UMA PUBLICAÇÃO DO SINEPE/RS ›› Nº 142 ›› ANO XXIII ›› JULHO/AGOSTO/SETEMBRO 2021
16º CONGRESSO DO ENSINO PRIVADO Confira a cobertura completa do evento que, pela primeira vez, foi online e reuniu mais de 6 mil educadores
Você está preparado para construir a educação bilíngue do futuro? Invista na formação dos seus professores com grandes nomes do mercado de educação bilíngue
Metodologias Ativas: Aprenda abordagens de ensino inovadoras, que movem o aluno da posição de receptor para construtor do próprio conhecimento. Acredite: suas aulas nunca mais serão as mesmas!
Neurociência e Educação: Entenda o funcionamento do cérebro de crianças e adolescentes na hora de aprender e coloque em prática os principais conceitos tornando o processo de aprendizagem mais efetivo.
Mentoria de carreira: Desenhe os próximos passos da sua carreira com a ajuda de profissionais experientes e construa um plano de ação personalizado para se manter à frente do mercado.
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Um futuro bilíngue. Vamos construir isso juntos?
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››› Sumário
BRUNO DUPON
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Nas páginas a seguir, confira a transcrição dos principais trechos das palestras do Congresso do Ensino Privado. À exceção das conferências do Auditório Principal, as demais que compõem a revista foram escolhidas por meio de pesquisa de satisfação Oswaldo Dalpiaz e Luciana Jeckel, apresentadores do Congresso com o público do evento. ›››
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GUILHERME
MAURICIO
NOGUEIRA
PERONDI e
O ensinar e o aprender diante dos novos cenários - Um Olhar Neurocientífico
12 ››› MARIA
GABRIEL DORNELLES O futuro já chegou!
22 ››› GENIFER
CARMEM BARBOSA Pedagogias das infâncias
15 ›››
GERHARDT Narrativas para inspirar
26 ››› FABIANA
BIANCA STOCK Como lidar com as crises no Ensino Médio
LORENZI Pensadores Criativos no Ensino Fundamental: é possível?
Educação em Revista | Nº 142 | Julho\Agosto\Setembro 2021
29 ››› NORMA GOLFETO Currículo organizado por competências – uma nova forma de aprender
32 ››› ROSSANDRO KLINJEY Autoamor e felicidade, uma relação de causa e efeito
40 ››› RICARDO MARIZ Desafios da inovação diante da missão institucional
Editorial ›››
DIRETORIA: Presidente: Bruno Eizerik, 1º VicePresidente: Osvino Toillier, 2º Vice-Presidente: Oswaldo Dalpiaz, 1ª Secretária: Marícia da Silva Ferri, 2º Secretário: Iron Augusto Müller, 1º Tesoureiro: João Olide Costenaro, 2º Tesoureiro: Hilário Bassotto. Suplentes: Maria Helena Rodrigues Lobato, Ruben Werner Goldmeyer, Nestor Raschen, Carlos Roberto Milioli, Antônio Roberto Lausmann Ternes, Celassi Bernardete Dalpiaz, Bárbara Perlin Nissola. CONSELHO FISCAL: Titulares: Ademar Joenck, Inacir Pederiva, Guilherme Kühne. Suplentes: Isaura Paviani, Maria Angelina Enzweiler, Elenar Luisa Berghahn. DELEGADOS REPRESENTANTES: Bruno Eizerik e Osvino Toillier. Suplentes: Hilário Bassotto e Oswaldo Dalpiaz.
EQUIPE: Direção: Milton Léo Gehrke. Assessoria pedagógica: Naime Pigatto e Claudete Chiarello. Centro de Desenvolvimento em Gestão (CDG): Vera Lúcia Corrêa. Assessoria de Comunicação e Marketing: Luciana Moriguchi Jeckel Lampugnani, Carine Fernandes, Eduardo Oliveira, Hermes Moura, Bruno Pinheiro e Alana Schneider. Financeiro: Matheus Philippi. Atendimento: Jaqueline Maria Rodrigues da Rosa e Suelen Schroeder Ferreira, Emília Pires e Ana Isabel Rodrigues. Serviços Gerais: Ereni Souza da Silva e Naira Elizabetti Real. REVISTA: Coordenação: Carine Fernandes
(MTB 15.449). Edição: Carlos Guilherme Ferreira (MTB 11.161). Produção: Pedro Henrique Pereira, Igor Morandi e Homero Pivotto Jr. Capa: Deposit Photos. Diagramação: Padrinho Agência de Conteúdo. Revisão: Milton Gehrke. Conselho Editorial: Prof. Osvino Toillier, Prof. Hilário Bassotto, Profª Mônica Timm de Carvalho, Profª Naime Pigatto, Profª Raquel Boechat, Prof. Ruy Carlos Ostermann, Profª Ângela Ravazzolo, Profª Rosângela Florczak e Prof. Gustavo Borba. Foto de capa: Deposit Photos. FALE CONOSCO – Redação: Cartas, comentários, sugestões, matérias –
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A Educação em Revista não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam o pensamento dos respectivos autores.
A NECESSIDADE DE INVESTIR EM SI PRÓPRIO OSWALDO DALPIAZ
Coordenador do Congresso do Ensino Privado
A
capacidade do Sinepe/RS de adaptação às exigências do momento foi mais uma vez comprovada no 16º Congresso do Ensino Privado. Sempre com congressos presenciais, o formato online demonstrou que é possível sair do que está estabelecido e buscar alternativas que contemplem, de maneira segura e prazerosa, as perspectivas dos congressistas. Com temas centrais acompanhados por 24 temáticas específicas através das trilhas, o Congresso teve 6.200 inscritos que acreditaram na sua proposta. Embora distantes uns dos outros, os congressistas acompanharam as reflexões e sentiram que, se há novos cenários para a educação, há necessidade de juntar estratégias para que o processo educativo aconteça de acordo com o novo perfil dos alunos. Os temas centrais tinham por objetivo levar os congressistas a refletirem sobre a necessidade constante de investirem em si próprios numa perspectiva de humanização. Uma pessoa realizada é uma pessoa feliz e, somente uma pessoa feliz, pode ser um bom educador. Por outro lado, os temas específicos, trabalhados através das trilhas, pretendiam apoiar os congressistas na busca de uma capacitação técnica cada vez maior e melhor. Quem participa de um congresso cujo foco é a educação, sempre leva consigo a perspectiva de se desfazer
daquelas ideias que não fazem mais sentido; fortalecer convicções sobre aquelas que ainda fazem sentido e se apropriar de outras sobre as quais não via sentido. E uma dessas ideias presentes no evento é que a educação, assim como os demais setores da sociedade, está caminhando para cenários onde, o mesmo, já não existe mais: há um outro, um outro tempo, uma nova cultura, uma nova forma de ver. O horizonte educativo que se vislumbrava já não é mais o mesmo. É outro. Para se apropriar deste novo cenário, é preciso fazer travessias, não no modo de como se fazia, mas de outra forma. Os tempos exigem uma travessia portadora de iluminação apropriada para enxergar o novo que se transforma numa postura pedagógica fundamentada em valores recheados de acolhida, de bondade, de resiliência; que busca apoio das novas descobertas da neurociência e das ciências humanas, principalmente da psicologia; que desafie o educador a se apropriar de conhecimentos e de materiais tecnológicos; que alimente seu entusiasmo pelo trabalho educativo através de uma busca constante do autoconhecimento e do autoamor. A presente edição especial da Educação em Revista traz temas abordados no 16º Congresso que ajudarão a entender a complexidade dos NOVOS CENÁRIOS E DIVERSAS TRAVESSIAS. Certamente, se transformará em referência formativa para os educadores que buscam subsídios para sua formação.
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BRUNO DUPON
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Oswaldo Dalpiaz (E) e Bruno Eizerik
Novos cenários e diversas travessias Online, 16º Congresso do Ensino Privado mostrou diferentes caminhos para se trabalhar a educação IGOR MORANDI
igor@padrinhoconteudo.com
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m momento díspar como este, de pandemia, pede transformações. Por isso, o 16º Congresso do Ensino Privado não só se adaptou à realidade remota como recebeu um novo visual para comemorar os seus 25 anos. Esta edição, online, ocorreu nos dias 21, 22 e 23 de julho e teve como tema “Novos cenários e diversas travessias”. Com 6.200 inscritos, a programação contou com 24 palestras, 24 palestrantes e 12 horas de muito conteúdo (confira ao lado). O objetivo foi levar uma experiência bastante dinâmica aos congressistas. Para isso, o Sinepe/RS investiu em uma plataforma virtual na qual os participantes tiveram
acesso às palestras e à Expoeducação – uma feira 3D de produtos e serviços do setor educacional que reuniu oito empresas. “Embora distantes uns dos outros, os participantes acompanharam as reflexões e sentiram que, se há novos cenários para a educação, há a necessidade de juntar estratégias para que o processo educativo aconteça de acordo com o novo perfil dos alunos”, afirma o coordenador do Congresso e vice-presidente do Sinepe/RS, Oswaldo Dalpiaz. A realização foi possível, também, pela contribuição de parceiros. Entre os patrocinadores estão Sistema Etapa, Grupo Santillana, FTD Educação, International School, Cloe Education e Bernoulli Sistema de Ensino. O evento contou com o apoio do Sebrae RS e do Educa 21. Todos os parceiros estiveram presentes
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por meio de estandes virtuais. Os momentos formativos tiveram como fio condutor práticas pedagógicas que acompanharam os processos educativos: o ensinar que leva ao aprender; o inspirar que impulsiona o engajar-se; e o criar que conduz ao inovar. Caso você tenha perdido alguma das palestras é possível acompanhar os principais trechos nesta edição da Revista e também assistir, na íntegra, pela TV Sinepe/RS no Youtube. Desde outubro de 1996, quando o Congresso do Ensino Privado surgiu, mais de 24 mil pessoas e 736 expositores passaram pelas edições, até então, presenciais. O evento nasceu com a preocupação de refletir sobre o papel que a escola exerceria no novo milênio. A partir dos anos 2000, buscou-se um olhar para dentro da sala de aula, a fim de repensar as práticas pedagógicas e adaptá-las aos novos cenários educacionais. Para isso, a formação pessoal e humana dos indivíduos também passou a ser abordada. Até 2001, o evento ocorria anualmente. Após, passou a ser realizado a cada dois anos. Ao longo de seus 25 anos de história, diversas adaptações foram feitas – sempre para entregar o melhor conteúdo em educação.
