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06. METODOLOGIA ATIVA NO CURSO DE DIREITO: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM A PRODUÇÃO DE TIRINHA E PUBLICAÇÃO NA MÍDIA EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR

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METODOLOGIA ATIVA NO CURSO DE DIREITO: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM A PRODUÇÃO DE TIRINHA E PUBLICAÇÃO NA MÍDIA EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR

Isabella Regina Serra Brito Mesquita79

RESUMO O presente artigo descreve um relato de experiência extraído da aplicação da estratégia de criação de uma tirinha na disciplina Ciência Política e Teoria do Estado, na Faculdade Integra em Caldas Novas-GO. Objetivo: O objetivo do presente estudo é demonstrar a importância de aplicar estratégias ativas de aprendizagem no curso de Direito. Materiais e Métodos: Para desenvolver a pesquisa foi feita uma revisão integrativa sobre metodologia ativa e tirinhas. Posteriormente, o estudo da temática sistema eleitoral com 80 alunos do 1º período matutino e noturno, da disciplina Ciência Política e Teoria Geral do Estado, e em seguida a confecção de tirinhas. Resultados: Foi observado com a pesquisa que o rendimento estudantil, no curso de Direito, pode ser potencializado com a aplicação de metodologias ativas. Conclusão: Em suma, o modelo educacional jurídico não deve ser predominantemente oral e escrito. É preciso quebrar paradigmas e estimular a interatividade entre alunos e professor.

PALAVRAS-CHAVE Tirinha; Aluno; Metodologia Ativa.

79 Mestra em Ambiente e Sociedade pela Universidade Estadual de Goiás, Especialista em Direito Administrativo e Direito do Trabalho, Professora de Direito pela Faculdade Integra de Caldas Novas.

1. INTRODUÇÃO Em março de 2020 a Organização Mundial de Saúde declarou a elevação da contaminação do vírus SARS- CoV- 2 (COVID-19) para a categoria de pandemia. Diante desse cenário, o Ministério da Educação publicou a Portaria nº343, de 17 de março de 2020, autorizando a substituição das disciplinas presenciais por aulas em meios digitais:

Art. 1º Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2020).

Ademais, essa suspensão abrupta das aulas impactou os alunos no ensino superior. “Os estudantes, que tiveram a sorte de ter garantida a continuidade das atividades, também tiveram que fazer um esforço para se adaptar ao que, para muitos deles, são novas formas de ensino e aprendizagem” (UNESCO, 2020, p.18). Não apenas isso, os docentes também foram afetados de forma significativa. Em especial no que tange as estratégias de continuidade da atividade educacional. Por um lado, o professor precisa de ferramentas adequadas (sala de aula virtual, conectividade, apoio tecnológico da instituição, dentre outros). De outro lado, é preciso treinamento e conhecimento específico não só para utilizar plataformas e recursos digitais como também adaptar a grade curricular ao novo modelo de ensino à distância.

Existem muitos professores que, sem experiência anterior em educação à distância e sem tempo suficiente para que suas instituições os treinassem de forma adequada, apropriaramse de toda a mídia não presencial disponível [...] Essa entrada abrupta em uma modalidade de ensino complexa, que contém várias opções tecnológicas e pedagógicas e com uma curva de aprendizado acentuada, pode resultar em resultados não tão bons, além de gerar frustração e exaustão devido à adaptação a uma modalidade educacional nunca antes experimentada sem o treinamento correspondente (UNESCO, 2020, p.23-24).

Nesta perspectiva, a situação de excepcionalidade educacional vivenciada pelos agentes do ensino superior demonstra que o modelo tradicional baseado na supremacia da aula expositiva já não atende a dinâmica da sociedade contemporânea. O grande desafio do atual momento histórico é implementar as metodologias ativas com a finalidade de contribuir na formação de estudantes críticos, criativos e capazes de contribuir na resolução

de problemas reais. Nesse cenário, é importante fomentar debates sobre experiências acadêmicas, nacionais e internacionais, com o objetivo de aprender as lições dessa crise e assim aprimorar o ensino. Neste artigo será apresentado um relato de experiência sobre a aplicação da estratégia de produção de tirinha e analisar as contribuições que esta metodologia pôde oferecer. O trabalhado está estruturado em três tópicos. Em um primeiro tópico é feito a exposição metodológica da atividade aplicada. No segundo tópico é apresentado os resultados. Por fim, num tópico terceiro é proposta a reflexão sobre os resultados do trabalho. A apresentação do estudo sistemático de casos como o apresentando neste artigo fomenta a motivação dos professores e colabora para que o processo de ensino e aprendizado no ambiente universitário, em especial do curso de Direito, continue a inovar.

