Enfoque Jurídico - Edição Junho

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Enfoque Jurídico

Enfoque Jurídico junho/2011

Ano I – Edição 4 – Junho/2011

R$ 7,90

Investimentos estrangeiros P

alco dos principais eventos esportivos de 2014 e 2016, dono do pré-sal e um dos países que demonstrou possuir uma economia desenvolvida e sólida o suficiente para enfrentar a crise econômica mundial e permanecer crescendo. Esses são os principais pontos levantados por especialistas ao creditar o aumento do investimento estrangeiro no Brasil. Mas, existem alguns pontos que ainda afugentam parte do empresariado estrangeiro, especialmente, a carga tributária imposta às empresas que aqui se estabelecem. Para destacar essas questões, o Enfoque Jurídico ouviu alguns especialistas, que destacaram os pontos positivos e negativos para o investidor estrangeiro. PÁGS. 20 a 23

fábio césar pedace de souza

ARTIGOS /CONSTITUCIONAL

/JUDICIÁRIO

SÉRGIO RESENDE DE BARROS

NEWTON DE LUCCA A oportunidade de um novo Código Comercial para o Brasil PÁGINA 14

A Constituição e o afeto PÁGINA 9

/ENTREVISTA DO MÊS

Autora de vários livros, doutora honoris causa pela Universidade de Milão, na Itália, Ada Pellegrini Grinover, hoje procuradora aposentada do Estado de São Paulo, ocupa uma cadeira da Academia Paulista de Letras, atua como parecerista, ministra aulas na pós-graduação da Faculdade de Direito da USP e em várias outras instituições públicas e privadas e, a partir de julho, integrará a equipe de mestrado de uma faculdade em Buenos Aires, na Argentina. PÁGS. 3 a 5

/VIAGEM

O clima do Mediterrâneo no Chile PÁGINA 28


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Enfoque Jurídico junho/2011

/EDITORIAL

/EVENTOS Retenções na Fonte: Serviços Prestados por Pessoas Jurídicas ISS (município de São Paulo), INSS, IRRF, CSLL, PIS/PASEP E COFINS Local: FISCOSoft Editora - av. Paulista, 1776 - 11° andar - Bloco C - Elevadores 5 e 6 - Cerqueira César – São Paulo (SP) Data: 14, 15 e 16 de junho de 2011 Horário: 19h às 22h30 (14 e 15/6) e 18h30 às 22h30 (16/6) O objetivo do curso é o de capacitar os profissionais do setor fiscal/ contábil das empresas, quanto às retenções de ISS - Município de São Paulo, INSS, IRRF, CSLL, PIS/ PASEP e COFINS, a serem efetuadas por ocasião do recebimento ou do pagamento das notas fiscais de serviços tomados de outras pessoas jurídicas. Além dos aspectos legais, o curso abrange questões práticas, buscando esclarecer os procedimentos a serem seguidos no cotidiano corporativo. Informações e inscrições: (11) 3382-1030 ou cursos@fiscosoft. com.br Fenalaw FIRJAN – RJ (Avenida Graça Aranha, 01, Rio de Janeiro. Tel.: (21) 2563-4455) Data: 14 e 15 de junho de 2011 Horário: 9h às 20h Fenalaw (Exposição e Congressos para o Mercado Jurídico) é considerado o maior evento jurídico da America Latina. Além da exposição que reúne novas soluções, produtos e serviços destinados para escritórios de advocacia e departamentos jurídicos, o evento oferece o mais bem conceituado conteúdo do mercado com foco em administração legal e também sessões estruturadas de networking. Entre os cursos do Fenalaw 2011, estão: Curso de Capacitação em Gestão de Serviços Jurídicos - Organização FGV; Congresso de Administração Legal para Departamentos Jurídicos; Congresso de Administração Legal para Sociedades de Advogados. Informações e inscrições: (11) 3017-6859 ou tais.fraile@informaexpo.com.br Negociação & Modalidades de

Contratos em empresas de engenharia e construção Informa Seminar Center Rua Bela Cintra, 967 11º Andar São Paulo De 29 a 30 de junho de 2011 Vários expositores vão discutir temas que apresentem, de forma prática e objetiva, os aspectos essenciais relativos à negociação, elaboração, gerenciamento e revisão de contratos relacionados à engenharia e construção, bem como a prevenção e solução de conflitos instaurados nesses contratos. O workshop visa oferecer uma visão prática das diversas modalidades contratuais nesta área (Empreitada Integral, EPC/Turnkey, Contrato de Aliança, Contrato de Concessão e de PPPs, Subcontratos e Contratos preliminares, como constituição de Consórcio e SPE) mostrando as peculiaridades de cada contrato, identificando os seus riscos, orientando como melhor estruturar os projetos de engenharia e construção, e os aspectos essenciais que não podem ser esquecidos na redação, negociação e gestão de tais contratos. Informações e Inscrições: 11 30176800 ou pelo site http://www.iir. com.br/pt/event/list Execuções Fiscais: Defesa e Administração de Passivo Auditório da Central Prática (Rua Frei Caneca, 159 - Cerqueira César São Paulo – SP) Data: 28 de junho de 2011 Horário: 9h às 17h35 Este evento apresenta ao público os aspectos relevantes do processo das execuções fiscais e suas características mais atuais. Aborda questões controvertidas sobre a responsabilização dos sócios, bem como a legalidade das penhoras online e do faturamento da empresa. O propósito dos painéis é oferecer estratégias legais na prevenção de autuações fiscais e de defesa em execuções fiscais com foco nas soluções dos passivos. Informações e inscrições: (11) 3257-4979 ou contato@centralpratica.com.br

Brasil em foco: destaque internacional

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investimento estrangeiro no Brasil está cada vez maior e para discutir questões jurídicas e econômicas, o Enfoque Jurídico entrevistou alguns especialistas que falam sobre o cenário de investimento e atribuem esse boom de empresas internacionais no País aos grandes acontecimentos vivenciados por nós, começando pela crise financeira, que demonstrou a solidez da economia nacional, e terminando nas obras de infraestrutura que estamos realizando e planejando para sediar a Copa e as Olimpíadas. Isso sem contar que as empresas do mundo inteiro estão interessadas em investir na área petrolífera, que desde a descoberta do pré-sal, tornou-se a “menina dos olhos” de muitos investidores mundiais. Além disso, o País está se destacando no campo tecnológico, tanto para exportar, quanto para importar, daí o interesse de empresas estrangeiras de trazer tecnologia para investir em todos os aspectos que necessitam de infraestrutura. Com esse pano de fundo, podemos dizer que o Brasil está firmando-se internacionalmente como um País promissor

Editora Bruxelas Ltda. CNPJ: 10.405.628/0001-20

Expediente Enfoque Jurídico

Junho de 2011 - Edição 4 Finalizada em 1/6/2011

Editora responsável Fernanda Sal (Mtb 42.157) fernanda@enfoquejuridico.com.br Editoração e projeto gráfico Fernando Zeferino/AZ | Brasil - Assessoria & Comunicação Administração e finanças Renato Vianna Consultor jurídico Antonio Rufato Departamento de marketing Adoniran Miranda

e em ascensão nas esferas social, política e econômica. E por falar em ascensão, destacamos esse mês a entrevista com a jurista Ada Pellegrini Grinover, um dos maiores expoentes jurídicos nacional e internacional, que abriu espaço para a mulher na área jurídica e destaca-se pela atuação profissional, acadêmica e literária. Imortal da Academia Paulista de Letras, Ada expõe sua opinião sobre a trajetória feminina na universidade, fala sobre a participação ativa em elaboração e colaboração de projetos leis, como o Código de Defesa do Consumidor e os estudos que originaram a Lei de Interceptações, assim como agora está colaborando na atualização do CDC. Ela não deixa de mencionar a atuação na literatura e fala sobre sua nova bandeira, a da mediação e conciliação. Para dar continuidade ao roteiro de inverno, esse mês indicamos uma viagem ao Chile, que se destaca, de junho a setembro, pelas estações de esqui e pelas excelentes vinícolas, onde é possível apreciar vinhos de primeira qualidade. Boa leitura. Fernanda Sal

Correspondência para Rua Tripuí, 210, cj. 12 CEP: 03147-030 — São Paulo-SP Telefone: (11) 3452-5814 E-mail: leitor@enfoquejuridico.com.br www.enfoquejuridico.com.br Tiragem desta edição: 35.000 exemplares

INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO

em processo de filiação

Publicidade TCM Brasil Telefones: (11) 2155-0105 / 8355 2999 / 7829 2780 Impressão Leograf: Rua Benedito Guedes de Oliveira, 587, São Paulo. Fone: (11) 3933-3888

Os artigos publicados refletem as opiniões dos respectivos autores e não do jornal Enfoque Jurídico, que não se responsabiliza e não pode ser responsabilizado pelas informações dos artigos ou por prejuízo de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.


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ADA PELLEGRINI GRINOVER

/ENTREVISTA DO MÊS

Paixão pela Justiça e pela literatura

fotos: fábio césar pedace de souza

ANDREZZA QUEIROGA

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ascida em Nápoles, na Itália em 1933, Ada Pellegrini Grinover, chegou ao Brasil em 1951. Na época, enfrentava um de seus maiores desafios, a língua. Considerada, atualmente, como um dos grandes nomes do cenário jurídico, a jurista é formada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) desde 1958 e conta com uma longa trajetória marcada por diversas atuações. Autora de vários livros, doutora honoris causa pela Universidade de Milão, na Itália, Ada Pellegrini Grinover, hoje procuradora aposentada do Estado de São Paulo, ocupa uma cadeira da Academia Paulista de Letras, atua como parecerista, ministra aulas na pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, na Faculdade de Direito de Vitória, no Espírito Santo e, a partir de julho, integrará a equipe de mestrado de uma faculdade em Buenos Aires, na Argentina. Simultaneamente, organiza congressos, integra a comissão de juristas do Senado para a atualização do Código de Defesa do Consumidor, coordena os cursos da FGV-GVLaw, e é diretora dos cursos de extensão da Escola Paulista de Direito (EPD). No último dia 18 de maio, a jurista lançou seu livro “A Professora da USP”, que trata da vida e carreira desde os anos 70, incluindo sua carreira universitária, as atividades na Academia Paulista de Letras, assim como relata a candidatura (e derrota) ao cargo de reitoria da USP.

Enfoque Jurídico - Como percebeu que queria seguir a carreira jurídica? Teve alguma inspiração? Ada Pellegrini Grinover - Meu pai era advogado, meu avô desembargador e, na verdade, escolhi Direito para agradar meu o pai. Eu não tinha muita preferência, gostava de

Antropologia, Sociologia, mas acabei me encontrando na faculdade de Direito. EJ - A sra. se graduou em uma época em que não havia muitas mulheres atuando na área. Como enfrentou isso e como enxerga esta mesma situação hoje em

dia? Disse que ajudou a conquistar espaço feminino dentro do centro acadêmico da USP, quando, na época, os departamentos masculino e feminino eram separados, como foi este episódio e o que representou para você? APG - No decorrer na faculdade havia poucas mulheres, eram cerca de 10% apenas, mas esta época foi marcante. O departamento feminino era separado do masculino no Centro Acadêmico XI de Agosto. Minha turma foi a primeira em que as moças passaram a freqüentar o restaurante junto com os homens, a primeira que passou a assistir as aulas de sexologia na disciplina de

medicina forense. Aquela turma era brilhante e rendeu cinco professores titulares para a Faculdade de Direito da USP. Além disso, foi muito marcante, na época, receber dois prêmios como melhor aluna, em Direito do Trabalho e em Direito Processual Civil, que foi a área que escolhi para seguir na carreira universitária. Já, hoje, o papel da mulher no mercado jurídico é bem diferente tanto no mercado de trabalho, como no cenário universitário. Não precisamos mais enfrentar esta dificuldade e acredito muito no mercado feminino, pois a mulher tem uma visão um pouco diferente do mundo do que o homem


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ADA PELLEGRINI GRINOVER

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/ENTREVISTA DO MÊS e isso se reflete no meio jurídico. Posso ver pelos meus alunos que as mulheres, em geral, são mais dedicadas, mais aplicadas e esforçadas. EJ - E ao entrar no mercado, que dificuldades encontrou em um cenário tipicamente masculino? Quando acredita que começou a ganhar espaço e reconhecimento pelo seu trabalho? APG - Para ser aceita no mercado, já no terceiro ano, por intermédio do meu pai, eu consegui entrar no departamento jurídico da Sul América Terrestres Marítimos e Acidentes, no entanto, o diretor não queria me aceitar por eu ser mulher e jovem. Foi uma batalha para mostrar que era competente. Depois disso, montei um escritório e comecei a trabalhar com acidentes de trabalho, no campo civil e no campo penal. O escritório ia bem e conseguimos uma boa clientela naquela época (1957), até que prestei concurso para procuradora do Estado nos anos 60 e iniciei uma transformação em minha carreira. Já, em 1973 comecei a carreira acadêmica e, depois, fiz a livre docência. Nos anos 80, prestei concurso e me tornei professora titular da Faculdade de Direito da USP. Galguei meu espaço com muito trabalho e competência, apesar de toda a resistência. EJ - A sra. também ganhou reconhecimento internacional pelo seu trabalho na área de Direito Processual, tendo atuado como vice-presidente da International Association of Procedural Law e do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal, além de ter recebido da Universidade de Milão, na Itália, o título de doutora honoris causa e de ser agraciada, em 2007, com o prêmio da Fundação Redenti, em Bolonha, também na Itália. O que diria para quem dá seus primeiros passos neste momento e a que atribui todas essas conquistas internacionais?

“Comecei a publicar livros de minha autoria na década de 70. São, ao todo, seis livros.”

APG - É preciso estudar, participar de congressos, de eventos, de causas para se firmar como profissional. No meu caso, posso dizer que consegui reconhecimento internacional, pois era da escola processual de São Paulo, que tinha como matriz ensinamentos do professor Enrico Túlio Liebman, que veio da Itália para o Brasil. Na oportunidade, eu traduzi alguns livros italianos e penetrei no mercado estrangeiro por intermédio da Itália. Dediquei-me a trabalhos naquele país como a ação civil pública e o código de defesa do consumidor, o que fez com que me tornasse uma espécie de embaixatriz junto à universidade de lá. Depois, tornei-me membro de Direito Processual e da Associação Internacional de Direito Processual, ficando conhecida no exterior.