Abertura CONHEÇA A PROGRAMAÇÃO COMPLETA A partir das trilhas de conhecimentos, confira quem foram os palestrantes do Congresso e os temas abordados:
Trilha das Infâncias Brincar livremente: a educação da sensibilidade, da imaginação e da inteligência Severino Antônio e Katia Tavares Uma escola de todas as culturas: educar para as relações étnico-raciais Gládis Kaercher Biofilia: a criança, a natureza e a escola Roque Antônio (Roquinho) Pedagogias das infâncias Maria Carmem Barbosa
Trilha das Juventudes
Trilha das Adolescências Alfabetizar e letrar em contextos de multiletramentos Jacqueline Barbosa
O que temos a aprender e ensinar para os jovens? Lourdes Atié
Pensadores Criativos no Ensino Fundamental: é possível? Fabiana Lorenzi
Como lidar com as crises no EM Bianca Stock
Metodologias Ativas e os Novos Cenários Pedagógicos Lucí Ferraz
Tecnologias e personalização na educação Cassiano Zeferino
Investigação: do problema à solução Fernando Degrandis e Renan Freitas
A relevância da inteligência comunicacional em tempos desafiadores Morgana Schramm
Trilha das Maioridades Gamificação e aprendizagem Pasi Loman Curricularização da Extensão: acabando com o abismo entre academia e prática Gustavo Hoffmann e Fábio Paz Trilha dos Gestores O gestor e o avanço dos resultados educacionais Jorge Audy Auditório principal O ensinar e o aprender diante dos novos cenários – Um olhar neurocientífico Guilherme Nogueira Narrativas para inspirar Genifer Gerhardt
O futuro já chegou! Gabriel Dornelles e Mauricio Perondi Autoamor e felicidade, uma relação de causa e efeito Rossandro Klinjey
Gestão: solidão ou compartilhamento? Cláudia Müller Gestão de crise no mundo dinâmico Ariel Berti Desafios da inovação diante da missão institucional Ricardo Mariz
Inteligência Lúdica: possibilidades pedagógicas com Lego Serious Play no ensino superior Nedisson Gessi Currículo organizado por competências – uma nova forma de aprender Norma Viapiana Golfeto
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››› Auditório principal
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GUILHERME NOGUEIRA
Doutoramento e Mestrado em Neurociência do Envelhecimento (PUCRS). Professor. Pesquisador em neurociência do envelhecimento: aspectos cognitivos e emocionais.
Um olhar neurocientífico Doutor em neurociência, Guilherme Nogueira apresentou palestra sobre o ensinar e o aprender diante dos novos cenários
O
cérebro é preparado para o funcionamento social. Mas conviver e relacionar-se são processos aprendidos, que requerem estímulos adequados e bem organizados, que estejam em consonância com as leis que regem a plasticidade cerebral, aumentando o potencial modulatório do cérebro e, consequentemente, do comportamento. O aprendizado requer uma trama complexa de relações neuropsicobiológicas, onde são provocadas modificações moleculares. Estas envolvem a parte interna das células que compõem o cérebro. Então, ensinar sem compreender melhor o que estabelece e como se estabelecem essas relações internas, é como tentar desenhar uma luva sem considerar as dimensões da mão. Tudo parte de uma equação inteligente. O que nós, educadores, fazemos é muito mais complexo do que imaginamos. Então, precisamos aprofundar nosso conhecimento para que possamos pensar novas formas de agir nas estratégias procedimentais de sala de aula. A organização do aprendizado no cérebro passa por três etapas fundamentais: aquisição, onde as conexões neurais já estabelecidas se
“Uma das alavancas motivacionais do humano é o senso de pertencimento, então toda vez que o cérebro entender que pertence a alguma coisa, se coloca muito mais à disposição.” organizam melhor e criam novas conexões. A partir disso, inicia-se o processo de acomodação do aprendizado, selecionando mapas neurais que dão traços de memória, os caminhos da informação. E a terceira etapa, de consolidação, em que o tecido cerebral é fortalecido e as informações mantidas presas, porque aprendizado é matéria. Eu aumento as proteínas cerebrais, modifico-as e mantenho esse aprendizado por longo período. A criança tem os seus maiores potenciais de aprendizagem na tenra idade, a partir dos processos afetivo-emocionais. Quando nasce, a amíg-
dala cerebral, que é uma estrutura que mapeia o medo, é proporcionalmente maior do que todas as outras áreas do cérebro. Isso quer dizer que o cérebro está aberto, sensível para o aprendizado afetivo-emocional. Toda vez que o cérebro se sente desconfortável, cria alavancas de vocalização do choro, por exemplo, para se comunicar com o cuidador, que acolhe a criança. Isso gera um impacto recompensador, libera uma neuroquímica no cérebro potencialmente programada para a formação do vínculo afetivo. E, mais tarde, essa mesma neuroquímica auxiliará no aumento da fidelização da relação e sua confiança, potencializando, no indivíduo, a busca de apoio social. Ao diminuir a neuroquímica, eu também reduzo a capacidade de consolidação da memória de longo prazo em uma área de extrema importância chamada hipocampo. Mas, mais do que isso, eu dificulto os processos de organização do comportamento e da conduta social, me tornando mais agressivo. Tudo isso é de extrema importância para pensarmos diante desses novos cenários. Segue ›››
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››› Auditório principal
Ao alicerçar os processos afetivo-emocionais, aportamos os aspectos cognitivos, ou seja, nós aumentamos a atenção para aquilo que verdadeiramente tem uma representação mental melhor. Isso reflete depois na escola: a criança que formou um bom vínculo afetivo com seu professor, quando comete algum erro, quando tem alguma dificuldade, o cérebro direciona a atenção e a busca de apoio social (a ocitocina faz isso) para aquela representação mental que anteriormente mostrou melhor apoio, ou seja, prediz recompensa, conforta o cérebro. E isso é básico dentro da escola para o processo de aprendizado com alta qualidade. Existe a chamada curva de arcos Dodson, do desempenho relacionado aos níveis de estresse. Quando eu não tenho nada de estresse, estou no tédio, não consigo alavancar nenhum potencial, atenção ou armazenamento cerebral mais complexo e de informação. Para consolidar o aprendizado, é preciso produzir proteínas do cérebro, mas o hormônio do estresse em altas taxas inibe a produção delas, ou seja, inibe novos aprendizados e a organização. Além disso, acentua os problemas afetivo-emocionais modificando e comprometendo a conduta social do aluno. Mas facilidades também desmotivam. O estresse precisa atender o cérebro mostrando que há algo o instigando. A carga de estresse percebida é importante para motivação, porém, aquela que é excessiva, em que o aluno percebe que não tem condições de superar, desmotiva. Então tem que achar uma chamada zona de aproximação, ou seja, nem oito nem 80. Hoje em dia nós não podemos pensar mais em simplesmente aumentar ou jogar informações aos alunos, nós precisamos provocar com questões, com dúvidas. Os novos cenários nos paralisaram corporalmente no que diz
“Muitas vezes, o quarto da criança, enquanto faz aula remota, está fechado. Ela somente está ouvindo, não abriu a câmera, não tem contato visual. Com isso o cérebro perde a vigília, ou seja, perde potencial de atenção, e, consequentemente, de processamento.” respeito à motivação. Uma das alavancas motivacionais do humano é o senso de pertencimento, então toda vez que o cérebro entender que pertence a alguma coisa, se coloca muito mais à disposição. Por isso, o aprendizado passivo é altamente comprometedor. Provoque, o cérebro precisa ser provocado, ele trabalha por provocação e isso diz respeito a gerar resposta motora, comportamental. Instiguem dos alunos essa resposta comportamental. É altamente prejudicial não abrir a câmera pois eu não tenho uma interação de qualidade. Sim, é permitido não abrir, nós vamos adicionando elementos que tornam o aprendizado cada vez mais dificultoso. Muitas vezes, o quarto da criança, enquanto faz aula remota, está fechado. Ela somente está ouvindo, não abriu a câmera, não tem contato visual. Com isso o cérebro perde a vigília, ou seja, perde potencial de atenção, e, consequentemente, de processamento. Logo que a luminosidade bate na estrutura ganglionar da retina, é liberada uma substância fotossensível chamada melanopsina. Uma comunicação é enviada ao conglomerado de neurônios, cha-
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mado de supraquiasmático, para diminuir a liberação na glândula pineal de melatonina e aumentar a liberação de noradrenalina, mostrando para o cérebro que é dia e eu preciso de vigília ou o oposto, quando é noite. É por isso que na escola nós diversificamos as vias sensoriais, apresentamos projeções, mostramos materiais, exigimos do aluno fazer, fazemos uma integração de respostas. A neurociência nos mostra que crianças que desenham, que pintam, que cortam com a mão apresentam mapas neurais nas áreas relacionadas com a linguagem, com a leitura, com a escrita e com a fala muito mais potenciais. Toda vez que você exige que o aluno organize o seu espaço pessoal, selecione, ordene, sequencie, classifique, planeje suas ações e materiais, educa o aprendizado. Toda vez que você exige e exercita a atenção e a concentração, ajuda no desenvolvimento da formação de empatia, a fazer um julgamento social melhor para estabelecer uma conduta social melhor, ajuda a fortalecer os elementos volitivos de tomada de decisão. O cérebro precisa ser disciplinado. É importante ter uma boa estrutura afetivo-emocional para isso, mas também é indispensável ser disciplinado para ter uma boa organização afetivo-emocional. Existe uma chamada ciclicidade nesse processo, tudo isso vai nos dar perspectivas mais amplas para novas formas de pensar e agir as nossas estratégias procedimentais. O cérebro precisa ser amado, cuidado, enriquecido de informações, ampliando esse arcabouço informacional, variando as atividades. Essa ampliação aumenta os caminhos de busca de informação e dá ao cérebro maior capacidade de evocá-las. Existe uma cascata fantástica, a partir desses processos, que organizam, alicerçam, potencializam o aprendizado.