2. MATERIAIS E MÉTODOS O presente trabalho foi executado na Faculdades Integradas da América do Sul - Integra, em Caldas Novas-GO, com a turma de Direito do 1º período matutino e noturno, da disciplina Ciência Política e Teoria Geral do Estado, no mês de junho do ano de 2020. O grupo participante foi de 80 alunos. A sequência didática foi: a) estudo da unidade de aprendizagem com o tema sistema eleitoral e partidos políticos; b) análise de tirinhas jurídico-políticas, como a Malfada (cartunista Quino) e o Armandinho (cartunista Alexandre Beck); c) confecção de tirinhas, com base no tema da unidade de aprendizagem, que exemplificassem uma situação real ou a solução de problema; d) interação entre os alunos sobre as histórias criadas; e) publicação das tirinhas em jornal de circulação local e regional. Utilizou-se a plataforma Moodle, oferecida pela Instituição de ensino, como ambiente de aprendizagem virtual.

3. RESULTADOS

A avaliação da evolução da atividade ocorreu em todas as fases, desde o início com a transmissão do conteúdo teórico, bem como na fase final de publicação das tirinhas. O acompanhamento é fundamental para ponderar o grau de comprometimento e aprendizagem, e assim se houver necessidade o professor poderá adaptar ou prestar auxílio.

A avaliação é concebida como processo, avaliação para a aprendizagem, e não avaliação da aprendizagem. (...). É fundamental que o educador perceba se os estudantes estão fazendo uma conexão entre as várias atividades dos componentes curriculares, que se completam para o conhecimento de um conteúdo ou tema (BACICH; MORAN, 2018, p.409).

Na fase de apresentação da teoria e da proposta da atividade os alunos demonstraram comprometimento e preocupação com o resultado da tarefa. Alguns alunos expressaram seus desafios, tais como: falta de habilidade para desenhar e falta de criatividade para criar uma história. Esse foi o momento de intercâmbio e troca de ideias entre os próprios alunos e o professor.

A aprendizagem é mais significativa quando motivamos os alunos intimamente, quando eles acham sentido nas atividades que propomos, quando consultamos suas motivações profundas, quando se engajam em projetos em que trazem contribuições, quando há diálogo sobre as atividades e a forma de realizá-las (BACICH; MORAN, 2018, p.43).

Superada a fase inicial, os alunos começaram a apresentar os resultados das atividades. Os alunos se sentiram engajados e proativos. Todos os 80 alunos participantes da atividade apresentaram a tirinha.

As figuras 1, 2, 3 e 4 apresentam uma amostra das tirinhas dos alunos.

Figura 1 - Tirinha sobre a teoria e a realidade das eleições no Brasil

Figura 2 - Tirinha sobre o direito de votar

Figura 3 - Tirinha sobre a função dos partidos políticos

Figura 4- Tirinha sobre o voto

Das figuras é possível extrair que os alunos conseguiram conjugar os elementos organizacionais e estruturais da tirinha (divisão em quadros, balão de fala, personagem) com o conhecimento teórico da disciplina (sistema eleitoral). Acrescente-se ainda que eles expressaram seu potencial criativo. Na fase final, dois alunos foram selecionados de forma aleatória para uma entrevista no jornal local. Em seguida, quatro tirinhas foram publicadas juntamente com a entrevista de uma aluna em um jornal regional. Os alunos se sentiram sensibilizados e valorizados com a divulgação das tirinhas produzidas. Em uma entrevista ao jornal local, um dos alunos expressou que: “foi uma atividade muito interessante, pela qual nós conseguimos além de absorver bastante o conteúdo desenvolver o nosso senso crítico. Foi também uma atividade que estimulou o nosso lado artístico”. Outro aluno expressou durante a entrevista ao jornal que: “esse trabalho foi uma experiência diferente do comum a ser estudado. Ele despertou a nossa curiosidade, a nossa criatividade e nos induziu a observar como a política funciona no nosso país e a estudar como de fato ela deveria funcionar”.

