DIÁRIO DOS MOEDEIROS FALSOS
pertencem especificamente ao romance. Nada se obtém de bom pela mistura. Sempre tive horror àquilo a que se chamou “a síntese das artes”, que devia, segundo Wagner, se realizar no teatro. E isso me deu o horror ao teatro e a Wagner.
ANDRÉ PAUL GUILLAUME GIDE nasce em Paris, em
9 788574 481616
Tradução de Mário Laranjeira
ISBN 978-85-7448-161-6
1869, filho de Paul Gide e Juliette Rondeaux. A figura da mãe exerce forte influência em sua juventude. Estuda piano enquanto segue uma entrecortada trajetória escolar, à qual se adapta com dificuldade. Dos mais influentes escritores de sua geração, permanece sempre entre a glória literária e a polêmica gerada por seu posicionamento a favor de uma liberdade moral e sexual absoluta. Vetado pela Igreja, protagoniza também atritos de cunho político, inicialmente aderindo ao movimento comunista e depois criticando o regime soviético. Recebe o Prêmio Nobel de Literatura em 1947; falece em Paris em 1951. O leitor encontrará extensa biografia do autor no início desta edição.
DIÁRIO DOS MOEDEIROS FALSOS
O diário dos Moedeiros falsos, jamais publicado no Brasil, é um longo diálogo de Gide com seus personagens, simultâneo ao processo de criação do romance. É assim que ele aos poucos vai engendrando a atmosfera caótica onde se dá a maturação de seus personagens: Olivier Molinier, Bernard Profitendieu... A figura de Lafcadio, protagonista de Os porões do Vaticano, também aparece aqui com muita força. O manancial “diabólico” dos personagens é o mesmo. Um dos que suscitam mais reflexões de Gide é Édouard, o personagem escritor — que também projeta escrever um romance chamado Os moedeiros falsos. A semelhança entre o diário de Édouard e muitos trechos do Diário de Gide insinua — quem saberá? — uma das pontas do novelo estilístico gideano, a mise en abyme, o livro dentro do livro dentro do livro... A relação de Gide com os personagens chega a ultrapassar o âmbito do romance propriamente dito. Este Diário, cuja publicação acompanha o aguardado retorno de Os moedeiros falsos às estantes brasileiras, é também seu “caderno de estudos”. Permite que se conheça melhor o mecanismo criativo, a inteligência crítica, a ironia do grande romancista. Notícias de jornais que inspiraram o enredo, alguma correspondência de Gide à época do lançamento dos Moedeiros, páginas
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Natanael
Purgar o romance de todos os elementos que não
ANDRÉ GIDE
A certo ponto do “Diário de Édouard”, no livro Os moedeiros falsos, o personagem anota: “Se quiserem, esse caderno contém a crítica de meu romance; ou melhor: do romance em geral. Imaginem o interesse que teria para nós semelhante caderno mantido por Dickens, ou Balzac; se tivéssemos o diário de A educação sentimental ou dos Irmãos Karamázov ! A história da obra, de sua gestação! Seria arrebatador... mais interessante que a própria obra.” Palavras que emergem inevitavelmente do interior do romance para epigrafar, no imaginário dos admiradores de Gide, este diário.
ANDRÉ GIDE
Raros são os escritores que, paralelamente ao romance que estão escrevendo, mantêm um diário de seu trabalho e o publicam em vida. É o caso de André Gide com seu célebre romance da adolescência perversa, Os moedeiros falsos.
Natanael
do “Diário de Lafcadio” e uma belíssima reflexão sobre o elemento diabólico integram o apêndice que completa a obra.
Bopp FOSCO
Natanael
10,5 mm
138,0 mm
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(cont.)
O Diário dos Moedeiros Falsos_2.indd 1
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ANDRÉ GIDE DIÁRIO DOS MOEDEIROS FALSOS
Tradução
Mário Laranjeira
Título original: Journal des Faux-monnayeurs © Éditions Gallimard, 1927 © Editora Estação Liberdade, 2009, para esta tradução Preparação e revisão Composição Capa Imagem da capa Editores
Joana Canêdo e Leandro Rodrigues B.D. Miranda Estação Liberdade André Gide (1948). Akg-Images/LatinStock Angel Bojadsen e Edilberto F. Verza
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. G385d Gide, André, 1869-1951 Diário dos Moedeiros falsos / André Gide ; tradução Mário Laranjeira. – São Paulo : Estação Liberdade, 2009. Tradução de: Journal des Faux-monnayeurs ISBN 978-85-7448-161-6 1. Gide, André, 1869-1951. Os moedeiros falsos. I. Laranjeira, Mário. II. Título. 09-3558.
