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e a emoção toma conta]. Então procurei o padre José e ele me disse que aconteceu um milagre, e que provavelmente naquele dia eu recebi uma missa especial, acredito que era Cristo quem estava ali. Contei o fato ao meu médico e este, que já havia me adiantado que eu não me curaria, deu alta e salientou que havia acontecido um milagre. Foi uma época bastante difícil, como você conseguiu manter-se firme? O apoio da família foi tudo. Meu irmão estava sempre atento e corria comigo, independente da hora. Durante o tratamento eu precisei tomar um remédio importado e foi minha irmã de São Paulo que me forneceu durante todo um ano. Eu fiquei oito meses sem trabalhar, na época não passamos dificuldades financeiras, já que a fábrica estava engatinhando e se mantinha sozinha. Mas, com certeza, se não tivesse ajuda seria difícil, porque os medicamentos eram muito caros e as meninas pequenas, a Gabriela tinha 5 anos e a Jaqueline, 2. Como é lidar com a falta das filhas? Há oito anos me separei da mãe delas e há seis meses me casei novamente. Mas eu sempre fiz papel de pai e mãe. Desde pequenas, quem vai às reuniões de escola, acompanha ao dentista e ao médico sempre fui eu. Hoje sou mais amigo do que pai, nós temos uma relação aberta e conversamos de todos os assuntos, de tudo mesmo, há uma relação de amizade e confiança, o que é fundamental. Elas moraram comigo até dezem-

bro de 2012, lógico que toda separação é difícil, principalmente para o pai que cria o filho. Eu preferiria que elas estivessem aqui comigo, mas elas estão crescendo e a vida vai ensiná-las, como me ensinou, que o pai/mãe só faz as coisas pensando na proteção dos filhos. Você passou por momentos bons e difíceis. O que deseja daqui para frente? Deus já me deu mais do que eu preciso para viver, por isso hoje eu só quero saúde para poder usufruir o que conquistei. Todos os meus sonhos procurei realizar, sempre fui da opinião que se não dá hoje, tudo bem, mas um dia ele irá se concretizar. E assim fui traçando e conquistando. Esta semana eu tive um “piripaque” e quase enfartei, o sapato cansa, esgota, tem que saber a hora de começar e parar. É preciso equilibrar a vida pessoal com o trabalho. Não adianta eu ficar preso na fábrica, ganhar horrores e não ter saúde para usufruir, ou gastar tudo em médico. Na idade em que estou já consigo ver isso, mas confesso que é difícil separar as coisas, é um treino diário. Daqui a cinco anos eu me aposento, aí quero me mudar para Bariri e cuidar do meu sítio. Como é lidar com mais de 100 funcionários? Diariamente estou na fábrica das 6h às 18h. Lá, lido diretamente com 104 pessoas, que na grande maioria faz parte da classe baixa. Todo dia eles têm problemas e me veem como um porto seguro. Um não tem leite, outro precisa de R$ 20 para comprar medicamento para o filho; a gente ajuda um pouco aqui, outro ali. Eles não têm uma formação, então ganham pouco mais de R$ 1 mil, pagam R$ 800 de aluguel e o restante tem que dar para sustentar a esposa e quatro, cinco filhos. Está vendo porque passei mal? É difícil não se envolver. Há muita instabilidade na economia brasileira; em Jaú vimos muitas fábricas baixarem as portas. Como você conseguiu manter e seguir? O que prejudicou Jaú foi o sapato da China. O nosso produto tem um preço superior ao deles, mas as pessoas esquecem que lá o trabalho é escravo e aqui o empregador, além da grande carga de impostos, tem inúmeras burocracias, o que fica difícil para aumentar o número de funcionários. E até o governo lançar uma medida para subir as taxas de importação do produto chinês, muita fábricas quebraram. Quem tinha a fábrica enxutinha e bem administrada conseguiu levar, mesmo com as dificuldades. Agora, quem vendia 100 pares de sapatos, ia ao banco e trocava por duplicata, quebrou. No sapato aparece muito aventureiro, mas um sapateiro não pode ser um médico e a recíproca é verdadeira. O dono de fábrica precisa saber analisar a qualidade do seu produto, quando ele não tem este conhecimento, precisa contratar alguém para suprir esta função e com isso a mão de obra fica cara. Diante de tantos tributos, acredito que é por isso que muitos industriais, quando conquistam uma independência financeira, decidem parar. 

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