Revista Advocatus 05

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MODELOS E PARECERES

MODELOS E PARECERES

PARECER adoção por casal homossexual Processo n. XXX (em apenso aos de n. YYY e ZZZ) Adoção através de cadastro Requerentes: Requerente I e Requerente II Crianças: Criança I e Criança II

Relatório:

Comarca do Recife, o REQUERENTE I reiterou o seu desejo de adoção, informando que a família extensa – familiares residentes no --- (outro estado) – já conhecem as adotandas, bem como que “não houve qualquer dificuldade na adaptação” (fls. 30), e que “na escola as crianças colegas das meninas já reconhecem que existem dois pais; que REQUERENTE II também deseja requerer a adoção de CRIANÇA I E CRIANÇA II; que não fez cadastramento no juizado de --- (outro estado) porque foi informado que só podia ser unilateral” (fls. 30). Na mesma audiência o REQUERENTE II manifesta o interesse de ingressar com o pedido de adoção aditando, consequentemente, a exordial. O pedido é deferido sem que se tenha tecido qualquer consideração acerca da possibilidade jurídica do pedido, apesar da polêmica que reveste o tema (fls. 30/31). A documentação pessoal do adotante REQUERENTE II é acostada às fls. 37/42. A partir de uma entrevista realizada no dia 20 de dezembro de 2007 apenas com o REQUERENTE II, a psicóloga do Núcleo de Adoção e Estudos da Família, NEAF, integrante da 2.a. Vara da Infância e da Juventude do Recife, elabora o relatório de fls. 44/52 e conclui de forma favorável ao pleito, destacando:

Trata-se de pedido de adoção através de cadastro promovido inicialmente por REQUERENTE I, devidamente qualificado às fls. 02, inscrito no cadastro de pretendentes à adoção através do processo n. ---, de acordo com a sentença de n. ---/2007 (fls. 27). Quando da realização do estudo sócio-familiar na Comarca de ---(outro estado), o requerente declarouse homossexual e afirmou que há mais de uma década convive com REQUERENTE II (fls. 13/17 do processo n. ---). Apesar destas informações, o pretendente foi inscrito na Comarca do Recife, a exemplo do que ocorreu na de ---, como divorciado, portanto foi excluído, na oportunidade, o seu companheiro REQUERENTE II para fins de adoção através de cadastro (fls. 30 do processo n. ---). Convocado, o REQUERENTE I recebe no dia --- de março de 2007 as crianças CRIANÇA I (nascida no dia ---, 5 anos de idade) e CRIANÇA II (nascida no dia ---, com 7 anos de idade), aptas a adoção conforme sentença proferida nos autos do processo n. ---- que decretou a perda do poder familiar dos seus genitores (fls. 207/209). O relatório de convivência é elaborado por equipe psicossocial da Comarca de --- (outro estado) o qual constata que o REQUERENTE II integra a família que recebeu as crianças, destacando que:

“A Psicanálise nos ensinou que a família não é um grupo natural e sim um grupo cultural, ela é uma estrutura psíquica, onde as funções exercidas por seus membros não dizem respeito a questão de gênero e sim ao desejo dirigido a criança e à possibilidade de fazê-la sujeito diferenciado, ou seja não alienado das expectativas e imposições das figuras representativas nesta constituição familiar”. (fls. 50).

“Para ambos a questão da relação homoafetiva é algo que lidam com tranquilidade, inclusive demonstrando maturidade emocional no que concerne aos preconceitos que algumas vezes percebem ainda existir na sociedade xxx.”. (fls. 23).

Com a apresentação do relatório os autos seguem com vista para o Ministério Público.

O relatório psicossocial em cumprimento ao disposto no art. 167 da Lei n. 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, é de 10 de maio de 2007. Quando da oitiva dos requerentes em juízo, em audiência realizada no dia 03 de dezembro de 2007 nesta

PARECER:

