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O IMPÉRIO CONTRA-ATACA César Ricardo Siqueira Bolaño bolano@ufs.br

Em 1997, publiquei, na revista latino-americana Nueva Sociedad (Bolaño, 1997), um pequeno ensaio intitulado Cênese da Esfera Pública Global, onde defendia que a globalização deve ser entendida, de um ponto de vista estrutural, como a forma atual de um processo mais antigo de transformações profundas do capitalismo em nível mundial, no interior do qual os aspectos econômicos, ligados à expansão do capital financeiro internacional e de transnacionalização do capital produtivo, articulam-se a outros de ordem política e cultural, concentrando-me na análise da questão da possível gênese de uma Esfera Pública Global, elemento chave para a eventual constituição de um Estado Global capitalista. Observava, em especial, que, se a resposta a essa questão for afirmativa, a nova esfera pública global guarda traços de semelhança fundamentais com a esfera pública burguesa do capitalismo liberal, ainda que, para o grosso da população mundial, continue vigindo o paradigma da velha indústria cultural monopolista e da cultura de massa. O artigo fazia parte de uma reflexão mais ampla sobre a reestruturação do capitalismo, sobre a qual formulara, em texto publicado também na revista Nueva Sociedad em 1995, uma hipótese, que fui desenvolvendo posteriormente em outros trabalhos (especialmente em Bolaño, 1997 b, 2001, 2001 b) e está no centro de minhas preocupações atuais, sobre a subsunção do trabalho intelectual e a intelectualização geral dos processos de trabalho, apontando para a necessidade de uma crítica da economia política do conhecimento. O tema da gênese da esfera pública global, no entanto, ficou até o momento esquecido. Dois eventos me levaram a retomar aquela discussão agora: a publicação, este ano, no país, do livro Império, de Antonio Negri e Michael Hardt, lançado nos EUA no ano passado e que vem tendo uma importante repercussão entre a intelectualidade de esquerda européia e americana, e o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 ao Pentágono e às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, questionando, naturalmente, todas as teorias que pretendem explicar aquela reestruturação e o mundo atual. Assim, contrariando a visão de muitos daqueles que defendem o chamado “paradigma da virtualidade”, o que nós sofremos nos EUA foi um tremendo choque de realidade, mostrando, por exemplo, que o Império tem um centro, que esse centro é vulnerável e que a História não acabou. O que me interessa neste texto é discutir o livro de Negri e Hardt e suas coincidências com as hipóteses defendidas por mim anteriormente, não, claro, para reivindicar alguma anterioridade – não se trata disso –, mas para, explicitando também as divergências, esclarecer alguns pontos que considero importantes para entendermos o capitalismo do século XXI, suas contradições e as perspectivas libertadoras que elas abrem. Na primeira parte, reproduzirei basicamente o texto de 1997, introduzindo algumas notas de rodapé para explicitar aspectos específicos de divergência ou concordância com a perspectiva de Negri e Hardt, ou para esclarecer e complementar os argumentos apresentados naquele pequeno ensaio. Na segunda parte, apresentarei uma resenha do livro em questão, na qual as notas de rodapé terão também um papel não simplesmente acessório, mas de diálogo e esclarecimento sobre pontos importantes para a compreensão do conjunto. Esta foi a forma que se insinuou como a mais adequada à explicitação dos pontos de contato e de separação que formam o conteúdo básico deste artigo, o que significa que o mesmo não pode ser devidamente apreciado sem a leitura das notas de


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