Os Pensadores: Diderot

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se me afiguram todas contra a natureza. BORDEU. — Tudo o que existe não pode ser nem contra a natureza, nem fora da natureza; não excetuo sequer a castidade e a continência voluntárias, que seriam os primeiros dos crimes contra a natureza, se se pudesse pecar contra a natureza, e os primeiros dos crimes contra as leis sociais de um país onde fossem pesadas as ações em outra balança que não a do fanatismo e do preconceito. SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Volto a vossos malditos silogismos, e não vejo neles qualquer meio-termo, é preciso ou tudo negar ou tudo aceitar... Mas vede, doutor, é mais honesto e mais curto saltar por cima do lamaçal e retornar à minha primeira pergunta: que pensais da mistura das espécies? BORDEU. — Nada há a saltar para isso; estávamos nela. Vossa pergunta é de física ou de moral? SENHORITA DE l’ESPINASSE. — De física, de física. BORDEU. — Tanto melhor; a questão de moral caminhava à frente, e vós a concluís. Assim, pois... SENHORITA DE l’ESPINASSE. — De acordo... sem dúvida é uma preliminar, mas eu gostaria... que separásseis a causa do efeito. Deixemos a causa vil de lado. BORDEU. — É ordenar-me que comece pelo fim; mas já que o quereis, dir-vos-ei que, graças à nossa pusilanimidade, às nossas repugnâncias, às nossas leis, aos nossos preconceitos, há pouquíssimas experiências feitas;5 que se ignoram quais seriam as cópulas inteiramente infrutuosas; os casos em que o útil se reuniria ao agradável; que sorte de espécies se poderia esperar de tentativas variadas e seguidas; se os faunos são reais ou fabulosos; se não se multiplicariam de cem maneiras diversas as raças dos mulos, e se as que conhecemos são verdadeiramente


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