Concluído o relatório acima, iniciamos as conside-

rações acerca dos aspectos jurídicos. De logo enfatizamos que a modalidade de adoção através de cadastro constitui-se uma das mais festejadas pelos que atuam na área da criança e do adolescente em razão de beneficiar um segmento desta população que se encontra privada do direito fundamental à convivência familiar, em geral mantidas em abrigos governamentais ou não-governamentais tendo em vista o descumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar por parte dos seus genitores e o abandono da família extensa. Este foi o caso de CRIANÇA I e CRIANÇA II, crianças que foram abrigadas no ---- desde julho de 2005, estando aptas à adoção após o trânsito em julgado da decisão que decretou a perda do poder familiar dos seus genitores (inteligência dos arts. 45, § 1.o. e 50 do Estatuto e art. 1.621, § 1.o. do Código Civil). O primeiro requerente, REQUERENTE I considerado habilitado para fins de adoção (art. 50 e seus parágrafos do Estatuto), foi incluído em cadastro no início do ano de 2007 e, após consulta aos sistema INFOADOTE, selecionado para a adoção das irmãs, o que atende ao preceito contido no art. 92, V do Estatuto (não-desmembramento de grupo de irmãos). Tudo regular, portanto. Com relação à adoção propriamente dita, observamos que o estágio de convivência respeitou o disposto no art. 46, § 1.o. do Estatuto, já estando as crianças na companhia dos requerentes por tempo mais que suficiente, sendo imperiosa uma definição jurídica do caso. No que concerne aos estudos técnicos realizados, destacamos que, apesar da boa qualidade das considerações teóricas do relatório apresentado pela Comarca do Recife, o mesmo restringiu-se a uma única entrevista com o segundo requerente e é subscrito apenas por profissional de psicologia, embora integre a equipe profissionais de Serviço Social. O Diploma Estatutário ao tratar dos procedimentos a serem seguidos quando da colocação em família substituta estabelece que:

a sua relação com as crianças I e II, concluindo de forma favorável à pretensão restando cumpridas as exigências procedimentais, bem como comprovando o atendimento ao preceito contido no art. 43 do Estatuto pelo qual “A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. Passemos à análise da possibilidade jurídica do pedido, tradicionalmente compreendida como uma das condições da ação pela qual se verifica a existência ou não de vedação legal ao pedido formulado. Diante da inegável polêmica que reveste o tema da adoção por casal homossexual, defendemos que caberia algumas considerações acerca do pedido em caráter preliminar, sem antecipação do julgamento do mérito. Todavia, a omissão não acarretou prejuízo aos envolvidos. Prosseguindo com a nossa análise nos debruçamos com as considerações que se seguem. A Constituição da República, CR/88 ao dispor acerca da adoção estabelece:

“Art. 167 – A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará a realização de estudo social ou, se possível, perícia por equipe interprofissional, decidindo sobre a concessão de guarda provisória, bem como, no caso de adoção, sobre o estágio de convivência.

Ou seja, o direito à convivência familiar é direito fundamental – portanto erga omnes, universais, possuem eficácia imediata e abrange um mínimo existencial – da criança e do adolescente; sendo vedada qualquer discriminação entre as modalidades de filiação – seja genética ou não -; cabendo ao Poder Público a responsabilidade de assistir a adoção. O Estatuto da Criança e do Adolescente trata do tema nos seus arts. 39 usque 52, estando os procedimentos disciplinados nos arts. 152 usque 170. Refere-se a “cônjuges ou concubinos” (arts. 41, § 1.o. e 42, § 2.o.); “divorciados e judicialmente separados” (art. 42, § 4.o.), não restringindo o deferimento da adoção a formas específicas de entidades familiares, mas estabelecendo como requisitos que: o adotante deve ser maior de 21 anos (art. 42, caput); não ser ascendente ou irmão do adotando (art. 42, § 1.o.); ser 16 anos mais velho do que o adotando (art. 42, § 3.o.); em caso de tutor ou curador é vedado a adoção enquanto não saldar o seu alcance ou der conta da sua

“Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Omissis § 5.o. A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6.o. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Art. 168 – Apresentado o relatório social ou o laudo pericial, e ouvida, sempre que possível, a criança ou o adolescente, dar-se-á vista dos autos ao Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, decidindo a autoridade judiciária em igual prazo”. (Grifei). Todavia, entendemos que a exigência foi suprida pelo estudo realizado na Comarca de --- (outro estado) elaborado por Assistente Social e Psicóloga (fls. 22/24), com base em “visitas domiciliares, entrevistas e observações in loco” que, na oportunidade, já se antecipava contemplando o segundo requerente como integrante da família e

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