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Tudo isso gera senso de pertencimento, empoderamento do aluno e do educador: é a auto-realização. Ou seja, quando eu consigo perceber que o que estou fazendo está em consonância com os meus objetivos, isso continua alavancando o potencial motivacional para que as coisas aconteçam da melhor maneira. O educador precisa reconhecer o trabalho do aluno, mesmo que não esteja dentro daquela plenitude de arranjo que esperava. Reconhecer o valor da entrega e da dedicação. Uma coisa é o volume do aprendizado, outra é a qualidade dele. Aqui, uma coisa é a intenção, a proposta, o empenho do aluno, outra é o desempenho. Então, que a gente possa escalonar e valorizar essas questões até qualificar cada vez melhor os estudantes. Na pandemia, as relações entre educador e educando se tornaram mais distantes, e outros atores não preparados entraram em cena, os pais. Mudou também o cenário, o que antes era o espaço mais bem compartilhado, com maior interação e maior possibilidade de representação comportamental, se tornou mais inibido. Mas dificuldades de aprendizagem não apareceram agora, já vinham se estabelecendo. Porém, na escola nós temos os padrões, um ambiente contro-
lado para aquele tipo de aprendizado, de relação. Hoje essas dificuldades se acentuam, o mesmo problema que o aluno tem do outro lado da tela, o professor começa a ter aqui por não estar acostumado com a ferramenta ou tecnologia. Provoco a amplificação dessa reflexão acerca do que nós temos enquanto domínio profissional: uma estrutura didático-pedagógica pronta para colocar frente ao aluno e o que nos espera enquanto organismo vivo lá do outro lado. Não é um corpo, mas é a corporeidade que permite essa organização qualificada. Não é a ferramenta, não é a tecnologia tão somente, é o método, é como eu utilizo essa ferramenta, é como eu utilizo essa tecnologia. É isso que vai verdadeiramente impactar o cérebro e fazer com que ele reaja a esse tipo de estimulação, modulando as relações internas e, consequentemente, o comportamento. Para que nós possamos chegar a essa equação inteligente, integrando conhecimentos da neurociência e da educação, precisamos quebrar um pouquinho essa ideia de que as neurociências nos darão todas as respostas e se tornarão prescritivas para solucionar todos os problemas. Não, isso não vai acontecer. É o nosso fazer atento, nosso refazer, usar o erro para flexibi-
CONTEÚDO ONLINE DISPONÍVEL Assista à palestra completa.
A palestra em três tópicos: O aprendizado requer uma trama complexa de relações neuropsicobiológicas. A criança tem os seus maiores potenciais de aprendizagem na tenra idade, a partir dos processos afetivo-emocionais. Não podemos pensar mais em simplesmente aumentar ou jogar informações aos alunos, nós precisamos provocar com questões, com dúvidas.
lizar o pensamento, usar as colocações do aluno para poder empoderá-lo cada vez melhor. É a nossa dinâmica relacional que irá trazer qualidade nos processos de educação.
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Infâncias ›››
MARIA CARMEM BARBOSA
Pós-doutora em Educação pela Universidade de Vic (Espanha). Doutora em Educação (Unicamp). Pedagoga (UFRGS). Professora Titular da Faculdade de Educação e Programa de Pós-graduação em Educação (UFRGS).
A escola pensada com as crianças Pedagoga Maria Carmem Barbosa reflete sobre criar espaços participativos e de vivências infantis
E
ssa ideia de ter uma pedagogia específica para a infância é nossa, constituída neste país. Gostaria muito que vocês todos que estão escutando se sentissem convidados a pensar sobre ela, a divulgá-la, a construí-la de um modo que defenda os direitos das crianças. As transformações da metade do século XX são muito grandes no que se pensa com relação às famílias e às crianças, porque muitas mulheres conseguiram acesso à escolarização. Muitas delas chegam em 1950 com formação e querendo trabalhar. Ao mesmo tempo, em nosso país, entre os anos 1920, 1930 e 1950 existe grande êxodo rural. Chegando nessas grandes cidades, as mulheres já não trabalhavam mais no campo. Elas foram para as fábricas, para o comércio. E toda a estrutura familiar, muito organizada no trabalho doméstico da mulher, começa a perder sua estabilidade. E se tornam necessárias instituições que acolham as crianças. Na década de 1960 e 1970, nós vamos ter uma grande expansão das creches no nosso país. Será que é bom para uma criança ficar 12 horas por dia dentro de uma instituição? Como será que discutimos e refletimos sobre isso para garantir o interesse superior da criança? Essa ideia de que elas têm interesses e, muitas vezes, não
conseguem falar ainda a respeito. Mas que nós, que somos operadores de diferentes campos da infância, precisamos pensar sobre. Quais os cuidados, as propostas. Essas observações gerais são muito interessantes e nos ajudam a pensar na escola e na educação das crianças. Fiquem atentos a isso. A virada de chave para essa pedagogia da infância é que ela não quer compreender a criança sozinha. Mas como é que se faz uma pedagogia em um grupo, a partir do contexto sociocultural onde essa criança vive, das relações que ela estabelece? Vemos, assim, que a primeira crítica à escola tradicional que as pedagogias ativas fazem é o reconhecimento da centralidade das crianças. Mas ainda fica muito no sentido da criança sozinha. O que a pedagogia da infância vem fazer, após os anos 1980, é tentar compreender essa criança no contexto de um mundo que se transforma, tem novas relações e nos traz novos elementos para pensar a infância. Uma pedagogia da infância não é só para escola de Educação Infantil, é uma pedagogia que pode ser desenhada, trabalhada, executada na escola de Ensino Fundamental. Isso é muito importante porque é o reconhecimento de que a infância não termina aos seis anos, quando as crianças entram para o ensino fundamental. Mas que elas têm direito de se-
rem criança até os 10 anos ou até os 12 anos, e de terem a experiência na escola. É fundamental que a instituição assuma esse compromisso também com a experiência da infância, e não só com a da escolarização. Vimos que houve essa mudança de compreensão das crianças dentro da infância e, por isso, se muda a pedagogia e se procura construir essa pedagogia da infância. Não há uma única infância nas sociedades. As configurações sociais que cada sociedade tem, a sua cultura, as relações econômicas, as relações sociais, o momento histórico… As crianças vivem as suas infâncias de acordo com todas essas variáveis sociais. Elas veem o mundo com outros olhos, diferentes dos adultos, compreendem as relações entre as coisas de modo diferente. Mas é muito importante isso que nos ensina a antropologia: que o modo como os adultos pensam não é superior ao modo que as crianças pensam. É importante que nós, que educamos, observemos, consigamos contemplar essa diferença. E que não se queira apagar essa diferença. Não é à toa que, do ponto de vista biológico, os seres humanos são os que têm a infância mais prolongada. As crianças precisam aprender e necessitam de tempo para essa tarefa. Segue ›››
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››› Infâncias
Professores de Educação Infantil e de crianças do Ensino Fundamental necessitam dialogar com as crianças, têm de escutá-las. Precisamos ser pessoas que gostam de conversar, de transformar uma pergunta numa conversa, num pensamento, numa reflexão, numa brincadeira. Temos muitos modos de constituir uma relação dialógica: não precisa ser só o verbal. Muitas vezes, os pais dizem que as crianças não brincam mais. É porque ninguém brinca com elas. Aprendemos a cozinhar observando e cozinhando junto com as pessoas que estão na cozinha da nossa casa, e aprendemos a brincar com pessoas que estão ao nosso redor. E isso é uma questão fundamental quando queremos construir uma pedagogia para as crianças: que ela seja lúdica, possibilite a fantasia, a imaginação, a brincadeira de faz de conta, que é riquíssima, especialmente porque ela permite a compreensão da criança sobre quem ela é, além de entender o mundo. Precisamos reconhecer e construir uma pedagogia que ofereça uma experiência de infância para as crianças. Que elas possam vivê-la. Como eu, como professora, organizo os meus horários dentro da escola para que as crianças tenham tempo de brincar entre seus pares e construam as suas culturas infantis? Como é que, ao observar as crianças, reconheço essas culturas infantis e sou capaz, através de um relato, de uma história contada para as crianças, qualificar e ajudar a valorizar essa cultura que elas próprias estão construindo? Qual o meu papel nessa valorização das culturas infantis? Cada vez mais as teorias de aprendizagem, tanto algumas que vêm da psicologia cognitiva como aquelas que têm origem na antropologia, mostram que a aprendizagem é al-
“Professores de Educação Infantil e de crianças do Ensino Fundamental precisam dialogar com as crianças, têm de escutá-las. Precisamos ser pessoas que gostam de conversar, de transformar uma pergunta numa conversa, num pensamento, numa reflexão, numa brincadeira. Temos muitos modos de construir uma relação dialógica.” guma coisa historicamente construída, assim como a cognição humana. Nós aprendemos as coisas fazendo juntos, pensando juntos com os adultos. Então as crianças são portadoras de histórias, são atores sociais, têm uma alteridade com relação aos adultos, constroem o mundo de outro jeito. Precisamos superar essa cultura adultocêntrica da escola. Por fim, necessitamos de uma escola feita para as crianças, mas junto com elas – essa é a grande diferença. Se os primeiros grandes pedagogos do começo do século XX queriam uma escola para as crianças, descobrimos que não adianta fazer uma escola para elas. Temos de construir uma escola com elas. Porque é estando junto, pensando conosco, fazendo conosco, que elas realmente vão aprender a conviver socialmente, vão aprender os conhecimentos do mundo. Não é ela sozinha, sentada, lendo o seu texto, mas é depois de ter lido esse texto, conversar sobre ele, discutir a respeito. É preciso pensar as relações de poder dentro da escola, nas materialidades que oferecemos nos agrupa-
Educação Em REvista | Nº 142 | Julho\Agosto\setembro 2021
CONTEÚDO ONLINE DISPONÍVEL Assista à palestra completa.
A palestra em três tópicos: A virada de chave para essa pedagogia da infância é que ela não quer compreender a criança sozinha. Mas como é que se faz uma pedagogia em um grupo, a partir do contexto sociocultural onde essa criança vive, das relações que ela estabelece? Muitas vezes, os pais dizem que as crianças não brincam mais. É porque ninguém brinca com elas. Aprendemos a cozinhar observando e cozinhando junto com as pessoas que estão na cozinha da nossa casa, e aprendemos a brincar com pessoas que estão ao nosso redor. Precisamos reconhecer e construir uma pedagogia que ofereça uma experiência de infância para as crianças. Que elas possam viver essa experiência de infância.
mentos, na organização dos espaços. O quanto a nossa escola dispõe de oportunidades para as crianças poderem ser esses atores sociais, conviverem no grupo, tomarem decisões, assumirem as responsabilidades das decisões que eles tomam, é fundamental. As pedagogias da infância são processo em construção.