EJ - Foi homenageada nos 75 anos da USP por ter sido a primeira pessoa a se doutorar pela Universidade na área de Direito, como vê isso e a que atribui esta conquista? APG - Fui homenageada por ser a primeira na USP a apresentar tese de doutorado de acordo com a nova regulamentação da universidade. Eu não sabia, foi uma surpresa. EJ - Quanto ao papel de escritora, ao todo, publicou quantas obras? Entre elas, quais destaca? APG - Comecei a publicar livros de minha autoria na década de 70. São, ao todo, seis livros. São três autobiográficos, que contam a história da minha vida na Itália, os primeiros anos no Brasil e um “pseudo” policial, além um de poemas. Eu gosto muito de escrever, de literatura, de

leitura e os primeiros livros surgiram porque eu achava que a minha vida tinha sido muito interessante, aventurosa, com muitos desafios e que esses livros poderiam retratar e fazer com que a pessoas lutassem pelos seus sonhos. Na verdade, eu me encontro nas obras. É um prazer escrever livros que não sejam jurídicos, até porque você se abre e é uma espécie de auto-análise. É estimulante porque, mesmo nas obras de ficção, você acaba refletindo um pouco de si mesmo nos personagens e acontecimentos. Para mim, escrever é ter a oportunidade de me abrir para o mundo. EJ - Quanto à Academia Paulista de Letras, como enxerga seu papel e o papel da academia? APG - A Academia, segundo alguns, é uma instituição superada, adequada aos séculos 19 e 20, mas


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ADA PELLEGRINI GRINOVER

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/ENTREVISTA DO MÊS ticipação dos alunos na classe. Hoje, as técnicas deveriam ser de participação. Não há mais sentido que o professor simplesmente passe seu conhecimento e o aluno o aceite passivamente. Tem de haver uma postura crítica e interação entre ambas as partes.

“Os professores ainda seguem técnicas de ensino superadas.”

eu acredito que ela tenha uma função importante. A de debater questões ligadas ao perfil da Academia, como Literatura, Língua Portuguesa, Aprendizagem, nível do ensino. São diálogos que se coletivizam porque os acadêmicos possuem recortes diferentes e cada qual expõe suas ideias. Meu papel ali é informar, ilustrar, sou interessada e cumpro minha responsabilidade. EJ - E no que diz respeito à educação. Acredita que seja de qualidade? Quais as diferenças entre o ensino de hoje e o da sua época? APG - O ensino está deficiente. Tem poucos professores que, efeti-

vamente, ministram ensino de qualidade. Há faculdades com pouca qualificação no corpo docente e a deficiência também se vê nos alunos. Os professores ainda seguem técnicas de ensino superadas. Eles não manejam um ensino com envolvimento dos alunos, são aulas expositivas, mas esta técnica de aula está defasada. Não vejo uma solução em curto prazo, mas temos de nos preocupar, principalmente, com a formação dos professores porque é deles que surge um bom aluno. Se for falar sobre as diferenças do ensino de ontem e de hoje, posso afirmar que antigamente eram aulas magistrais. Com pouca intervenção dos alunos. Tínhamos trabalhos, mas pouca par-

EJ – E no campo jurídico? Quais as mudanças mais urgentes para a Justiça brasileira? Por quê? APG - O poder judiciário é muito criticado. É um problema geral de todos os países do mundo e, a verdade, é que a lentidão aumenta em uma sociedade de massa. Além disso, o acesso à Justiça foi facilitado. Aumentaram as causas e, justamente, a vertente de conciliação não só ajuda a desatar o judiciário, como também colabora com a solução de conflitos. Daí meu interesse em investir nas vias mediativas, buscando uma Justiça consensual. Se não se mudar o paradigma não resolveremos este problema. Novas leis não resolvem. Para tornar o processo mais célere é preciso partir para uma Justiça consensual. EJ - Apostando nesta via consensual, está envolvida em algum tipo de projeto neste sentido? APG - Meu interesse é amplo e estou envolvida em mediação e conciliação. Estou apresentando na USP uma proposta de um curso de capacitação de mediadores e conciliadores porque foi determinada aos tribunais a criação de núcleos de conciliação e mediação. Essa é uma vertente que estou ligada, além de pesquisas e controle de políticas públicas. EJ - Além de acreditar na conciliação, também é comprometida com estudos sobre interceptação telefônica, tendo realizado anteprojetos que deram origem à Lei de Interceptações — a Lei 9.296/96. Enxerga abusos no uso de escutas? APG - O uso de grampos é abusivo. A polícia não quer mais investi-

gar, quer cortar o caminho para, imediatamente, solicitar a interceptação e o juiz adere e autoriza. Muitas interceptações têm sido anuladas por substituírem as investigações. A lei existe para que as interceptações sejam utilizadas como último recurso, pois são meios necessários de busca da prova, mas também são meios que invadem a intimidade não só do objeto de investigação, mas também de todas as pessoas com quem este objeto se comunica. Existe uma proposta de uma lei mais rígida, que prevê requisitos mais rígidos para a interceptação, mas está tudo parado. Nosso Congresso Nacional é inoperante. Vimos a questão da permissão da união entre pessoas do mesmo sexo, mas precisou de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), quando havia dezenas de projetos no Congresso sobre o mesmo tema. O Congresso não cumpre o seu papel legislativo e o espaço, às vezes é ocupado por outros órgãos, como o Judiciário. EJ - Além das discussões que culminaram com a Lei de Interceptações Telefônicas, a sra. participou da elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Acredita que este código necessita de uma reformulação? APG - Estou participando de uma comissão no Senado para atualização do Código, como o crédito eletrônico que não existia e o crédito ao consumidor, o endividamento elevado, que é muito grave não só para o consumidor, mas também para a empresa. As pessoas têm acesso ao crédito fácil, se endividam e este crédito é conseguido sem as cautelas necessárias. Há pouca responsabilidade de ambas as partes. Teremos uma reunião em breve para elaborarmos propostas de atualização do Código e isso não se trata de retrocesso, mas sim de abordar os pontos que o Código, na época não regulou, pois essas questões foram surgindo depois que ele havia sido implementado.


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ARTIGO

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/ADMINISTRATIVO

Desafios do ensino jurídico do século XXI IRENE PATRÍCIA NOHARA Advogada. Doutora em Direito do Estado (USP). Autora de várias obras jurídicas editadas pela Atlas.

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á tempos se discute a chamada crise do ensino jurídico. Aliás, em uma sociedade em rápida transformação não é só o ensino jurídico que entra em crise, mas diversos outros assuntos demandam reflexão a partir de novos paradigmas, tendo em vista que as formas de encarar e resolver os problemas passam a não ser mais capazes de solucioná-los adequadamente. São inesgotáveis os números de assuntos e instituições que são postos em xeque na Contemporaneidade, como, por exemplo, os modelos de gestão do Estado aptos a melhor satisfazer às necessidades coletivas, os meios tradicionais de solução de controvérsias no Poder Judiciário, exigindo-se da comunidade científica esforço maior para diagnosticar e apontar soluções eficazes e comprometidas com a construção de um futuro sustentável para a humanidade. É atordoante o panorama, pois cada solução pensada e aplicada apresenta suas deficiências, e a mutação social logo ameaça de obsolescência o novel repertório. Portanto, diante da plasticidade do cenário, não se pode adotar irrefletidamente um rol coerente de medidas sem que se pondere o problema dentro das complexidades do sistema no qual ele se insere e das prováveis modificações sociais em curso. No caso do ensino jurídico brasileiro, a crise inicia-se com o

questionamento do método de ensino coimbrão, isto é, aquele que se apoia basicamente no conhecido tripé: “giz, saliva e lousa”. Giz está naturalmente ultrapassado pelos novos recursos de tecnologia aplicados à educação, contudo, não se trata deste último o sentido mais relevante, mas aqui se fala na ultrapassagem, junto com a palavra “saliva”, de uma visão unilateral do ensino, onde o professor transmite na “lousa” o saber acumulado aos alunos, vistos da perspectiva de tábula rasa. Ora, este ensino dogmatizado não desperta no indivíduo sua natural vocação à pesquisa, pois o ser humano somente é motivado a investigar aquilo que sente que fará alguma diferença no processo de compartilhamento do conhecimento produzido. Em suma, se o professor já se apresenta como aquele que inquestionavelmente tudo sabe, o aluno, por sua vez, adota uma posição de objeto ou receptáculo da transmissão do conteúdo ensinado, dentro de uma perspectiva alienante, isto é, sem maior envolvimento. A “mercantilização” do ensino jurídico, num movimento frenético de proliferação de faculdades de Direito, em que há, em diversas instituições, um excesso de pessoas nas salas de aula não permite com que o professor tenha condições de dar ao alunado um tratamento individualizado, pressuposto para que haja a produção de pesquisa

de qualidade. Ademais, após a reviravolta na metodologia das ciências sociais, com a percepção, por exemplo, que a linguagem possui também um conteúdo pragmático, que articula e dá sustentação às estruturas de poder da sociedade, houve, concomitantemente como a pósmodernidade, a reflexão de que a argumentação e a ponderação são ferramentas indispensáveis para a pretensão de realização de justiça, ao menos diante das particularidades dos chamados hard cases (casos concretos onde há a colisão de princípios ou de direitos fundamentais). Esta modificação revela à seara jurídica a urgência da necessidade de contato e interação com diversas áreas do saber (interdisciplinaridade), para que o sistema de justiça chegue a soluções que afastem de seu bojo inversões ideológicas e uma série de outras interferências latentes, que aqueles que não detêm suficientes conhecimentos humanísticos não são capazes de identificar com clareza e senso crítico, o que os torna quase sempre alvo de manipulação por interesses escusos. Também a própria função do Direito é transformada com a Contemporaneidade. Assim, se em épocas distantes o Direito servia para analisar os casos a partir da aplicação retrospectiva de preceitos de justiça, cada vez mais se espera dos profissionais da área jurídica uma visão prospectiva dos fenômenos, para a regulamentação e sobretudo resolução antecipada de um sem número de problemas que têm potencial de emergir num contexto de rápida mudança e, por conseguinte, de elevado risco. De nada adianta a persistência num modelo de ensino dogmático; pois, não obstante seja mesmo imprescindível ao bacharel o conhecimento das leis e da chamada “dou-

“A crise iniciase com o questionamento do método de ensino coimbrão, isto é, aquele que se apoia basicamente no conhecido tripé: giz, saliva e lousa.

trina majoritária”, será fatalmente inútil o esforço de ‘memorização’ do conteúdo num cenário em que, quando os alunos estiverem concluindo o ensino superior, muitas das leis estudadas já terão sido revogadas por outras novas; e, ainda, no qual a jurisprudência avança numa velocidade infinitamente superior à doutrina reproduzida pelos professores em sala de aula. Não são poucos os desafios a serem enfrentados ao se pensar a crise do ensino jurídico no Brasil do século XXI, porquanto as habilidades desenvolvidas ao longo da formação do aluno já não devem ser mais as mesmas, sendo que o professor foi formado e formatado num modelo já, em inúmeros aspectos, ultrapassado. Tais desafios fazem parte de um pano de fundo maior de transformação da própria sociedade brasileira que, por sua vez, se insere num contexto de mutação global. Não obstante, trata-se, sem dúvida, de uma discussão que interessa a toda sociedade e não somente aos envolvidos diretamente com o ensino do Direito.


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Irene Patrícia Nohara e Marco Antonio Praxedes de Moraes Filho

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ARTIGO

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/CONSTITUCIONAL

O Conselho Constitucional da França e o Supremo Tribunal Federal em face do homossexualismo IVES GANDRA DA SILVA MARTINS Professor Emérito das Universidades Mackenzie, EPD, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – ECEME e Superior de Guerra – ESG; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa da Universidade de Craiova (Romênia) e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO – SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária.

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dêntica questão proposta ao Supremo Tribunal Federal sobre a união entre pessoas do mesmo sexo foi colocada ao Conselho Constitucional da França, que, naquele país, faz as vezes de Corte Constitucional. Diversos países europeus, como a Alemanha, Itália, Portugal têm suas Cortes Constitucionais, à semelhança da França, não havendo no Brasil Tribunais exclusivamente dedicados a dirimir questões constitucionais em tese, embora o Pretório Excelso exerça simultaneamente a função de Tribunal Supremo em controle difuso, a partir de questões pontuais de direito constitucional, e o controle concentrado, em que determina, “erga omnes”, a interpretação de dispositivo constitucional. Pela Lei Maior brasileira, a Suprema Corte é a “guardiã da Constituição” - e não uma “Constituinte derivada” -, como o é também o Conselho Constitucional francês: apenas protetor da Lei Suprema. Ora, em idêntica questão houve por bem o Conselho Constitucional declarar que a união entre dois homens e duas mulheres é diferente da união entre um homem e uma mulher, esta capaz de gerar filhos. De rigor, a diferença é também biológica pois, na união entre pessoas de sexos opostos, a relação se faz com a utilização

natural de sua constituição física preparada para o ato matrimonial e capaz de dar continuidade a espécie. Trata-se, à evidência, de relação diferente daquelas das pessoas do mesmo sexo, incapazes, no seu contato físico, porque biologicamente desprovidas da complementariedade biológica, de criar descendentes. A Corte Constitucional da França, em 27/01/2011, ao examinar a proposta de equiparação da união homossexual à união natural de um homem e uma mulher, declarou: “que o princípio segundo o qual o matrimônio é a união de um homem e de uma mulher, fez com que o legislador, no exercício de sua competência, que lhe atribui o artigo 34 da Constituição, considerasse que a diferença de situação entre os casais do mesmo sexo e os casais compostos de um homem e uma mulher pode justificar uma diferença de tratamento quanto às regras do direito de família”, entendendo, por consequência, que: “não cabe ao Conselho Constitucional substituir, por sua apreciação, aquela de legislador para esta diferente situação”. Entendendo que só o Poder Legislativo poderia fazer a equiparação, impossível por um Tribunal Judicial, considerou que “as disposições contestadas não são contrárias a qualquer direito ou liberdade que a Constituição garante”.

Sem entrar no mérito de ser ou não natural a relação diferente entre um homem e uma mulher daquela entre pessoas do mesmo sexo, quero realçar um ponto que me parece relevante e que não tem sido destacado pela imprensa, preocupada em aplaudir a “coragem” do Poder Judiciário de legislar no lugar do “Congresso Nacional”, que teria se omitido em “aprovar” os projetos sobre a questão aqui tratada. A questão que me preocupa é este ativismo judicial, que leva a permitir que um Tribunal eleito por uma pessoa só substitua o Congresso Nacional, eleito por 130 milhões de brasileiros, sob a alegação de que além de Poder Judiciário, é também Poder Legislativo, sempre que considerar que o Legislativo deixou de cumprir as suas funções. Uma democracia em que a tripartição de poderes não se faça nítida, deixando de caber ao Legislativo legislar, ao Executivo executar e ao Judiciário julgar, corre o risco de se tornar ditadura, se o Judiciário, dilacerando a Constituição, se atribua poder de invadir as funções de outro. E, no caso do Brasil, nitidamente o constituinte não deu ao Judiciário tal função, pois nas “ações diretas de inconstitucionalidade por omissão” IMPÕE AO JUDICIÁRIO, APESAR DE DECLARAR A INÉRCIA CONSTITUCIONAL DO CONGRESSO, intimá-lo, sem prazo e sem sanção para produzir a norma. Ora, no caso em questão, a Suprema Corte incinerou o § 2º do art. 103, ao colocar sob sua égide um tipo de união não previsto na Constituição, como se poder legislativo fosse, deixando de ser “guardião” do texto supremo para se transformar em “Constituinte derivado”.

