesse público”14
11 À partida deve oferecer pouca resistência a indicação de que o conceito de “interesse público” pode ser abrangido com suficiente propriedade pelo chapéu teórico que designa os “conceitos essencialmente contestados” (essentially contested concepts, Gallie, 1955-1956: 172 n.): “[q]ualquer conceito essencialmente contestado é suscetível de ser inicialmente ambíguo, [...] é persistentemente vago, uma vez que uma utilização correta do mesmo [...] não fornece a ninguém um guia seguro […] quanto à utilização seguinte [...]”. - “[a]ny essentially contested concept is liable initially to be ambiguous, […] is persistently vague, since a proper use […] affords no sure guide to anyone else […] in some future situation”.
12 Rousseau (1915 [1762], III. IV, p. 74) chamava a atenção para uma questão semelhante, quando se referia ao sistema democrático: “[s]e houvesse um povo de Deuses, ele governar-se-ia democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos homens”.“S’il y avait un peuple de Dieux, il se gouvernerait démocratiquement. Un gouvernement si parfait ne convient pas à des hommes”.
13 O que não quer dizer que os antecedentes modernos de um pensar do “interesse público” não venham mais detrás, inclusivamente mais fluentes na língua francesa (Gunn, 2010, passim), mas a sua popularização, sobretudo na língua inglesa, é aqui que encontra uma das principais espoletas mobilizadoras
14 “Living adults share, we must believe, the same public interest”.
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A “aporia” deve aparecer aqui como uma dificuldade lógica ou como uma hesitação calculada. A primeira, porque assomam dificuldades em fazer vingar uma conceção satisfatória, e, a segunda, porque, perante o supra indicado, parece não haver como não hesitar.
Por conseguinte, não será por acaso que a natureza paradoxal do tema não seja subestimada, e até seja várias vezes recordada: “[…] o paradoxo do interesse público reside no facto de os interesses e as motivações individuais estarem inter-relacionados com os interesses e as motivações comuns” (Stoker and Stoker, 2012: 32); ou que surjam desabafos como os seguintes, mesmo que não nos sentidos acima aviados: “[e]ste tema – ‘o interesse público’ [como] vago e confuso – é [por vários autores] copiosamente ilustrado […]” (Barry, 1964: 1)15; ou, ainda, quando um autor insiste, a dois tempos, sobre o “interesse público”, que espera ter mostrado que este “não é necessariamente impossível” e, pouco depois, que espera ter mostrado que “não precisa ser uma ilusão” (Pettit, 2004: 169), já demonstrando, com os dois apontamentos, a insegurança que existe quanto ao desiderato.
Vamos ter de entrar na parte mais positiva do nosso texto, se queremos realmente perceber se há alguma escapatória para o “interesse público”, e possibilidade de re-encontro com o tema das “alterações climáticas”.
§ 4.
O
“INTERESSE PÚBLICO” EXISTE: O “REGISTO DO BEM COMUM” ROUSSEAUNIANO
No que diz respeito aos diferentes “registos de interesse público”, estes não estão totalmente isentos de interseção ou de transição entre uns e outros, e o caso de Benditt (1973: 294 e 311) poderá ser exemplar. Este autor parte deliberadamente de Bentham – proponente de um “registo agregativo”16–, aceitando adotar a posição do britânico, de que é “interesse público” se aumentar a “felicidade geral” em vez de a diminuir. Todavia, ao contrário deste, esta não deve ser entendida como “vantagem”, como “prazer”. E semelhante mudança de rumo leva o autor a terminar a sua reflexão já mais próximo de Rousseau: alguma coisa é do “interesse público”, não porque seja do interesse de cada membro do público, mas porque promove um interesse do público, i.e., um interesse de todos
15 “This theme – ‘the public interest’ is vague and confused – is copiously illustrated”.
16 Sinteticamente: para Bentham (1996 [1789]: 12 e 40), uma comunidade é simplesmente o “agregado” dos seus membros, de onde se segue que “[…] o interesse da comunidade é […] a soma dos interesses dos vários membros que a compõem” - “interest of the community is […] the sum of the interests of the several members who compose it”, tendendo para a busca de “felicidade” e “prazer”.
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3.2.
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É com isto em mente que se pode compreender logo à partida que uma intersecção ou rede de “interesses privados” não seja satisfatória para um “registo” como o do “bem comum”, na medida em que aquela aceita a extração de algo como o “interesse público” de uma maioria que resulte do somado, do que possa ser mais útil para a maioria; quando o “bem comum” considera que os “interesses particulares” apenas se sobrepõem parcialmente, e, no momento em que a sobreposição é alargada, o mais certo é tornar-se instável (Pettit, 2012: 244).
Esta abordagem, embora remontando com mais nitidez a Rousseau, por via da “vontade geral” como condição ideal, e até moral, não se encontra muito longe de tocar algumas questões de outros “registos” (como o “unitário”, que volve a Platão e Aristóteles). Há, pois, interpretações para todos os gostos das principais obras do “cidadão de Genebra”.
Tomemos-lhe o pulso antes de se ensaiar uma tentativa de a re-focar.
4.1.
Sobre Rousseau muita tinta tem corrido desde que ele respondeu ao Concurso da Academia de Dijon, em meados do século xviii, e as contradições das diversas interpretações apenas espelham o quão paradoxal é a sua obra. No entanto, existem tópicos que logram suficiente concordância, como é o caso da sua posição acerca de um “interesse comum” (exceto se se recorrer ao Discours sur… l’inégalité (1754), aí o seu arrazoado parece tender para a impossibilidade de um “interesse público” que se satisfaça, ceteris paribus).
O “interesse comum” em Rousseau trata-se de uma abstração do que há de “comum” no meio da multiplicidade de “interesses particulares”: podendo ser “particulares”, não deixam de ter algo inalienavelmente “comum”. Conceção que difere, já se sabe, de uma “soma”, de uma “agregação”, de “interesses particulares”.
A passagem de Rousseau, tirada de o Contrat Social, e que nos antecipa o texto, é assaz elucidativa quando afirma que “a criação de sociedades é possível graças ao acordo dos mesmos interesses”, e quando refere que sem qualquer acordo, ou algo sobre que se possa acordar, então, “não haveria nenhuma sociedade”, i.e., algo em comum tem sido sempre possível de se alcançar, em razão de haver sociedade(s).
Na lógica da abstração encontram-se ideias como: os indivíduos, mesmo que não saibam o que é o seu interesse, isso nada retira ao que é o “interesse comum” real (sobrepõe-se uma certa dimensão objetiva a uma subjetiva); o que representa este tipo de “interesse” terá de beneficiar todos os indivíduos, pois independentemente de algum benefício mais direto ou indireto, é sempre algo que existe de comum a todos; e o benefício de uma minoria, desde que seja o melhor para todos, pode coincidir com o “interesse comum”, aceitando-se as duas premissas anteriores.
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Para levar tudo isto a bom porto, o “bem comum” deve ser apanágio de todo o poder executivo, entendendo-se como a prova de uma boa governação. Complete-se a sugestão com as passagens que cercam a epígrafe já comentada neste ponto: “[…] só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado para o fim da sua instituição, que é o bem comum. [...] É unicamente com base neste interesse comum que a sociedade deve ser governada” (1915 [1762]: II. I, 39 e 40)17.
Tudo isto se ancora na teoria que propõe um “pacto”, tratando-se este da manutenção em “liberdade civil” do que terá sido (não historicamente, apenas por hipótese) a “liberdade natural”, acrescentando a esta o reconhecimento de todos os que participam da mesma comunidade (a participação de todos enquanto membros de uma mesma comunidade ressoa, talvez não por acaso, em Barry18).
