Revista Advocatus 04

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ARTIGO

em seus pólos. A primeira observação – quiçá advertência – a ser feita é no sentido de ser situação rara, especial e específica, nada simples. Em outras palavras, a ocorrência de interconectividade contratual subjetiva não pode ser determinada levianamente, com base em análises supérfluas, certo que o atestado de sua existência subverterá o comum das situações jurídicas, com efeitos graves o suficiente para que sejam recusados indicativos excessivamente genéricos e avaliações superficiais. A cautela, portanto, é indispensável à sua investigação.

diática (dois pólos) para alcançar terceiro que tomar parte em relações negociais contaminadas. Em oposição, provavelmente haverá diversos – quiçá a maioria de – pares faculdade/obrigação que não são alcançados pela conexão contratual, mantendo-se válidos e eficazes apenas entre as partes originárias. No exemplo acima, o transportador (C) não estará obrigado à lavra e beneficiamento do minério, nem ao respectivo pagamento.

A interconectividade contratual subjetiva também resulta da primazia da realidade. Investigando o cenário dos fatos, o intérprete/aplicador averigua que relações jurídicas aparentemente isoladas, envolvendo pessoas diversas, apresentam elos de comunicação e, assim, apontam para a existência de um sistema normativo multiestrutural intersubjetivo. Imagine-se, por exemplo, um contrato de fornecimento de minério de ferro que seja estabelecido entre A (minerador/vendedor) e B (siderúrgica/compradora); para a sua efetivação, C é contratado por B, para a prestação de serviços de transporte, passando a atuar nas dependências da lavra de A, a partir de onde inicia sua prestação negocial; assim, sua atuação se faz no âmbito das operações de alguém (A) que é estranho ao contrato de transporte que foi estabelecido (entre B e C). Participando das rotinas da atividade econômica organizada do terceiro (A), cabe a C (transportador contrato por B) carregar os caminhões, permitir que a carga seja experimente aferição química e, depois, seja pesada, recebendo documento comprobatório da quantidade e qualidade dos bens que lhes estão sendo entregues para o transporte. A coexistência entre A & C, bem como a coexistência entre os contratos estabelecidos entre A & B e entre B & C, pode conduzir a uma contaminação entre as relações negociais que tem sujeitos diversos em seus pólos. Obviamente, trata-se apenas de um exemplo simplificado que não busca mais do que dar uma idéia geral para o leitor.

Os elementos que aqui foram somados, alguns resultado de mera reiteração da doutrina, outros assinalando algumas variações, mais tímidas ou mais ousadas, buscam dar uma demonstração das ricas possibilidades do Direito Contratual. Se por alguns o seu estudo poderia restringirse às bases latinas, propugno o contrário: que se persigam adequações que permitam sua atualização para a realidade contemporânea, permitindo concretizar o ideal de dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere).

7. Conclusão

Não é difícil observar que a convivência entre os atores negociais de convenções diversas, como no exemplo acima, acaba por fazer surgir um acordo entre ambos. Vale dizer, A (minerador, no exercício da relação contratual com B) e C (transportador, no exercício da relação contratual com B), acabam por estabelecer acordos, ainda que tácitos, entre si. Há uma convenção, um ajuste de comportamentos e vontades, o que é suficiente para atestar haver um contrato que se constrói no contexto de contratos aparentemente estranhos e estanques. É quanto basta para fundamentar o sistema normativo multiestrutural, ou seja, uma estrutura multipolar de obrigações/faculdades contratuais construída pela superação das bordas artificiais que postulam uma unidade/identidade em cada negócio. Obviamente, o sistema normativo multiestrutural, quando intersubjetivo, não implica contaminação ampla de todas as cláusulas contratuais. Portanto, a interconectividade contratual subjetiva não fará a parte de um contrato ser parte integral do outro contrato. Examinando o cenário fático efetivamente apresentado, será preciso indicar qual ou quais pares faculdade/obrigação ultrapassam a relação

1. VENOSA, Silvio de Salvo Venosa. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, vol. II. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005; p. 424-425. 2. VENOSA, Silvio de Salvo Venosa. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, vol. II. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005; p. 435-436.

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