Educação e vida urbana: 20 anos de Cidades Educadoras

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A cidade e seus caminhos educativos: escola, rua e itinerários juvenis

alcançamos compreender. São os que não se adequam aos padrões societários estabelecidos. Nesta perspectiva, a discussão da democracia e de uma nova esfera pública coloca-se como possibilidade para a reinvenção da cidade como espaço não de mesmidades e de homogeneidades, mas como palco e cenário para a expressão e o reconhecimento das diversidades humanas. Vários autores vão além deste argumento quando apontam a democracia não só como possibilidade mas, como condição para que a própria humanidade siga existindo. É o caso de Alberto Melucci3 quando diz que «o fator crucial que muda hoje o significado da democracia é que sem o reconhecimento das diferenças e sem acordo sobre os limites que hão de impor-se não haverá já espaço nem para as diferenças e nem para as decisões, senão só para a catástrofe». (2001, p.56) As comunidades, no macro cenário das cidades, constituem pequenos centros nos quais redes de relações pessoais e sociais traçam a vida cotidiana com todas as suas demandas e tensões. Nas comunidades, reproduzem-se os movimentos dos grandes cenários. A comunidade pode ser, portanto, na perspectiva de um contexto policêntrico um pequeno palco em que os ensaios para a vida alargada na cidade acontece. É desde a rua, desde o bairro, que nos podemos tornar cidadãos do mundo, desde que o espaço local possibilite o acesso ao mundo adulto, não como imposição, mas como possibilidade de ampliação deste diálogo vital que nos faz humanos, como diria Bernard Charlot4. À maneira do holograma proposto pelo pen-

MELUCCI, Alberto. Vivência e convivência: teoria social para uma era da transformação. Madrid: Editorial Trotta, 2001. 4 CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber. Elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2001. 3

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sador francês Edgar Morin5: nos pequenos espaços reconfiguram-se os grandes espaços, nas tiranias e intolerâncias cotidianas como em um jogo de espelhos estão imageticamente refletidas, em escala menor, as tiranias e intolerâncias dos fundamentalismos geradores dos genocídios que nos apavoram. Portanto, a comunidade reflete a cidade. Pensar a cidade na perspectiva aqui proposta implica rever esquemas de leitura de mundo, lançar mão de utopias presentes na história da pedagogia6 e projetar a cidade como espaço distinto daquele que se apresenta ao senso comum, distinto da percepção generalizada de que a cidade é um lugar cada vez mais inseguro, de medo, de perigos, um lugar no qual a única alternativa é isolar-se no âmbito doméstico, como que respondendo a tirania imaginária de um modo de ver e viver o mundo7. Na cidade cabem muitas cidades, com as feições que somos capazes de lhe atribuir. Jovens e trilhas educadoras na cidade Duas pesquisas, recentemente realizadas, podem trazer elementos para pensar acerca das trilhas urbanas de jovens que vivem em regiões periféricas: uma buscou ouvir jovens da cidade de Porto Alegre sobre sua inserção na cidade8 e outra trouxe elementos acerca do papel do poder público municipal junto

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991. 6 Referência a partir de TRILLA BERNET, Jaume. Ciudades Educadoras: bases conceptuales Cidades Educadoras. Curitiba: Ed. da UFPr, 1997. 7 Vale a pena a leitura da obra de Francesco Tonucci, La citá dei bambini (Laterza, Roma-Bari, 1996). 8 BRUNEL, Carmen. A casa, a escola e a rua: espaços de múltiplas práticas no cotidiano de meninos e meninas que freqüentam três escolas públicas da periferia da cidade de Porto Alegre. Tese de Doutoramento. PPGEDU. UFRGS, 2005. 5


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