No entanto, sobressaem algumas limitações, a fórmula do pacto não deixou de ser insuficiente no que diz respeito à relação dos interesses particulares com o comum, o autor genebrino não facultou critérios pelos quais se pudesse ajuizar acerca do conteúdo do “interesse comum”, quer fosse do supostamente “original”, quer fosse de algum que se transformasse com o passar do tempo. Crê-se que a falta de resposta a estas situações é o que tem motivado muitos autores a procurar propostas para a compreensão de um “interesse público” que siga as intuições que aqui se encontram como mais relevantes. Porém, procurando melhorar as suas consequências, afastar-se do espaço que é deixado: para uma “ditadura da minoria” (problema no reverso à proposta “agregativa”); para um totalitarismo da “vontade geral”; para um exercício de poder sobre o “interesse comum” em vez do inverso, inter alia19
4.2.
Um dos autores que atualmente mais tem sugerido o foco no “bem comum”, e, assim, seguindo, do seu modo, na esteira de Rousseau, é Philip Pettit, autor
17 “[...] la volonté générale peut seule diriger les forces de l’État selon la fin de son institution, qui est le bien commun [...], c’est uniquement sur cet intérêt commun que la société doit être gouvernée”.
18 Barry foi um dos principais responsáveis pela vitalidade do debate nos anos de 1960, e uma das suas tiradas mais significativas dava conta do seguinte acerca do “interesse público”, este representa: “[…] ‘os interesses que as pessoas têm em comum qua membros do público’”. - “‘those interests which people have in common qua members of the public’”. (1967 [1965]: 190).
19 Tomem-se as críticas cum grano salis, se se ouvir com boa-vontade o que Rousseau (1915 [1762]: I. VI, 32) anunciava ser o seu objetivo: “‘[e]ncontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força da comunidade a pessoa e a propriedade de cada associado, e, pela qual, cada um, unindo-se a todos, obedeça apenas a si próprio e permaneça tão livre como antes”. - “‘Trouver une forme d’association qui defende et protège de toute la force commune la personne et les biens de chaque associé, et par laquelle chacun s’unissant à tous n’obéisse pourtant qu’à lui-même et reste aussi libre qu’auparavant’”.
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que entende que o ser humano ao ter de viver em conjunto, tem de ter como pressuposto normativo um interesse pós-social de partilha comum de certos bens em pé de igualdade
Para ele, o “interesse comum” apenas pode ser satisfatório se todos os indivíduos que estão dentro de uma política puderem ser igualmente providos, apontando sobretudo para os serviços públicos universais (daí que a corrupção seja considerada como um grande mal). “Bens comuns” que não sejam rivais ou excludentes servem para entender o “interesse público”: escolas, hospitais, etc. (Santoro; Kumar, 2018: 64-65).
Consequentemente, Pettit dava conta de que o “bem comum”: “[…] deve ser identificado com os interesses comuns que as pessoas têm enquanto cidadãos – com os interesses públicos – e não com os interesses líquidos reconhecíveis que têm em comum”.
Mas para que o “interesse comum”, enquanto “interesse” de cidadãos com “interesses públicos”, sirva de alguma coisa: “[…] o interesse público deve ser identificado com as medidas – as práticas e políticas – que, segundo critérios publicamente admissíveis, respondem melhor do que as alternativas viáveis a considerações publicamente admissíveis”.
O “interesse público” deve ter em conta uma razão pública orientada para o que seja admissível, sobretudo se em comparação com outras alternativas, mesmo que exequíveis. Pettit acrescenta no seguimento, ao concluir o seu texto, que: “[…] as instituições de uma democracia eleitoral-contestatória oferecem a perspetiva de que o interesse público, assim concebido, possa prevalecer na vida política de uma sociedade” (2004: 169). Condição que deve servir para garantir que o princípio – de que é numa democracia eleitoral que tudo isto melhor se compreende – não caia numa espécie de “ditadura majoritarista” ou “elitista”. O provimento geral dos “bens” deve ter estas questões em conta na hora de se atender ao “interesse público”. Isto acontece segundo a síntese que seguimos para a “abordagem do bem comum” e as evidentes reverberações rousseaunianas em Pettit.
4.3.
Não obstante o redireccionamento hodierno dos veios rousseaunianos, entendemos que Pettit se equivoca teoricamente ao colar Rousseau no outro lado da moeda. Entendendo-se a cunhagem original como potencialmente “totalitária”, por isso, oferecendo-se em alternativa, sem grande crítica, a “democracia liberal”, quando o problema, na verdade, deve residir noutro lado. É-nos dito, por outro autor, que: “[n]ão há um interesse geral em Rousseau, mas um interesse comum” (sublinhados nossos, Bernardi, 2006: 275)20. Estando nós a entender o “interesse público” muito próximo ao que
20 “Il n’y a pas d’intérêt général chez Rousseau, mais un intérêt commun”.
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aqui aparece como “interesse geral” e o “bem comum” como o que aqui aparece como “interesse comum”. O que significa que, mais do que garantir critérios publicamente admissíveis (como Pettit indicava), há questões que não podem ser reduzidas a esses parâmetros, em especial se for com a intenção de definir o que é o “bem comum”.
Façamo-nos entender, o que pode acontecer pela via de um foco estreitamente democrático-liberal é reduzir-se o “bem comum” a uma “forma”, a um “critério”, e se este for mensurado pelo que é deliberado e discutido em praça pública, verificando as pulsações do público não pelos inalienáveis “bens comuns” – onde a questão do clima assume uma importância cabal para a toda a humanidade, sobretudo na era que tem sido identificada como a do “Antropoceno” –, mas pelas “opiniões” que se tornam dominantes, mediaticamente disseminadas, e que, as mais das vezes, podem coincidir com alguns tipos de negacionismo, ou exagero apocalíptico, etc., correndo-se o risco de perder o conteúdo.
Reiterada a recusa de uma “ditadura da opinião” (às vezes do “like”), voltamos, face ao supra, a insistir na recusa de uma tomada por “força”, no sentido que esta se afirme e parta exclusivamente ou sobretudo de cima, pois, por outro lado, mantemos próxima a ideia rousseauniana de uma democracia reforçada, não necessariamente direta, mas efetiva e desejavelmente participada. E só de uma quejanda democracia se pode extrair alguma força que comande as decisões e asserte nos “bens comuns”.
Portanto, uma das intuições de Rousseau não pode ser deitada fora com a água do banho, às vezes é preciso firmeza na tomada de algumas decisões (não confundir com “força”), mesmo que sejam impopulares e custem votos, pois a feitura de um “bem público” nem sempre coincidirá com o que é genericamente expetável ou maioritário plebiscitariamente. Como se entende, não vale tudo para se chegar aqui.
Não obstante, encontramos, igualmente, algo que possa ser mantido de Pettit, neste caso assentando na democracia “empowered” como a compreendemos advinda de Rousseau, com a ideia de um “interesse póssocial de partilha comum de certos bens em pé de igualdade”, salvaguardada a liberdade, não num sentido meramente abstrato, senão no concreto das políticas públicas amplamente assentidas e participadas.
A sociedade baseia-se não apenas nos “interesses” que podem coincidir, mas nos “bens” que são precisos ser assegurados – por esse motivo, devendo envolver o máximo de cidadãos e não apenas se encerrando o capítulo decisório às cúpulas, sempre mais permeáveis ao “interesse” menos “comum” –, entre os quais a sobrevivência climática das espécies existentes.
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§ 5.
CONCLUSÃO
Entendemos poder terminar com o que se prenunciou no final do ponto anterior, ao jeito de um meio termo entre Rousseau e Pettit, cuja principal virtude para o nosso tema (e não só) nos parece ser, de um lado, o afastamento de traços mais metafísicos do genebrino, como o postulado de uma “vontade geral”, ou mais politicamente duvidosos, como a permeabilidade a um monopólio interpretativo do que é esta ou o “bem comum”, e, do outro, evadindo igualmente à tendência quase redutoramente plebiscitária de Pettit.