Juventudes ›››
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Como lidar com as crises do Ensino Médio Psicóloga e professora Bianca Stock traz discussões sobre os processos enfrentados durante a pandemia, em especial, na volta ao presencial Segue ›››
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››› Juventudes
BIANCA STOCK
Mestre em Psicologia Social (UFRGS). Especialista em Problemas do Desenvolvimento da Infância e Adolescência (Centro Lydia Coriat). Psicóloga. Profª da Unisinos. Membra do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana. Diretora da Vinculum.
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uando a gente fala de crise na adolescência, crise do Ensino Médio, é necessário entender que a adolescência é crise. Não vamos exigir uma performance de um estudante de Ensino Médio sem problemas, que não tenha crises existenciais, políticas, filosóficas, do corpo. Mas é claro que tudo ficou muito agudizado durante a pandemia, vimos processos habituais do cotidiano da escola ganhando uma dimensão patológica, de um sofrimento muito grande pela falta de amparo. E a adolescência a gente não enfrenta, passa por ela. É nessa passagem que está colocado qual é o nosso lugar como pais, como professores, como gestores. Criança, adolescente, adulto não são massinhas de modelar. Todos têm suas vontades de poder, o desejo de exercício da sua autonomia. Então, se a gente pressupõe esse desejo, o nosso papel é oferecer ambientes que sejam emocionalmente saudáveis, facilitadores desse amadurecimento socioemocional e que vão integrar processos motores, linguísticos, cognitivos, sociais, de toda a integralidade do ser. Freud pensou e teorizou sobre a psicossexualidade. Ele nos conta que começamos na fase oral, em que a boca é libidinizada, o bebezinho conhece o mundo pela boquinha, coloca tudo na boca. Depois entramos na fase anal, que é do controle, controle dos esfíncteres, querer controlar o papai e a mamãe, entender o poder que eu posso exercer pelo corpo, aquela fase do ‘não’ para tudo. Após, vamos percebendo nas crianças a fase
“A aprendizagem efetiva e significativa é quando eles (adolescentes) entendem os porquês, o sentido de suprir a vida, inclusive, socialmente. Eles têm muito a falar e a pensar sobre esse tempo. Eles têm muito a nos dizer sobre como foi a experiência deles durante a pandemia. Mas precisamos ter disponibilidade para escutar (...)” fálica, mais edipiana, dos quatro e cinco aninhos, em que eles descobrem que tem coisas do mundo adulto e coisas do mundo da criança. Logo depois, começa a fase da latência, porque eu descubro tudo isso e tudo isso precisa ficar latente, está ali dentro como impulso mas está latejando, então vou ter que esperar. Para então entrar no que a gente chama de genitalidade, que coincide com o início da puberdade e da adolescência: o primeiro beijo, o primeiro fora, o primeiro apaixonamento, a primeira viagem de estudo sem os pais, a primeira vez que dorme fora, a primeira resenha, a primeira festinha que eles vão sair, são ensaios de interação social e de independência. A adolescência, os processos de amadurecimento socioemocional e o entendimento de quem eu sou como jovem na
Educação em Revista | Nº 142 | Julho\Agosto\Setembro 2021
sociedade não se constroem de forma teórica, em uma aula sobre isso. Precisa de experiência, de vivência, e o que aconteceu com a pandemia é como se todo o contingente dessa geração tivesse sido jogado para a latência de novo. Estavam iniciando os processos de genitalidade e de todos os sentimentos adolescentes. Isso causou muita tristeza, muito desamparo e perdas de bordas psíquicas que os professores escutaram de forma bastante intensa durante todo esse processo. Estamos em um cenário muito diverso para eles sonharem com o futuro, e o entendimento disso também nos faz ser mais empáticos com as suas dificuldades. Assusta muito ver adolescentes em processos de entristecimento. Ao mesmo tempo que nos preocupa, também nos convida a entender que é um direito se entristecer, pois com isso crescemos, amadurecemos. Eles fizeram muitos lutos, foram absolutamente protagonistas do enfrentamento da pandemia, e é muito importante que eles escutem de nós, adultos, que enxergamos todo esforço que fizeram. É claro que nos surpreendemos muito com a capacidade de resiliência maravilhosa que eles têm de inventar formas de continuar sendo criativos mesmo em um tempo tão adverso. Mas isso fala de todos os estudantes? Pelo contrário, porque temos um contingente muito grande que só conseguiu sobreviver esse tempo se escondendo, por exemplo, atrás de um jogo eletrônico. A intoxicação das telas que os estudantes do Ensino Médio sofreram é devastadora, e vemos as consequências disso nesse retorno, na dificuldade de interação, na perda de foco. Temos um contingente de jovens zumbis que não construíram memória nesse tempo de isolamento. A saúde mental está absolutamente ligada a sermos criativos frente à vida, a sermos autores da nossa própria narrativa
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de vida. Precisamos urgentemente recuperar esse sentido de uma escola criativa para que eles se sintam conectados, aceitos no ambiente, porque tem muitos jovens do Ensino Médio absolutamente desconectados dos seus pares e de seus processos de turma. Mas, professores, como lidar com essas crises? Primeiro, entendam que vocês não têm que resolver a crise do adolescente, esse não é seu papel, nosso papel é ajudá-los a ver embaixo do iceberg. Eles vão vir com o pedido ‘me ajuda, resolve para mim’, mas nosso papel é encontrar qual é a demanda, que é mais profunda do que o pedido. Entender a demanda é fazer uma escuta com as famílias, dizer ‘sim, eu estou do seu lado, vou passar contigo por essa experiência, porque você vai fazer suas escolhas, os seus processos’. Eles precisam entender que não foi um ano perdido, não são a geração covid, e sim a geração do cuidado. Nós podemos exercer esse senso de significado e aumentar a autoestima. É o valor que eles têm que está muito abalado. A aprendizagem efetiva e significativa é quando eles entendem os porquês, o sentido de suprir a vida, inclusive, socialmente. Eles têm muito a falar e a pensar sobre esse tempo. Eles têm muito a nos dizer sobre como foi a experiência deles
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durante a pandemia. Mas precisamos ter disponibilidade para escutar, porque é na construção dessa narrativa que eu vou fazer uma série de ativações neuronais que irão contribuir com a aprendizagem dos outros conteúdos. Agora, se intoxicado de informações, não consegue processá-las, só as adquire e não vai construir esse espaço, o que dá perda de sentido da vida e produz sofrimento psíquico - que é para além do diagnóstico. Quando a escola está clara nos seus princípios e propósitos pedagógicos, conseguimos fazer um processo educativo também com os pais. E eles se acalmam quando percebem essa clareza da escola na condução dos processos, que é muito diferente de quando vamos flutuando na ansiedade dos pais, e os estudantes acabam percebendo isso, na interação, de certa forma.
A adolescência, os processos de amadurecimento socioemocional e o entendimento de quem eu sou como jovem na sociedade, não se constroem de forma teórica, em uma aula sobre isso. Precisa de experiência, de vivência, e o que aconteceu com a pandemia é como se todo o contingente dessa geração tivesse sido jogado para a latência de novo. Temos um contingente muito grande (de estudantes) que só conseguiu sobreviver esse tempo (de pandemia) se escondendo, por exemplo, atrás de um jogo eletrônico. Precisamos urgentemente recuperar esse sentido de uma escola criativa para que eles se sintam conectados, aceitos no ambiente, porque tem muitos jovens do Ensino Médio absolutamente desconectados dos seus pares e de seus processos de turma.
O futuro já chegou Professores Maurício Perondi e Gabriel Dornelles abordam a necessidade de a educação conhecer e compreender as juventudes
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Educação em Revista | Nº 142 | Julho\Agosto\Setembro 2021
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MAURÍCIO PERONDI
Doutor em Educação. Professor da Faculdade de Educação/UFRGS. Membro do Centro Interdisciplinar de Educação Social e Socioeducação-CIESS. Integrante da Frente de Enfrentamento à Mortalidade Juvenil de Porto Alegre. Pesquisador do tema das juventudes.
GABRIEL DORNELLES
Pedagogo (UFRGS). Agente de Pastoral. Assessor dos grupos de jovens da Pastoral Juvenil Marista no Colégio Marista Rosário.
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xistem 50 milhões de jovens no país. Isso é algo muito representativo, é praticamente um quarto da nossa população. Entre 14 e 30 anos é onde tem o maior contingente de brasileiros. No entanto, o que podemos perceber é que o envelhecimento já começou. Temos o ápice do número de jovens na década de 80, 90 e início dos anos 2000, mas esse percentual começa a decair de uma maneira muito significativa. O Atlas das Juventudes mostra que, ao investir nesse grupo populacional, temos a oportunidade de colher um bônus demográfico, o que poderia contribuir para ajudar a reduzir a pobreza e a elevar os padrões de vida. Isso se dermos uma atenção especial para as juventudes hoje, no presente, não lá no futuro. Durante a pandemia, segundo um apontamento do Atlas, as juventudes brasileiras foram impactadas negativamente, mais do que outros segmentos da população. E há o risco de que se configure uma “geração perdida”, caso ações não sejam tomadas para reverter esses impactos. Então é muito importante olhar com atenção para as juventudes, é muito importante que ao retornarem, depois des-
“Falamos juventudes, no plural, porque estamos falando de uma diversidade, de uma multiplicidade de sujeitos que, dependendo dos recortes de classe social, etnia, gênero, território, escolaridade, terá configurações diferentes.” sa reflexão, às escolas, se discutam como abordar essa dimensão das juventudes, dos jovens que estão nas nossas escolas e que estão na nossa sociedade, de maneira geral, porque estamos conectados amplamente com todos eles. Por que estamos falando de juventudes, no plural? O preceito básico da sociologia, mas que serve para as demais ciências, é o seguinte: “se queremos compreender, é necessário conhecer”. E quando falamos de juventudes, talvez esse preceito se aplique muito diretamente porque tenho a impressão de que muitas vezes des-
conhecemos, enquanto educadores, aquilo que está acontecendo no âmbito juvenil: comportamentos diferentes, uso de aplicativos, linguagens. Eu diria que, hoje, nas escolas, temos um desafio muito significativo que é de conhecer individualmente os jovens, conhecer os grupos, quem são esses estudantes que estão nas nossas escolas – isso vai fazer uma grande diferença. Juventudes é um conceito socio, histórico e cultural, portanto, não é universal. Eu não posso dizer quais as características das juventudes da escola onde você trabalha. Posso dar chaves de leitura para entender os jovens da sociedade de hoje. Vocês que têm contato com eles é que vão entendê-los e conhecê-los. Em cada local vai haver juventudes diferentes e de maneira diversificada. Quando dizemos “os jovens de hoje são hiperconectados”, talvez, sim, em uma perspectiva geral, mas não necessariamente todos o são; “ah, os jovens de hoje são apáticos”, estamos generalizando, colocando todo mundo em uma mesma categoria, como se fossem iguais. E não são. Dependendo do contexto social, do período histórico, da cultura, teremos jovens com diferentes características. Por isso falamos juventudes, no plural, porque estamos falando de uma diversidade, de uma multiplicidade de sujeitos que, dependendo dos recortes de classe social, etnia, gênero, território, escolaridade, terá configurações diferentes. Então é muito importante fazer uma minipesquisa nas escolas para entender o sujeito, quais são os jovens da nossa realidade.