Após a construção e exposição dos trabalhos foi possível observar a empolgação dos alunos ao relatarem os resultados. Além disso, foi diagnosticado que todos os alunos realizaram a atividade. 4. DISCUSSÃO De acordo com Ramos (2013) as tirinhas, como gênero textual, podem também ser chamadas de tiras ou tira de quadrinhos. As principais características dessa produção didática são: falas curtas, sequência temporal, diálogos associados à imagem, balões que abrigam falas, moldura das tiras (CONRADO, 2010). As tirinhas têm sua origem no século XIX:

O formato clássico das tiras com piadas desdobradas em três tempos ou três quadros surgiu graças à escassez de espaço nos jornais, bem como à popularidade dos personagens. O pioneirismo das tiras, destacam os autores, cabe a Bud Fisher, em 1907, com os personagens Mutt e Jeff (NICOLAU, 2020, p.13).

Nessa perspectiva, a tirinha está inserida no cotidiano social e oportuniza a ampliação do universo do leitor. Assim, “apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas” (MARCUSCHI, 2005, p. 64). Além disso, as tirinhas são construídas a partir de uma linguagem verbal e não verbal, através de desenhos, cores e símbolos:

é possível afirmar que as linguagens vão muito além da linguagem escrita, já que a linguagem pode ser falada, por meio de desenhos, cores e símbolos, um exemplo é da linguagem de sinais. Nessa órbita, encontramos as tiras de jornais ou, simplesmente, “tirinhas” como gênero textual que explora a linguagem não verbal por meio de seus desenhos para estabelecer a comunicação autor- leitor (Silva; Silva, 2020, p.252)

Para os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa - PCN (1997) o uso das tirinhas em sala de aula é uma prática pedagógica legitima para promover o aprendizado. Na mesma esteira, Vergueiro (2007) destaca que o uso deste material enriquece o vocabulário. As tirinhas se inserem como proposta de Temas Transversais:

A relação educativa é uma relação política, por isso a questão da democracia se apresenta para a escola assim como se apresenta para a sociedade. Essa relação se define na vivência da escolaridade em sua forma mais ampla, desde a estrutura escolar, em como a escola se insere e se relaciona com a comunidade, nas relações entre os trabalhadores da escola, na distribuição de responsabilidades e poder decisório, nas relações entre professor e aluno, no reconhecimento dos alunos como cidadãos, na relação com o conhecimento. (PCN, 1998 p. 23) Ao inserir as tirinhas como recurso didático, o professor torna o estudo mais atrativo:

Desde a invenção da fotografia, depois seguida de uma série de meios imagéticos – cinema, televisão, vídeo -, e agora em plena efervescência dos meios digitais, com suas variadas interfaces – computadores, desktops, iPhones, iPads -, o ser humano está rodeado de imagens por todos os lados, em cada canto e minuto do seu cotidiano, isso sem considerarmos que, quando dormimos, continuamos a ver imagens nos sonhos. Diante disso, nada poderia ser mais plausível, e mesmo necessário, que a imagem adquirir na escola a importância cognitiva que merece nos processos de ensino e aprendizagem (SANTAELLA, 2012, p.14).

A leitura de tirinhas tem uma função sociocultural, vez que contribui para que o leitor construa uma reflexão crítica a partir da conjugação dos signos gráficos com seus sentidos. Diante disso, é muito importante propostas que relacionem o conteúdo teórico com as situações reais e o uso das tirinhas na sala de aula exerce esse papel.

As tirinhas, como já foi explicado, não são apenas para o uso de lazer e humor, mas também adentram no parâmetro reflexivo do ser humano no que tange ao seu cotidiano. Isso porque, por meio de desenhos e

outras características explicitam fatos da vivência dos discentes, não somente do curso de direito como de muitos outros (Silva; Silva, 2020, p.259).