É preciso reforçar as democracias, ou efetivar as democracias, sobretudo onde têm medrado na sua aparência tão-somente (ou grandemente) formal, e manter, quando não aumentar a(s) liberdade(s). Aliás, como ali, esta(s) deve(m) ser efetivada(s). Não vale aceitar apenas um grande chapéu que tudo abarque sob o epíteto de um “livre-arbítrio”, é preciso mais.
Os diversos governos têm-se prestado quase exclusivamente a proteger o que é manifestamente aceite como “liberdade económica”, contudo, do ponto de vista do investidor, do empreendedor21, e não do geral da sociedade, onde cada um também precisa de estar munido de melhores condições económicas para a sua própria vida, e não apenas de sobrevivência. Até de um ponto de vista da democracia e das políticas ambientais esta circunstância é valiosa, entenda-se: cidadãos em condições de alguma liberdade perante as necessidades mais básicas, tendem a envolver-se com outro denodo e participação na vida coletiva, do que quando a preocupação se limita ao breadwinning
Estes são alguns pontos que devemos ter em conta quando refletimos sobre a conciliação entre a liberdade e a democracia, em especial se pensada a par das limitações de recursos naturais e das restrições às emissões de gases de efeito estufa, porquanto “[…] um governo atinge o seu último grau de corrupção, quando não tem outro impulso que não seja o dinheiro” (Rousseau, 1915 [1755]: 262)22
Se for preciso, num determinado período, não realizar mais-valia, não lucrar, ou gastar (verdadeiramente, investir), para que as políticas públicas salvaguardem o “bem comum”, designadamente, com vista à sobrevivência não-utópica da humanidade (não descurando o que se pode beneficiar do
21 O problema não é necessariamente de agora: “[…] o que será da virtude quando tivermos de enriquecer a qualquer preço? Os políticos de outrora falavam incessantemente de moral e de virtude; os nossos políticos só falam de comércio e de dinheiro.” - “[…] et que deviendra la vertu, quand il faudra s’enrichir à quelque prix que ce soit? Les anciens politiques parlaient sans cesse de mœurs et de vertu; les nôtres ne parlent que de commerce et d’argent” (Rousseau, 2012 [1750]: II. 11 [paginação irregular]).
22 “[…] un Gouvernement est parvenu à son dernier degré de corruption, quand il n’a plus d’autre nerf que l’argent.”
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estudo “utopista para um mundo em mudança climática”, Thaler, 2022)23, será preciso uma democracia robusta para que se tomem as medidas adequadas, para que não se ceda eleitoralmente ao que parece ser o mais adequado, entre outras limitações sobejamente perniciosas24
Apesar do balanço, não nos competiu apresentar alguma medida mais concreta, senão dissertar acerca do que pode ser entendido como “interesse público”, “comum”, ou melhor, como pensar uma proposta para este, conciliada com uma questão em particular, e, reduzindo-se tudo o mais que pudesse ser congeminado como sendo deste “interesse”, à sobrevivência climática. Deste modo, encontrando nesta um excelente exemplo do que pode ser um “bem comum” rousseauniano: a sobrevivência climática é necessária mesmo que nem todos o percebam; mesmo quando o é só para uma minoria (por exemplo, o caso de algumas populações que se atravessam numa necessidade global, mas para elas, particularmente, climática), e, sem uma Democracia preparada para isto, tudo se torna mais difícil.
É, a nosso ver, deste modo, que se pode gizar alguma alternativa à crítica de um “interesse público”, como se via na primeira parte do nosso trabalho, mas, também, com o qual se pode dar um passo (ainda preliminar) na direção oposta ao caráter aporético identificado.
Para terminar, retorquimos com uma questão: quantos mais desaires ambientais, como os causados pelas emissões de gases de efeito estufa, a subida das águas, os acidentes com derrames de petróleo ou com centrais nucleares, ou, “simplesmente”, por via de um planeamento do território negligente quando exposto a furacões, terramotos, entre demais eventos, serão precisos para que se chegue à mesma conclusão de João (9: 25): “eu era cego, e agora vejo!” (unum scio, quia cæcus cum essem modo video)?
23 Porventura, para dar um primeiro empurrão, isto bastasse: “[…] a tributação progressiva sobre o património individual […] [pois esta] permite que o interesse geral recupere o controlo do capitalismo”. - “L’impôt progressif sur le patrimoine individuel […] reprendre le contrôle du capitalisme” (Piketty, 2013: 867).
24 No final do capítulo, que já pudemos observar, Lippmann (1955: 46) acrescentava uma leitura pouco abonatória para o processo democrático, que, bem ou mal, estará relacionado com o “interesse público”: “[…] a propensão normal dos governos democráticos é a de agradar ao maior número de eleitores. A pressão do eleitorado é normalmente a favor do lado suave das equações”. - “[…] the normal propensity of democratic governments is to please the largest number of voters. The pressure of the electorate is normally for the soft side of the equations”.
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RUI SOUSA BASTO
Doutorando em Filosofia na Universidade de Santiago de Compostela, Mestre em Filosofia Política pela Universidade do Minho, Pós-graduado em Gestão de Empresas pela Universidade Católica, Licenciado em Engenharia e Gestão Industrial pela Universidade Lusíada e Bacharel em Engenharia Química pelo Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Rui Sousa Basto é consultor e formador. A sua dissertação de mestrado está publicada em livro pela Editora Húmus com o título “A Singularidade Humana do Antropoceno”, onde procura averiguar se o desafio ético-político das circunstâncias criadas por esta nova realidade geológica e cultural, resultante da força telúrica em que a humanidade se tornou, é acautelado pelas principais teorias do bemestar humano. O seu objeto de investigação atual, tema da sua tese de doutoramento, estuda a possibilidade de existência de um estado de acrasia coletiva em relação ao desafio ético-político do Antropoceno.
UM NOVO PARADIGMA DE DESENVOLVIMENTO PARA A ÉPOCA DO ANTROPOCENO
Rui Sousa Basto
Quem acredita que é possível o crescimento infinito num mundo finito ou é louco ou economista. Kenneth Boulding, economista
1. INTRODUÇÃO
O Antropoceno é um desafio ético-político para o qual a humanidade deve estar preparada. A responsabilidade desta nova Época geológica e cultural tem sido apontada a três fatores principais: a sobrepopulação, o modelo capitalista de crescimento ilimitado e a tecnologia emergente das revoluções científica e industrial. Esta investigação analisa o papel de cada um destes fatores para a concretização do Antropoceno, sugerindo que parece ser inevitável que ocorra uma contração da população, voluntária ou involuntária, um redirecionamento da investigação científica, técnica e tecnológica, que se mostra incapaz de cumprir a promessa da economia verde e o abandono do crescimento económico como medida do bem-estar, substituindo-o por modelos alternativos de cariz decrescentista. A investigação procura, ainda, as razões que estão subjacentes às recentes iniciativas disruptivas dos jovens ambientalistas radicais e sugere que o aparente desinteresse do cidadão comum sobre a crise climática será causado por um estado de acrasia coletiva.
2. ANTROPOCENO
A palavra “Antropoceno” tarda em tomar o lugar que lhe pertence no vocabulário comum, mas não demorará a inquietar-nos com a sua presença. Na academia, o significado que o vocábulo abriga tem sido objeto de uma vasta e profícua
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literatura científica sobre os desafios ético-políticos que o seu acontecimento implica (Harbel et al., 2020). Os sucessivos avisos dos cientistas (Freitas, 2020; Henriques, 2020; Barreto, 2017) sobre os efeitos da ultrapassagem dos limites planetários1 (Rockström et al., 2009) – nos quais se contam as alterações climáticas, a escassez de água doce, a perda de biodiversidade ou a acidificação dos oceanos, entre outros fatores (Steffen et al., 2015) – e as evidências, cada vez mais frequentes, do surgimento de eventos climáticos extremos, traçam cenários catastróficos para um futuro não muito distante que trará mudanças profundas à conceção e organização do empreendimento humano. Tal como Janus, o deus romano das mudanças e transições cujas duas faces representam o passado e o futuro, o caos e a civilização, o mundo dos homens e dos deuses (Nice, 2015), o Antropoceno apresenta-se com duas faces, pois tanto pode significar, do ponto de vista geológico, a Época que sucede ao Holoceno (Lewis & Maslin, 2015), quanto um conceito cultural que obriga a repensar a condição humana (Basto, 2022). O surgimento do Antropoceno assinala, assim, o momento em que a humanidade se tornou uma força telúrica capaz de alterar significativamente as condições de funcionamento do sistema-Terra.