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Socialmente, temos usado quatro formas de olhar para as juventudes. A primeira, que é muito clássica, e para quem trabalha nas escolas é uma das mais presentes, é a ideia de enxergar o jovem como etapa preparatória para o futuro. Pensamos que temos de formar o jovem para que futuramente ele possa desempenhar uma função – focamos somente na dimensão preparatória, por isso é limitada, como se não pudesse assumir responsabilidades, não é capaz, não pode participar. Outra visão limitada é ver o jovem como problema, como se o jovem só trouxesse problema. A terceira abordagem traz o jovem como modelo, como paradigma de ser humano, protótipo, todos querem ser jovens, a criança e o pré-adolescente querem ter comportamentos de jovens – esse processo de antecipação tem sido chamado de juvenilização da cultura – e não é incomum ver adultos com comportamentos iguais, justamente porque querem se “manter” jovens. Em outro período histórico, o ideal de ser humano era ser adulto, porque você teria independência da família, iria poder dirigir. Assim como em outros tempos o ideal era ser ancião, porque era considerado em muitas sociedades o que tem a sabedoria, o poder. Isso vai mudando historicamente. Temos uma quarta visão: olhar o jovem como sujeito social no presente, já na escola, enquanto ele tem capacidade interventiva, de falar sobre aquilo que está sendo estudado, de aprender, de participar socialmente. Quando olhamos para o jovem como sujeito, isso tem outra conotação, e os jovens sabem qual é a abordagem que utilizamos quando trabalhamos com eles. Se você tem uma postura de valorizar a participação do jovem, o que ele é e o que ele faz, ele vai perceber isso e vai construir junto contigo, educa-
“Será que os nossos estudantes se sentem parte dos espaços educativos das nossas escolas? É um questionamento importante de trazer para, de fato, pensar na nossa prática. Será que são espaços de acolhida, de uma escuta sensível, de um diálogo? Tudo isso favorece esse sentimento de pertencimento.” dor, uma relação e um processo de aprendizado diferentes. A educação tem grande potencial, basta oferecer oportunidade, reflexão e interação entre os sujeitos. Fizemos um exercício com estudantes: que definissem suas características a partir do que enxergam sobre os jovens de hoje. Uma jovem escreveu que é paixão, descobertas, sorrisos, sensações. Outro diz que é o potencial, o espaço de se encontrar, a força, a revolução. Um jovem diz que são inquietos, que a juventude se desconstrói, é caminhante, engajada, construtiva, exaustiva. Outra diz assim: uma característica seria a proatividade, essa vontade de não deixar as coisas passarem em branco e ir atrás do que for preciso para resolver os desafios, os problemas que surgem. Esses são jeitos de se compreender as juventudes a partir do próprio olhar que eles têm sobre eles. Se formos fazer as relações, o olhar que nós temos enquanto professores geralmente é distante.
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Então as juventudes vão aparecer como um produto de desejo, objeto do discurso social, que acontece sempre a partir do olhar do outro, de uma visão adultocêntrica das instituições. Algo que confere ao jovem essa postura enquanto passivo, sujeito em transição, e nunca a partir do olhar dele mesmo. Convido a cada vez mais pensarmos quanto nós, o nosso olhar e o nosso fazer pedagógico são diretamente impulsionados pelas compreensões e concepções que temos, pelas representações sociais. E pensar que essas concepções vão ser fruto da nossa ação concreta com eles. Os jovens sabem quando estamos lidando com eles como juventude preparatória, como o jovem problema. Então é importante que nós os reconheçamos enquanto sujeitos sociais, de direitos. E para tentar materializar tudo isso, elaboramos alguns elementos importantes para considerar nas nossas práticas com as juventudes. O primeiro diz respeito ao sentimento de pertença, esse sentimento de pertencer a um espaço é compartilhado por todos nós, nascemos em uma comunidade, em uma sociedade com hábitos e crenças. Será que os nossos estudantes se sentem parte dos espaços educativos das nossas escolas? É um questionamento importante de trazer para, de fato, pensar na nossa prática. Será que são espaços de acolhida, de uma escuta sensível, de um diálogo? Tudo isso favorece esse sentimento de pertencimento. E isso não se reduz à questão do lugar, espaço físico, mas também da relação que vamos construindo com eles. É no sentido de a gente criar ambientes favoráveis de pertencimento: a escola, a comunidade, o bairro, a sala de aula, o conteúdo, valores de
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solidariedade, responsabilidade. Outro elemento importante para pensarmos, é o protagonismo, a participação. Esse talvez seja o principal motivo de uma proposta pedagógica. Quando o jovem se sente autor da ação, protagonista, participante genuíno, a motivação acontece naturalmente. Quando contrário, notamos que o interesse diminui, as coisas não despertam, não engajam. O jovem precisa estar no centro das ações, enquanto ativo de toda a proposta, elaboração, execução e avaliação. É importante que os estimulemos para que tomem a frente dos processos, que aprendam com eles e percebam suas responsabilidades dentro disso. O terceiro ponto é o planejamento junto aos jovens. Se queremos compreendê-los, é necessário que os reconheçamos: as experiências prévias, seus saberes, identidades culturais. Um planejamento implica em um movimento de escuta sensível e acolhedora, que os toma como parceiros das nossas ações, para que possamos potencializar aquilo que já trazem de experiência de vida, das suas bagagens culturais. Outro aspecto são as múltiplas linguagens. Nós, enquanto educadores,
temos esse papel de motivar, fazer despertar, fomentar a criatividade dos jovens, conhecer quais são as linguagens deles, seus gostos, o que estão escutando, o que consomem, se apropriam, que espaços visitam, ocupam, e utilizar os elementos artísticos que compõem a realidade juvenil. O último ponto: a sala de aula não se restringe ao espaço físico, se amplia para a comunidade educativa, bairro, escola de modo geral, que são as intervenções na nossa comunidade. Os grêmios estudantis, como grupos e jovens, querem visibilidade, têm ampliado seu espaço, proposto espaços educativos para a comunidade externa, rodas de conversa. Isso gera empatia para os educadores e demais estudantes quando saímos do espaço físico da sala e ampliamos os horizontes. Trabalham temáticas que às vezes são sensíveis no próprio ambiente escolar, mas que de alguma maneira, como faz sentido para eles, precisamos acolher. De fato é da sua experiência, é o que estão passando no momento. Esse protagonismo forma jovens autônomos, comprometidos socialmente, capazes de se solidarizar com o próximo.
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A palestra em três tópicos: Durante a pandemia, as juventudes brasileiras foram impactadas negativamente, mais do que outros segmentos da população. E há o risco de que se configure uma “geração perdida”, caso ações não sejam tomadas para reverter esses impactos. Temos um desafio muito significativo que é de conhecer individualmente os jovens, conhecer os grupos, quem são esses estudantes que estão nas nossas escolas. Protagonismo: talvez seja o principal motivo de uma proposta pedagógica. Quando o jovem se sente autor da ação, participante genuíno, a motivação acontece naturalmente.
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Educação em Revista | Nº 143 | Julho\Agosto\Setembro 2021
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GENIFER GERHARDT
Licenciatura em Teatro -UFBA. Palhaça. Bonequeira. Poeta.
