Os Pensadores: Diderot

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prometi um colóquio, e não posso vos manter a palavra sem esta indulgência. Li, com toda a atenção de que sou capaz, o que Saunderson falou do infinito; posso assegurar-vos que possuía sobre o assunto idéias muito justas e muito claras, e que a maioria de nossos infinitários não passariam para ele de cegos. Dependerá apenas de vós julgar o caso por vós mesma: embora a matéria seja assaz difícil e se estenda um pouco além de vossos conhecimentos matemáticos, não desesperarei, preparando-me de pô-la ao vosso alcance e de vos iniciar nesta lógica infinitesimal. O exemplo do ilustre cego prova que o tato pode tornar-se mais delicado que a vista, quando aperfeiçoado pelo exercício; pois, percorrendo com as mãos uma série de medalhas, ele discernia as verdadeiras das falsas, embora as últimas fossem tão bem contrafeitas a ponto de enganar um conhecedor dotado de bons olhos; e ele julgava da exatidão de um instrumento de matemática, fazendo passar a extremidade dos dedos sobre suas divisões. Eis certamente algo mais difícil de fazer do que apreciar pelo tato a semelhança de um busto com a pessoa representada; de onde se vê que um povo de cegos poderia ter estatuários, e tirar das estátuas a mesma vantagem que nós, a de perpetuar a memória das belas ações e das pessoas que lhes fossem caras. Não duvido mesmo que o sentimento que experimentariam, ao tocar as estátuas, fosse muito mais vivo do que o experimentado por nós ao vê-las. Que doçura para um amante que houvesse mui ternamente amado, a de passear as mãos sobre encantos que reconheceria, quando a ilusão, que deve atuar mais fortemente nos cegos do que nos que enxergam, viesse a reanimá-los! Mas pode ser também que, quanto mais prazer sentisse nessa lembrança, menos pesares sentiria.


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