Caderno de eixos temáticos | EREA Raízes 2019

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XI ENCONTRO DE ESTUDANTES DE ARQUITETURA E URBANISMO ARACAJU-SE

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RAIZES

2019


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Essa moda é nova que vem Sergipe Essa moda é nova que vem Sergipe Essa moda é nova que vem Sergipe Sapato americano,cabelo a pirulito Cabelo a pirulito,sapato americano Essa moda é nova É de se sergipano Essa onda é nova Esse passo é quente (Pisante italiano,cabelo moicano) Essa dança pega Esse som garante (Casaco paulistano,chapéu de mexicano) Essa bossa co cola É o som da hora (Blaiser lin de ouro,gravata iamamoto) Essa moda é nova É de sergipano Essa moda é nova É de sergipano Cabelo a pirulit pirulito,sapato americano Cabelo a pirulito,sapato americano. DJ Dolores,Orchestra Santa Massa


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“PatrimĂ´nio ĂŠ tudo o que criamos, valorizamos e queremos preservar: sĂŁo os monumentos e obras de arte,e tambĂŠm as festas,mĂşsicas e danças,os folguedos e as comidas, os saberes, fazeres e falares. Tudo enfim que produzimos com as mĂŁos, as idĂŠias e a fantasia.â€? CecĂ­lia Londres



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Entendemos como cultura todas as açþes por meio das quais os povos expressam suas formas de criar, fazer e viver; as criaçþes científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificaçþes e demais espaços destinados às manifestaçþes artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. A cultura engloba tanto a linguagem como que as pessoas se comunicam, contam suas histórias, fazem seus poemas, quanto a forma como constroem suas casas, preparam seus alimentos, rezam, fazem suas festas. Tudo aquilo que deu origem a qualquer coisa Ê uma raiz. Sergipe Ê um estado de grande diversidade cultural, isso porque na sua história, vårios grupos Êtnicos e sociais participaram de sua formação e ofereceram diferentes contribuiçþes culturais, tornando um estado de cultura plural e ricamente diversa. Seria inviåvel discutir cada aspecto histórico e cultural de Sergipe em um único encontro. Portanto, o EREA pretende promover um diålogo e reflexão crítica sobre temas específicos que permeiam no cotidiano das cidades Sergipanas. O EREA Raízes 2019 tem como eixo principal o patrimônio cultural tendo 3 cidades como experiências de estudo: Laranjeiras, São Cristóvão e Aracaju. Serão debatidos e vivenciados temas que vão desde o patrimônio imaterial, abordando origem, identidade, resistência e continuidade chegando atÊ o patrimônio material da cidade, a arte e ofício, autoconstrução e função do patrimônio construído. No início do encontro, discutiremos sobre modelo de encontro de estudantes de arquitetura e urbanismo, que serå um tema fora do eixo principal, porÊm, importante tanto quanto. Durante a semana, focaremos em temas voltados para o eixo principal, discutindo sobre:


> O quilombo urbano da maloca que utiliza seu espaço para fortalecimento de etnicidade e como eles lidam com as contradições da cidade. > A invisibilidade dos artesãos ao mesmo tempo que há uma elevada procura de seus produtos artesanais para compor ambientes e produções arquitetônicas. > A autoconstrução como um saber patrimoniale como o arquiteto e urbanista se insere nesse contexto. > Os espaços de religião de matriz africana e seu convívio com os espaços católicos. Será que estamos dando a devida importância a todas as raízes que constituem nosso lugar? > Função do patrimônio histórico e cultural e qual o melhor instrumento para se reconhecer e tombar um patrimônio. > O ponto levantados durante a semana do encontro e discutir sobre perspectivas futuras do patrimônio cultural e da cidade, partindo desta conjuntura política e socialque o Brasilvive.Pra onde crescem ou irão crescer suas raízes?