Se o Congresso Nacional tivesse coragem poderia anular tal decisão, baseado no artigo 49, inciso XI da CF, que lhe permite sustar qualquer invasão de seus poderes por outro poder, contando, inclusive, com a garantia das Forças Armadas (art. 142 ‘caput’) para garantir-se nas funções usurpadas, se solicitar esse auxílio. Num país em que os poderes, todavia, são de mais em mais “politicamente corretos”, atendendo o clamor da imprensa - que não representa necessariamente o clamor do povo -, nem o Congresso terá coragem de sustar a invasão de seus poderes pelo Supremo Tribunal Federal, nem o Supremo deixará, nesta sua nova visão de que é o principal poder da República, de legislar e definir as ações do Executivo, sob a alegação que oferta uma interpretação “conforme a Constituição.” A meu ver, desconforme, no caso concreto, pois contraria os fundamentos que embasam a família (pais e filhos), como entidade familiar. É uma pena que a lição da Corte Constitucional francesa de respeito às funções de cada poder, sirva para um país, cuja Constituição e civilização - há de se reconhecer - estão há anos luz adiante da nossa, mas não encontre eco entre nós. Concluo estas breves considerações de velho professor de direito, mais idoso do que todos os magistrados na ativa no Brasil, inclusive da Suprema Corte, lembrando que, quando os judeus foram governados por juízes, o povo pediu a Deus que lhes desse um rei, porque não suportavam mais serem pelos juízes tutelados (O livro dos Juízes). E Deus lhes concedeu um rei.


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/CONSTITUCIONAL

A Constituição e o afeto SÉRGIO RESENDE DE BARROS Mestre, doutor e livre-docente em Direito pela USP. Professor da Faculdade de Direito da USP. Professor do Mestrado em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Professor em curso de extensão na Faculdade de Direito da Universidade dos Estudos de Udine, Itália. Professor em curso de verão na Universidade Internacional Menéndez Pelayo, Espanha. Professor em curso de especialização na Universidade Nacional de Educação à Distância – UNED, Espanha. Titular da Cadeira nº 44 da Academia Paulista de Letras Jurídicas.

A Constituição brasileira de 1988 acolhe o afeto em três dimensões: individual, social, difusa. Na primeira dimensão, o afeto gera direitos individuais. Destes, o primeiro tem por objeto o próprio afeto. O direito individual ao afeto é a liberdade de afeiçoar-se um a outro. Implica, a contrario sensu, o direito de evitar ou de repelir o desafeto. É uma liberdade constitucional, um direito individual implícito na Constituição, cujo § 2o do art. 5o admite direitos que, mesmo não declarados, decorram do regime e princípios por ela adotados. A liberdade de afeiçoar-se um a outro é semelhante à liberdade de contratar um com outro. Mas não se deve confundi-las, ensejando a contratualização do afeto. Afeto não é contrato. Não se deve reduzi-lo a contrato para impor aos “contratantes” efeitos estranhos à relação afetiva, que a podem desnaturar e até destruir. O afeto gera responsabilidade, mas não pode gerar medo. Há que coadunar a liberdade com a responsabilidade. Mas não de qualquer forma. Essa coadunação forma-se pela dimensão social: o afeto tem função social. Onde não houver função social

inerente ao afeto não há por que restringir a liberdade individual. Mas onde houver não é preciso apelar para o contrato: basta a função social do afeto para gerar responsabilidade. É a função social do afeto – e não a sua contratualização – que faz a afetividade ir além do direito individual para entrar na dimensão dos direitos sociais. Com esse fundamento é que o art. 229 da Constituição determina que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Também é por esse fundamento que o § 6º do art. 227 equipara os filhos, inclusive os adotivos. Igualmente, porque o afeto tem função social e gera responsabilidade social, é que a Constituição abrigou a união estável e a família monoparental e não impede reconhecer outras categorias de família geradas pelo afeto, como a família anaparental (entre descendentes privados de ambos os pais) e a família homoafetiva (entre pessoas do mesmo sexo). Enfim, o afeto se difunde na sociedade como fator de solidariedade: tem uma dimen-

são difusa. Por isso, a Constituição também o ampara como direito difuso: direito do gênero humano. Nessa dimensão, o afeto gera responsabilidade solidária. A solidariedade jurídica nasceu como responsabilidade individual no direito civil e no comercial. Mas avança para o social, submetendo sujeitos e objetos no quanto necessário a preservar com dignidade o gênero humano. É nesse sentido que o afeto gera também responsabilidade genérica. O afeto tem compromisso com o gênero humano. Para cumprir esse compromisso, a Constituição fixa três centros de imputação, a família, a sociedade e o Estado, aos quais os artigos 227 e 230 atribuem o dever de assegurar direitos básicos à criança, ao adolescente e ao idoso. Mas, como o art. 226 estipula que a família, sendo base da sociedade, tem especial proteção do Estado e que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram (§ 8º), a Constituição não deixa dúvida: o Estado responde pela

higidez das relações entre seus cidadãos no âmbito da família. Por isso, se por deficiência da sociedade faltarem à família condições básicas de existência, o Estado – que representa a sociedade no dever de assistir a família na pessoa de cada um dos seus integrantes – está obrigado a suprir essa carência, sobretudo para a criança, o adolescente e o idoso. Essas dimensões do afeto devem ser conjugadas por um valor maior: a dignidade do ser humano. A dignidade humana é o critério pelo qual a Constituição proporciona a proteção do afeto: estabelece a proporção entre os interesses individuais e os deveres sociais no direito de família. Cumpre definir a família pelo afeto. Mas somente é possível desenvolver a teoria e a prática do direito de família em função do afeto, caso se interprete e aplique a Constituição em função da dignidade humana. É essa possibilidade que une hoje – mais do que nunca antes – constitucionalistas e familiaristas.

“ A dignidade humana é o critério pelo qual a Constituição proporciona a proteção do afeto: estabelece a proporção entre os interesses individuais e os deveres sociais no direito de família.


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/PENAL

Monitoramento eletrônico em face do advento da Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011 FERNANDO CAPEZ Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público. Diretor do curso Nobilis. Autor de várias obras jurídicas. www.fernandocapez.com.br – http://twitter. com/FernandoCapez

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bjetivando reduzir o grande número de presos provisórios e, ao mesmo tempo, manter a constante vigilância sobre o indiciado ou acusado, a Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, que alterou dispositivos relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares, trouxe significativa amplitude ao sistema de monitoramento eletrônico. Na realidade, aludido recurso tecnológico foi instituído em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010, a qual, ao acrescentar o art. 146-B à Lei de Execução Penal, passou a dispor que o juiz poderá lançar mão desse sistema quando: (a) autorizar a saída temporária no regime semiaberto, prevista no art. 122 da LEP (inciso II); (b) determinar a prisão domiciliar, contemplada no art. 117 da LEP (inciso IV)[1]. Note-se que a lei havia limitado o seu emprego apenas quando concedidos os referidos benefícios, de modo que o monitoramento eletrônico não constituía uma alternativa à prisão provisória, tal como já sucede em alguns países, como Portugal.

Tal panorama sofreu significativas modificações com o advento da Lei nº 12.403/2011, a qual, no Título IX, sob a rubrica: “Da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória”, inseriu diversas medidas cautelares que passaram a constituir alternativas à prisão provisória, destacando-se a monitoração eletrônica (art. 319, inciso IX). Nesse contexto, a prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (cf. art. 282, § 6o). Por força disto, em sendo aconselhável a aplicação de uma das medidas cautelares, como a utilização do monitoramento, por exemplo, não se imporá a prisão provisória. As medidas cautelares, diversas da prisão, estão previstas no art. 319, em seus nove incisos, as quais visam justamente impedir o encarceramento do indiciado ou acusado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória e deverão observar: (a) a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (art. 282, inciso I); (b) adequação da medida à gra-

vidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (art. 282, inciso II). E, de acordo com o § 1o, “as medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente”. De qualquer forma, faz-se necessário ressalvar que a lei veda a incidência das sobreditas medidas à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. (art. 283, §1º). Mencione-se que a lei constitui um grande avanço em relação ao diploma legal anterior, pois possibilitou que o monitoramente eletrônico fosse utilizado antes da sentença penal condenatória, na medida em que as medidas cautelares poderão ser decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público (art. 282, § 2o ), não se restringindo mais às hipóteses prescritas na Lei nº 12.258/2010. No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, atente-se que a lei, em harmonia com o escopo de evitar ao máximo o encarceramento provisório do indiciado ou acusado[2], considerou a prisão cautelar como última alternativa colocada à disposição do magistrado. Assim, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá: (a) substituir a medida, no caso, o monitoramento eletrônico; (b) impor outra em cumulação; ou (c) em último

caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único) (cf. art. 282, §4º). De qualquer forma, vale mencionar que a lei faculta a revogação da medida ou substituição quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (art. 282, §5º). Consigne-se, ainda, que a lei possibilitou ao juiz impor, se for o caso, e desde que observados os requisitos do art. 282, uma das medidas cautelares quando da concessão da liberdade provisória. Dessa maneira, nada impede que seja concedida a liberdade provisória e, juntamente, utilizado o sistema de monitoramento eletrônico, uma vez constatada a sua necessidade, em conformidade com os critérios impostos pelo Diploma Legal. Do mesmo modo, autoriza que, nos casos em que couber fiança, o juiz, averiguando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do CPP e a outras medidas cautelares, se for o caso. (art. 350) Finalmente, vale destacar que, desde o advento da Lei nº12.258/2010[3], a qual traz algumas instruções quanto aos cuidados que deverá o condenado adotar em relação ao equipamento, a implementação da monitoração eletrônica está sujeita à regulamentação pelo Poder Executivo (cf. art. 3º da Lei), cumprindo a este, dentre outros aspectos, dispor sobre qual o sistema tecnológico será empregado para a realização da vigilância indireta do indiciado ou acusado.


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Pós-Graduação em Direito ®

Faz toda diferença

Certificates - Pós-Graduação Lato sensu DIREITO PRIVADO

Coordenação Geral: Giselda Hironaka Direito de Família e Sucessões Direito Civil e do Consumidor Direito Civil e Processual Civil Direito Notarial e Registral Imobiliário Direito Imobiliário (Material e Processual) Direito Contratual

DIREITO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS Coordenação Geral: Newton De Lucca e Ivan Vitale Direito Concorrencial Direito Empresarial

DIREITOS DE TERCEIRA DIMENSÃO, COLETIVOS E DA HUMANIDADE

Coordenação Geral: Ada Pellegrini Grinover Direito Internacional Direitos Difusos e Coletivos DIREITO DO ESTADO Coordenação Geral: José Eduardo Martins Cardozo Direitos Humanos Direito do Turismo Direito Administrativo Econômico Direito Ambiental Direito Eleitoral Direito Militar MBAs Direito Municipal Direito Constitucional e Administrativo Administração Legal Direito Tributário e Processual Tributário Direito Eletrônico Direito Processual Constitucional Gestão e Direito Educacional Direito Penal e Processual Penal Políticas e Gestão Governamental

DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

Coordenação Geral: Ricardo Castilho Direito do Trabalho e Processual do Trabalho Direito Civil e do Trabalho Direito Médico e Hospitalar Direito Previdenciário Direito Desportivo

LLMs Direito Empresarial

Direito Financeiro e Gestão Tributária

Matrículas Abertas para o 2º semestre 2011

Conheça os coordenadores da EPD

Ada Pellegrini Grinover (Titular USP/EPD) Ademir Baptista Silva (Pós-Doutor UTK-USA/EPD) Alessandra Greco (Doutora USP/EPD) Alexandre Rollo (Doutor PUC/EPD) Bruno De Luca Drago (Doutorando USP/EPD) Carlos Augusto Monteiro (Mestre PUC/EPD) Claudio Mendonça Braga (Doutorando USP/EPD) Costa Machado (Doutor USP/EPD) Eduardo Dias (Doutor PUC/EPD) Flávio Tartuce (Doutor USP/EPD) Giselda Hironaka (Titular USP/EPD) Gustavo Rodrigues Ortega (Doutorando USCS/EPD) Irene Patrícia Nohara (Doutora USP/EPD) Ivan Lorena Vitale Junior (Mestre PUC/EPD) José Eduardo Cardozo (Doutor EPD/Ministro da Justiça) Lucia Reisewitz (Mestre PUC / EPD) Luís Carlos Gonçalves (Doutor PUC/EPD) Luiz Antônio de Souza (Doutor PUC/EPD) Luiz Antonio Scavone Junior (Doutor PUC/EPD) Márcia Walquiria B. dos Santos (Doutora USP/EPD) Márcio Mendes Granconato (Mestre PUC/EPD) Marcos Vinícius Coltri (Especialista/EPD) Maria Luiza Machado (Doutora USP/EPD)

Newton De Lucca (Titular USP/EPD) Oswaldo Froes (Mestre/EPD) Paulo Dantas (Mestre USP/EPD) Régis Fernandes de Oliveira (Titular USP/EPD) Renata Elaine Silva (Doutoranda PUC/EPD) Renato Opice Blum (EPD) Ricardo Castilho (Pós-Doutor UFSC-SC/EPD) Roberta Densa (Mestre/EPD) Ronaldo João Roth (EPD) Rui Badaró (EPD) Sérgio Resende de Barros (Livre-Docente USP/EPD) Valderes Fernandes Pinheiro (Doutor USP/EPD) Vicente Greco (Titular USP/EPD) Vítor Frederico Kümpel (Doutor USP/EPD) Wagner Balera (Titular PUC/EPD) Wagner Menezes (Pós-Doutor UNIPD-IT/EPD)


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/JUDICIÁRIO

Juiz tem que estudar JOSÉ RENATO NALINI Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Docente universitário. Membro da Academia Paulista de Letras. Autor, entre outros, de Ética da Magistratura (2ª ed.), A Rebelião da Toga (2ª ed.) e Ética Ambiental (2ª ed.).