Ademais, conjugar humor e reflexão representa uma ferramenta importante para promover o protagonismo individual do aluno, fazendo-o ter consciência do seu papel e posição no sistema social:

A tirinha é, sem dúvida, uma representante importante da condição humana para o humor. Sua composição cômica parece ser simples, mas resume de forma poderosa a inteligência e a criatividade da nossa espécie. Primeiro porque parte da lógica do pensamento que se debruça na expressão de uma situação cultural; depois porque, com uso da técnica da piada, rompe com essa lógica para criar o inusitado – se deduzirmos o desfecho antes do final, a piada não funciona e perde-se a condição de “tirinha” como gênero em sua função peculiar (NICOLAU, 2020, p.13).

O relato de experiência apresenta uma prática pedagógica que supera a abordagem centrada na figura do professor e no estudo de textos teóricos. O profissional da educação precisa refletir sobre o processo de aprendizagem no contexto de incertezas e mudanças vivenciados na atualidade. Para os estudantes de hoje, qual é o sentido da escola ou da universidade diante da facilidade de acesso à informação, da participação em redes com pessoas com as quais partilham interesses, práticas, conhecimentos e valores, sem limitações espaciais, temporais e institucionais, bem como diante da possibilidade de trocar ideias e desenvolver pesquisas colaborativas com especialistas de todas as partes do mundo? (BACICH; MORAN, 2018, p.15).

É preciso reinventar a prática pedagógica para impulsionar o engajamento dos alunos. E questionar o sentido da universidade para o estudante auxilia o professor a tomar decisões didáticas que preparem o aluno para a vida profissional, bem como contribua para seu desenvolvimento pessoal e inserção consciente na sociedade.

Ao estudar o Direito, o aluno precisa aprender o texto da lei não apenas como teoria, mas como uma forma de ação social. Assim, por meio da tirinha é possível aguçar o senso crítico do aluno.

Um indivíduo considerado letrado é aquele que vai muito além das linhas escritas de um texto. É o que consegue perceber nas entrelinhas o não dito explicitamente. Além disso, consegue perceber também a leitura como forma de ação social, modificando sua realidade e (re)

pensando sobre ela. É também considerado um sujeito letrado aquele que faz uso dessa leitura para além dos muros da escola, vivenciando-a em suas práticas sociais (SILVA, 2018, p.32).

A “metodologia de ensino se trata de escolhas, mediante pesquisas, para ensinar os alunos e, como consequência, estes aprenderem todo o conteúdo proposto na disciplina” (DORIGON; SOUZA, 2019, p.27). Por meio de metodologias ativas é possível transformar as aulas em experiências criativas e vivas que valorizem a participação do aluno na construção do conhecimento. “Aprendemos o que nos interessa, o que encontra ressonância íntima, o que está próximo do estágio de desenvolvimento em que nos encontramos” (BACICH; MORAN, 2018, p.38). Por meio das tirinhas é possível estimular e valorizar o conhecimento prévio do aluno, bem como ajudá-lo a associar a teoria jurídica a realidade social.

As atividades pedagógicas de uma instituição de ensino devem ser orientadas a apresentar forte contextualização e correlação com a realidade, com o intuito de aplicar conteúdos efetivamente significativos para o desenvolvimento de competências úteis e necessárias à realização profissional e pessoal do estudante (CAMARGO; DAROS, 2018, p.3). A metodologia ativa, a exemplo do relato de experiência com tirinhas com os alunos do curso de Direito, é uma forma de personalizar o aprendizado. Isto porque promove o desenvolvimento do potencial, do interesse e da percepção do aluno dando um significado útil ao conteúdo.

Se os alunos conseguem estabelecer relações entre o que aprendem no plano intelectual e as situações reais, experimentais e profissionais ligadas a seus estudos, certamente a aprendizagem será mais significativa e enriquecedora (CAMARGO; DAROS, 2018, p.7).