Narrativas para inspirar Poeta, bonequeira e palhaça, Genifer Gerhardt emocionou o público contando a própria história e as de outras pessoas que conheceu em uma viagem pelo Brasil
E
u vim aqui contar uma história, a minha, que é atravessada por outras tantas. Era domingo, eu estava debruçada sobre uma mesa, cheia de contas para pagar. Estava vivendo para aquilo e me perguntando se a vida era mesmo só isso. Então perguntei para mim mesma o que poderia fazer. Peguei um calendário e falei “preciso viajar para olhar para as pessoas, para talvez conseguir olhar para mim”. A minha história começou ali, quando peguei o calendário e achei um número bonito e o marquei: era 9/9/2009. Aos sábados, eu ia para uma praça de Salvador e não falava para as minhas amigas porque não queria que fossem me ver. Eu queria que outras pessoas gostassem de mim. Mas eu fracassava. Toda semana. E voltava pra casa com um monte de malas, em um ônibus lotado, e dizia para mim mesma que não nasci para aquilo, que nunca seria uma palhaça boa, que eu era muito ruim. E nos fins de semana seguintes eu voltava, porque tinha ouvido de alguém um dia, um mestre palhaço, sobre horas de voo. Um piloto de voo não é contratado porque ele é bom, porque nasceu bom, e sim porque ele tem horas de voo, porque ele o fez sucessivamente. E, para a arte, talvez não seja diferente. Depois de quatro meses eu tinha um espetáculo de palhaça. Podia não
“Aquela senhora era muito religiosa, e ela tinha preparado uma festa de Dia das Crianças para o dia seguinte. Contou depois que rezou muito porque queria fazer uma festa bonita, ela tinha comprado um monte de bolhas de sabão, balão e outras coisas para as crianças. E na porta dela apareceu uma palhaça.” ser o melhor, mas era alguma coisa. Quando estava chegando perto do dia 9/9/2009, eu vi que não iria receber um dinheiro, então marquei outra data: dia 10/10/2009, porque seria demais esperar mais um ano. Nesse dia não tinha entrado o dinheiro, mas peguei emprestado e viajei. Fui sozinha com um mochilão. Gostaria de parar em pequenas povoações para conhecer as pessoas. Lembro do primeiro povoado em que parei, Campinarana, em 11 de outubro. Chegando lá, coloquei as minhas coisas na canoinha e
atravessei. Do outro lado tinha um monte de areia, eu puxava meu carrinho que tinha mais ou menos o mesmo peso que eu e me perguntava o que estava fazendo lá. Suava. Comecei a andar na rua e as pessoas olhavam para mim como “quem é essa estranha”. Então parei na frente de uma árvore grande. Tinha uma senhora sentada em frente a uma porta e as crianças vieram no meu entorno perguntar o que estava fazendo ali. E falei: eu sou palhaça e bonequeira, e vim aqui porque quero apresentar para vocês, conhecê-los. Eu olhei para aquela senhora, que encheu os olhos d’água. Ela deu um passo para o lado, abriu a porta e disse “vem, minha filha, tu podes ficar aqui em casa, tem uma cama aqui, vou pegar um lanche e água para a gente”. Sentei em um sofá enorme e as crianças se amontoaram em volta de mim. Eu achei muito curioso, olhei para o lado e vi um monte de sacolinhas plásticas no chão e não entendi muito bem, fui entender depois. Aquela senhora era muito religiosa, e ela tinha preparado uma festa de Dia das Crianças para o dia seguinte. Contou depois que rezou muito porque queria fazer uma festa bonita: ela tinha comprado um monte de bolhas de sabão, balão e outras coisas para as crianças. E na porta dela apareceu uma palhaça. Segue ›››
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Lembro de um dia em que eu estava na frente do espelho, olhando dentro dos meus olhos. Falei assim: eu já sei! Vou comprar um motorhome. Lembro que nesse dia eu ri e chorei porque mal tinha dinheiro pra pagar o aluguel, como que iria comprar um motorhome. Acontece que tem uma coisa que acredito muito: a gente chama e é chamado em igual proporção. Não precisamos saber direito como vamos chegar lá, mas às vezes é importante definir onde é o nosso lá. Eu peguei um papelzinho e escrevi o mês e o ano. Não tinha ideia alguma de como é que iria acontecer. Mas, seis anos depois, dois meses antes daquele mês do papelzinho, eu estava com um motorhome estacionado ali fora e com um menino de quase dois anos comigo. Esse menino é o TimTim. Os caminhos que a gente faz, nunca se sabe direito onde vão dar. Comigo também não foi diferente e, nas minhas viagens, também não. A verdade é que nesse momento da história eu estava ali, com um motorhome, que chamo de Tempo. E naquela casinha, naquele pequeno espaço eu viajei com o menino. No início, com um projeto aprovado, foram dois meses até a Bahia voltando para as pequenas povoações e apresentando os bonecos que eu tinha feito das pessoas para as pessoas. Era uma maneira de voltar e agradecer por terem me contado aquelas histórias. Quando terminou o projeto e o dinheiro, minhas duas amigas que viajavam junto voltaram para suas casas e eu estava com o TimTim de dois anos. Então viajamos mais 10 meses, totalizando uma viagem de um ano. Foram 19.500 quilômetros, eu e o menino a ouvir e a contar histórias em 18 Estados brasileiros. Um caminho grande e pequeno ao mesmo tempo, e desse caminho eu comecei a fazer bonecos
“Uma vez o seu João falou assim: amiguinha, tu trabalha com o quê? E eu falei: eu conto as histórias das pessoas, seu João. Aliás, seria lindo contar a sua, você quer? Ele ficou bem feliz: eu queria só que essa história chegasse ao ouvido de minha filha, para que ela não duvidasse nunca do grande pai que teve.” miúdos. São bonecos-homenagem que iniciei quando resolvi falar das belezas, das histórias das pessoas. Tem a história de um senhor que eu conheci enquanto meu filho caminhava em Porto Alegre. Seu João, um morador de rua. Lá na rua onde eu vivia e o TimTim caminhava, tinha uma barraquinha montada onde dormia todo dia o seu João, e todo dia ele saía para limpar os carros da rua e voltava para a barraquinha. Seu João teve dois filhos, um menino e uma menina, casou, separou e depois foi parar na rua, passar na rua, porque rua não é lugar de parar. Incomoda gente querendo passar, incomoda a pressa que ninguém quer curar. Um dia, de madrugada, seu João estava na barraquinha ouvindo muito barulho na rua. Foi lá ver e bateram nele, estavam tentando levar os carros. Eram três. Naquela noite, bateram tanto no seu João que ele se fingiu de morto. A vizinhança escutou mas não quis se meter não. A delegacia de Polícia era ali, mas...
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A barraquinha, três dias depois, já não tinha. Morreu mesmo o seu João. Ele costumava dizer que nada é certo nesse mundo. “Um dia eu estava lá sentado assistindo televisão em casa e no outro eu era morador de rua”. Ninguém espera. Nem sempre é certo e nem sempre é justo. Uma vez o seu João falou assim: amiguinha, tu trabalha com o quê? E eu falei: conto as histórias das pessoas, seu João. Aliás, seria lindo contar a sua, você quer? Ele ficou bem feliz: eu queria só que essa história chegasse ao ouvido de minha filha, para que ela não duvidasse nunca do grande pai que teve. Percebi que tinha me tornado ponte. Fico me perguntando se os educadores não são isso. Por último, eu vou falar uma poesia que escrevi para o meu filho, o TimTim, porque acho que fala um pouco dos nossos tempos. É assim: Filho, por aqui está tudo meio descabelado. Assim, rebuscado. É briga, é grito, o mundo anda meio confuso com tudo, com o mundo, conosco, comigo. Filho, está todo mundo cansado. A moça que tem que trabalhar demais, o moço que tem que chorar de menos. E, olhando assim, parece, até parece, que o amor anda meio esquecido, esquisito. Filho, a formiguinha que tu me apontou hoje cedo está agonizando, o mundo está agonizando junto com ela, porque não cabe, não cabe nesse embalo de agora, parece que nosso barco não navega bem. Filho, está bem balançado, e até eu estou meio envolta aos meus próprios medos e egos. Mas o mundo, filho, está como sempre esteve. Eu pensei nisso hoje quando te vi em-
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pilhando as pedrinhas na rua. Eu pensei nisso ontem quando vi a senhora gritando da janela. Eu pensei nisso agora quando te vejo sorrindo. Filho, o mundo está como sempre esteve, e a escolha nossa é o olhar. Por isso, filho, saiba que você pode olhar para tudo. Pode achar um absurdo o flanelinha dormir ali. Pode até achar beleza em sapato de madame, mas é sempre uma escolha nossa o olhar, o para onde se olha. O belo, filho, é também responsabilidade nossa. Olhar o belo. Tudo tem várias faces e tudo merece que olhemos com amor. E, às vezes, filho, pode parecer bem difícil, bem descabelado, bem sem sentido, mas o mundo carrega mistérios e belezas.
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É a escolha de olhar, de permitir olhar. Pode olhar, filho, pode olhar. Cada sorriso de lágrima, cada brilho no olho, saiba olhar com olhos teus cada amor que nos olhos atravessam e, quando conseguir, filho, vê beleza, também, no descompasso. Saiba que eu seguirei aqui, do seu lado, de novo, ainda e sempre, apontando cada formiguinha, cada olhar e cada amor, filho.
Um piloto de voo não é contratado porque ele é bom, porque nasceu bom, e sim porque ele tem horas de voo, porque ele fez sucessivamente. Acontece que tem uma coisa que eu acredito muito, a gente chama e é chamado em igual proporção. Não precisamos saber direito como vamos chegar lá, mas às vezes é importante definir onde é o nosso lá. Eu percebi que tinha me tornado ponte. Fico me perguntando se os educadores não são isso.
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Adolescências ›››
FABIANA LORENZI
Pós-doutora em Informática na Educação. Doutora em Inteligência Artificial. Articuladora nacional da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (RBAC).