N

unca se duvidou de que para ser juiz é preciso estar disposto a sacrifícios. O concurso de ingresso à Magistratura converteu-se num complexo de exigências que poucos superam. Espera-se que o julgador seja uma enciclopédia de conhecimentos que inclua a integralidade do prolífico cipoal normativo, totalidade da doutrina e jurisprudência dominante, sem descurar de conhecer as divergências. Por esse motivo, a conclusão do bacharelado em ciências jurídicas é mero pressuposto a se habilitar ao certame seletivo. A alternativa é imergir no estudo contínuo ou seguir os passos disponibilizados pelos exitosos cursinhos de preparação. Os concursos vinham sendo os mesmos, previsíveis e sem inovação, até à edição da Resolução 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça. Este novo órgão do Poder Judiciário, situado na topografia constitucional logo abaixo do STF e acima do STJ, assumiu suas atribuições e pôs-se a disciplinar uma Justiça que até então formava um enorme arquipélago de autonomias. Escusado questionar a competência do CNJ para normatizar os processos de seleção, pois o colegiado está no pacto federativo e ninguém oferece argumentos capazes de reduzir sua legitimidade. Nem se invoque o assimétrico federalismo brasileiro, mal copia-

do quando da instauração da República e que, sendo às avessas do modelo americano, não conseguiu disfarçar a vocação centralizadora do Estado. A Resolução 75/2009 alterou, de maneira substancial, a forma de recrutamento dos juízes. O aspecto mais relevante é a exigência de outros saberes, que não exclusivamente a técnica jurídica. Para se tornar magistrado, o candidato precisa se interessar por ética, filosofia, sociologia, psicologia, teoria geral do direito, gestão das unidades judiciais. Não se exclui, por óbvio, o domínio das ciências do direito. Mas introduzse no sistema a constatação de que o ser humano chamado a julgar seu semelhante precisa exatamente desse atributo imprescindível: humanismo. A erudição traduzida por um acervo de informações que mais comprovam a capacidade mnemônica do que um chamado a exercer uma carreira já não se mostra suficiente. Foi um passo enorme em direção ao aperfeiçoamento na escolha de quem se tornará vitalício e servirá a seu povo - presumivelmente - durante algumas décadas. Ainda é preciso avançar na aferição da capacidade de trabalho. O Judiciário é serviço público, remunerado pelo erário, posto à disposição dos destinatários que o sustentam. Não é emprego para quem gosta de filosofar, para

quem superestima a sua autoridade ou não se preocupa com a otimização dos parcos esquemas postos à sua disposição, com vistas a outorgar o melhor justo concreto. Produtividade requer consciência e talento. O desmotivado é incapaz de superar dificuldades e enfrentar o desafio de um volume crescente de processos. Muitos dos quais, reconheça-se, não ostentam complexidade. Queira ou não, o juiz torna-se um especialista. Acredita-se que o trato contínuo com as questões postas à sua apreciação o convertam num experto capaz de acelerar a prestação jurisdicional. O Judiciário está submetido ao princípio da eficiência, colocado no texto constitucional dez anos depois da promulgação da Carta Cidadã, exatamente porque a Justiça não conseguia adequar-se aos anseios contemporâneos. Para completar a mudança na seleção dos novos quadros, o CNJ também editou o Código de Ética da Magistratura, que em breve completará três anos. Nele se inseriu o comando ético do conhecimento e capacitação permanente do magistrado. É o contraponto ao direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na administração de Justiça. Não significa o crescimento intelectual exclusivamente nas disciplinas jurídicas, embora ele continue exigível e não se consiga decidir sem apreender o direito. Mas o Código da Magistratura insiste nas capacidades técnicas e nas atitudes éticas adequadas a uma correta aplicação do direito. Enfatiza a codificação destinada ao juiz brasileiro que a obrigação de formação contínua estende-se tanto às matérias especificamente jurídicas quanto no

que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais. Inegável o plus qualitativo de quem estudar psicologia, para melhor lidar com o sofrimento humano. Todo processo tem uma carga de angústias que a pasteurização da forma e da excessiva tecnicalidade não consegue ocultar. Mas é preciso penetrar na seara sociológica, antropológica, econômica, histórica e política, sem o que o magistrado será um profissional incompleto. Deslocado do contexto social, insuficientemente preparado, produtor de potenciais injustiças, em lugar de assumir o papel de decideur, pacificador e conciliador das partes que controvertem. Os novos tempos impõem a quem queira bem cumprir o seu dever de solucionar conflitos a obrigação do estudo permanente. A formação continuada servirá não apenas para o desempenho adequado do ofício, senão para o melhor desenvolvimento do direito e administração da justiça. O direito não é senão ferramenta de tornar os homens menos infelizes. Não é ciência neutral, de que podem se servir os desprovidos de freios inibitórios, aqueles que fazem da ética um deboche e instrumentalizam a justiça para melhor se safar das responsabilidades. O compromisso do estudo incessante é pessoal, de cada integrante do Judiciário. Mas constitui dever de cada magistrado atuar no sentido de que a instituição a que serve também ofereça os meios para que sua formação tenha prosseguimento. Sem isso, não se oferecerá ao povo brasileiro a justiça oportuna e de melhor qualidade que há muito ele está a exigir.


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/EDUCAÇÃO

A “republicação” da Portaria Normativa nº 40/2007 GUSTAVO MONTEIRO FAGUNDES Especialista em Direito Educacional e Consultor Jurídico do ILAPE – Instituto Latino-Americano de Planejamento Educacional e da ABMES – Associação Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior. Professor do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito e Gestão Educacional e coautor do livro LDB Anotada e Comentada e Reflexões sobre a Educação Superior – 2ª edição revista e ampliada.

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sabido o desapego do Ministério da Educação aos princípios fundamentais da legalidade e da hierarquia das leis, pautando-se a conduta de seus gestores nos últimos anos pelo descumprimento de leis, decretos e de portarias editadas pelo MEC, pelo estabelecimento de procedimentos e imposição de obrigações às instituições de ensino a partir de Notas Técnicas, atos destinados ao esclarecimento das questões controversas na legislação, e não alterá-la. Também é clara a tentativa indisfarçada do MEC de usurpar competência constitucional do Poder Legislativo, utilizando-se de atos normativos secundários e terciários para impor obrigações e limitações a direitos assegurados por leis federais e pela própria Constituição Federal, em flagrante tentativa de fugir ao espartilho da legalidade. Apesar deste histórico de arbitrariedade, a recente republicação da Portaria Normativa nº 40, de 12 de dezembro de 2007, causou surpresa e estranhamento, face a absurda solução encontrada pelos burocratas do MEC para alterar e inflar descaradamente tal portaria. Com efeito, aproveitando a tranquilidade do final de ano, o MEC agiu em surdina e bombardeou as IES privadas com um pacotaço de Natal, extrapolando os limites da razoabilidade, promovendo, mais de três anos depois de sua publicação, a republicação da Portaria Normativa nº 40/2007. Com isto, além da usual burla aos princípios da legalidade, da irretroatividade e da hierarquia das leis, o MEC inovou, desrespeitando os ditames da Lei Complementar nº 95/1998, que trata da elaboração,

redação e alteração dos diplomas legais, e ignorando o Manual de Redação da Presidência da República, que, entre outros assuntos, trata da elaboração e redação dos atos normativos no âmbito do Poder Executivo. Convém registrar que a Portaria Normativa nº 40/2007, publicada em 12.12.2007, tinha a seguinte ementa: “Institui o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação da educação superior no sistema federal de educação”. Depois de vigorar por mais de três anos, a Portaria Normativa nº 40/2007 foi republicada em 29.12.2010, segundo o MEC em virtude de “ter saído, no DOU nº 239, de 13-12-2007, Seção 1, págs. 39 a 43, com incorreção no original”, agora com a seguinte ementa: “Institui o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação da educação superior no sistema federal de educação, e o Cadastro e-MEC de Instituições e Cursos Superiores e consolida disposições sobre indicadores de qualidade, banco de avaliadores (BASIS) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e dá outras disposições”. A leitura das diferentes ementas trazidas pelas versões original e republicada da Portaria Normativa nº 40 demonstra a existência de mais uma ilegalidade na condução das atividades de regulamentação exercidas pelo MEC, constatada a partir do registro do artigo 5º da Lei Complementar nº 95/1988, que define o que

vem a ser a ementa de uma norma legal: “Art. 5o A ementa será grafada por meio de caracteres que a realcem e explicitará, de modo conciso e sob a forma de título, o objeto da lei.” (grifamos). Sendo a ementa destinada a apresentar de forma clara e destacada o objeto da norma, força é concluir que a republicação desta não pode servir para alteração de seu objeto, a qual demanda edição de novo diploma legal. A republicação da norma legal somente é admitida quando destinada à correção de pequenos erros materiais e, ainda assim, antes de sua entrada em vigor ou imediatamente depois desta, como estipula o item 19.8.6 do Manual de Redação da Presidência da República, o qual deveria ser conhecido pelos gestores do MEC responsáveis pela produção de seus atos normativos: “19.8.6. Vacatio Legis e Republicação do Texto para Correção Poderá ocorrer que a lei – ou outro ato normativo – ao ser publicada, contenha incorreções e erros materiais que lhe desfiguram o texto, impondo-se sua republicação parcial ou total. Se tiver de ser republicada a lei, antes de entrar em vigor, a parte republicada terá prazo de vigência contado a partir da nova publicação (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 1o, § 3o). As emendas ou as correções a lei que já tenha entrado em vigor são consideradas lei nova (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 1o, § 4o). Sendo lei nova, deve obedecer aos requisitos essenciais e indispensáveis a sua existência e realidade.” (grifamos). Inadmissível, portanto, de acordo com a mais elementar técnica legislativa, bem como pelo disposto na Lei Complementar 95/1998 e no Manual de Redação da Presidência da República, a republicação da Portaria Normativa nº 40/2007 mais de três anos depois de sua publicação original e, principalmente, com a alteração de seu objeto.

Outro evidente sinal de inadequação da conduta autoritária do MEC neste caso é que a republicação, evidenciando a inverdade de sua justificativa, não teve como objeto a correção de erros materiais na versão original. Com efeito, fosse este o objetivo da republicação, certamente teria sido levada a efeito imediatamente depois da publicação original da norma, jamais transcorridos mais de três anos dessa. A inverdade da justificativa apresentada para a republicação se descortina quando, pela leitura da nova versão da Portaria Normativa nº 40/2007, verificamos que ocorreu a revogação de dispositivos originais da mesma, além da inclusão de diversos artigos ao texto original, sem olvidar o já evidenciado elastecimento do objeto da portaria em análise. Por outro lado, dispositivos do texto original receberam nova redação, sem que resultassem de correção de erros materiais do texto original. Por fim, ainda evidenciando a impropriedade da republicação sob análise, fundamental registrar a inclusão de dispositivos inexistentes na norma original e que configuram, obviamente, ampliação de seu alcance, algo incompatível com a figura legal da republicação de norma. Mais uma vez o MEC extrapola os limites legais para sua atuação, usurpando competência legislativa que não possui e distorcendo princípios e normas legais para regular, impondo obrigações e restringindo direitos por intermédio de atos normativos secundários e terciários. Desta vez, porém, o MEC foi mais longe, simulando republicação de ato normativo, figura destinada exclusivamente à correção de pequenos erros no texto original, para, mais de três anos depois de publicada a Portaria Normativa nº 40/2007, ampliar seu objeto, revogar dispositivos da norma original e inserir novos dispositivos em seu texto, figuras estas, repita-se, absolutamente incompatíveis com o escopo do ato de republicação.


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/EMPRESARIAL A oportunidade de um novo Código Comercial para o Brasil NEWTON DE LUCCA Professor Titular, Livre-Docente, Doutor e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo-USP. Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal. Membro da Academia Paulista de Magistrados e Membro da Academia Paulista de Direito.

Nota: O presente texto é continuação do artigo intitulado: “A oportunidade de um novo Código Comercial para o Brasil”, cuja primeira parte foi publicada em nº anterior (Ano I – edição 3 – maio/2011).

S

em embargo, evidentemente, da ampla polêmica inerente à matéria, parece indubitável assistirmos, no momento atual, a um evidente fenômeno de decodificação do direito privado. Cada vez maior é o número de leis esparsas ou de microssistemas - com os quais se regula a vida contemporânea. Há um microssistema de defesa do consumidor, um de proteção ao meio ambiente, um da tutela do direito de autor, um da atividade empresarial e assim por diante. O que se pode verificar em todos esses microssistemas, sem necessidade de maiores elucubrações, é a presença de suas próprias fontes de criação normativa. Há uma linguagem peculiar a cada um desses subsistemas jurídicos que não mais se afina à linguagem do sistema geral do Código. Fala-se hoje, por isso mesmo, numa tecnolinguagem, só compreendida por aqueles já habituados ao novo jargão legislativo. Natalino Irti, aliás, em outra obra, que já se tornou clássica entre os estudiosos pelo seu vigor e expressão, teve a oportunidade de assinalar com extrema acuidade: “O Código Civil perdeu o caráter de centralidade no sistema das fontes: não é mais sede das

garantias do indivíduo, porque constam da Constituição, nem dos princípios gerais, visto que expressos, por singulares categorias de bens ou classes de sujeitos, em leis autônomas.” Volva-se, então, à questão do fenômeno da descodificação do Direito Privado. Não desejo afirmar com o meu reconhecimento explícito dele, que inexista, paralelamente, o da recodificação desse mesmo direito. Sucede, porém, que os propósitos dessa nova tendência à recodificação, a meu ver, parecem guardar ponderável distância dos objetivos básicos do Código Civil de 2002. A recodificação de que fala parte da doutrina, no atual momento, não seria uma obra do legislador e sim da dogmática. Para localizar tais dogmas - diznos, com a agudez de sempre, o Professor e Ministro da Suprema Corte da Nação Argentina Ricardo Lorenzetti - “há que construir uma communis opinio doctorum, que não surge da ortodoxia, mas da contraposição de opiniões aporéticas”. Ele esclarece, a seguir, que a tarefa da recodificação não obedece mais à ordem das disciplinas: direito civil e comercial; direito dos contratos ou da responsabilidade civil, assim como não segue o conceitualismo, entendido este como um debate entre conceitos. René David, depois de mostrar as insuficiências dos chamados positivismo legislativo e nacionalis-

mo jurídico, aponta, de forma inquestionável, o que denominou de novas tendências: “O envelhecimento dos códigos atenuou, se é que não eliminou, a atitude de positivismo legislativo dominante no século XIX. Reconhecemos cada vez mais abertamente a função essencial que pertence à doutrina e à jurisprudência na formação e na evolução do direito, e nenhum jurista pensa mais que apenas os textos legislativos sejam importantes para conhecer o direito. Mesmo em matéria de direito criminal, onde o princípio da legalidade das penas pode parecer justificar esta convicção, os poderes cada vez maiores dados quer a juízes, quer à administração, para fixar a medida da pena e para regular a sua aplicação, colocam, na verdade, o direito, muito largamente, na dependência do ideal professado por aqueles que são encarregados de o administrar. A multiplicação das convenções internacionais, o desenvolvimento do direito comparado obrigam, ou incitam, os juízes a preocuparem-se, cada vez mais freqüentemente, com a maneira como é concebido ou interpretado o direito nos países estrangeiros. O nacionalismo jurídico está em retrocesso e pode esperar-se que a crise, suscitada pelo movimento de codificação dos séculos XIX e XX, seja superada num futuro próximo. O renascimento da idéia do direito natural, que na nossa época se observa, é próprio para fazer reviver a idéia do direito comum, vivificando o sentimento de que o direito não deve ser concebido como se identificando com a lei e como tendo, por esse fato, um caráter nacional.” Cabe fazer, ainda, algumas considerações adicionais, embora sem nenhum intuito polêmico, é claro... Como já tive oportunidade de observar, em recente obra,

relativamente à sinonimia entre as expressões direito comercial e direito empresarial: Não haveria, a meu ver, perfeita simetria entre os dois conceitos, sob o ponto de vista ontológico. O direito empresarial constitui apenas uma parte – sem dúvida a mais importante delas, mas não a única – do direito comercial ou mercantil, estas duas últimas, sim, expressões que devem ser tomadas como rigorosamente sinônimas. Para a Profª. Paula Forgioni, no entanto (O direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. Tese de Titularidade, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008, p. 7, nota de rodapé 1), haveria sinonímia entre as três expressões – direito mercantil, direito comercial e direito empresarial –, pois: “Em todas as fases de sua evolução, esse ramo especial do direito sempre disciplinou a atividade dos agentes econômicos encarregados da geração de riqueza, fossem eles chamados mercadores, comerciantes ou empresários. O traço diferenciador dessa área do direito, e que identifica seus protagonistas, sempre foi o marcado escopo de lucro.” (grifos da autora) Seja-me permitido observar que, sob a perspectiva meramente diacrônica – segundo a qual, para alguns, as diferentes denominações justificar-se-iam em razão das fases históricas pelas quais tal ramo do direito teria passado – não há como discordar da referida professora. Mas caberia acrescentar, também, como tal questão deveria ser analisada sob o ponto de vista sincrônico, vale dizer, considerandose a análise empreendida de forma simultânea e não apenas sucessiva... Seja-me permitido prosseguir, então, a partir da próxima edição com algumas breves considerações sobre o debate ainda existente.


