Caderno de Stylus 3

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GALLANO, Carmen

qualquer relação com a demanda é inadequada para permitir ao sujeito se localizar ao nível da castração, ao nível da falta. Assim, Lacan conclui este capítulo dizendo: esses quatro pontos cardeais do desejo como defesa são soluções ilusórias ao desejo. A quarta tem a ver com o fantasma, com a fantasia, é o amor apaixonado e parcial pelo objeto. Às vezes, há paixões amorosas dos obsessivos que são autênticos transes. Desenvolvi estes pontos porque os encontrei agora, lendo novamente; são de uma utilidade enorme para orientar-se no tratamento e na clínica. Não confundir fantasma, proeza, acting out, amor passional com o objeto. Até aqui Lacan descreve os impasses com o desejo do obsessivo e, mais adiante, no capítulo 26.3, localiza esses problemas no comportamento, porque até agora tudo isso se traduziu no comportamento do sujeito com o Outro. Então no capítulo “Os circuitos do desejo”, ele trata de localizá-lo em relação à estrutura e não ao comportamento. Por isso, propõe esse grafo do desejo do obsessivo. O que há de situar na estrutura é que o obsessivo toma o desejo, de entrada e de saída, como algo que se destrói muito precocemente. Isto ele experimenta desde criança. Até aqui temos falado mais do fantasma, do comportamento, do acting out; e aqui Lacan se refere a Freud dizendo: ele descobriu no sintoma essa destruição, são os sintomas dos obsessivos que revelam a destruição do desejo. E ele evoca as fórmulas do Homem dos Ratos. Trata-se de destruir por meio de significantes, palavras; por isso é tão importante não confundir os sintomas de anulação, destruição do desejo, que são pensamentos, ideações obsessivas, com a passagem ao ato de destruição do Outro no real. Eu diria que no nosso mundo há cada vez menos obsessivos pensadores, com sintomas e ideias obsessivas destrutivas, porque as ideias de matar o Outro, fazer dano ao Outro, todas estas ideias, desde o Homem dos Ratos, estão sempre nos pensamentos de anulação e destruição do Outro do obsessivo; o sujeito se culpabiliza porque ele deve, ao mesmo tempo, preservar este Outro. Isto se vê muito bem no caso da obsessiva de Bouvet com as ideias de atacar a mãe, a chefe, o Cristo e que, e ao mesmo tempo, tem grande afeto, sobretudo à mãe, a quem quer salvar; no mundo de hoje, o que mais temos são passagens ao ato em vez dos sintomas como ideias obsessivas. O problema da passagem ao ato é que, ao não ser subjetivada, o sujeito não se culpabiliza. Por isso, às vezes, os obsessivos vão pedir tratamento somente porque o ambiente, seu entorno, se espanta com suas passagens ao ato, isso não significa que vai ter oportunidade de uma abertura do inconsciente. Isto só ocorrerá se o sujeito se angustia muito com sua passagem ao ato, mas ainda falta que da angústia ele passe a subjetivar um sintoma. Lacan diz que o interesse no caso da obsessiva de Bouvet é nos revelar a pulsão paradigmática da blasfêmia. Antes víamos a moral religiosa do obsessivo, mas

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Caderno de Stylus Rio de Janeiro no. 03 p. 13-28 outubro 2014


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