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O manifesto das araucárias, criado em 2013, veio para nortear a atuação dos estudantes de arquitetura e urbanismo do país, buscando uma defesa da educação pública de qualidade,da formação crítica do arquiteto e urbanista,da democratização das decisões, da reforma urbana objetivando a revolução e do chamado para construção política. Mas de fato há um debate aprofundado nos encontros nacionais e regionais? Há uma continuidade ou produto? Há um posicionamento e articulação da federação em defesa dessas diretrizes? Diante dessas problemáticas, o Erea Raízes busca romper o atual modelo de encontro, contestar suas “tradições” e questionar a FeNEA como movimento estudantil, propondo um espaço acolhedor, coletivo e didático.


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“Daqui de onde estou, Ouço os primeiros ruídos. Abafados, subterrâneos, Como os sussurros cuidadosos, Por meus avós também ouvidos. Da nova gente que surge, Com a coragem da herança, Legadas por Zumbi (...) E das falas virão os gritos, Não de dor, mas de vitória, Como são vitoriosos os sussurros, De nossa gente agora, Pois estão acordados, Para dizer, Com a força de Ganga Zumba E a altivez de X: Que somos! Faremos! Bem alto! Como as tor torres de Palmares.”

O Arco-íris negro: Zumbi … dos, p. 64, de José Carlos Limeira


H ( ĨH Ĩ¾ĨH( H g ħ ¾ H ħ Ĩ¾ĨH Após a constituição de 88, o Estado criou novas obrigações legais na questão da preservação do patrimônio cultural. Uma dessas obrigações atua na preservação da memória dos grupos formadores de nossa nacionalidade - a população afrodescendente. Isso se daria através da valorização e proteção da história dos grupos que resistiram à opressão da escravidão - os quilombolas. No texto constitucional há determinações explícitas para que o Estado trate das questões afro brasileiras: determinou-se que aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras seja reconhecida a propriedade definitiva, e que fiquem “tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”. Diante disso, a Maloca é uma comunidade quilombola com formação não remetente ao quilombo de origem escravagista. A origem de sua ocupação está vinculada à população afrodescendente de municípios vizinhos que migraram para a Aracaju, a capital projetada de Sergipe, em busca de trabalho e melhores condições de vida. A organização espacial da comunidade é uma alternativa sobreposta ao quadrilátero de pirro, que é o modelo espacial oficialmente posto pela lógica de ordenamento urbano original da capital. O espaço da Maloca nada mais é que um único quarteirão onde as casas convergem das ruas perimetrais para a área de socialização, o centro da comunidade onde fica a praça da Glorinha rezadeira.


O espaço central da maloca é lugar de passagem, lugar de troca, é onde se compartilha as histórias vivenciadas na cidade, é onde se traz as experiências do cotidiano urbano, é um espaço harmônico. É também um espaço utilizado como ferramenta de fortalecimento de etnicidade e empoderamento, através das atividades de entretenimento, formação e educação complementar organizadas pela ong CRILIBER (formada pelos próprios moradores da Maloca), bem como a atuação na promoção dos direitos das populações afrodescendentes. Além disso, são realizadas atividades culturais e eventos locais de debate sobre o problema do racismo principalmente com crianças e adolescentes. Como o quilombo da Maloca se relaciona com as contradições da cidade? Temos uma comunidade que se identifica como quilombo e empodera seus moradores em seu espaço porém, inserida numa cidade e sociedade plural e controversa. Sociedade essa que reconhece como patrimônio certos nomes, grupos, feitos e histórias, mas que invisibiliza outros.