3.
DESOBEDIÊNCIA CIVIL
Investigações recentes têm demonstrado que os jovens em todo o mundo são vulneráveis à ansiedade climática, o que poderá ter implicações para a sua saúde física e mental. Um estudo realizado em 2021 que inquiriu 10.000 jovens de dez países (Austrália, Finlândia, Brasil, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e EUA) com idades entre 16 e 25 anos concluiu que os inquiridos apresentavam sintomas de ansiedade climática e emoções angustiantes associadas ao convencimento de que «os governos não reconheciam ou não atuavam sobre a crise de uma forma coerente e urgente», o que lhes proporcionava sentimentos de traição e abandono (Hickman, 2021, p. 870).
Em Portugal, as recentes ações disruptivas de alguns ativistas do clima são um sinal de alerta para o qual a sociedade civil e os agentes políticos devem estar preparados. Se esboçarmos o perfil dos ativistas apenas com a informação que é transmitida pelos órgãos de comunicação social, talvez possamos dizer que são jovens conscientes das consequências da crise climática para as suas expetativas de vida que se tornaram descrentes da eficácia dos canais formais de comunicação política e optaram pela desobediência civil para fazerem ouvir a
1 O Centro de Resiliência de Estocolmo monitoriza nove limites planetários que não devem ser excedidos de forma a assegurar um espaço operacional seguro para a humanidade: (1) alterações climáticas, (2) integridade da biosfera, (3) introdução de novas entidades, como os resíduos nucleares, (4) desflorestação, (5) perda de biodiversidade, (6) fluxos biogeoquímicos, (7) carga de aerossóis na atmosfera, (8) depleção da camada de ozono e (9) acidificação dos oceanos. Os seis primeiros limites desta lista já foram ultrapassados (Richardson et al., 2023).
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sua voz, acusando a indústria extrativista de contribuir para a catástrofe global que consideram anunciada e apontando o dedo aos agentes políticos por não empreenderem as mudanças que defendem ser necessárias. Os jovens ativistas apontam para dois alvos privilegiados, como se observa nas palavras de ordem que gritam nas ruas e plasmam em cartazes e comunicados de imprensa: os combustíveis fósseis e o capitalismo. Eles sabem que as suas ações infringem a lei e que os atos de desobediência civil que praticam serão tratados como atos de desobediência criminal, como tem vindo a suceder nas condenações a que têm sido sujeitos nos tribunais2 – e até na condenação explícita, e em alguns casos violenta, de alguns cidadãos que são prejudicados pelas suas ações, como ocorreu num dos bloqueios de trânsito em Lisboa. A filósofa alemã Hannah Arendt é perentória a afirmar que nestes casos não pode a desobediência civil ser comparada à desobediência criminal:
Há toda a diferença do mundo entre o criminoso que evita o olhar do público e o participante na desobediência civil que toma a lei nas suas próprias mãos em aberta provocação. Esta distinção entre uma violação aberta da lei, efetuada em público, e uma violação clandestina só pode ser descurada por preconceito ou má vontade (Arendt, 1972/2017, p. 33).
Arendt (1972/2017) separa ainda mais as águas, deixando clara a sua opinião sobre a diferença entre desobediência civil e criminal:
Além disso, o violador comum da lei, mesmo que pertença a uma organização criminosa, age para seu próprio benefício, apenas; recusa ser dominado pelo consentimento de todos os outros e cede apenas à violência das entidades que obrigam a cumprir a lei. O participante na desobediência civil, embora esteja habitualmente em desacordo com uma maioria, age em nome de um grupo; desafia a lei e as autoridades estabelecidas com o fundamento de um desacordo básico e não porque, como indivíduo, deseja criar uma exceção para si e sair impune. (p. 34).
Muitos dos direitos de que os cidadãos usufruem hoje, como o direito à negociação coletiva ou o direito à greve resultam de processos de desobediência civil organizados, onde muitas vezes foram usados métodos violentos, tanto dos ativistas, quanto das autoridades policiais. Para Arendt (1972/2017), uma caraterística essencial da desobediência civil que a distingue da criminal é a não-
2 As três jovens ativistas que em 26 de setembro de 2023 atiraram tinta verde ao ministro do Ambiente e da Ação Climática numa conferência organizada pela CNN e patrocinada pela EDP e a GALP foram identificadas pela polícia, mas não foram detidas, porque o visado não apresentou queixa.
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violência. Os jovens ativistas climáticos têm plena consciência disso e fazem questão de sublinhar que as suas ações disruptivas são não violentas.
4.
A VERDADE DA POLÍTICA
Tudo leva a crer que a atitude desses jovens é apartidária, pois não são conhecidas ligações dos coletivos aos quais pertencem a organizações ou partidos políticos estabelecidos. Em boa verdade, nem isso faria sentido, dado que o seu discurso é antissistema, de recusa categórica do atual modelo de organização da sociedade. Eles estão informados sobre a possibilidade, não despicienda, do advento de uma catástrofe climática. É essa eventualidade que os levará a interrogar-se por que razão os decisores de cabelos grisalhos –gestores de empresas e líderes políticos – não tomam medidas para impedir que as ações humanas não ultrapassem os limites planetários estabelecidos pelas ciências da Terra até ao ponto de não-retorno. Os jovens estão convencidos de que os principais decisores da sociedade, tanto ao comando das empresas, quanto na liderança política estão conscientes de que Gaia caminha a passos largos para a sexta extinção em massa. Por isso não compreendem as razões que levam os que têm capacidade de decisão – principalmente decisão política – a absterem-se de tomar as medidas necessárias para impedir que esse cenário seja a realidade que terão de enfrentar no decurso das suas vidas. Para eles, a geração dos decisores de cabelos grisalhos está a faltar à verdade quando anuncia que as medidas assentes na economia verde são suficientes para impedir o desastre climático. Por isso os acusam de mentir quando os veem defender o conceito de desenvolvimento sustentável como a solução que permitirá debelar a crise climática sem ser necessário abdicar do modo de vida social, económico e político a que nos habituamos.
Harry Frankfurt assinala que os seres humanos não podem viver sem a verdade, «não apenas para sabermos como viver bem, mas também para sabermos como sobreviver» (Frankfurt, 2006/2017, p. 33). O filósofo americano afirma que sem a verdade não temos opinião sobre como as coisas realmente são, ou se temos opinião é certamente errada, porque as falsas convicções não contribuem em nada para enfrentarmos o que possa vir a suceder. No entanto, admite que possamos viver bem sem a verdade, mas apenas durante algum tempo:
Talvez possamos viver durante algum tempo, abençoadamente ignorantes ou felizmente enganados, e dessas formas, apesar de todas as dificuldades que nos colocam em perigo, consigamos evitar durante algum tempo ficar particularmente tristes ou perturbados. No final, contudo, o mais provável é a nossa ignorância e as nossas convicções falsas tornarem piores as nossas circunstâncias. (p. 51).
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Arendt (1968/1995) afirma não existirem dúvidas sobre o mau relacionamento existente entre a verdade e a política, porque as mentiras são usadas amiúde para a substituição de meios mais violentos e, nessa medida, são relativamente inofensivas: «As mentiras foram sempre consideradas como instrumentos necessários e legítimos, não apenas na profissão de político ou demagogo, mas também na de homem de estado.» (p. 9). Para a autora, há uma distinção clara entre a verdade da razão, onde se incluem a verdade matemática, científica e filosófica, e a verdade de facto, porque ao contrário dos axiomas, descobertas e teorias, os factos e os acontecimentos são sempre instáveis, pois estão sujeitos às opiniões do cidadão e ao contexto em que são formulados. Por essa razão, Arendt (1968/1995) conclui que a simples opinião tornou-se o inverso da verdade e um dos alicerces fundamentais do poder (p. 17).