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NOTAS

/TST Venda de imóvel penhorado A Primeira Turma do TST manteve decisão que declarou a ineficácia da venda de um bem penhorado, por verificar evidente fraude à execução. Embora o comprador tenha alegado ter agido de boa-fé ao comprar o imóvel, a Turma manteve decisão do TRT da 3ª Região (MG) no sentido da nulidade da transação. O comprador do imóvel alegou que, na época da aquisição do bem, não havia sido ajuizada a reclamação trabalhista contra o executado. De acordo com a decisão do TRT-MG, a penhora é válida porque a reclamação trabalhista e penhora foram datadas de 29/4/1999 e o registro no Cartório de Registros e Imóveis, requisito legal de comprovação da propriedade do bem, só foi efetuado em 18/6/1999. (Fonte TST).

OJ 191

Contratação em entidades do “Sistema S”

Com a nova redação da Orientação Jurisprudencial 191 da SDI- do TST, ficou estabelecido que, para as empresas de construção civil, a obra tem finalidade econômica, ou seja, é sua atividadefim. Nesses casos, existe a responsabilidade, que pode ser solidária, quando compartilhada com a empreiteira o pagamento das verbas, ou subsidiária, em que responde pelas dívidas caso o devedor principal não o faça. De acordo com a nova redação: “Contrato de empreitada. dono da obra de construção civil. Responsabilidade: Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora”. (Fonte TST).

Em dois processos com matéria semelhante, a Terceira Turma do TST entendeu que as entidades do chamado “Sistema S”, no caso o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e o Serviço Social do Comércio (SESC), não necessitam da realização de concurso público para contratação de pessoal para seus quadros. Para o ministro Horácio Pires, as entidades são subvencionadas por recursos públicos, obtidos por meio de contribuições compulsórias, oriundas de folha de pagamento das empresas. “Este fato obriga seus integrantes a observarem os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Entretanto, estas exigências não têm a força de, por si só, modificar a natureza jurídica de direito privado da entidade, nem exigem que ela seja submetida a regras dirigidas somente aos entes da Administração Pública”, explicou o ministro. (Fonte TST).

Súmula 369 O Pleno do TST aprovou a alteração na no item II da Súmula 369, que trata da estabilidade provisória dos dirigentes sindicais, dobrando para 14 o número de beneficiados com a estabilidade. Com a alteração, a redação da Súmula é a seguinte: “II – O art. 522 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Fica limitada, assim, a estabilidade a que alude o artigo 543, § 3º, da CLT, a sete dirigentes sindicais e igual número de suplentes”. (Fonte TST).

Representação de condomínio A representação em juízo de condomínio deve ser realizada mediante a figura do síndico ou administrador, podendo ainda fazer-se por meio de preposto, sendo ao empregador facultada essa substituição, contanto que o representante tenha conhecimento dos fatos relevantes capazes de esclarecer a demanda. Esse entendimento do TST está expresso na Súmula 377 da

Corte e foi seguida pela SDI-1 ao determinar que o processo Condomínio Residencial Bel Air, na cidade paulista de Campinas, retorne à Quinta Turma para julgamento. No caso, o condomínio recorreu à SDI-1 porque a Quinta Turma havia condenado por confissão ficta por ter sido representado em juízo por empregado de empresa contratada para realizar a sua administração. No caso, a pena de revelia e confissão ao condomínio foi aplicado em um processo de um empregado que pleiteava horas extras. (Fonte TST). Vínculo As concessionárias de serviços de telefonia não estão autorizadas por lei a terceirizar atividades essenciais ao negócio. Sob esse entendimento, a Sexta Turma do TST reconheceu a existência de vínculo de emprego entre um trabalhador e a TIM Celular, apesar de ele ter sido contratado por outra empresa para prestar serviços à operadora. De acordo com a Turma, a terceirização, no caso, foi ilegal, pois o trabalhador exercia funções próprias da atividade-fim da concessionária de telefonia, o que não teria amparo na legislação. Os ministros verificaram que o empregado fora contratado pela Líder Terceirização para executar serviços de suporte de atendimento, cadastros e atualizações de dados de natureza administrativa para a TIM, ou seja, para atuar em atividades essenciais ao desenvolvimento da tomadora dos serviços. (Fonte TST). Razão social Caso haja mudança no nome da empresa, no decorrer da reclamação trabalhista, nova procuração deve ser juntada, conferindo poderes ao advogado por ela constituído. Caso contrário, estará configurada a irregularidade de representação, invalidando o recurso. Essa decisão foi da SDI-1 do TST em recurso da Roca Brasil Ltda. A ação trabalhista foi inicialmente proposta contra a Logasa S/A, mas no decorrer da ação, a empresa mudou sua razão social para Roca Brasil Ltda. e, ao propor recurso na Terceira Turma do TST, foi considerada a irregularidade de representação. De acordo com o ministrorelator, Aloysio Corrêa da Veiga, a jurisprudência da Corte já se firmou no sentido de que a alteração na denominação da razão social obriga que a parte busque legitimar a atuação do advogado que subscreve o recurso, sob pena de não conhecimento do apelo. (Fonte TST).


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/STJ Penhora on line É possível a penhora de valores disponíveis em conta bancária de executados, por meio do sistema BACEN-Jud, sem necessidade de comprovação do esgotamento de vias extrajudiciais de busca de bens a serem constritos, após a vigência da Lei 11.382/2006. O entendimento é da Quarta Turma do STJ ao acolher o pedido formulado pelo Banco Bradesco S.A., que havia proposto ação de execução contra devedor solvente por título executivo extrajudicial contra uma microempresa e outros, pela importância de R$ 11.788,71, relativa à cédula de crédito bancário. No STJ, foi determinado que o TJ-MS nova apreciação dos embargos de declaração, que foram acolhidos para reconhecer a cédula de crédito bancário como título executivo hábil a embasar a execução, determinando o prosseguimento da ação. Como imóvel estava penhorado, o Bradesco requereu a penhora online dos ativos financeiros porventura existentes em nome dos executados. O pedido foi indeferido pelo TJ-MS, em 24/3/ 2008. No STJ, o banco sustentou que o tribunal estadual não levou em consideração as recentes modificações operadas no processo civil pela Lei n. 11.382/06, que determina que, em ação de execução, a penhora deve recair, preferencialmente, em dinheiro, em espécie ou depósito ou aplicação em instituição financeira. A tese foi acolhida. (Fonte STJ/RESP 1093415). Honorários advocatícios I Apesar de o STJ já ter reconhecido a natureza alimentar dos créditos decorrentes dos honorários advocatícios, eles não se equiparam aos créditos trabalhistas, razão pela qual não há como prevalecerem, em sede de concurso de credores, sobre o crédito fiscal da Fazenda Pública. A decisão é da Terceira Turma do STJ ao entender que os honorários não têm preferência diante do crédito fiscal no concurso de credores. (Fonte STJ/RESP 939577). Contribuição sindical O desconto e recolhimento da contribuição sindical compulsória dos inativos não são legítimos. O entendimento é da Segunda Turma do STJ ao julgar o recurso especial interposto pela Federação dos Sindicatos de Servidores Municipais do Rio Grande do Sul contra decisão do TJ-RS, que havia reconhecido a ilegitimidade do recolhimento compulsório da contribuição sindical dos inativos. De acordo com o ministrorelator, Mauro Campbell Marques, a obrigação de recolher a contribuição sindical não atinge os inativos, uma vez que não mais integram a categoria funcional pela inexistência de vínculo

Extinção de contrato A Sul América Seguros de Vida e Previdências S.A. terá que manter contrato firmado com uma segurada de Minas Gerais que aderiu ao seguro de vida há mais de 30 anos. A empresa pretendia extinguir unilateralmente o contrato, propondo termos mais onerosos para a uma nova apólice. Entretanto, a renovação terá que respeitar as mesmas bases impostas a princípio, dentro dos parâmetros estabelecidos, sob risco de ofensa ao princípio da boa-fé. A decisão é da Terceira Turma do STJ. (Fonte STJ/RESP 1105483).

com os órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, direta e indireta. (Fonte STJ/RESP 1225944). União estável A Quarta Turma do STJ suscitou incidente de inconstitucionalidade dos incisos III e IV do artigo 1.790 do Código Civil, editado em 2002, e que inovou o regime sucessório dos conviventes em união estável. A questão foi levantada pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator de recurso interposto por companheira de falecido contra o espólio dele. Com isso, a questão será apreciada pela Corte Especial do STJ. Segundo o ministro, a norma tem despertado, realmente, debates doutrinário e jurisprudencial de substancial envergadura. “A tese da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC tem encontrado ressonância também na jurisprudência dos tribunais estaduais. De fato, àqueles que se debruçam sobre o direito de família e sucessões, causa no mínimo estranheza a opção legislativa efetivada pelo artigo 1.790 para regular a sucessão do companheiro sobrevivo”, afirmou. “No caso, a autora viveu em união estável com o falecido durante 26 anos, com sentença declaratória passada em julgado, e ainda assim seria, em tese, obrigada a concorrer com irmãos do autor da herança, ou então com os primos ou tio-avô”, comentou o ministro. Nos autos do inventário dos bens deixados pelo inventariado, falecido em 7/4/2007, sem descendentes ou ascendentes, o Juízo de Direito da 13ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa determinou que a inventariante – a companheira por 26 anos, com sentença declaratória de união estável passada em julgado – nomeasse e qualificasse todos os herdeiros sucessíveis do falecido, sob os termos do artigo 1.790 do CC de 2002. Contra essa decisão, a inventariante interpôs agravo de instrumento,

alegando ser herdeira universal, uma vez que o artigo 1.790 do CC é inconstitucional, bem como pelo fato de que o mencionado dispositivo deve ser interpretado sistematicamente com o artigo 1.829 do CC, que confere ao cônjuge supérstite a totalidade da herança, na falta de ascendentes e de descendentes. (Fonte STJ/ RESP 1135354). Honorários advocatícios II A Terceira Turma do STJ rejeitou pedido de um advogado para que a verba devida a ele em execução de honorários advocatícios fosse calculada sobre o valor pleiteado em uma ação monitória, em que o processo de execução foi provisoriamente convertido. Para a Turma, que seguiu o voto do relator, ministro Sidnei Beneti, os honorários devem incidir sobre o valor indicado originalmente no processo de execução. No caso, a Caixa Econômica Federal entrou com ação de execução de título extrajudicial com base em contrato de abertura de crédito rotativo em conta-corrente e, posteriormente, pediu a conversão do feito em ação monitória, tendo em vista a jurisprudência do STJ, no sentido de que o contrato de abertura de crédito, mesmo quando acompanhado de extrato de conta-corrente, não constitui título executivo extrajudicial. A conversão foi deferida em um primeiro momento, mas, em seguida, houve uma sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito, porque a conversão não poderia ter ocorrido após a citação, sem o consentimento da parte contrária. Com isso, a Caixa foi condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados sobre o valor da causa. Entretanto, na monitória, a Caixa pediu o equivalente R$ 587.198,16, enquanto na execução valor seria de R$ 16.795,60. E o advogado pedia no STJ a fixação de honorários com base no valor estipulado na ação monitória. (Fonte STJ/RESP 1097081).


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NOTAS/LIVROS

/STF Débito tributário Por unanimidade dos votos, a Primeira Turma do STF concedeu pedido de Habeas Corpus (HC 85942) a F.B.S., para o trancamento da ação penal em trâmite na 7ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo. Ele havia sido denunciado pela suposta prática de descaminho (artigo 334, parágrafo 1º, alíneas “c” e “d”, do Código Penal), caracterizado por aquele que expõe à venda, mantém depósito, adquire e recebe em benefício próprio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira introduzida clandestinamente no país. Ainda no curso do inquérito policial, a defesa requereu ao juízo da 7ª Vara Criminal a extinção da punibilidade, tendo em vista o pagamento dos débitos tributários. Isso porque, conforme os advogados, a Lei 9.249/95 é taxativa ao estabelecer em seu artigo 34, caput, a extinção da punibilidade da pessoa que promover o pagamento do tributo ou contribuição social antes do recebimento da denúncia. Somente no STF o réu conseguiu o habeas corpus.(Fonte STF/ HC 85942). Pensão por morte O ministro Ricardo Lewandowski é o relator de Recurso Extraordinário (RE 603580) que discute tema com repercussão geral reconhecida, por unanimidade, pelo Plenário Virtual do STF. Com base na Emenda Constitucional 20/98, o recurso questiona acórdão que entendeu ser devida a pensão por morte no valor correspondente à integralidade dos proventos de exservidor, aposentado antes da Emenda Constitucional 41/03, mas falecido depois da sua promulgação.O recurso foi proposto pelo Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro (Rioprevidência) e pelo Estado do Rio de Janeiro, e, no processo, estão envolvidos pensionistas de ex-servidores públicos estaduais, alguns integrantes da Fundação Departamento de Estradas Rodagens (DER-RJ) e outros da administração direta. O recurso ainda está trâmite na Corte.

/LIVROS EDITORA atlas

União Estável e Casamento: Diferenças Práticas

Gustavo Rene Nicolau

Casar e juntar não é a mesma coisa. A despeito semelhança entre a realidade social da vida de um casal que contraiu matrimônio e a de outro que se uniu estavelmente, ainda há diferenças substanciais no plano jurídico. O livro analisa as principais diferenças práticas existentes entre o matrimônio e a união estável.

EDITORA manole

As Constituições do Brasil

Antonio Cezar Peluso, José Roberto Neves Amorim

A Editora Manole, a Fundação Armando Alvares Penteado e o Supremo Tribunal Federal lançaram a obra, que objetiva mostrar a evolução do texto da lei e, por que não dizer, do contexto social e político brasileiro desde a primeira Constituição, de 1824, logo após a Independência, até a última, de 1988, elaborada em um contexto de redemocratização.

revista dos tribunais

Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais

Coordenador: Arnoldo Wald

Reúne artigos científicos escritos por especialistas do Brasil e do exterior, que abordam não só questões sob a ótica jurídica, mas também em uma perspectiva macroeconômica. Apresenta jurisprudência polêmica, comentada por especialistas, e acórdãos selecionados de vários tribunais do Brasil.

EDITORA MALHEIROS

Teoria Geral do Processo

Ada Pellegrini Grinover; Cândido Rangel Dinamarco; Antonio Carlos Araujo Cintra

Obra que iniciou o estudo da “Teoria Geral do Processo”. Fundamental para o estudo, já que partindo dos embasamentos e princípios constitucionais e gerais. Contempla todos os aspectos do processo moderno (civil, trabalhista e penal), abordando temas como jurisdição, ação, defesa do réu, classificação das ações, partes, atos processuais, prazos, prova, procedimentos etc.