¾ H f jħ “Não vejo seu rosto! Vejo somente as mãos! Seu vai e vem traçador, constrói belezas e desafia a harmonia de um riscado secular. O destino do fio se faz no caminho do cordão. Ele é guia e sustentação das ideias da criação. A cidad cidade, pequena e terna, parece que toda feita de mãos de renda. De todas as cores e todas as formas, de todos os jeitos. Mãos que tecem. Mãos que rezam. Dedos que se entrelaçam na criação no encanto de rendar.” R endas e rendeiras: oficio de encantar, de Aglaé D´Ávila Fontes de Alencar



¾ H f jħ Relíquias intocáveis, prédios monumentais e objetos antigos conservados em museus sempre foram comumente identificados como Patrimônio Cultural, são eles que nitidamente contam sobre a história de um lugar, sendo reconhecidas como verdadeiras obras de arte. No entanto, essa definição foi ampliada teoricamente pela atual Carta Magna, que conceitua como patrimônio cultural tudo que de alguma forma contribui para o fortalecimento da memória e do conhecimento que completa, registra e fortalece a história local. Assim, passam a ser reconhecidas as expressões da vida cotidiana de um povo, bem como suas festas, tradições, modos de fazer, culinária e crença como bens da cultura popular. Os mestres da cultura popular e de artes e ofício ainda são desconhecidos e pouco se fala sobre suas condições atuais de trabalho, apesar do quantitativo de manifestações e da importância deste trabalho ao longo do processo histórico. As vinculações desses grupos com a sociedade são amplas, antigas e profundas; são raízes que, apesar de mergulharem no passado colonial, acompanham mudanças sociais. Tem havido uma crescente atenção em torno do produto artesanal, da arte e artesanato popular, por parte dos interessados na cultura popular e suas manifestações, e por setores de mercado envolvidos de diferentes maneiras com o campo da arquitetura e designer de interiores, que promove o consumo de objetos artesanais, principalmente aqueles que guardam características marcadamente regionais. Pelo fato do produto artesanal representar o oposto da produção em massa e da homogeneidad homogeneidade, além de compreender uma carga cultural, a peça dá um certo status quando se é inserida em espaços elitizados. Nesse contexto, até onde a arquitetura contemporânea pode absorver elementos artesanais tradicionais sem fazer com que ocorra uma apropriação cultural e invisibilidade do(a) mestre artesão/artesã? De quem é o rosto, a cor, a classe social, quem é o indivíduo que produz aquele artesanato charmoso que o turista compra ao visitar uma região? Qual é a história dele? Quem conta a história dele, aliás, essa história é c o n t a d a ?



¾ ¾ ħ b ħ b [...] Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Com Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Mor Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego [...] Construção, 1971, de Chico Buarque




Ao mesmo tempo está fortemente ligado ao local de implantação e aos costumes da comunidade, integrando-se ao meio ambiente e adaptando-se ao microclima - geralmente utilizando técnicas bioclimáticas passivas e materiais com baixa energia incorporada. Ao longo do tempo, as famílias apreendem um corpo de conhecimento substancial sobre como melhor construir e conectarem-se à infraestrutura e aos serviços urbanos bem como se beneficiarem ou se esquivarem das autoridades públicas. Os conhecimentos construtivos são transmitidos com uma tradição e por serem métodos práticos e não estéticos são facilmente repassados adiante. Não há como negar a capacidade das famílias pobres, historicamente desatendidas pela construção habitacional formal, de desenvolverem meios de superar suas demandas através de seus próprios recursos. Porém, há quem diga que a autoconstrução não deva ser encorajada, por conta da dissociação do suporte técnico e jurídico que circunda a construção habitacional. Poderíamos e deveríamos arriscar nos desprender de juízos reacionários no que diz respeito à esse tipo de construção? Seríamos capazes de ao invés de rechaçar essa prática construtiva, proteger essa atividade e tratá-la como um saber patrimonial? Muito além desse paradoxo, está a realidade da provisão habitacional e o fracasso dos acordos internacionais e das políticas públicas municipais e federais (lei de assistência técnica) em prover moradia adequada às famílias de baixa renda. A mera existência de recomendações e leis tem sido insuficiente no processo de negociação entre associações de moradores, movimentos sociais, proprietários de terra e agentes públicos, essencialmente no que se refere ao acesso da terra urbana. Diante disso, como o arquiteto e urbanista se insere nesse contexto? Seria preciso abandonar a idéia conservadora de independência e poder, em que o projetista domina o processo de projeto com o famigerado “conceito de projeto”? Nesse papel tradicionalista, os arquitetos e urbanistas permanecem desligados dos clientes e daqueles que fazem, aguardando passivamente a encomenda do mesmo, produzindo o projeto e saindo de cena ao final do processo. Para o público, conceitos tendem a não ser mais do que constrangimentos desnecessários? A prática de atendimento a demandas populares deve continuar sendo igualada ao ato de projetar e desenhar, como se todas as outras atividades (de falar ao telefone, visitar terrenos, visitar obra e uma avaliação pós-ocupação) não fizessem parte do trabalho?