Compreende-se, assim, a indignação dos jovens ativistas climáticos. Eles sabem que a verdade científica deixa poucas dúvidas sobre o cenário apocalíptico que se avizinha se nada for feito que o contrarie (Richardson, 2023). No mundo académico, com exceção dos poucos negacionistas que ainda vão sobrevivendo, a unanimidade dos cientistas é robusta, pelo menos sobre o que sucederá se nada se fizer que altere o rumo da ação humana sobre o planeta. Portanto, a verdade científica está disponível em inúmeras fontes de informação para quem estiver interessado em conhecê-la. Sabendo disso, os jovens ativistas não perdoam aos decisores de cabelo grisalho por não fazerem o que eles acham que deve ser feito. Talvez concedam que o cidadão comum se alheie da verdade de facto e se quede pela simples opinião, assumindo que toda a responsabilidade deve recair sobre os decisores e não sobre os cidadãos. Arendt (1968/1995) observa que «(…) a verdade de facto não é mais evidente do que a opinião, e essa é talvez uma das razões pelas quais os detentores de opinião consideram relativamente fácil rejeitar a verdade de facto como se fosse uma outra opinião.» (p. 31). Na verdade, a consciencialização do cidadão comum não tem sido tarefa fácil, mas é para o desenvolvimento dessa consciência coletiva que os ativistas climáticos radicais se manifestam. A sensibilização do grande público para as questões climáticas tem-se confrontado com sérias dificuldades, principalmente de comunicação. O exemplo do sociólogo britânico Anthony Giddens é esclarecedor quando faz a comparação entre as razões apresentadas no sentido de mobilizar o cidadão comum para o combate às alterações climáticas e os argumentos dos pais desejosos que o filho deixe de fumar porque esse vício ser-lhe-á prejudicial quando tiver 40 anos. Naturalmente, nenhum jovem de 16 anos se imagina com 40 anos a sofrer danos causados pelo tabaco (Giddens, 2009). Numa outra perspetiva, o sociólogo francês Jean Baudrillard fala de “Manutenção da Catástrofe” para explicar a apatia generalizada dos cidadãos sobre os perigos da crise climática, e sugere que essa indiferença é causada pela recusa dos seres-humanos a sentirem-se vítimas de acidentes naturais, porque estão convencidos de que só eles mesmos serão capazes de promover a sua própria extinção (1962, Baudrillard citado por Gouveia, 2017).
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ACRASIA COLETIVA
A indiferença da sociedade civil em relação às alterações climáticas pode ser explicada, em parte, pela complexidade do tema. Por um lado, o cidadão comum, ocupado com as múltiplas preocupações do quotidiano, não tem disponibilidade mental e emocional para se inquietar com assuntos que requerem análise, reflexão e produção de opiniões sustentadas (Latour, 2014). Por outro lado, esse alheamento pode residir na circunstância de o fenómeno do aquecimento global ser classificado como um hiperobjeto, o que significa que não poderá ser entendido na sua totalidade (Morton, 2013).
Nestas circunstâncias, poderemos estar em presença de um estado de acrasia coletiva. Embora o conceito filosófico de acrasia se refira à situação em que uma pessoa age contra o seu melhor julgamento ou conhecimento do que é correto, sendo assim comummente usado para descrever uma ação individual, há autores que admitem a possibilidade de existência do estado de acrasia coletiva, que sucede quando um grupo de pessoas ou uma comunidade sabe o que é racionalmente melhor para o interesse do grupo, mas age de maneira contrária a esse conhecimento.
Um exemplo de acrasia coletiva sucede quando uma comunidade reconhece que a proteção de um recurso natural, como um rio ou uma floresta, é importante para a população, mas nada faz para garantir a sua preservação, o que constitui uma falha na sua força de vontade coletiva. Esta fraqueza pode ser explicada por diversos fatores, entre os quais se contam conflitos de interesse, problemas de coordenação, falta de comprometimento, informação assimétrica, problemas de comunicação ou simplesmente falha em agir no melhor interesse do grupo.
O economista ecológico William E. Rees espanta-se por ninguém ouvir o clamor dos cientistas sobre os excessos da mão humana no sistema-Terra, incluindo os principais meios de comunicação social (Rees, 2023). Para o investigador canadiano, o problema poderá estar na incompetência cognitiva do homo sapiens, porque ainda opera com um cérebro essencialmente paleolítico que tende a pensar em termos de relação causa-efeito imediata, respondendo aos problemas de forma simplista. Este modo cognitivo, embora tenha sido adequado ao tempo pré-agrícola, não estará adaptado ao atual contexto acelerado de mudança caraterístico do mundo moderno e à complexidade do Antropoceno (p. 5).
No caso de os agentes coletivos serem agentes políticos, a acrasia coletiva talvez possa ser explicada, em parte, pelos interesses económicos em jogo, pela sua própria complexidade, pela pressão eleitoral a que os agentes políticos estão sujeitos e por um certo grau de incerteza científica, embora as dúvidas da comunidade científica tenham vindo a desvanecer-se e sejam agora residuais. Seja como for, essa incerteza (içada como bandeira pelos negacionistas do clima)
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5.
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tem vindo a impedir a implementação de medidas globais imediatas, o que favorece o adiamento de sacrifícios e custos de curto-prazo – além de mudanças no estilo de vida – para se alcançarem benefícios de longo-prazo, muitas vezes impercetíveis para o cidadão comum, mas que parecem ser essenciais para evitar o Antropoceno e regressar logo que possível ao bom funcionamento do sistemaTerra, ou seja, às condições do Holoceno. Apesar das pressões dos ambientalistas, desde os adeptos do mainstream que, numa lógica reformista, clamam por uma economia verde assente no conceito de desenvolvimento sustentável, até aos ativistas climáticos radicais, de pendor revolucionário, será necessário avaliar com prudência os danos do abandono drástico dos combustíveis fósseis, pois é em torno deles, em larga medida, que a sociedade se encontra organizada. Para Rees (2023) «(…) medidas agressivas para reduzir a utilização de combustíveis fósseis (…) constituiriam um suicídio político (se não social) na ausência de alternativas energéticas viáveis e de um plano abrangente de reestruturação socioeconómica com apoio público.» (p. 10). Com pragmatismo, Rees (2023) admite que um corte intempestivo nos combustíveis fósseis resultaria no caos económico, designadamente na redução da produção de bens, no aumento do desemprego, na diminuição dos rendimentos, no incremento da fome e das migrações massivas, em surtos de desobediência civil e criminal e até em guerras resultantes da escassez de alimentos.
A humanidade encontra-se, assim, numa encruzilhada. Donna Haraway, historiadora da consciência, vê o Antropoceno como um evento-limite. Para a investigadora norte-americana, tudo deve ser feito para que a duração do Antropoceno seja breve, de modo a ser possível reconstituir os refúgios que garantiram a diversidade cultural e biológica dos ecossistemas, tal como Anna Tsing os identificou, mas que, entretanto, foram banidos por efeito do Antropoceno (Haraway, 2015).
6.