Aposentadoria de falecida O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, indeferiu pedido de liminar formulado no habeas corpus (HC 108459) por M.G.L.C., condenada pelo Superior Tribunal Militar (STM) à pena de dois anos de reclusão pelo crime de estelionato, previsto no artigo 251 do Código Penal Militar (CPM). Ela pedia a suspensão, em caráter liminar, dos efeitos do acórdão (decisão colegiada) do STM e da ação penal militar que tramita contra ela na 10ª Circunscrição Judiciária Militar, até o julgamento de mérito do HC pela Suprema Corte. De acordo com os autos, M.G.L.C. foi denunciada pela suposta prática do delito por ter, no período de outubro a dezembro de 2005, que se seguiu ao falecimento de sua mãe, movimentado a conta-corrente, tendo sacado os valores correspondentes à pensão. Ao negar a liminar, Lewandowski, ponderou que a concessão de liminar em HC é medida excepcional e só possível quando ficar demonstrada, de modo inequívoco, a presença dos requisitos autorizadores da medida.

editora atlas

Comentários às Súmulas do TST

Sergio Pinto Martins

O livro comenta as súmulas do TST que estão em vigor. A exposição não é feita em capítulos, mas em relação a cada uma das súmulas em vigor, assim como as súmulas acrescentadas 397 a 422, além de ter incorporado várias orientações jurisprudenciais a súmulas já existentes.


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Enfoque Jurídico

NOTAS

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/ECONOMIA Contribuição patronal

INTERNET

tina é sócia do Brasil no Mercosul, bloco integrado também por Uruguai e Paraguai, que proíbe a adoção de licenças não automáticas entre os integrantes. (Fonte: Reuters).

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo não tem como absorver o custo da desoneração da folha de pagamento das empresas. O governo anunciou que vai reduzir ou mesmo zerar a contribuição patronal sobre a folha de salários, mas o ministro informou que a perda de arrecadação decorrente dessa desoneração será compensada com o aumento de impostos sobre o faturamento das empresas. Segundo o Mantega, a redução seria feita de forma escalonada em um período de dois ou três anos. “A contribuição patronal, hoje, é 20%, e o objetivo é reduzir ou zerar esta contribuição ao longo de um certo período”, explicou Mantega. O ministro informou ainda que a desoneração da folha deve ser feita por medida provisória, ainda sem data para ser editada pela presidente Dilma Rousseff. (Fonte: Economia Terra).

Brasil e Uruguai A presidente Dilma Rousseff visitou Montevidéu para discutir várias obras de infraestrutura para reforçar a integração entre Brasil e Uruguai por estrada, ferrovia e hidrovia. Além de diversos acordos de cooperação nas áreas de ciência e tecnologia, o objetivo foi o de investir em obras que podem aumentar ainda mais o comércio entre os dois países. (Fonte: Economia Terra).

INTERNET

Juros

Lei 14.463 O Estado de São Paulo proibiu a cobrança de taxa por emissão de boleto bancário. O governador Geraldo Alckmin sancionou a Lei 14.463, válida para todos os fornecedores - instituições financeiras, empresas prestadoras de serviço, etc. De acordo com o Procon-SP, a regra é positiva para os consumidores que deixam de ser onerados pela forma de pagamento até então imposta pelo fornecedor. Caso as empresas descumpram a lei, podem ser multadas com base no artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor. As multas variam entre R$ 405,00 a R$ 6.087.800,00. (Fonte: Economia UOL). Brasil e Argentina Os vice-ministros encarregados de comércio de Argentina e Brasil se reuniram no início desse mês para analisar as barreiras às importações que afetam o comércio bilateral. Ficou combinado entre as autoridades reuniões mensais para monitorar o comércio entre os dois grandes sócios comerciais do Mercosul. Recentes travas às importações criaram tensões entre os dois países. O setor automotivo argentino expressou preocupação após a decisão do Brasil de estabelecer o regime de licenças não automáticas à importação de veículos. Já o Brasil reclamou das dificuldades para que baterias, pneus, calçados e máquinas agrícolas entrem no mercado argentino. A Argen-

Pela segunda vez consecutiva, os juros cobrados nos financiamentos à pessoa física subiram em abril. Segundo levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade(Anefac), a alta foi de 3 pontos-base na comparação com março. Com isso, a taxa média ficou em 6,81% ao mês – esta é a segunda maior taxa do ano, só perdendo para a de janeiro. De acordo com a Anefac, a alta ainda é reflexo das medidas do Governo para frear o consumo e reduzir a inflação.Na mesma pesquisa, a associação levantou que a taxa básica de juro aumentou 325 pontos-base desde janeiro de 2010, enquanto os juros ao consumidor caíram 149 pontos-base no mesmo período. Eles passaram de 121,96% ao ano em janeiro do ano passado para 120,47% ao ano no mês passado. Já os juros do cartão de crédito e do CDC feito em bancos mantiveram-se estáveis. Os juros dos empréstimos feitos em financeiras caíram. As outras linhas de crédito acompanhadas pela Anefac apresentaram alta nas taxas médias apuradas no período. (Fonte: Economia UOL).


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ESPECIAL

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/INVESTIMENTO ESTRANGEIRO

Cresce investimentos estrangeiros no Brasil stock.xchng

Apesar da alta carga tributária, os investimentos estão em ascensão, especialmente, pela força econômica demonstrada durante a crise financeira mundial ANDREZZA QUEIROGA

O

Brasil tem atraído cada vez mais investimentos estrangeiros. Na opinião de especialistas, isso se deve a diversos aspectos. Um deles diz respeito ao comportamento do País, que se manteve inteiro durante a crise econômica mundial. Outro seria pelo fato de o Brasil sediar dois dos maiores eventos esportivos do mundo - as Olimpíadas de 2016 e a Copa do Mundo de 2014. Para o economista da Tendências Consultoria, Silvio Campos, os investimentos tem aumentado por conta do potencial da economia doméstica. Segundo ele, o mercado interno atrai muitas empresas, o que aumenta os investimentos diretos. Independentemente de que aspectos seriam responsáveis pela demanda que o Pais tem recebido, é preciso entender que, atualmente, contamos com três tipos possíveis de investimentos de acordo com os parâmetros do Banco Central (BC). Um

O fato de o Brasil estar dentre os destinos de investimento em tecnologia dá-se também em consequência da descoberta da reserva de óleo do pré-sal.

deles seria o de bens, ou seja, quando ocorre a entrada de bens tangíveis, como, por exemplo, o de máquinas. Outra espécie de investimento é em portfólio, que se trata daquele especulativo, geralmente feitos em carteiras de ações, contratos e títulos. Já o terceiro, e último tipo, são os Investimentos Externos Diretos (IED),

que é realizado por pessoa física estrangeira ou pessoa jurídica com sede fora do País. Este, segundo o sócio do V,M & L Sociedade de Advogados e especialista em Direito Internacional, Bento Delgado Kardos, é o principal meio de entrada de capitais estrangeiros no País e pode acontecer por meio de joint ventures, greenfield invest-

ments, que são os investimentos em novos empreendimentos, ou através de fusões e/ou aquisições de empresas brasileiras por estrangeiras. “Estimase que em 2010 o País tenha recebido cerca de US$ 50 bilhões em IED, número recorde na história do Brasil. Apenas para fins comparativos, estima-se que a China tenha recebido, no


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ESPECIAL

fotos: divulgação

Bento Delgado Kardos: “estima-se que em 2010 o País tenha recebido cerca de US$ 50 bilhões em IED, número recorde na história do Brasil.”

mia”. Por outro lado, Gabriel Di Blasi, sócio do Di Blasi, Parente, Vaz e Dias & Associados, diz que é preciso se atentar para o fato de que o Brasil, desde 2005, vem simplificando os procedimentos e reduzindo barreiras para investimentos estrangeiros diretos, reduzindo o custo operacional e facilitando o investimento de capital estrangeiro no País. Gabriel Di Blasi acredita mesmo que o importante é observar que no cenário atual é “extremamente fundamental desenvolver esforços para aumentar a participação das exportações brasileiras no mercado internacional, bem como criar ambiente e instrumentos de forma facilitar os investimentos estrangeiros no Brasil. Mesmo com esta posição e diante de um cenário em que é preciso identificar e impedir as barreiras, vale lembrar que elas ainda existem. Empecilho Tributário

mesmo período US$105.7 bilhões”, compara o advogado que diz que a China, atualmente, é o país que mais recebe investimentos estrangeiros em todo o mundo. De qualquer forma, em linhas gerais, para Bento Kardos, o que não há no País, ao contrário de outras economias, é um incentivo ao IED, “onde investidores estrangeiros têm suas operações drasticamente desoneradas, o que acaba por gerar mais postos de trabalho, atração de capital intelectual, dentre outros benefícios”, diz. O sócio do Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados, Luiz Ernesto Aceturi de Oliveira, frisa que o investimento de capital estrangeiro está sujeito a regimes diferentes com base no setor econômico ou a forma em que está investido. Ele explica que caso o Investimento Estrangeiro seja realizado em valores mobiliários, deve-se também observar a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários

(CVM) e a regulamentação específica do BC (Resolução 2.689). Para ele, “Para produtos importados, foi criada a Tarifa Externa Comum, utilizada pelos membros do Mercosul para importação de produtos de países nãomembros. Ademais, está em curso uma negociação de maior integração econômica entre a União Europeia e o Mercosul, pelo qual tarifas e barreiras seriam baixadas para determinados produtos, permitindo que o Comércio entre os países se fortalecesse e expandisse”, alerta. Frederico Bopp Dietrich, do Azevedo Sette Advogados, afirma que a legislação do Brasil é tranquila e que não há controle de capitais. Além disso, segundo ele, o crescimento de investimentos estrangeiros deve-se ao momento feliz do País, mesmo com a crise, pois “passamos incólume e mostramos que temos uma economia robusta com uma moeda estável, com nosso consumo e crédito, o que, consequentemente, aumenta a econo-

O economista Silvio Campos, por exemplo, lembra que o Brasil tem uma política intervencionista, o que não é bom. “O governo intervém em empresas privadas, isso afugenta investidores e pode trazer obstáculos”, alerta. Luiz Ernesto, por sua vez, acredita que as barreiras atuais são as que comumente vemos elencadas nas colunas nos principais jornais, ou seja, a alta carga tributária, a incidência de tributos em toda a cadeia produtiva, mão de obra mal qualificada, a falta de infraestrutura e o crédito, que apesar de estar em alta, ainda é caro, sendo que o Brasil possui a mais alta taxa de juros do mundo. “Muito embora não haja tributação para a entrada do investimento estrangeiro direto e o envio dos dividendos ao sócio estrangeiro, as atividades diárias da empresa constituída no Brasil são tributadas normalmente. Os inúmeros impostos que uma empresa sediada no Brasil está sujeita é um empecilho para sua operação, tornando-a possivelmente menos rentável do que em outros locais e isso é um fator determinante na hora de investidores estrangeiros decidirem direcionar seus investimentos para o Brasil”, sustenta. Segundo Bento Kardos, a alta

21 tributação é, “sem sombra de dúvida, o mais terrível pesadelo para o investidor estrangeiro, que encontra não apenas uma tributação excessivamente alta se considerada toda a tributação que um empresário regular sofre, mas também um sistema tributário composto por um emaranhado de normas e regras cuja compreensão é praticamente impossível”. O advogado explica, porém, que, em linhas gerais, os níveis de tributação são, teoricamente, iguais para o capital nacional e para o IED, exceção feita para os investimentos em carteiras de ações, ou seja, o capital especulativo, que sofre incidência de imposto sobre operações financeiras (IOF). “Ou seja, a legislação brasileira não oferece nenhum incentivo para investidores estrangeiros direcionarem o seu capital produtivo para o Brasil, ao contrário do que acontece em outros países em desenvolvimento como, por exemplo, a China”, afirma. Antonio Carlos, advogado especialista em crédito carbono, afirma que a questão tributária, por si só, se traduz em desincentivo para ampliação do investimento no Brasil, seja interno ou externo. “Nenhum outro país do mundo impõe restrição ao investimento através de uma cunha fiscal de tamanha proporção. Não só é exageradamente onerosa, como absolutamente confusa, contraditória e representa elevadíssimos custos burocráticos. Na questão de investimentos estrangeiros, assusta entidades e empresas, já que nos seus países de origem não há essa confusão nos preenchimentos de exigências”, afirma. Para o economista Silvio Campos, o Brasil tem muitos problemas de competitividade, mas a carga tributaria, definitivamente, é uma barreira e esta melhoria ainda depende do gasto público e vontade política “e isso não deve melhorar em curto prazo”. Di Blasi sustenta o discurso de que existem altas cargas. “Em geral, os principais tributos que incidem sobre a remessa de divisas ao exterior, oriundas de royalties, pagamentos por serviços prestados e remuneração de capital. De toda forma, o Brasil, apesar de todo o otimismo, ainda é visto como um país de forte tributação, o que afasta os investidores”, diz.


22 Avanço tecnológico Apesar das barreiras, o total de investimentos no País tem aumentado em diversos setores, um deles se refere ao de tecnologia. Para Bento Kardos, esta é uma meta que qualquer País em desenvolvimento precisa atingir. “Sem tecnologia o parque industrial fica defasado, a qualidade do produto cai, aumenta o custo de produção. Contudo, o fato de o Brasil estar dentre os destinos de investimento em tecnologia dá-se também em consequência da descoberta da reserva de óleo do pré-sal, que precisa de inovação tecnológica para ser explorada e, obviamente, representa uma grande oportunidade de ganhos para os investidores. Paralelamente, devemos lembrar que o Brasil é um exportador de tecnologia, um berço dos sistemas de automação bancária, tido como um dos mais modernos do planeta”, lembra. Para Kardos, o Brasil, atualmente, tem sido destino

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de investimentos diretos em diversas áreas, o que inclui o setor industrial, infraestrutura e também o setor de serviços e consumo. “A nova classe média brasileira representa um mercado de mais de 100 milhões de pessoas, cujas famílias percebem uma renda mensal entre três e dez salários mínimos. Estas famílias querem e estão consumindo e, certamente, estão no foco de IEDs que buscam ganhos em seus investimentos”, afirma. Gabriel Di Blasi acredita que esta tendência se deve também ao fato de Brasil necessitar se capacitar tecnologicamente por conta do seu crescimento, principalmente nos setores, considerados mercados secundários, onde efetivamente se produz tecnologia. De acordo com o advogado Antonio Carlos, o Brasil tem evoluído em seus projetos de pesquisas e educação continuada. Dessa maneira vem conquistando espaços em vários setores de tecnologia aplicada.

Para Luiz Ernesto Aceturi de Oliveira, o Brasil, por ser membro fundador e integrante do Mercosul, possui o mérito de ter um ambiente de livre comércio entre seus membros, estimulando a integração econômica.

Frederico Bopp Dietrich afirma que a legislação do Brasil é tranquila e que não há controle de capitais.