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“Os jogos da memória levam a campo uma verdadeira disputa entre o individual e o coletivo, o passado e o presente, o real e o imaginário, a continuidade e as transformações, que ao final de cada partida percebe-se que o resultado é uma construção dinâmica, fragmentada, seletiva e às vezes inventiva.”

O Patrimônio histórico e artístico nacional e sua apropriação pelo turismo no estado de Sergipe. Denio S. Azevedo, Polyana B. Andrade.


¾ f( ħ H H H H Os conjuntos arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos das cidades históricas de Laranjeiras e São Cristóvão, interiores de Sergipe, são tombados pelo IPHAN devido ao valor cultural e identitário dessas duas regiões para o estado e para o país. Sendo as duas únicas cidades com conjunto histórico tombado, as relações de cuidado, manutenção, pertencimento e identidade da população para com as mesmas são distintas. Primeira capital sergipana, assim como a quarta mais antiga cidade do Brasil, São Cristóvão é ponto de concentração do maior número de ações do Iphan em Sergipe. Edificada sob a união de influências urbanísticas de Portugal e Espanha no período da União Ibérica, é atualmente vista como o cenário principal da cultura, arte, história e identidade sergipana. A cidade histórica de Laranjeiras, onde existiu o primeiro porto de Sergipe, às margens do Cotinguiba, e onde ainda existe a narrativa colonial dos casarios, ruas e igrejas é cerne da resistência ao abandono do patrimônio. Suas cores, pedras, músicas, religiões, danças e tradições aos poucos ruem num silencioso pedido de ajuda. A maior parte dos registros patrimoniais das duas cidades dizem a ver com a religiosidade cristã - igrejas, conventos e capelas - assim como com as construções vinculadas ao governo. Vilas operárias, quilombos urbanos, terreiros e variadas representações de grupos sociais menos favorecidos foram colocados de lado durante o processo de patrimonialização e de recuperação dos bens patrimoniais. Diante da centralização do poder a partir do contexto político do Estado Novo, era importante a construção ideológica “nacional” positiva da imagem do Estado para o mundo internacional, e não diferente aconteceu em Sergipe. A escolha oficial e institucional do que é ou não patrimônio cultural foi, na maioria das vezes imposta por uma elite intelectual, sem a participação da população em sua elaboração, onde o esquecer é um ato político e as memórias são construções sociais determinadas por grupos específicos no poder.


Mais tarde, o patrimônio histórico e artístico sergipano foi sendo transformado em bem de consumo turístico. Igrejas e bens tombados se encontram subutilizados e a noção de pertencimento da comunidade mais uma vez é posta em segundo plano diante da necessidade do lucro. Enquanto igrejas devidamente tombadas e precariamente conservadas permanecem fechadas e subutilizadas, terreiros são invisibilizados e não possuem sequer um reconhecimento, muito menos um interesse na conservação dos mesmos. As duas cidades citadas dispõe de patrimônios religiosos católicos e de matrizes africanas. Porém, sabendo que essas últimas são historicamente estereotipadas e marginalizadas pela sociedade, como se dá a convivência desses espaços? Há um reconhecimento da própria população aos cultos religiosos africanos ou o discurso católico branco p e r m e i a ? Se analisarmos o mapeamento dos terreiros da região, constataremos que há um processo de periferização dos mesmos. Esse é um fenômeno novo? Existe alguma ligação direta ou indireta com o que acontece na capital sergipana, onde há uma perseguição, fechamento, expulsão e destruição dos terreiros com aval do judiciário? Precisamos pensar nas nossas raízes, elas são realmente nossas? Nós nos vemos nessas raízes? Será que estamos dando a devida importância a todas as raízes que constituem nosso lugar? De quem é essa história que queremos preservar?