CDD: 843 CDU: 821.133.1-3
Todos os direitos reservados à Editora Estação Liberdade Ltda. Rua Dona Elisa, 116 | 01155-030 | São Paulo-SP Tel.: (11) 3661 2881 | Fax: (11) 3825 4239 www.estacaoliberdade.com.br
Foi em Paris, a 22 de novembro de 1869, que nasceu André Gide, na rua Médicis no 19, não longe da faculdade de direito onde seu pai, Paul Gide, ia ocupar a cadeira de direito romano. O grande escritor tinha ascendência meio normanda meio meridional. Foi em 1891 que publicou, sem nome de autor, Les Cahiers de Walter, œuvre posthume [Os cadernos de Walter, obra póstuma]. Aliás, ele mandou destruí-los alguns dias depois. No mesmo ano, mandou editar Le Traité du Narcisse [O tratado de Narciso]; depois, em 1892, as Poésies d’André Walter [Poesias de André Walter]. La Tentative amoureuse [A tentativa amorosa], em 1893, chamou a atenção dos letrados para as obras repletas de ironia sutil desse jovem escritor. Por essa época, André Gide começou as numerosas viagens que, ao longo de toda a sua vida, o levariam sucessivamente à África do Norte, à África Central e à 7
Itália, país latino pelo qual teve imensa afeição; à então União Soviética também… É notória a retumbante publicação de Retour de l’U.R.S.S. [Retorno da U.R.S.S.], que marca sua ruptura com o partido comunista. Em 1893, André Gide publicava Le Voyage d’Urien [A viagem de Urien], depois Paludes, em 1895. Les Nourritures terrestres [Os frutos da terra] são de 1897, enquanto Le Prométhée mal enchaîné [O Prometeu mal acorrentado], conto psicológico, é de 1899. André Gide abriu o século com suas Lettres à Angèle [Cartas a Ângela]. Dois anos mais tarde era publicado L’Immoraliste [O imoralista], que levou seus críticos a dizer que André Gide era, na literatura contemporânea, um dos mais ricos terrenos de contradições e discussões que seria possível encontrar. A 1o de fevereiro de 1909, saiu o primeiro número de La Nouvelle Revue Française. Nessa edição aparecem algumas páginas de La Porte étroite [A porta estreita] que Gide havia retomado da Revue de Paris com a intenção de ajudar o jovem movimento nascente de que participavam Jean Schlumberger, Jacques Copeau, André Ruyters. Também em 1909, André Gide publicou Le Retour de l’enfant prodigue [A volta do filho pródigo], e suas obras se sucederam em seguida, quase a cada ano: Isabelle surge em 1911, Nouveau prétextes [Novos pretextos] alguns meses mais tarde, Souvenirs de la cour
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d’assises [Lembranças da Vara Criminal], em 1913, La Symphonie pastorale [A sinfonia pastoral] em 1919, Si le grain ne meurt [Se o grão não morre], em 1921, Souvenirs, Confessions e Corydon [Lembranças, Confissões e Corydon], de 1911 a 1924, Incidences [Incidências], em 1924, Les Faux-Monnayeurs [Os moedeiros falsos], em 1925, Voyage au Congo [Viagem ao Congo], em 1928, Retour au Tchad [Volta ao Tchad] e L’École des femmes [A escola das mulheres] em 1929. Sabe-se que André Gide dedicou também várias obras ao teatro, destacadamente Saül, Le Roi Candaule e Œdipe [Saul, O rei Candaule e Édipo]… Seus estudos sobre Dostoiévski, Oscar Wilde e suas traduções de Shakespeare, Conrad, Whitman, Tagore e Blake figuram entre as melhores jamais feitas desses autores. André Gide, finalmente, exprimiu-se nessa obra capital que é seu Diário. Recebeu o prêmio Nobel em 1947, e viria a falecer a 19 de fevereiro de 1951, em seu domicílio da rua Vaneau.
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Sumário
primeiro caderno
15
segundo caderno
57
apêndice
111
Jornais
113
Cartas
119
Páginas do diário de Lafcadio
127
Identificação do demônio
135
Ofereço estes cadernos de exercícios e estudos ao meu amigo JACQUES DE LACRETELLE
e àqueles a quem as questões do ofício interessam.