Ao mesmo tempo, desde o programa de governo chamado PITCE (Política Industrial e Tecnológica de Comércio Exterior), vem aproveitando diretrizes de fomento para Inovação e desenvolvimento de pesquisas. Fatos como esse levaram a uma clara posição de prestígio nos meios acadêmicos e industriais, com ênfase em tecnologia. “Isso abriu portas em outros países que começaram a reconhecer a capacidade em Inovação e Tecnologia. Porém, a escassez de recursos financeiros no País ainda é barreira importante a ser superada”, avalia. Para ele, outro setor que vai demandar uso de tecnologia é a cadeia de infraestrutura apta a lidar com os grandes eventos esportivos, sobretudo Copa do Mundo e Olimpíadas. “Trata-se de sistemas complexos para mobilidade urbana,

transporte interno apto a se conectar com os diversos hubs e se integrar com o volume externo de passageiros que aportarão no País”, conclui. Luiz Ernesto também acredita que o aumento do crescimento estrangeiro se deve, principalmente, em função do pré-sal, que atraiu grande investimento nacional e internacional em determinadas regiões do Brasil, possibilitando uma enorme perspectiva de demanda para setores ligados ao petróleo, tais como serviços, tecnologia da informação, além da pesquisa na construção de plataformas, navios, portos. “O Brasil, apesar de seus diversos problemas estruturais, é estratégico do ponto de vista comercial pelo fato de ser o grande motor agropecuário do mundo, bem como grande produtor de minérios. Ademais, tendo em vis-


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ta a grande instabilidade dos países produtores de petróleo, tais como os países do Oriente Médio e a Venezuela, o Brasil surge como uma alternativa, com um regime mais democrático que os demais, mais estável e integrado ao mercado global. A descoberta do pré-sal possibilitou que a Petrobras passasse a desenvolver importante papel no crescimento recente do País. Juntamente com isso, cria-se grande mercado para os setores indiretos, tais como os de tecnologias navais, estaleiros e outros serviços”, diz. Silvio Campos também aposta nos setores de pré-sal, infraestrutura, bem como nos de transportes e da agroindústria. “A Copa e as Olimpíadas também chamam a atenção. Demandas de obras como esta atraem o setor siderúrgico, tec-

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nológico e o petróleo como as estações de extração”, avalia. Frederico Bopp Dietrich acredita que as concessões e serviços públicos, assim como o setores como o de energia, em geral, propiciam estes investimentos. Gabril Di Basi lembra que o setor de matéria-prima vegetal e mineral continua sendo um grande chamariz de investimentos. “Muito recentemente, uma missão empresária da China revelou um enorme interesse em investimentos de infraestrutura e isso indica que esta área, historicamente dominada por empresas nacionais, pode surgir como um novo atrativo de investimentos estrangeiros”, sustenta. Luiz Ernesto, entretanto, diz que embora o cenário se mostre favorável ao crescimento e amadurecimento do Brasil no âmbito

Gabriel Di Basi: “ o setor de matériaprima vegetal e mineral continua sendo um grande chamariz de investimentos.”

internacional, é fato que a legislação aplicável aos mecanismos jurídicos que deveriam acompanhar este crescimento efetivamente não o acompanham. “As principais leis aplicáveis aos investimentos estrangeiros são de uma época diferente da realidade. Deveria haver um esforço contínuo de aperfeiçoamento destas regras de investimento estrangeiro através dos órgãos reguladores. Um exemplo é a CVM, que através de sua regulamentação infralegal acompanha a evolução do mercado de capitais de maneira mais efetiva. A legislação sempre ficou, e tende a ficar, atrás das inventividades dos homens de negócios, mas no caso da legislação principal do investimento estrangeiro, datada de 1962, está muito atrasada”, finaliza.

Guias - Amcham A Câmara de Comércio Americana (Amcham), em parceria com vários escritórios de Advocacia, publicou 16 guias (How To Series) destinados a estrangeiros que queiram fazer negócios no Brasil. As bancas foram convidadas para participar do projeto de acordo com a sua especialização. A série abrange uma variedade de temas como abertura de empresas, proteção à propriedade intelectual, contratos com órgãos governamentais e como obter financiamento. Ao todo, já são 16 guias abordando diversos temas. O escritório Di Blasi, Parente, Vaz e Dias & Associados, por exemplo, participou da iniciativa para cobrir uma necessidade de atender demandas relativas às questões de propriedade intelectual e investimentos estrangeiros. Segundo o sócio Gabriel Di Blasi, o guia teve uma ótima aceitação e conta com uma grande variedade de temas, são eles, obtenção de visto para o Brasil, Propriedade Intelectual, Direito Desportivo e Entretenimento, Constituição de sociedade empresária e investimentos em private equity e venture capital no Brasil, Licenciamento Ambiental e Contratos Públicos (com o Governo), dentre outros. De acordo com o advogado, os pontos abordados pelos guias da série são estratégicos para investidores estrangeiros e executivos recém-chegados ao Brasil. “A visão ampla, simplificada, buscando analogias com as figuras de Law & Business que circulam nos grandes países, bem como a concentração em pontos práticos, despontam como uma

das grandes razões do lançamento e do sucesso da coleção. Basicamente, foi fornecido um panorama da legislação aplicável no Brasil com relação a diversas áreas como, Patentes, Marcas, Desenhos Industriais, Cultivares, Softwares, Contratos de Tecnologia, Direitos Autorais, Direito Desportivo e de Entretenimento”, explica. Di Blasi afirma que os guias visam apresentar de uma forma simples e acessível os mecanismos de proteção à propriedade industrial no Brasil, bem como as vias práticas e oportunidades de negócios nesta área, quanto aos Direitos Autorais, com foco na chamada “Indústria do Entretenimento”. “Quando cabível, apontamos detalhes práticos aos quais os investidores es-

trangeiros devem estar atentos, normalmente ligados às especificidades do Brasil e de sua cultura”, explica. O advogado afirma, ainda, que nesse contexto de alavancagem da economia brasileira, aliada de uma visão internacional bastante otimista quanto aos destinos políticos e financeiros do País, é que guias como os da Amcham se tornam essenciais, pois facilitam a vida do investidor estrangeiro. Diante da quantidade de normas, regras e regulamentos existentes, os guias procuram identificar os principais pontos iniciais que o investidor necessita para iniciar sua relação comercial com o Brasil. Isso é atestado pelo fato de que a procura pelos guias tem crescido cada vez mais”, diz.


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/ELETRÔNICO

Armazenamento e quebra de dados sigilosos do consumidor luiz fernando martins de castro Sócio do escritório Martins Castro Monteiro Advogados, é Doutor em Direito e Informática pela Universidade de Montpellier – França e Membro da Comissão de Informática do Conselho Federal da OAB.

A

tualmente é muito comum a prática, por empresas, da coleta e armazenamento de dados pessoais, e mesmo a sua cessão a terceiros. Em vários países desenvolvidos, notadamente da Europa, existem regras estritas que limitam as hipóteses de coleta e guarda dessas informações, além de estabelecer a obrigação de transparência, segurança e garantia de acesso aos titulares das informações, que as desejam conhecer, ou mesmo, retificar. Legislações análogas já se encontram em vigor em países sulamericanos, como Argentina, Uruguai e Chile. Sob o modelo europeu, foram criadas agências nacionais independentes da administração pública e do empresariado, com dotação orçamentária própria, incumbidas da vigilância e supervisão da aplicação das regras que protegem os cidadãos, podendo impor sanções pecuniárias e pedir a cessação de suas atividades. Somente agora, passados mais de 30 anos das primeiras legislações aprovadas na França, Suécia e outros países europeus, vemos o interesse do governo brasileiro na aprovação de legislação análoga, tendo, inclusive, o Ministério da Justiça apresentado para críticas e sugestões o seu anteprojeto de lei.

Não obstante, ainda carecermos de lei específica, o próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a existência de cadastros ou bancos de dados de consumidores, classificando-os como “entidades de caráter público” (art. 43, § 4º do CDC). E como tal, estão sujeitos às regras do artigo 22 do CDC, que prevê a obrigação de fornecimento de serviços adequados, eficientes e seguros e a consequente reparação integral do dano que possam causar aos consumidores. Tal previsão legal, por si só, já obriga a empresa que mantém os bancos de dados a responder pelas falhas na sua armazenagem e eventual vazamento de informações pessoais. Enquanto o anteprojeto de lei referido prevê a obrigação de manutenção de sistemas de segurança no “estado da arte”, também reconhece que tal atividade é de risco e que aquele que a pratica deverá responder pelos danos materiais e morais, individuais e coletivos, a que der causa. Em julgados recentes, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendido ser aplicável à espécie não apenas as regras do CDC, mas também do Código Civil, especialmente quanto à “Teoria do Risco Criado”. Segundo o art. 927 do Código Civil, as empresas responderão, independentemente de cul-

pa, pelos danos que causarem no exercício de suas atividades normais. O tribunal paulista recentemente julgou casos de vazamento de dados pessoais obtidos junto ao consumidor no ato de compra pela internet, bem como casos de invasão de sistemas por ‘hackers’ que se apossaram de dados pessoais. Em ambos os casos, os responsáveis pelos bancos de dados foram sancionados à base de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por vítima ou evento. Também há caso em que uma empresa se viu obrigada a excluir de seu contrato padrão, cláusula que lhe autorizava o uso dos dados pessoais de consumidores, inclusive, para transferir a outras empresas, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. No caso de violação de direitos causada isoladamente por empresa domiciliada no exterior - o que não é corriqueiro, pois normalmente existe algum parceiro nacional que lhe dá acesso a essa base de dados -, a pessoa lesada teria de demandar contra a empresa estrangeira. Todavia, o juiz brasileiro, por força das regras de competência previstas no CDC, será competente para conhecer da demanda, quando presente uma relação de consumo na origem da coleta/fornecimento dos dados. E, talvez, a melhor forma de se executar uma sentença condenatória proferida contra uma empresa estrangeira seja a penhora de créditos que esta possa possuir junto a administradoras de cartão de crédito, no Brasil. Por fim, as empresas que coletam e processam dados pessoais devem estar atentas a todos esses riscos, pois eventual uso inadequado, ou mesmo a quebra do sigilo

“ Sob o modelo

europeu, foram criadas agências nacionais independentes da administração pública e do empresariado, com dotação orçamentária própria, incumbidas da vigilância e supervisão da aplicação das regras que protegem os cidadãos, podendo impor sanções pecuniárias e pedir a cessação de suas atividades.

dos dados, pode implicar em grave responsabilidade resultando em penas pecuniárias importantes. Daí a importância de tais empresas se limitarem à coleta e uso das informações pessoais de seus consumidores na forma estritamente necessárias para as atividades lícitas que desempenhem, zelando por seu sigilo e guarda com os mais elevados padrões físicos e lógicos.


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/CONSUMIDOR Sustentabilidade: um desafio para a gestão das organizações ROBERTA DENSA Advogada em São Paulo. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP). Especializada em Direito das Obrigações, Contratos e Responsabilidade Civil pela Escola Superior de Advocacia (ESA/SP) e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O

banco de dados e cadastro de consumidores é tratado pelo Código de Defesa do Consumidor em seu art. 43. Verifica-se da leitura do referido dispositivo legal que a lei não proíbe a existência de cadastros negativos do consumidor inadimplente. Ao invés disso, o legislador regulamenta a questão e traz regras a serem seguidas pelos fornecedores. O artigo trata, primeiramente, do direito inequívoco do consumidor, de acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo sobre ele, bem como das suas respectivas fontes. Esse direito coaduna-se com o direito básico à informação estabelecido no art. 6o, inciso III do mesmo diploma legal. Os cadastros de consumidores devem ser objetivos, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. O consumidor que, tendo adquirido bens ou serviços de um fornecedor, posteriormente deixa de cumprir com a obrigação do pagamento, pode ter o seu nome incluído em bancos de dados criados para esta finalidade. A inserção do nome do consumidor no cadastro negativo dependerá, sempre, de aviso prévio por escrito. Essa regra está disposta no § 2º do art. 43: “a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por

ele”. O objetivo do legislador é cientificar o consumidor da existência do apontamento negativo, evitando constrangimentos e, também, dar a oportunidade de acesso e possível retificação das informações que estão sendo registradas. Importante ainda notar que o Superior Tribunal de Justiça entende que se a origem das informações for pública (como, por exemplo, a distribuição de um processo de execução contra o consumidor ou o protesto de um cheque) o banco de dados não terá a obrigatoriedade de efetuar o aviso prévio, dada à publicidade das informações. Para que a comunicação seja válida e atinja o objetivo a que se destina, deverá ocorrer dias antes do registro do débito em atraso, mas a lei não estabelece prazo para tanto. Entendemos que os arquivistas devem enviar tais correspondências com um prazo médio de 5 (cinco) dias úteis antes da efetivação do registro, para que o consumidor possa tomar as providências que entender cabíveis. Esse prazo pode ser utilizado por analogia ao § 3º do mesmo art. 43 que determina aos arquivistas o prazo de cinco dias úteis para informar a todos o pagamento do débito pelo consumidor. A lei também não indicou o responsável pela comunicação e foi justamente este o tema aclarado pela Súmula 359 do STJ que assim dispõe “Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”. Desta feita, segundo o

entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, somente o administrador do banco de dados é quem deve figurar no polo passivo de ação que discute dano moral pela falta de aviso prévio ao consumidor sobre a abertura do cadastro. A doutrina sempre sustentou a responsabilidade solidária entre o fornecedor e do administrador do banco de dados em relação ao aviso prévio ao consumidor. Essa interpretação estava calcada no conceito de fornecedor do art. 3º, no art. 7º e no § 1º do art. 25 do Código de Defesa do Consumidor que traz, claramente, a responsabilidade solidária entre os causadores do dano: “havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores”. Ora, se a ausência de notificação sobre a inscrição causou dano ao consumidor, todos os envolvidos deveriam ser responsáveis pela reparação. No enfrentamento dessa questão, o ministro Ruy Rosado de Aguiar, em seu voto no Recurso Especial nº 285.401 (DJ 11/06/2001) deixou clara a obrigação solidária entre a administradora do cadastro e o credor (fornecedor direto) de comunicar ao consumidor sobre a inscrição . No entanto, no Agravo de Instrumento nº 661.963/MG (2005/0032172-2), que originou a Súmula em comento, a Ministra Nancy Andrighi entendeu que o único responsável pelo aviso prévio ao consumidor deve ser a entidade que mantém o cadastro: “Na presente hipótese, a comunicação prévia do consumidor, na forma do § 2º, do art. 43, do CDC, compete à entidade que mantém o cadastro, e não ao credor, que informa a mera existência da dívida. Portanto, o credor é parte ilegítima para figurar no

pólo passivo da demanda. Assim sendo, a decisão agravada não merece qualquer reparo” (grifo nosso). Em consequência da emissão da Súmula 359 do STJ podemos concluir que na hipótese de as entidades de proteção ao crédito deixarem de cumprir com o dever de prévio aviso quanto à inscrição do nome do consumidor no cadastro de inadimplentes, poderão ser condenadas a pagar indenização por dando moral, por lesão ao direito à honra . É nesse sentido o recente acórdão, que ainda salienta a necessidade de a comunicação ser feita pelos correios, não se admitindo a comunicação eletrônica: “a teor do art. 43, § 2º, do CDC, o consumidor deve ser comunicado sobre a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes por meio de notificação postal. O descumprimento da formalidade legal enseja o direito à indenização por danos morais, não havendo necessidade de prova do prejuízo” (grifo nosso) (STJ, REsp 1182290 / RS, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 01/02/2011). Podemos concluir, com a emissão da súmula 359 do STJ que: a) o fornecedor direto (credor) não tem qualquer responsabilidade sobre o prévio aviso ao consumidor; b) a entidade que administra o cadastro de inadimplentes tem a obrigação de avisar previamente ao consumidor sobre a inscrição por escrito, utilizando a via postal; c) o direito ao aviso prévio foi reforçado pela emissão da súmula, garantindo ao consumidor o direito ao acesso às informações cadastrais. d) a ausência de comunicação prévia poderá gerar indenização por danos morais ao consumidor, mantendo-se somente o administrador do banco de dados no polo passivo da demanda.