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“É precisamente a partir da constatação da perda irreparável de um enorme patrimônio compacto, homogêneo, não necessariamente monumental e sim cotidiano, doméstico, familiar, que constituía desde sempre o entorno imediato dos habitantes dos centros antigos,que desperta essa componente emocionale psicológica,ao comprovaradefinitivadesapariçãodebens edememórias coletivas, que cada um possuía tanto a nível consciente como inconsciente.”

La Restauración después María Margarita

de Cesare Brandi. Segarra Lagunes.


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Devido a sua formação progressista de traços ecléticos e influência europeia,a cidade de Aracaju se encontra no vácuo das políticas públicas de preservação da memória, herdadas do movimento modernista da década de 1930, que instituiu a ideia de que a memória que constitui a identidade do povo brasileiro é sempre a ligada à época de formação do Estado Nacional-o período Colonial.Essa ideia levou à negligência dos órgãos oficiais de patrimônio durante muito tempo, da memória daherançaoriundade épocas mais recentes dahistória. A distribuição dos bens culturais aracajuanos tem um caráter diversificado, com bens destinados ao culto católico,ao ensino básico e superior,residências das elites locais e prédios construídos para abrigar órgãos públicos. Além destes, há patrimônio natural e dois conjuntos de obras do artista plástico Jenner Augusto. Porém, tal diversificação não significa uma diversidade sociocultural. A tendência sergipana nesta área é a de tombamento de heranças da aristocracia branca católica. Nesse sentido, não figuram na lista aracajuana, bens culturais de origem indígena ou afrobrasileira,tampouco doutras matrizes religiosas.Também está de fora a memória das camadas populares, como operários, pescadores, comerciários e camponeses. O patrimônio cultural da capital sergipana não representa um multiculturalismo democrático, pautado pelo reconhecimento oficial das diferenças.

Ao mesmo tempo, não há um reconhecimento nem uma tentativa de ressignificação de edifícios modernos que estão parcialmente abandonados, que não cumprem sua função social ou estão em processo de arruinamento, como o edifício Mayara, Hotel Palace, condomínio Jangada, entres outros. A relação da capitalcom seus patrimônios tem casos mais polêmicos,como as demolições na calada da noite ou aos finais de semana – vide os casos da derrubada do casarão do Dr. Augusto Leite, na Avenida Barão de Maruim, a fim de alojar uma agência da Caixa Econômica Federalou,da demolição de um imóvelem estilo eclético na Rua Itabaiana,nos arredores da Secretaria de Segurança Pública, e,portanto,área de interesse cultural.Além disso,existe o caso do Cine Rio Branco que sofreu um inédito e conturbado processo de destombamento, vindo a parar suas exibições.Não demorando muito,foivendido e demolido,abrigando hoje uma loja comercial. Fala-se até mesmo em uma “estacionamentalização” do centro, diante da derrubada de inúmeros imóveis de valor cultural e histórico para a construção de estacionamentos privados.