PRIMEIRO CADERNO
17 de junho de 1919 Hesito há dois dias se farei Lafcadio contar o meu romance. Seria uma narrativa de acontecimentos que ele descobriria pouco a pouco e dos quais tomaria parte como curioso, como ocioso e como perversor. Não estou certo de que isso reduziria o alcance do livro; mas me impediria de abordar certos assuntos, de entrar em certos meios, de mover certas personagens… Também seria uma loucura, sem dúvida, agrupar num só romance tudo o que a vida me ensina e me apresenta. Por mais denso que eu pretenda esse livro, não posso incluir tudo nele. E é no entanto esse desejo
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diário dos moedeiros falsos
que ainda me embaraça. Sou como um músico que procura justapor e imbricar, à maneira de César Franck, um motivo de andante e um motivo de alegro. Acredito que haja matéria para dois livros e estou começando este caderno para tentar deslindar os elementos de tonalidades demasiado diferentes. O romance das duas irmãs. A primogênita que se casa, contra a vontade dos pais (ela faz-se raptar), com um ser vão, sem valor, mas com bastante verniz para seduzir a família depois de ter seduzido a moça. Esta, entretanto, enquanto a família lhe dá razão e se desculpa, reconhecendo no genro um monte de virtudes das quais ele só possui a aparência, descobre pouco a pouco a mediocridade intrínseca desse ser a quem ligou sua vida. Ela esconde aos olhos de todos o desprezo e o nojo que sente, empenha-se e tem como questão de honra
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pertencem especificamente ao romance. Nada se obtém de bom pela mistura. Sempre tive horror àquilo a que se chamou “a síntese das artes”, que devia, segundo Wagner, se realizar no teatro. E isso me deu o horror ao teatro e a Wagner.
ANDRÉ PAUL GUILLAUME GIDE nasce em Paris, em
9 788574 481616
Tradução de Mário Laranjeira
ISBN 978-85-7448-161-6
1869, filho de Paul Gide e Juliette Rondeaux. A figura da mãe exerce forte influência em sua juventude. Estuda piano enquanto segue uma entrecortada trajetória escolar, à qual se adapta com dificuldade. Dos mais influentes escritores de sua geração, permanece sempre entre a glória literária e a polêmica gerada por seu posicionamento a favor de uma liberdade moral e sexual absoluta. Vetado pela Igreja, protagoniza também atritos de cunho político, inicialmente aderindo ao movimento comunista e depois criticando o regime soviético. Recebe o Prêmio Nobel de Literatura em 1947; falece em Paris em 1951. O leitor encontrará extensa biografia do autor no início desta edição.
DIÁRIO DOS MOEDEIROS FALSOS
O diário dos Moedeiros falsos, jamais publicado no Brasil, é um longo diálogo de Gide com seus personagens, simultâneo ao processo de criação do romance. É assim que ele aos poucos vai engendrando a atmosfera caótica onde se dá a maturação de seus personagens: Olivier Molinier, Bernard Profitendieu... A figura de Lafcadio, protagonista de Os porões do Vaticano, também aparece aqui com muita força. O manancial “diabólico” dos personagens é o mesmo. Um dos que suscitam mais reflexões de Gide é Édouard, o personagem escritor — que também projeta escrever um romance chamado Os moedeiros falsos. A semelhança entre o diário de Édouard e muitos trechos do Diário de Gide insinua — quem saberá? — uma das pontas do novelo estilístico gideano, a mise en abyme, o livro dentro do livro dentro do livro... A relação de Gide com os personagens chega a ultrapassar o âmbito do romance propriamente dito. Este Diário, cuja publicação acompanha o aguardado retorno de Os moedeiros falsos às estantes brasileiras, é também seu “caderno de estudos”. Permite que se conheça melhor o mecanismo criativo, a inteligência crítica, a ironia do grande romancista. Notícias de jornais que inspiraram o enredo, alguma correspondência de Gide à época do lançamento dos Moedeiros, páginas
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Purgar o romance de todos os elementos que não
ANDRÉ GIDE
A certo ponto do “Diário de Édouard”, no livro Os moedeiros falsos, o personagem anota: “Se quiserem, esse caderno contém a crítica de meu romance; ou melhor: do romance em geral. Imaginem o interesse que teria para nós semelhante caderno mantido por Dickens, ou Balzac; se tivéssemos o diário de A educação sentimental ou dos Irmãos Karamázov ! A história da obra, de sua gestação! Seria arrebatador... mais interessante que a própria obra.” Palavras que emergem inevitavelmente do interior do romance para epigrafar, no imaginário dos admiradores de Gide, este diário.
ANDRÉ GIDE
Raros são os escritores que, paralelamente ao romance que estão escrevendo, mantêm um diário de seu trabalho e o publicam em vida. É o caso de André Gide com seu célebre romance da adolescência perversa, Os moedeiros falsos.
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do “Diário de Lafcadio” e uma belíssima reflexão sobre o elemento diabólico integram o apêndice que completa a obra.
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