Pensadores criativos no Ensino Fundamental: é possível? Palestrante Fabiana Lorenzi comenta sobre os quatro pilares da aprendizagem criativa e os papéis de professores e alunos
A
escola está preparada para estudantes que pensam de forma criativa? Será que os professores estão preparados para uma sala de aula onde o estudante pensa fora da casinha? Vou dar um exemplo para vocês: uma professora fez uma atividade sobre meios de transporte com alunos do terceiro ano. No momento de compartilhar, um estudante falou sobre carro, um sobre ônibus, outro sobre caminhão e um menino falou sobre naves espaciais. Essa professora me disse assim: “Fabiana, eu não sabia o que fazer, me bateu um ruim porque não sabia como responder“. Então, quando trabalhamos de forma diferente, tentando fazer com que o aluno seja um pensador criativo, temos que nos preparar para a aula, não preparar a aula. Vamos nos preparar para estar na aula, porque não sabemos o que os alunos trarão. Isso dá medo, mas é maravilhoso poder ouvir do aluno uma coisa que você não imaginava que ele poderia pesquisar. As escolas têm que estar preparadas para esse professor que está pensando fora da casinha, e esse professor tem que estar preparado para esse aluno que
também vai pensar fora da casinha. Mas será que os estudantes estão preparados para saber que a partir de agora eles serão o centro do aprendizado? Porque quando falamos em criatividade, estamos mudando o centro. Em vez de um professor estar ali apenas passando conteúdo para os seus alunos, ele o envolve no aprendizado. E quem é a última peça desse quebra-cabeça? As famílias. Elas têm que estar de mãos dadas conosco e entender que o professor estuda pensando em como melhorar o aprendizado de seus alunos, e que fazer atividades diferentes traz um resultado positivo. Não é só preencher livros e fazer testes. Eu trago uma abordagem pedagógica chamada aprendizagem criativa, que é apresentada pelo professor Michel Resnick, coordenador do grupo de pesquisa Lifelong Kindergarten. Perguntaram para ele qual foi a invenção mais poderosa dos mil anos que já passaram, e ele respondeu que foi o jardim de infância. Porque é onde as crianças conseguem explorar diferentes materiais, pensar de forma livre e aprender de forma criativa. Ele começou a avaliar crianças até montar a espiral da aprendizagem cria-
tiva. Funciona assim: a partir da necessidade de resolver um problema, o aluno imagina e cria uma resolução, depois a explora e compartilha com seus colegas. Após, recebe devolutivas dos colegas e reflete sobre elas. Então uma nova onda da espiral começa. Mas por que falamos do jardim de infância se a trilha é sobre adolescências? Porque é onde as crianças conseguem soltar sua liberdade. Essa exploração lúdica é muito importante. Na pesquisa do professor Resnick, ele fala que quer levar o jardim de infância para a vida toda. Ou seja, quer que todas as características do jardim de infância consigam ser utilizadas nos anos seguintes. Como aplicar essa espiral? A aprendizagem criativa trabalha alicerçada em quatro pilares, os 4 Ps: projeto, paixão, pares e pensar brincando. Sempre trabalhamos pensando em projetos; buscamos trabalhar a paixão do aluno, ou seja, o que ele gosta; tentamos trabalhar em grupos para que eles consigam colaborar; e sempre buscamos fazer os estudantes refletirem, brincarem e explorarem, que é o pensar brincando. Segue ›››
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››› Adolescências
Não é difícil implementar uma atividade criativa. Em especial, se estiver relacionada com os interesses: música, Star Wars, e-sports, Pokémon, o jogo Brawl Stars etc. Quando planejamos a atividade, podemos ter um resultado surpreendente. Outra coisa interessante é que o planejamento da atividade pode gerar parcerias com outros professores da escola. Por exemplo, por que não juntar História e Português ou Matemática e Inglês? Podemos fazer diferentes misturas. Eu tenho certeza que todos vocês já fizeram alguma atividade criativa, mas talvez não conhecessem o conceito desse tipo de aprendizagem. Eu trouxe um exemplo: várias escolas estão trabalhando com aqueles kits de robótica, mas alguns professores ainda utilizam de forma instrucionista. O professor fala “vamos utilizar esse kit de robótica para fazer uma tarefa de matemática, vocês vão seguir as instruções para montar esse carrinho que deve andar em linha reta, chegar ao final e ser capaz de pegar um objeto”. Será que essa atividade exige que o aluno pense de uma forma diferente? Será que ela explora os interesses do aluno? Será que ela permite que ele pense em uma solução para aquele carrinho, contextualizado com ele, com o que gosta, com a vida dele, ao fazer o carrinho andar na linha reta e pegar um objeto? Será que esse kit está sendo explorado de uma forma criativa? Acho que não. Eu diria para vocês que podemos chamar de robótica criativa quando o professor diz assim: “nós temos esse kit para a tarefa da disciplina de matemática, vocês podem usá-lo da forma que acharem interessante, mas quero que todos os conceitos trabalhados neste mês sejam utilizados”. Então, veja bem, é o mesmo kit, mas é uma abordagem totalmente diferente, porque na abordagem criativa é permitido que o aluno pense e explore de outras formas.
A palestra em três tópicos: É maravilhoso poder ouvir do aluno uma coisa que você não imaginava que ele poderia pesquisar.
“Trago uma abordagem pedagógica chamada aprendizagem criativa, que é apresentada pelo professor Michel Resnick, coordenador do grupo de pesquisa Lifelong Kindergarten. Perguntaram para ele qual foi a invenção mais poderosa dos mil anos que já passaram, e ele respondeu que foi o jardim de infância.” Temos algo muito importante na aprendizagem criativa, três características: piso baixo, teto alto e paredes amplas. O piso baixo significa que eu vou sempre permitir que o aluno comece uma atividade de uma forma muito simples, não vou rebuscar porque talvez ele não vai conseguir, e isso o frustraria. O teto alto significa permitir que a atividade de cada aluno seja complexa de acordo com o tempo dele. E paredes amplas significa que existem diferentes formas de resolver um problema, e não podemos podar isso. O exemplo da robótica faz com que pensemos em como podemos melhorar uma atividade. Em relação a isso, é importante destacar que não existe certo ou errado na aprendizagem criativa, nem para o aluno e nem para o professor. E é bonito poder às vezes se permitir e dizer “eu ainda não sei a sua resposta, mas vou pesquisar, vamos pesquisar juntos”. Quais são os caminhos possíveis? Como ouvir os estudantes? Como pensar atividades que permitam explorar os interesses de cada aluno? Eu consigo planejar minha atividade pensando
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A partir da necessidade de resolver um problema, o aluno imagina e cria uma resolução, depois a explora e compartilha com seus colegas. Após, recebe devolutivas dos colegas e reflete sobre elas. Então uma nova onda da espiral começa. A aprendizagem criativa trabalha alicerçada em quatro pilares, os 4 Ps: projeto, paixão, pares e pensar brincando. Sempre trabalhamos pensando em projetos; buscamos trabalhar a paixão do aluno, ou seja, o que ele gosta; tentamos trabalhar em grupos para que eles consigam colaborar; e sempre buscamos fazer os estudantes refletir, brincar e explorar, que é o pensar brincando.
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nessa espiral da criatividade? Podemos pensar em atividades interdisciplinares? Como trabalhar conteúdos de duas áreas diferentes em uma única atividade e envolver outros colegas? Quando falamos sobre atividades criativas, não é que toda aula vai ser assim, mas vamos começar a trabalhar isso em conteúdos mais difíceis.
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Currículo por competências: uma nova forma de aprender
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Pedagoga mestre em educação, Norma Golfeto afirma que é preciso ressignificar funções do professor e do estudante no processo formativo
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NORMA VIAPIANA GOLFETO
Mestre em Educação (UFSM). Pedagoga, Professora Universitária. Consultora da área acadêmica na educação superior para implantação de modelos educacionais inovadores. Estudiosa das áreas de currículo, metodologias de ensino e avaliação da aprendizagem.
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que vamos debater aqui são temáticas fortemente presentes nas discussões do ensino superior nos últimos tempos: currículo organizado por competências. Entendemos que são estratégias inovadoras e que abrem a possibilidade para se implementar mudanças significativas, principalmente, no ensino superior mas, também, na Educação Básica. Estamos em um tempo de múltiplas mudanças e transformações em todas as áreas, e a pandemia mostrou mais algumas e muitos limites. Provavelmente no pós-pandemia nós teremos que nos reorganizar, reordenar todo o nosso processo, o modelo educacional e a prática pedagógica. O que essa discussão nos leva a pensar? Mostra que existem múltiplas possibilidades de aprender: novos espaços, novas formas de acessar o conhecimento, outras técnicas, outros meios e recursos de aprendizagem, uma nova didática, outros temas, conteúdos a aprender. E, principalmente, novos resultados de aprendizagem. Vou fazer um comparativo entre os modelos educacional tradicional e o organizado por competências. No tradicional, o conteúdo é sempre o elemento central, a parte mais importante. Então, quanto mais conteúdo, melhor. Eu, como professora, trabalhei nessa metodologia e pensava dessa forma durante muito tempo. À medida em que a gente vai compreendendo e percebendo as possibilidades, vai
“É um processo inverso. A preocupação é aprender a resolver problemas, a resolver desafios, a compreender a vida profissional e uma prática pedagógica em que se aplica aquilo que se está estudando.” mudando a forma de entender. Só que esse modelo tradicional está muito focado no ensino. Todo o processo de transmissão de conteúdos, de estudo de avaliações baseadas em conteúdos, tem um foco fundamental no ensino, onde o professor é o elemento dinamizador, onde há uma metodologia possível, no qual existe uma forma definida de dispor o conteúdo. O processo de planejamento pode ser feito por disciplina e de forma individual. Durante o processo de formação, o estudante vai acessar o conhecimento científico e o conteúdo para uma aplicabilidade futura, quando ele já estiver formado, ingressando no seu campo de atuação profissional. Como já é mais ou menos comum também, quanto mais conteúdo, a ideia que se tem é de que o curso é melhor. Que ele tem maior qualidade. Hoje nós já temos condições, recursos, tecnologia, fundamentação teó-
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rica, pesquisas que demonstram que é possível empreender o processo de formação de outro modo, com outras técnicas, recursos e formas. Quando colocamos as competências como elemento central, o modelo educacional se fundamenta no desenvolvimento de competência – modificamos todo esse processo de organização de uma prática pedagógica. Tanto o professor quanto os alunos, as metodologias, as formas de dispor o conteúdo, avaliação. Todo esse processo está muito mais focado na aprendizagem do que propriamente no ensino. E aí temos o aluno como elemento central, não mais tanto o professor. Quando falamos em um processo organizado por competências, pensamos muito no nosso estudante e no resultado de aprendizagem que ele vai obter. É um processo inverso. A preocupação é aprender a resolver problemas e desafios, a compreender a vida profissional e uma prática pedagógica em que se aplica aquilo que se está estudando. Isso passa a fazer muito mais sentido para o aluno do que ele ter que estudar sabendo que vai precisar desse conhecimento, mas ele também não consegue dimensionar em que contexto, em que momento, em que problema aquele conhecimento será necessário e será utilizado. Não existe desenvolvimento de competências profissionais sem conhecimento científico na base. Quando se fala em competências, não se está ao mesmo tempo discutindo redução de conteúdos ou perda da qualidade, ou seja, da quantidade daqueles conhecimentos que o aluno precisa estudar. Um currículo organizado por competência contempla todo aquele conhecimento necessário no processo de formação. Só que esse conhecimento é apresentado e desenvolvido em
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tempos, em formas muito diferentes daquelas a que estamos acostumados normalmente a fazer e a oferecer em conteúdos fortemente disciplinares. Uma das finalidades de pensar no processo de organizar cursos, currículos e seus projetos pedagógicos por competência é aproximar um pouco a formação da profissão. Com isso, não se está querendo dizer que o processo de formação deva se submeter ao que demanda o campo de atuação profissional ou simplesmente o mercado de trabalho. Mas é uma lógica de aproximação, de trazer mais para perto do processo de formação aquelas características, demandas e racionalidade necessárias para o exercício profissional. As competências se estruturam no fazer. Quanto mais o estudante efetivamente se envolver no processo, trabalhar com outras metodologias, com outras formas, será muito mais fácil o desenvolvimento. Eu vivenciei experiências em que a instituição olhou para o curso e pensou assim: “essas são as grandes áreas de atuação desse profissional.” Eu vou organizar as disciplinas em torno dessas áreas. Então tudo que se está trabalhando naquele semestre vai fazer muito mais sentido para o estudante. As disciplinas continuam lá porque a grande discussão e a dificuldade é superarmos essa visão disciplinar no momento de disponibilizar o conteúdo para o estudante. A metodologia é sempre ativa, dinâmica. O envolvimento do aluno é muito maior, porque ele demanda leitura, estudo, pesquisa e, obviamente, também da exposição do professor, dos exercícios e das atividades que comumente podem ser desenvolvidos. Há uma possibilidade de organizarmos currículos de uma forma muito mais inovadora e diferente.