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/IMOBILIÁRIO

O promitente vendedor tem interesse processual em exigir a outorga da escritura? LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIOR Advogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP. Professor de Direito Civil e Mediação e Direito Arbitral nos cursos de graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da FMU. Autor de diversas obras e, entre elas: Direito Imobiliário – teoria e prática (Ed. Forense) e Comentários às alterações da Lei do Inquilinato (RT).

O

compromisso de compra e venda nada mais é que o contrato preliminar mediante o qual o promitente vendedor se obriga a outorgar a escritura ao promitente comprador depois de receber o preço convencionado. Trata-se de obrigação de fazer consistente na declaração de vontade no contrato definitivo - a compra e venda - em regra por escritura pública lavrada por tabelião. Certo é que, se houver o descumprimento da obrigação de outorgar a escritura por parte do promitente vendedor, o promitente vendedor, credor da outorga da escritura, pode exigi-la através da ação de adjudicação compulsória ou da ação de obrigação de fazer, respeitados os requisitos de cada uma das espécies. Todavia, é de se questionar se, do outro lado, o promitente vendedor, depois de receber o preço, pode compelir o promitente comprador a receber a escritura. Antes de enfrentar a questão polêmica ligada ao tema, preliminarmente é possível afirmar que, havendo previsão contratual da obrigação de o promitente comprador receber a escritura em prazo determinado após a quitação, admitida inclusive cláusula penal específica no caso de mora, resta evidente que o promitente vendedor pode exigir o cumprimento através de ação de obrigação de fazer com pedido de imposição de multa diária (asterinte), nos termos dos arts. 475-I, 461 e 461-A do Código de Processo Civil. Ultrapassada a clareza inicial decorrente da previsão contratual da

obrigação de o promitente comprador receber a escritura, indaga-se a mesma possibilidade diante da ausência de previsão neste sentido no pacto entre as partes. Há interesse processual do promitente vendedor (interesse necessidade)? É preciso lembrar que o interesse processual existe na exata medida em que o autor da ação necessita da prestação jurisdicional pelo exercício do direito de ação para alcançar pretensão legítima, com fundamento na lei, que lhe conceda utilidade no plano material, mas encontra resistência injustificada da parte contrária. Em consonância com o acatado é possível afirmar que existe o interesse processual do promitente vendedor em buscar tutela jurisdicional para compelir o promitente comprador a receber a escritura, ainda que o contrato seja omisso. O direito de propriedade do promitente vendedor foi quase que totalmente esvaziado pela quitação do preço pelo promitente comprador e somente era mantido como garantia do recebimento de preço, não havendo mais qualquer utilidade na sua manutenção. Pelo contrário, pode lhe impor prejuízos consideráveis, o que justifica plenamente o seu interesse processual. Posso exemplificar: o proprietário do imóvel responde pelos danos decorrentes da ruína em razão da falta de manutenção, o que se afirma com suporte no art. 937 do Código Civil, responsabilidade esta que encontra sua origem na cautio damni infecti do Direito Romano, que autorizava o

pretor a exigir caução do proprietário que não preferisse o abandono. Há outras consequências, como a obrigação de pagar condomínio, qualificada como obrigação propter rem nos termos do art. 1.345 do Código Civil, inclusive havendo alguns julgados que sustentam que é facultado ao condomínio escolher entre processar o proprietário ou o promitente comprador, ainda que tenha ciência da promessa. E a execução decorrente da condenação no pagamento dos débitos condominiais não fica adstrita à penhora do próprio imóvel, podendo invadir a esfera patrimonial do réu da ação, justamente o promitente vendedor que na hipótese que ora trato já recebeu o preço e mantém a propriedade totalmente esvaziada. Se não bastasse a questão condominial, existem outras obrigações propter rem, como aquelas decorrentes dos tributos vinculados ao imóvel e obrigações pelo pagamento do consumo de água. Por todas essas razões, penso que o interesse processual do promitente vendedor é evidente, evidentíssimo, aliás. Neste sentido, o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo que, inclusive, deferiu o pleito de dano moral pelo fato de o promitente vendedor ter seu nome incluído no rol de inadimplentes: TJSP - 0002542-08.2010.8.26. 0077 - Apelação - Relator: Francisco Loureiro - Comarca: Birigüi - Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 28/04/2011 - Data de registro: 29/04/2011 - Outros números: 25420820108260077 - Compromisso De Venda e Compra Obrigação de Fazer Ação ajuizada pela promitente vendedora contra o promitente comprador para compelilo a receber a escritura do imóvel, cujo preço se encontra integralmente pago Interesse da promitente vendedora para que as taxas e tributos ou mesmo obrigações propter rem, ou responsabilidade civil por ruína do prédio, não recaiam sobre quem mantém formal-

mente o domínio, mas despido de todo o conteúdo, já transmitido ao adquirente. Dano Moral. Ocorrência. Autora que, em decorrência da inexistência de regularização da propriedade do bem, teve seu nome negativado - Ação procedente - Recurso provido. Em sentido totalmente contrário, inadmitindo o pleito pelo promitente vendedor, encontrei o seguinte julgado com o qual, data venia, não posso concordar: TJSP - Apelação s/ rev. 4291784400 – Relator: Luiz Ambra - São Paulo - 8ª Câmara de Direito Privado - Julg: 16/09/2009 - Reg: 22/09/2009 - ação de preceito cominatório buscando cumprimento de obrigação de fazer (vir receber escritura definitiva de venda e compra de imóvel antes compromissado) - Recurso contra indeferimento liminar da inicial, reconhecida a falta de interesse do autor à propositura da demanda – Escopo do pedido (não mais ser cobrado pelas despesas condominiais do imóvel) que não se erige em justificativa suficiente para sua formulação - A promessa de venda passada com transferência da posse do bem, de si, já inibe a possibilidade de tais cobranças - Carência bem decretada, apelo improvido. Posta assim a questão, em razão do risco deste último entendimento, é de todo recomendável que a obrigação de receber a escritura esteja disposta em cláusula contratual, com termo certo. Como sugestão, posso indicar a seguinte redação: “O promitente comprador, sob pena de multa de (...), sem prejuízo das medidas judiciais, se obriga a receber a escritura em até (...) dias da quitação do preço, em tabelião indicado pelo promitente vendedor por qualquer meio idôneo de comunicação, obrigando-se, ainda, a entregar seus documentos e a pagar os tributos e custas necessárias à outorga de escritura em cumprimento deste contrato.”


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/VIAGEM FOTOS INTERNET

Aproveite o clima mediterrânico do Chile FERNANDA SAL

Para desfrutar o inverno praticando esqui, a dica do Enfoque Jurídico desse mês é o Chile, país que se destaca por possuir um clima mediterrânico. Lá é possível aproveitar as estações de esqui (cotada como as mais modernas da América do Sul), especialmente em Vale Nevado, que ficam abertas de junho a setembro. Após setembro, a neve cede espaço às flores, surgindo outra forma de conhecer os Andes e a Patagônia Chilena. A Cordilheira dos Andes (acima) é o pano de fundo da cidade de Santiago, que fica a 567 metros do

nível do mar. A cidade não tem um ponto turístico de destaque, já que são várias as opções de passeios e visitas. O melhor é percorrer a pé as ruas dos bairros da cidade, passando pelo Centro histórico com prédios tombados pela Prefeitura, pelo bairro de Bellavista e, ainda, pelo bondinho no Cerro San Cristóbal. Os principais pontos turísticos da cidade se encontram no Centro. A partir da Praça da Cidadania, está localizado o Palácio de La Moneda (abaixo), sede do governo do Chile e do poder executivo. É permitido o

acesso apenas aos pátios internos. Lá tem o Centro Cultural La Moneda, espaço com arquitetura futurista e exposições permanentes e temporárias, sendo a maioria delas sobre o país, seu povo, cultura e costumes. O destaque do local é um mapa temático detalhado do Chile, com 50 metros de comprimento. Próximo ao Palácio de La Moneda, está localizado o Museu Chileno de Arte Pré-Colombiana, eleito um dos melhores e mais completos museus sobre a cultura pré-colombiana do mundo. A um quarteirão de distância, está a Plaza de Armas, praça central da cidade e lugar de encontro de toda a população. Ali perto, cerca de três quarteirões, tem o Mercado Central, que reúne restaurantes de pratos típicos e pescados. Ao turista, a dica é visitar a antiga residência de Pablo Neruda (La Chascona). Além disso, é imperdível conhecer as vinícolas. Duas vinícolas se destacam perto de Santiago, a Viña Santa Rita, fundada em 1880, e a Viña Concha Y Toro, fundada em 1883.

Para os consumidores de plantão, o comércio local não funciona aos domingos e aos sábados somente pela manhã. Não se esqueça que a população local é adepta à cesta, e o comércio fecha das 13h30 até as 15h. Dicas de hospedagem: Holiday Inn Santiago Airport – Santiago (Armando Cortinez Norte 2150, Santiago, 0000 Chile) – diárias a partir de R$228,00. Hotel Plaza El Bosque Park – Santiago (Ebro 2828, Las Condes, Santiago, 7550091 Chile) – diárias a partir de R$ 200,00. Santa Magdalena Apartments – Santiago (Helvecia 244 Las Condes, Santiago, 7550136 Chile) – diárias a partir de R$ 146,00 Valle Nevado Ski Resort – Santiago (Avenida Vitacura 5250 #304, Vitacura, Santiago) – diárias a partir U$ 265,00 * Os valores das diárias podem variar para mais ou para menos de acordo com o pacote comprado ou agência de turismo escolhida.


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CULTURA

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/CRÔNICA

Reabertura da discussão da proibição da cópia reprográfica CLÁUDIO WILLER Poeta e professor universitário. Foi presidente da União Brasileira de Escritores por quatro vezes e atualmente é o diretor de Políticas Culturais da entidade.

No começo da década de 1980, o editor Caio Graco Prado da Brasiliense, participante ativo nos debates de política cultural (e outros foros importantes) alertava sobre as conseqüências da cópia reprográfica ou xerocópia custar menos que a página do respectivo livro copiado. Na mesma época vi, no balcão de uma copiadora, uma moça encomendar trinta cópias de um exemplar de Diário de um ladrão de Jean Genet, editado pela Nova Fronteira. Comentou ser estudante da PUC e que a professora havia pedido um trabalho sobre esse livro. O roubo dos direitos autorais do diário de um ladrão foi na gráfica e copiadora Alfa, à Rua Antonia de Queiroz, entre Augusta e Frei Caneca. Em 1985, participei de uma reunião do CNDA para discutir providências diante do alastramento das cópias reprográficas. A proposta aprovada: taxá-las. Continua, penso, a ser a proposta mais razoável. A lei em vigor encontrou, porém, outra solução. E instaurou a confusão: Capítulo IV Das Limitações aos Direitos Autorais Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I - a reprodução: (...)

II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro; No final da década de 1990, por iniciativa de uma entidade, a ABDR, e com nosso apoio, começou o combate à reprografia. A conseqüência: hoje, estabelecimentos da região da Avenida Paulista e Rua Augusta não aceitam copiar livros. Certa vez, tentei copiar-me – levei um dos meus livros, precisava da xerocópia de um poema. “Livros, não”, foi a resposta taxativa – e não adiantou argumentar que não havia infração, posto que autor e cliente eram a mesma pessoa. O comércio tem que ser simples; comerciantes não são chegados à sofisticação e refinamento jurídico; melhor perder negócios do que ter polícia baixando na loja; e xerocopiadoras não contratam autoralistas para dar plantão e orientar atendentes sobre o que pode ou não. Em contrapartida, encomendo quantas cópias quiser, do que quiser, a oitenta centavos a página dupla, em um dos inumeráveis estabelecimentos menos conspícuos em São Paulo. E o faço sem culpa: sou pesquisador; por isso, mais xerocópias equivalem a menos manuseio de algum exemplar de biblioteca. Se as restrições em vigor funcionassem, causariam prejuízos à pesquisa, à produção do conhecimento. Principalmente, se atingissem blogs de professores e apreciadores da literatura, nos quais se pode colher qualquer flor ou fruto proibido no exuberante jardim das letras ao qual se tem acesso através

do Google. Por exemplo, boas seleções da poesia de Cecília Meireles, cujos herdeiros, notoriamente, dificultam a edição de sua obra e até mesmo a produção e publicação de pesquisas. Uma solução intermediária seria aquela adotada em bibliotecas de boas universidades: cópias, só de livros raros, não encontráveis no mercado; ou então, número limitado de páginas por livro. Mas ao lado, no balcão do diretório acadêmico, prossegue a xerocopiagem geral. E, novamente, seria exigida sofisticação intelectual além da conta dos atendentes de estabelecimentos que xerocopiam. Diante disso, da existência de dois mundos, rigorosamente coexistentes – aquele no qual se pode xerocopiar tudo e aquele outro no qual não se pode xerocopiar nada –, é o caso de retomar a proposta anterior, aquela da taxação de cópias reprográficas ou xerocópias. E liberar a cópia, inclusive de obra integral, se for parar uso pessoal e não com finalidade comercial. Além disso, é preciso saber se é possível fazer algo no sentido de controlar a reprodução no meio digital, hoje

em dia com escala e dimensões muito maiores que a xerocópia ou reprografia mecânica. Há um desvio de ênfase. Nosso problema não é a xerocópia barata, porém o livro caro. Encontro a edição norte-americana ou francesa de um autor norteamericano ou francês em livrarias a preços inferiores à respectiva edição brasileira – e isso significa que lá o mesmo livro custa a metade do preço da edição equivalente aqui. Nossos livros são caros porque tiragens são pequenas. Entre outros motivos, por causa da concorrência das cópias. Como romper o círculo vicioso? Não só através de providências jurídicas, porém de políticas culturais públicas: ampliação da subvenção à compra de livros por bibliotecas, patrocínios para a produção de obras de qualidade, melhoras na qualidade do ensino, programas para a redução do analfabetismo funcional. Editores poderiam arriscar mais, competir diretamente com as xerocópias através de edições baratas com tiragens maiores (a exemplo do que já fazem alguns, com seus “pocket books”).


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