Outra forma de aprendizagem é conectando pessoas. Afinal, “sozinhos, podemos aprender a avançar bastante; compartilhando, podemos conseguir chegar mais longe” (BACICH; MORAN, 2018, p.47). Incluir em uma atividade educacional o espaço para a troca, colaboração, compartilhamento de ideias e habilidades traz a oportunidade de ampliar o processo de aprendizagem.

(...) não se constitui sozinho, mas sim leva em consideração a interação, sendo de extrema importância o papel do interlocutor. Não escrevemos no vazio ou para ninguém, cumprimos um propósito de comunicação durante o processo de escrita e, para tanto, levamos em consideração o interlocutor (SILVA, 2018, p.33).

Na experiência relatada é possível extrair vantagens da conexão de pessoas em uma atividade educacional. Primeiro, por meio do diálogo entre os alunos e o professor foi possível aumentar a confiança individual e aprimorar a criatividade. Segundo, além do fator interno/pessoal, os alunos puderam aprofundar a relação grupal. Isso foi especialmente importante por estarem distante em razão da pandemia.

Nesses termos, os alunos são estimulados a adotar uma postura ativa em relação ao seu conhecimento. Ora que identificam a necessidade de participarem da discussão em sala de aula e colaborar com os trabalhos dos colegas. Em suma, o êxito da atividade dependerá não apenas do professor, mas do esforço e colaboração de todos os participantes.

Devido a algumas mudanças fundamentais na sociedade, cada vez mais os alunos necessitam de professores que os orientem academicamente como mentores, não apenas para ajudá-los a construir relacionamentos positivos e a se divertir com os amigos, mas também para auxiliá-los a ter sucesso na vida (HORN; STAKER, 2015, p. 168).

Cada aluno extrai a concepção de outros alunos e do professor em um ambiente colaborativo. Essa dimensão educacional potencializa a forma de aprender e ensinar. Especialmente porque cada aluno em sala de aula aprende em um ritmo diferente e possui necessidades e anseios diversos.

Por essas e outras questões, o trabalho em grupo desponta como uma alternativa ao modelo tradicional, por meio da qual os alunos podem estabelecer uma relação dialógica e dialética com seus colegas e professores. Assim, eles compartilham diferentes momentos e percursos de aprendizagem, trocando distintas experiências de vida e educacionais Para os estudantes de hoje, qual é o sentido da escola ou da universidade diante da facilidade de acesso à informação, da participação em redes com pessoas com as quais partilham interesses, práticas, conhecimentos e valores, sem limitações espaciais, temporais e institucionais, bem como diante da possibilidade de trocar ideias e desenvolver pesquisas colaborativas com especialistas de todas as partes do mundo? (BACICH; MORAN, 2018, p.168).

Destaca-se ainda que ao integrar os alunos em uma atividade colaborativa, o professor tem papel fundamental ao guiar e estimular a participação, intervindo na organização e no desenvolvimento de cada aluno. Adverte-se que: “o trabalho cooperativo não pode ser realizado por um grupo de participantes em que cada um produz parte do trabalho para agrupá-

lo no final, mas que seja a base sobre a qual se deve construir o trabalho conjunto” (GONÇALVES, 2006, p.54). Por meio do diálogo colaborativo, os alunos vencem as inseguranças e resistências. A exemplo da experiência com tirinhas em que os alunos conseguiram desconstruir a ideia de não saber desenhar ou criar uma história. E professor também aperfeiçoa sua metodologia de ensino por buscar maneiras alternativas à aula expositiva.

Premissa importante no trabalho cooperativo é que os aprendizes se ajudem, discutam com seus companheiros, avaliem o que sabem, colaborando na superação compartilhada de problemas, o que enseja a aquisição de habilidades, dentre as quais a de intercâmbio de ideias, a negociação de posicionamentos distintos e a resolução de conflitos (GONÇALVES, 2006, p.55).

O curso de Direito foi instituído em São Paulo e Olinda por meio da Lei de 11 de agosto de 1827 que dizia:

Crêa dous Cursos de sciencias jurídicas e sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro na cidade de Olinda.

Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brazil: Fazemos saber a todos os nossos súbditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a Lei seguinte: Art. 1º. Crear-se-hão dous Cursos de sciencias jurídicas, e sociaes, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e nelles no espaço de cinco annos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes: [...] (BRASIL, 1827).