O BANCO DOS RÉUS
Apesar de a literatura apresentar várias narrativas do Antropoceno, tudo leva a crer que a abordagem ético-política que se vier a fazer sobre esse novo tempo geológico e cultural será disputada por duas fações antagónicas: de um lado, os adeptos da narrativa naturalista, apoiados no conceito de desenvolvimento sustentável, terra firme para a economia verde, onde se incluem os projetos faraónicos de geoengenharia; do outro lado, os partidários da narrativa ecocatastrofista – de que são exemplos os suficientistas e os decrescentistas, bem como figuras mediáticas como o Papa Francisco, o secretário-geral da ONU António Guterres ou a ativista climática Greta Thunberg (Basto, 2022) – que olham para o Antropoceno como um fim de linha, na crença de que não é possível crescer infinitamente num planeta finito. A narrativa eco-catastrofista
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admite a elevada probabilidade de vir a suceder um colapso ambiental e, por isso, advoga uma mudança radical do modo de vida à escala global através de alterações profundas aos padrões de consumo e produção (Bonneuil, 2015). O jogo entre estas duas fações principais realizar-se-á num tabuleiro de xadrez com apenas três peças, cada uma delas com capacidade para dar xeque-mate ao empreendimento humano: a sobrepopulação; o modelo económico-político capitalista de crescimento perpétuo, na sua atual versão neoliberal; e a tecnologia que emergiu das revoluções científica e industrial3
6.1.
SOBREPOPULAÇÃO
Os seres-humanos são um produto da evolução, da seleção natural darwiniana, tal como as outras espécies animais. Em condições ambientais favoráveis, a espécie humana partilha com todas as outras espécies três caraterísticas principais: tende a crescer exponencialmente, a consumir todos os recursos disponíveis e a expandir-se para todos os habitats acessíveis. (Rees, 2023).
Em consequência das revoluções científica e industrial, o crescimento da população mundial sofreu um incremento assinalável. Vejamos como Rees (2023) resume esse crescimento ao longo da existência humana:
(…) anatomicamente, os humanos modernos existem há cerca de 250.000 anos. Durante a maior parte deste período, a curva de crescimento populacional foi essencialmente plana. Houve um aumento global quase impercetível à medida que o homo sapiens se espalhou de África para o resto do planeta ao longo dos últimos 50 milénios, e um aumento modesto com a adoção da agricultura há 10 milénios (…). Foram necessários 99,9% da história humana para que a população atingisse mil milhões no início do século XIX. (…) Em apenas 200 anos (…) a população aumentou para sete mil milhões em 2021 e atingiu oito mil milhões apenas 11 anos depois, em novembro de 2022 (p. 7).
Esta explosão populacional, alimentada pelos combustíveis fósseis e pela tecnologia, desencadeou o período significativamente mais grave de degradação dos ecossistemas em 250.000 anos de evolução humana. Por essa razão, quando em novembro de 2019 os cientistas publicaram as suas preocupações sobre a possibilidade de vir a suceder uma catástrofe planetária, a sobrepopulação humana foi identificada como uma das causas dessa possibilidade (Freitas, 2020; Henriques,
3 Estas três variáveis integram a identidade I = PAT, comummente usada pela comunidade científica para relacionar o impacto da ação humana no meio ambiente I, através do produto da população P (número de habitantes do planeta) com a riqueza (affluence) A (PIB per capita em $/pessoa/ano) e a tecnologia T (em joules por $ de PIB para a energia e kg por $ de PIB para recursos materiais).
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2020). Mas esse aviso já havia sido feito no livro do neomalthusiano Paul Erlich, The Population Bomb, publicado em 1968, e também no Relatório Meadows, de 1972, pois ambos identificam o crescimento demográfico como uma das causas principais do colapso social que se anunciava para meados do século XXI.
O planeamento populacional humano parece surgir, assim, como uma inevitabilidade. Todavia, não se trata apenas de estabilizar o número de sereshumanos que hoje habitam o planeta, mas de diminuir esse número para um nível que possa ser suportado pela extração de recursos da ecosfera e pela sua capacidade de acolher a poluição resultante da atividade humana. Para se poder resistir às condições do Antropoceno, Haraway (2015) diz que é importante que os seres humanos saibam estabelecer laços de parentesco com humanos e não humanos em vez de aumentar a sua prole como tem feito até agora. Para a historiadora norte-americana, nos próximos dois séculos talvez os seres humanos sejam apenas 2 ou 3 mil milhões e, em resultado disso, possam colher os benefícios de um nível digno de bem-estar humano e não humano. Rees (2023) parece não ter dúvidas sobre a inevitabilidade da diminuição da população. Na opinião do economista canadiano, num futuro muito próximo ocorrerá uma escassez global de alimentos e de outros recursos materiais em resultado de uma queda acentuada de produção de energia causada pela crise climática. Dado que os combustíveis fósseis forneceram, em 2021, 82% da energia primária mundial e 61% da energia elétrica e que, em simultâneo, será impossível substituir atempadamente os combustíveis fósseis por energias renováveis, parece ser inevitável que venha a suceder uma «grande correção populacional» (p. 9).
6.2.
TECNOLOGIA
As expetativas geradas no Iluminismo sobre o papel que a ciência e a tecnologia desempenhariam para o progresso humano através da compreensão da realidade – que por sua vez possibilitaria antecipar o futuro à luz da racionalidade e realizar o domínio da natureza – não foram completamente satisfeitas ou saíram mesmo goradas. A esperança criada no Século das Luzes que se prolongaria até meados do século XIX foi bem acolhida pela maior parte dos filósofos (Brey, 2012) e pelas diversas tendências de pensamento político, incluindo Karl Marx (Garcia, 2010), mas só mais tarde, pela mão dos filósofos da chamada Escola de Frankfurt, surgiram as principais críticas à tecnologia e às implicações que comportava para a sociedade industrial. A essas críticas, fundamentadas nas análises sociológicas de Karl Marx e Max Weber, foram depois acrescentadas outras críticas formuladas pelos filósofos pós-modernos, surgidos a partir de meados do século XX (Brey, 2012). Na década de 1960, o filósofo Hans Jonas também formulou as suas preocupações sobre o que ele designou como tecnociência, criticando o triunfo do homo faber sobre o homo sapiens (Bolson, 2013).
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Apesar de todas essas críticas, a visão otimista do Iluminismo ainda hoje permanece intocável, na medida em que a tecnologia é vista como um indicador de progresso das sociedades e uma das vias para a satisfação das necessidades humanas e do seu bem-estar ou felicidade. Esse quase endeusamento da tecnologia tornou «supérfluo qualquer debate sobre as relações entre a tecnologia e a estrutura moral das sociedades contemporâneas ou sobre os riscos, incertezas, subprodutos e desfechos imprevistos da mudança tecnológica.» (Garcia, 2010, p. 69).
Vem isto a propósito dos esforços que têm sido feitos por via da tecnologia para se obter a desmaterialização da produção de bens com o objetivo de permitir o crescimento das economias e, em simultâneo, reduzir ou até eliminar a utilização de recursos naturais e as emissões de gases com efeito de estufa (GEE). A desmaterialização da economia consiste na redução significativa de materiais usados para a produção de artefactos, dissociando o crescimento económico dos impactos ambientais. Ou seja, embora o PIB continue a crescer, o consumo de materiais e a emissão de carbono4 mantém-se estável ou até diminui. A esta circunstância dá-se o nome de desmaterialização ou dissociação absoluta, em oposição à dissociação relativa, que sucede quando a utilização de recursos ou as emissões de carbono crescem menos do que o PIB (Lorek, 2014). Talvez seja oportuno observar, num breve parêntesis, que o modelo de desenvolvimento capitalista exige que a economia cresça infinitamente. O slogan ambientalista de que «É impossível crescer infinitamente num planeta finito» não é mais que uma crítica ao capitalismo, à «tendência inevitável do capital para se acumular e se concentrar em proporções infinitas, desprovidas de limites naturais», como o economista francês Thomas Piketty observa quando se refere à crítica de Marx ao capitalismo (Piketty, 2013/2015, p. 26). Seja como for, a partir da revolução industrial a tecnologia tornou-se um valor absoluto e inquestionável, alheio a qualquer debate sobre a sua utilidade para o bem-comum. É neste contexto que se inscreve a desmaterialização da produção de bens como uma via adequada para o desenvolvimento sustentável ou crescimento verde5
Algumas das principais organizações internacionais, como a OCDE, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA) e o Banco Mundial assumiram com entusiasmo a defesa do crescimento verde (Hickel & Kallis, 2020). Acompanhando essa euforia, a economia verde foi adotada nas políticas nacionais e encontra-se plasmada, inclusivamente, nos Objetivos de
4 Para simplificar, usaremos o dióxido de carbono (CO2) ou simplesmente o carbono (C) para significarmos os GEE, uma vez que o CO2, produzido em grande escala pelos seres humanos na queima dos combustíveis fósseis é o principal responsável pelo aquecimento global.