Aracaju é a única capital brasileira sem bens edificados reconhecidos pelo IPHAN. Temos um processo tombamento a nível federal que está parado em Brasília por questões técnicas, onde conjuntos urbanos, coleções, acervos, edificações e bens móveis ou integrados se encontram indeferidos ou em instrução jurídica. Mesmo sem o respaldo de proteção federal, Aracaju possui patrimônios tombados a nível estadual e outros que apresentam valores de interesse cultural,no próprio Plano diretor de desenvolvimento urbano de Aracaju existem capítulos com diretrizes voltadas para os mesmos. Um dos deveres do poder executivo municipal que diz respeito ao objetivo de garantir e disciplinar as ações necessárias à recuperação, preservação e conservação do patrimônio cultural e histórico fala da promoção da valorização iconográfica de locais e monumentos culturais dentro do município, a fim de resguardar a identidade do cidadão com sua cidade. Aracaju precisa repensar sua relação com a rica herança arquitetônica, histórica e cultural que a cerca. É necessário discutir educação patrimonial em todas as camadas da sociedade, para que haja um reconhecimento do que é patrimônio e bem de interesse cultural, também que se destine esse patrimônio para que cumpra sua função social. Seremos fadados aaceitar amáximade que Aracaju é umacidade sem história e o aracajuano é um povo sem memória? Como o patrimônio aracajuano conseguirá sobreviver com as incessantes investidas do empresariado que quer empurrar estacionamentos privados e farmácias em cada esquina do centro da cidade? Qual seria o modelo ou instrumento apropriado para a preservação do ptrimônio edificado de valor histórico?


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ž ĨH ħ H ħH ž ž ž H Äž Conhecer a histĂłria para preservar. Pode parecer uma afirmativa simplista, mas muito verdadeira, afinal de contas, como cuidar daquilo que nĂŁo se conhece, nĂŁo se admira, nĂŁo se sabe o valor cultural e histĂłrico? Somente o tombamento federal tem importância e respaldo jurĂ­dico para proteger um patrimĂ´nio? E o tombamento estadual ĂŠ sĂł um tĂ­tulo? Aracaju possui um plano diretor de desenvolvimento urbano (PDDU 2000) que hĂĄ muito tempo estĂĄ obsoleto e dedica poucas laudas no que diz respeito ao patrimĂ´nio cultural. Em contrapartida, hĂĄ uma revisĂŁo do PDDU que trata de forma mais especĂ­fica a questĂŁo e que estĂĄ congelada em alguma gaveta, assim como o processo de tombamento federal de patrimĂ´nios histĂłricos e cultrais da capital. O Ăşnico programa relacionado Ă preservação patrimonial - Programa Monumenta - fortalece, no caso da cidade de Laranjeiras, as intervençþes sem embasamento tĂŠcnico e teĂłrico-conceitual. NĂŁo possuem conceituaçþes e reflexĂľes teĂłricas, nem uma carta de princĂ­pios para guiar a intervenção e foram executados por empresas que nĂŁo possuem profissionais com experiĂŞncia e estudos comprovados no campo da restauração. Esse tipo de programa foi criado para atender uma demanda federal, deixando de lado os patrimĂ´nios de tombamento estadual e os bens declarados de interesse cultural. Se jĂĄ hĂĄ uma dificuldade em proteger o patrimĂ´nio monumental da histĂłria convencional eurocĂŞntrica de Aracaju, quando serĂĄ que o patrimĂ´nio negro deixarĂĄ de ser marginalizado para ser reconhecido como patrimĂ´nio tambĂŠm? Como o patrimĂ´nio se enquadra no princĂ­pio bĂĄsico do estatuto da cidade em que a propriedade urbana deve cumprir sua função social, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadĂŁos quanto Ă qualidade de vida, Ă justiça social e ao desenvolvimento das atividades econĂ´micas?


O que você está deixando para a cidade que está sediando o RAÍZES? Desde o ínicio, a necessidade de deixar um produto do encontro para a cidade era uma premissa para a comissão organizadora (ComOrg). Nesse dia de encontro, convidamos participantes e a população para pensar e produzir coletivamente um documento de princípios e intenções com o objetivo de alertar sobre as problemáticas debatidas acima e durante todo o encontro, culminando numa denúncia pública do estado em que se encontra o patrimônio sergipano.


R E A L IZ A Ç Ã O : COMISSÃO ORGANIZADORA EREA

PROM OÇÃO:


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