Entretanto, apesar do decurso de tempo o ensino jurídico no Brasil tem um caráter ainda conservador. Isso acontece em razão das raízes históricas:

O ensino do Direito no Brasil herdou o caráter conservador da Universidade de Coimbra, com suas aulas-conferência, ensino dogmático acrítico, mentalidade ortodoxa do corpo docente e discente, a serviço da manutenção da ordem estabelecida e transplantada da ex-metrópole, oportunizando aos profissionais por ele formados o prestígio local (COLAÇO, 2006, p.234).

Dentro dessa situação de conservadorismo, o ensino do Direito fica desarticulado e o professor fica restrito a apenas repassar o conteúdo da lei:

Os professores são condenados a serem repassadores de leis e nunca cientistas e pedagogos do direito.

São homens e mulheres das letras, do livro, embora não adestrados a sua leitura rigorosa. Isso significa uma repetição tediosa ou aulas que só poderão ter algum encanto em função da vivacidade ou erudição personalíssimas de cada docente (...). Ora, se o conteúdo é pobre e não se renova, não haverá metodologia que possa resolver a questão do ensino (AGUIAR, 2004, p.211).

Nesse contexto, o ensino jurídico precisa se adequar às novas necessidades educacionais. Permitindo, dessa forma, que o aluno sonhe, crie e haja de forma a desenvolver um senso crítico e agir diretamente na sociedade.

Diferentemente da educação do passado, a escola de hoje precisa articular diversos saberes e práticas metodológicas de ensino para garantir a aprendizagem de seus estudantes. Além de expandir o potencial criativo de crianças e jovens, as instituições de ensino do século XXI têm a tarefa de abrir suas portas e estabelecer parcerias e vínculos com as famílias e comunidades onde estão inseridas. Ou seja, a criança que entra na escola hoje não pode encontrar a mesma estrutura pedagógica de quando estudaram seus avós (BACICH; MORAN, 2018, p.395).

Ademais, o aluno não deve ser um ser que reproduz a cópia fiel do texto da lei, mas um sujeito capaz de pensar e promover mudanças.

Como profissionais do Direito estaremos atuando com e nos homens viventes em sociedade, nas suas angústias, nas suas organizações e reorganizações, nas suas normas de convívio social, nos seus padrões morais e éticos, nas suas sanidades e loucuras, nos seus conflitos e mediações, nas suas guerras e paz, nas suas misérias e riquezas. E nós, operadores jurídicos, também somos humanos, parciais e passionais, estamos impregnados dos valores e dos preconceitos do nosso tempo e da nossa classe social, mergulhados nesta sociedade complexa e mutável, construída por homens compostos da mesma essência (COLAÇO, 2006, p.237).

Essa perspectiva educacional traz benefícios não apenas no espaço da universidade, mas também para a sociedade. A interação proativa entre aluno e professor transforma o ato de ensinar e aprender:

É preciso que [...] desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado formase e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem

formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 1997, p,25).

Todavia, essa mudança de paradigma não é um trabalho fácil para o professor. Afinal, “ensinar Direito é tarefa complexa. Conceituar “Direito” já é tarefa bem difícil” (MACHADO, 2006, p.28). Ao inserir a metodologia ativa no processo de aprendizagem o professor rompe a barreira do conservadorismo pautado na aula expositiva e desperta o prazer de aprender. O instituto do aprender como instrumento de transformação social.

O professor fala de códigos e o aluno aprende (quando aprende) em códigos. Este fato, somado ao desinteresse didático dos docentes (o conhecimento jurídico tradicional é um conhecimento dogmático e as suas referências de verdade são ideológicas e não metodológicas), explica porque a pesquisa jurídica nas faculdades de Direito, na graduação (o que poderia, inclusive, justificar, pelo nível preliminar do aprendizado) e na pós-graduação é exclusivamente bibliográfica e legalista (...). Esta realidade precisa ser mudada se desejarmos alterar o status quo. Com esperança, mas também com perseverança (BASTOS, 2000, p.333).

A universidade deve preparar o aluno para ser um profissional que desenvolva habilidades capazes de mudar a sociedade.

Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida. Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Mas também aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho. Aprender a viver juntos, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos – no respeito pelos

valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz. Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se (DELORS, 2001, p.101).

Práticas inovadoras e ativas oriundas de atividades educacionais, promovem ações conscientes que concretizam o conhecimento. A elaboração de novas estratégias de ensino insere o aluno no processo de mudança da prática docente.

O movimento de formação entre as atividades de ensino e de aprendizagem do professor e a reflexão sobre a prática, pautada no movimento dialético e no diálogo entre os sujeitos, possibilita superar as tensões e os desafios apresentados, rumo à construção de um currículo do ensino de ciências condizente com a sociedade atual (BACICH; MORAN, 2018, p.390).

Infelizmente, não existe um manual ou regra didática que apresente uma solução predeterminada para ensinar Direito. O intercâmbio de experiências entre docentes e discentes impregnarão a prática de transformação do ensino. A universidade que proporciona autonomia ao estudante, ao reinventar o ensino por meio de metodologia ativa, o prepararão para os desafios do mundo globalizado.

Os estudantes aprendem o que vivenciam. Se os estudantes convivem com as consequências de seus atos – são responsáveis, corresponsáveis pelo seu processo de aprendizagem – aprendem a se tornar responsáveis. Se convivem com expectativas positivas, aprendem a construir um mundo melhor. Se convivem com o respeito no trabalho em grupo e nos salões compartilhados, aprendem a ter consideração pelos outros. Se convivem com o apoio de educadores e de outros estudantes, aprendem a apoiar e a se aceitar melhor. Se convivem com a responsabilidade, aprendem a ser autossuficientes (BACICH; MORAN, 2018, p.397).

A pandemia da Covid-19 trouxe de forma brusca o alerta para a necessidade de transformar a educação. Em suma, é essencial tornar significativo o processo de aprendizagem.

Aprendizagem significativa é o processo por meio do qual uma nova informação (um novo conhecimento) se relaciona de

maneira não arbitrária à estrutura cognitiva do estudante. É no curso da aprendizagem significativa que o significado lógico do material de aprendizagem se transforma em significado psicológico para o sujeito autossuficientes (BACICH; MORAN, 2018, p.402).

É transformador unir estudantes e professores no processo de aprendizagem. Pensar em novas e inovadoras formas de ensinar, aprender, compreender e promover o acesso ao conhecimento.

5. CONCLUSÃO

A pandemia da Covid-19 trouxe uma reflexão sobre a mudança no modelo educacional. De repente, alunos e professores foram transportados para o ambiente virtual. Essa mudança abrupta trouxe primeiro o desafio tecnológico com as plataformas e ambientes virtuais. O segundo obstáculo foi o motivacional, ora que muitos alunos diminuiriam o engajamento com os estudos. A atividade desenvolvida com as tirinhas deu a oportunidade para que os alunos recontassem as experiências cotidianas no cenário político a partir do conhecimento adquirido com a disciplina Ciência Política e Teoria Geral do Estado.

O modelo educacional eficaz não deve ser predominantemente oral e escrito, ou seja, é preciso quebrar paradigmas. Apesar da faixa etária, os alunos do ensino superior precisam de ajuda para desenvolverem suas capacidades psicossociais. Daí, é relevante pensar no aluno em sua integralidade, motivá-los a gerar relações humanas mais solidárias e estimular a reflexão teórica com base na vivência e experiência. Afinal, “se os alunos conseguem estabelecer relações entre o que aprendem no plano intelectual e as situações reais, experimentais e profissionais ligadas a seus estudos, certamente a aprendizagem será mais significativa e enriquecedora” (FAUSTO, DAROS, 2018, p.7). Essa experiência com o uso das tirinhas demonstrou que o ensino jurídico deve ultrapassar a seara do monólogo e preocupação unicamente no conteúdo didático, sob pena de queixas de falta de motivação e envolvimento por parte de alunos e professores. Diante do exposto, as metodologias ativas, a exemplo do caso estudado neste artigo, representam uma alternativa pedagógica eficaz na construção interativa do conhecimento jurídico.

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