5 Os conceitos de desenvolvimento sustentável e de crescimento verde ou economia verde serão tratados, no âmbito deste artigo, como expressões com significados semelhantes, pois ambos possuem a ideia central de que a expansão económica contínua é compatível com a manutenção dos ecossistemas planetários.
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Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por exemplo, uma das metas consignadas no ODS 8 – Promover o crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo, e o trabalho digno para todos tem o objetivo de melhorar a eficiência dos recursos naturais no consumo e na produção, procurando dissociar o crescimento económico dos impactos ambientais. Os indicadores selecionados para avaliar os progressos desta meta são a pegada material e o consumo interno de materiais (CIM), ambos quantificados de modo absoluto, per capita e em percentagem do PIB. Estes indicadores são de novo assinalados no ODS 12 - Garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis em referência ao objetivo de se poder vir a alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais, uma vez mais através da dissociação. Calculado para medir a utilização de recursos de uma economia, o CIM consiste no valor do peso total das matérias-primas (minerais, biomassa, combustíveis fósseis e metais) extraídas no território nacional, ao qual se acrescenta o valor das importações e se subtrai o das exportações. Apesar de ser um indicador razoavelmente aceite pela maioria dos investigadores, o CIM apresenta algumas limitações. Por exemplo, não inclui o impacto ambiental envolvido na produção e transporte dos bens importados, o que desvaloriza a sua qualidade (Hickel & Kallis, 2020). O cálculo do CIM em percentagem do PIB é útil na medida em que fornece uma ideia, embora incompleta, da eficiência de uma dada economia na utilização de recursos. É por essa razão que este indicador tem sido utilizado por países como a Alemanha, o Reino Unido, o Japão ou os Estados Unidos para reclamarem o suposto feito de terem obtido a dissociação relativa das suas economias. Contudo, o que na verdade sucedeu foi que esses países transferiram para os países do sul, através do comércio internacional, a extração e o processamento de materiais, mas não diminuíram o seu consumo interno (Lorek, 2014).
Esta atitude dos países desenvolvidos levanta problemas éticos que acabam por ser abafados pelo coro internacional, bem afinado, que pugna pela defesa das virtudes da desmaterialização, às quais acrescenta o argumento de que num futuro próximo os consumidores mudarão inevitavelmente o seu comportamento em consequência de uma maior consciencialização da crise climática, privilegiando bens com necessidades cada vez mais baixas de materiais e energia. Ainda que isso venha a acontecer, deve notar-se que há um máximo de eficiência definido pelos limites físicos dos recursos, i.e, um máximo termodinâmico que ocorre com o seu esgotamento integral, o que não deixa de ser preocupante se vier a suceder com recursos não renováveis. Porém, os defensores da desmaterialização não desarmam, argumentando que o problema ambiental é uma falha de mercado que pode ser resolvida pelo aumento artificial dos preços através da intervenção do Estado ou da privatização dos recursos. Todavia, se esta medida fosse posta em prática agravaria a desigualdade económica. Os consumidores também podem defraudar as expetativas dos defensores da desmaterialização, acrescentando uma dificuldade que se encontra
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bem ilustrada no paradoxo de Jevons, cujo enunciado nos diz que o aumento da eficiência de um recurso pode conduzir ao aumento da taxa de consumo desse recurso, em vez de a diminuir. Vejamos o seguinte exemplo:
Se tomarmos como exemplo a atual política de descarbonização da economia através da redução do consumo de energia pela adoção de medidas de conservação energética, a poupança gerada será utilizada para outras atividades consumidoras de energia. Por isso, embora se consiga reduzir o consumo específico ou consumo por unidade – obtido pelo aumento da eficiência energética –, o consumo total de energia aumenta, porque a energia poupada momentaneamente é usada para outras aplicações. Destarte, à medida que uma economia realiza progressos tecnológicos e se torna mais eficiente, mais recursos consome, porque esses recursos ficam mais baratos. Parece, enfim, que não será na tecnologia ou nas inovações tecnológicas que se encontra o remédio para os males de que padece o sistema-Terra (Basto, 2022, p. 116).
O relatório de julho de 2019 do European Environmental Bureu (EEB)6, Intitulado “Dissociação Desmascarada: evidências e argumentos contra o crescimento verde como única estratégia para a sustentabilidade”, assinala sete razões para que exista ceticismo sobre a possibilidade de ocorrência da dissociação de recursos, i.e., sobre a continuação do crescimento económico sem aumento das pressões ambientais. A primeira razão é o facto de o consumo de energia aumentar à medida que o recurso é extraído, porque a extração das reservas remanescentes consome mais recursos e energia; a segunda razão é o “efeito de recuperação”, ilustrado neste texto através do paradoxo de Jevons; a terceira razão é quando ocorre a transferência de um problema para outro, como é o caso da extração de lítio para a produção de veículos elétricos; a quarta razão é o impacto subestimado dos serviços, porque a economia de serviços não prescinde da economia material e, além disso, a pegada ecológica dos serviços soma-se muitas vezes à pegada dos bens materiais, em vez de a substituir; a quinta razão está relacionada com o potencial limitado da reciclagem e a sua incapacidade para fornecer recursos para satisfazer as exigências de uma economia em crescimento; a sexta razão aponta para a evidência de que o progresso tecnológico não se encontra a fornecer respostas suficientemente inovadoras e rápidas para reduzir a pressão ambiental através de uma dissociação eficiente; a sétima e última razão, já assinalada neste texto, é a falácia da dissociação reclamada por vários países de alto consumo de recursos, pois esta suposta dissociação resulta somente da externalização dos
6 O EEB é uma rede europeia de organizações ambientais criada em 1974, constituída por mais de 180 membros de 40 países que representam cerca de 30 milhões de cidadãos (https://eeb.org/).
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impactos ambientais desses países para os países do sul, de baixo consumo, sem provocar alterações ao balanço global. (Parrique et al., 2019). Os autores não se opõem à dissociação, mas antes à ideia e ao discurso de que esse processo tornará irrelevante o debate sobre o crescimento da economia. Embora os autores defendam que as medidas de dissociação devem prosseguir, não deixam de observar que não são uma panaceia universal, porque se baseiam na suposição incorreta de que se poderá alcançar uma dissociação suficiente através do aumento da eficiência dos recursos sem se mostrar necessário limitar a produção e o consumo económicos. Por isso, advogam um novo paradigma económico com foco na suficiência ou noutras propostas alternativas ao crescimento verde.
As conclusões do relatório citado são acompanhadas pelos resultados de muitas investigações empíricas independentes que apontam para a inexequibilidade do crescimento verde, pelo menos de forma contínua (Hickel & Kallis, 2020). O crescimento verde exige que se alcance uma dissociação absoluta e permanente entre a utilização de recursos e o PIB e entre as emissões de carbono e o PIB. No caso das emissões, obriga, ainda, que isso suceda em tempo útil para impedir que seja excedido o orçamento de carbono em 1,5ºC ou 2,0ºC estabelecido no Acordo de Paris.
Assim, num cenário em que não será politicamente aceitável questionar o crescimento económico do atual modelo de desenvolvimento, os decisores políticos têm entre mãos um problema sensível para resolver. Nenhum governo abdicaria de fazer crescer a economia tanto quanto fosse possível, porque isso contrariaria todo o discurso que o legitima, seja qual for a sua orientação política. Como observa Latouche (2012):
Todos os regimes modernos foram produtivistas: repúblicas, ditaduras e sistemas totalitários, quer os seus governos fossem de direita ou de esquerda, liberais, socialistas, populistas, sociaisliberais, sociais-democratas, centristas, radicais ou comunistas. Todos consideraram o crescimento uma pedra angular do seu sistema inquestionável (p. 48).
Apesar disso, se as evidências empíricas sugerem que o crescimento verde é inexequível, pelo menos de forma permanente, parece ser necessário considerar outras soluções, embora se deva continuar a investir em avanços tecnológicos para aumentar a eficiência dos recursos. Talvez o caminho a seguir contemple a possibilidade de dissociar a prosperidade e o desenvolvimento do crescimento. Para isso, parece ser inevitável reduzir a atividade económica agregada. Será oportuno, portanto, equacionar a necessidade de uma mudança de paradigma que contemple a possibilidade do decrescimento económico.
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6.3.
CAPITALISMO
O crescimento económico, endógeno ao capitalismo, fundamenta-se na ideia de que mais crescimento significa mais riqueza e bem-estar. Todavia, esta promessa ainda não foi cumprida porque a equação do crescimento não contempla o termo relativo à distribuição da riqueza, essencial para minimizar a desigualdade económica que muitos autores reclamam ser necessária ou assegurando a cada cidadão o direito de viver com dignidade, livre da condição degradante de pobreza, mesmo que a desigualdade económica subsista, como outros autores defendem (Frankfurt, 2015/2016).
Piketty (2013/2015) assevera que é importante dividir o crescimento da produção em dois fatores: o crescimento da população e o crescimento da produção por habitante, uma divisão «demasiadas vezes esquecida no debate público» (p. 120). Como assinala o economista francês, o exame da evolução dessas taxas desde a revolução industrial até 2012 revela um crescimento médio em torno de 1,6% ao ano (0,8% relativos ao crescimento da população e 0,8% ao crescimento da produção por habitante), valor que atualmente seria considerado indesejável (p. 121). Mesmo assim, não há razões para crer que a economia alcance o modo estacionário, tal como foi conjeturado por Mill (1848/1965) e defendido por Daly (2010). A longo-prazo, o crescimento da produção por habitante dos países ricos poderá ser superior a 1,2% ao ano, uma taxa que pode ser considerada otimista (Piketty, 2013/2015), mesmo tomando em consideração a desaceleração da taxa de crescimento populacional e as previsões que apontam para um máximo demográfico ainda durante este século (Vollset, 2020)7. Este cenário de crescimento significa mais extração de recursos e mais consumo de energia, apesar dos aumentos de eficiência proporcionados pela tecnologia.
Faz sentido, portanto, considerar alternativas ao modelo económico capitalista de desenvolvimento ilimitado. O modelo capitalista tem sido questionado por inúmeras razões desde o famoso opúsculo de Marx e Engels, mas nas condições atuais em que a humanidade se encontra, no ponto singular de ameaça à sua existência como espécie, bastará invocar uma única razão: não é possível crescer infinitamente num planeta finito, tal como reza o slogan ambientalista e como a ciência tem demonstrado.
Uma proposta que contraria o mito do crescimento contínuo é a Teoria do Decrescimento, cuja doutrina, filosofia e esboço de programa político se encontram no ensaio Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno, da autoria de Serge Latouche. O autor afirma que a sociedade de crescimento deve ser
7 O estudo de 2021 publicado na revista Lancet afirma que o ápice do crescimento populacional ocorrerá em 2060, com 9,7 mil milhões de habitantes, ano a partir do qual se observará uma diminuição até estabilizar em 8,8 mil milhões em 2100, contrariando a previsão da ONU de que a população atingiria o pico de crescimento em 2100, com 11,2 mil milhões de habitantes.
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posta em causa e que isso implica questionar o capitalismo. E acrescenta: «a sociedade do crescimento não só não é desejável, como também não é sustentável» (Latouche, 2007/2012, p. 26). O autor propõe, assim, o abandono do crescimento ilimitado, que na sua opinião satisfaz apenas a obtenção de lucros para os detentores do capital, infligindo danos irreparáveis ao ambiente e à humanidade (p.18).
O movimento decrescentista também critica a forma como a tecnologia tem evoluído e por essa razão propõe uma moratória na área das inovações tecnocientíficas, reorientando a investigação científica e técnica, e na área das grandes infraestruturas, como autoestradas, TGV e outros projetos de grande porte. Em relação ao problema da sobrepopulação, Latouche (2007/2012) confessa-se agnóstico, afirmando que a atenção deve focar-se na distribuição de riqueza e no questionamento do sistema económico capitalista, em vez de ser desviada para a discussão sobre o tamanho da população (p. 44).
A teoria do Decrescimento é apenas uma das propostas de modelo de organização da sociedade alternativas ao modelo capitalista, mas talvez seja a que se mostra mais consistente na recusa de um modelo de desenvolvimento assente no crescimento ilimitado, propondo uma economia de decrescimento sereno e convivial na qual se consuma e trabalhe menos.
7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Antropoceno corresponde ao momento em que os seres humanos se transformaram numa força telúrica capaz de modificar as condições de funcionamento do sistema-Terra. Nesta Época simultaneamente geológica e cultural, a humanidade enfrenta, talvez, o seu maior desafio ético-político, confrontando-se com a possibilidade da sua própria extinção. A transição do Holoceno para o Antropoceno corresponde à mudança da estabilidade climática para um tempo ainda pleno de incertezas, mas que não augura nada de bom, conforme tem vindo a ser anunciado pela comunidade científica. Para enfrentar este problema, há duas narrativas principais: a dos adeptos da economia verde, crentes na possibilidade do desenvolvimento sustentável, e os eco-catastrofistas, que admitem a probabilidade de vir a suceder um desastre ambiental.
As principais razões que originaram o Antropoceno são a sobrepopulação, a tecnologia e o modelo de desenvolvimento económico capitalista. Em relação à sobrepopulação, é provável que se venha a verificar durante este século uma grande contração populacional, mas talvez pelas piores razões. Por isso, o planeamento populacional global parece ser indispensável. No caso da tecnologia, teremos de admitir que a sua capacidade para alcançar a desmaterialização dos recursos é limitada, comprometendo o crescimento continuado da economia. Por fim, como o sistema económico capitalista não parece responder aos desafios do Antropoceno, talvez se deva colocar a possibilidade de abandonar as políticas
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de crescimento que lhes são caraterísticas e enveredar por um modelo de desenvolvimento decrescentista, conjugando-o com a otimização da eficiência na utilização dos recursos.
A sociedade civil – pelo menos aquela que tem consciência das condições criadas pelo Antropoceno e do que se projeta para um futuro próximo – parece encontrar-se num estado de “acrasia coletiva”, agindo contra o seu melhor julgamento ou conhecimento do que é correto. Este estado acrático será mais grave nos círculos da política, porque os seus agentes sabem o que aí vem, embora pareçam ignorar os sucessivos avisos da comunidade científica. É por esta razão que os jovens ativistas, sendo conhecedores dos cenários que se projetam para um tempo que irá acontecer durante as suas vidas, se manifestam de forma radical, embora (ainda) não violenta, culpando os políticos e as indústrias extractivistas pelo que poderá vir a suceder. Os jovens de todo o mundo parecem estar mais sensibilizados para os riscos do Antropoceno do que o resto da população. Vulneráveis à ansiedade climática, desenvolveram um estado mental de angústia que pode ter implicações na sua saúde física e mental e que está relacionada com a crença de que os governos não têm sido capazes de responder à crise de forma adequada, comportamento que lhes traz sentimentos de traição e abandono.
Será necessário, portanto, uma mudança de paradigma social, económico e político. Porque se é verdade que a humanidade se dirige a alta velocidade contra os limites do planeta, como afirma Serge Latouche, tudo deve ser feito para que o choque seja tão distante e menos violento quanto possível. É à política e só à política que caberá essa responsabilidade.
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