Os desafios são múltiplos. O primeiro é começarmos a mudar a nossa forma de pensar e de enxergar o processo de formação. Não separado em caixinhas, em disciplinas, em que professores conseguem planejar e organizar de forma independente. Mas observar as competências necessárias para o exercício profissional e entender, elaborar, as estratégias, as atividades, os projetos, as vivências que o aluno precisa ter para poder desenvolver-se e atuar de forma positiva, produtiva e satisfatória naquele campo de atuação. Nessa caminhada, é preciso apropriar-se dos resultados, o feedback, algo que contribua significativamente. Então, o processo de avaliação se modifica muito. E essa questão de dialogar, de fazer com que o aluno compreenda como ele aprende, como precisa ajustar muitas vezes o seu modo de atuação, a sua dedicação, o seu envolvimento. Se só trabalhamos com provas, o aluno só vê um número. Se o número for bom, ele fica tranquilo. Se for ruim, ele também não recebe muitas orientações, feedbacks e encaminhamento. No desenvolvimento de competências, de uma aprendizagem que valoriza competências, não entramos em uma avaliação da competência, mas em uma avaliação que constate a caminhada, a aproximação que esse estudante vai ter. Conhecer o seu resultado, a sua trajetória e o seu processo tem uma importância ímpar na melhoria da qualidade do processo de formação. Desconstruir tudo isso é um desafio muito grande e, sem sombra de dúvidas, é compreensível que os professores tenham inseguranças e resistências no começo do processo. Mas, à medida em que resultados vão aparecendo, que alunos vão mostrando aprendizagens muito mais integra-
A palestra em três tópicos: Existem múltiplas possibilidades de aprender: novos espaços, novas formas de acessar o conhecimento, outras técnicas, outros meios e recursos de aprendizagem, uma nova didática, outros temas, conteúdos a aprender. E, principalmente, novos resultados de aprendizagem. Quando colocamos as competências como elemento central, o modelo educacional se fundamenta e se apoia no desenvolvimento de competência. Modificamos todo esse processo de organização de uma prática pedagógica. Uma das finalidades de pensarmos no processo de organizar cursos, currículos e seus projetos pedagógicos, por competência é aproximar um pouco a formação da profissão.
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das, muito mais fundamentadas do que cada disciplina separadamente, há uma motivação natural e o aperfeiçoamento do modelo se dá rapidamente. O modelo de competências se organiza de outro modo. Há espaços para os projetos e para os desejos dos próprios estudantes.
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ROSSANDRO KLINJEY
Psicólogo (UEPB). Professor. Consultor em Educação e Desenvolvimento Humano. Autor de cinco livros. É consultor do programa “Encontro com Fátima Bernardes” e colunista da Rádio CBN.
Autoamor e felicidade, uma relação de causa e efeito Psicólogo Rossandro Klinjey explica que é preciso amar a si para amar ao outro, o que não significa deixar de lado a compaixão
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sociedade na qual nos encontramos leva a gente o tempo inteiro a um processo de exteriorização, de buscar lá fora. Mas é interessante, nesse caráter pedagógico, como a vida nos chamou pra dentro, pra que a gente se reencontrasse, se reconectasse. Estávamos: a próxima aula, a próxima escola, a próxima viagem, a próxima série. De repente, a vida mandou todo mundo ficar em casa, pra buscar, dentro, aquilo que a gente buscava lá fora. Interessante notar, no mundo inteiro (com exceção do Japão), o suicídio declinou. E observo, é claro, que nós temos que estudar muito sobre isso, para saber quais variáveis estão em jogo. Mas podemos considerar que uma reconexão familiar gerou um aprofundamento e um enraizamento emocional, impedindo que a pessoa sinta desejo de fugir da vida. O autoamor é tão essencial para que a gente possa construir essa força motriz de nos permitir viver a vida complexa, difícil, às vezes, dolorosa, mas que também é venturosa, esperançosa, para que possamos saber navegar. Porque quando a gente pensa em
“Nós temos dias turbulentos, noites tempestuosas, que exigem de nós, sobretudo, competências emocionais para saber navegar. Precisamos desenvolver habilidades para conseguir chegar à praia sãos e salvos, por mais que tenha sido difícil a travessia do mar da vida.” felicidade e amor, e quando pensamos na educação da nossa alma e dos alunos, nós nunca imaginamos educar pessoas para que possam navegar num mar calmo. É claro que pais e professores gostariam muito de controlar todas as circunstâncias e variáveis para que a gente pudesse garantir que os barcos dos alunos e nossas almas pudessem navegar em mares tranquilos. Mas não é assim que a vida acontece, nós temos dias
turbulentos, noites tempestuosas, que exigem de nós, sobretudo, competências emocionais para saber navegar. Precisamos desenvolver habilidades para conseguir chegar à praia sãos e salvos, por mais que tenha sido difícil a travessia do mar da vida. Temos que pensar que precisamos entender, como primeira escolha, aquilo que depende de nós mudar. E não aquilo que não depende de nós. Temos força para mudar a nós mesmos. Mas toda vez que tentamos mudar aquilo que não depende de nós, estamos fazendo alguns movimentos que são infantis. Primeiro: fugindo de encarar a mudança pessoal e gastando energia com o que não podemos mudar. Desenvolvemos uma espécie de resignação dinâmica, porque tem coisas que eu não posso mudar ainda, e eu preciso aceitar. Mas aquilo que depende de mim, que eu não posso transferir nem terceirizar, o que eu faço? Que eu não espere pelo outro, que eu não justifique, não desculpe, que eu não me culpe, simplesmente aja naquilo que eu possa mudar. Segue ›››
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A capacidade de entender que na escolha de ser feliz e de entender que o autoamor e a relação que tem com a felicidade é um chamamento, é um convite para o presente. Muitos de nós estamos presos no passado ou com saudosismo de um tempo que não vem mais, ou com mágoas que nós não podemos mais resolver porque já foram estabelecidas. E outro grupo de pessoas vive com uma ansiedade profunda de que no futuro algo, alguém ou alguma circunstância mágica resolva aquilo que depende de nós. Temos de viver aqui e agora, experimentar esse exato momento. Vivemos uma experiência de construir esse amor e muitas vezes tem uma grande questão que muitas pessoas confundem: mas se amar em alguma medida não poderia representar uma atitude de egoísmo? Se amar não significaria se olhar para além dos outros, atropelando as relações? Não seria, assim, de forma contrária àquilo que eu acredito como parâmetro da minha conexão com o sagrado, qualquer que seja a minha religiosidade? Talvez aqui então volte a necessidade de lembrar que amar ao próximo como a si mesmo é a conjugação de um fator que diz que, embora o “a si mesmo” venha depois na frase, é uma condição primeira. Porque essa capacidade de aprender a me amar, me aceitando como sou, é que me permite finalmente olhar para o outro e amá-lo, nas suas fragilidades, nos seus defeitos, amando as virtudes e compreendendo ainda as necessidades das sombras emocionais que carregamos em nossa alma. Somente quem se permite e se entrega ao autoamor consegue convencer o outro de que também é isso que merece receber. Portanto, nesse processo nem todas as coisas que encontraremos serão agradáveis. Na
“Alguém que se ama diz não quando precisa. Não aceita pessoas e lugares tóxicos. Sabe que os limites são a forma essencial de autocuidado porque permite que os outros saibam o que você merece e, sobretudo espera, respeito. E você sabe oferecer respeito e limite nas relações.”
pandemia muitos fizeram um mergulho na alma sem planejar, encontraram monstros e sombras, e ficaram decepcionados consigo mesmos e esqueceram que todos nós os temos, passamos por isso, e ninguém pode nos acusar. Ao identificar meu Eu total, posso entender que a vida não é a idealização, como diz a música de Caetano Veloso: tudo métrica, rima e nunca a dor. Como a música diz na continuidade, a vida é real e de viés. Então muitas vezes, no encontro conosco, podemos ficar desagradados. Algumas pessoas podem estar decepcionadas desse encontro consigo mesmas, passaram a vida toda projetando fora as características que são delas. A vida é um convite para olhar para dentro, acordar para aquilo que é essencial. Por isso, quando olhamos para essa perspectiva nos perguntamos: no processo do autoamor, na procura pela felicidade, é de extrema importância que compreendamos
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que não devemos olhar para as sombras com culpa. Se você encontrou em você características humanas, defeitos, sombras emocionais, troque a culpa pela responsabilidade de mudar, avançar. E pra isso é preciso falar com carinho, amor. Nesse processo do autoamor, priorizar você é fundamental. Isso não significa atropelar os outros, não olhar ou ter compaixão pelas outras pessoas. Mas se tenho que amar a mim para amar o outro, preciso priorizar a mim quando possível, quando for necessário. A pessoa que se ama não para a própria vida para se comparar às demais, porque ela descobre muito rapidamente que fazendo isso seria eternamente infeliz. Comparar-se é como pegar uma caneta para assinar um pacto com a infelicidade, porque sempre vamos encontrar pessoas mais bonitas, inteligentes, capazes, ricas e melhores. Se faço essa comparação, sempre vou menosprezar as minhas próprias conquistas. Por isso, uma pessoa que é capaz de se amar, ela valida o que conquistou, sabe a dor e a delícia, diariamente, de ser quem é. E vai construindo isso com a compaixão, com a delicadeza de saber que tem dia que a gente é capaz de se odiar, e é tão humano isso. É tão necessariamente humano reconhecer nossas variedades emocionais e aceitar que isso nos torna cada vez melhores e aprimorados. O amor próprio não é uma condição de “vou me amar só quando…”. Aprendemos que somos as pessoas possíveis e não idealizações. Não somos o par ideal, mas sim o par possível. Não somos a mãe ideal, mas a mãe possível. Não somos o professor ideal, mas o educador possível. Também não somos o ser humano ideal,
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“É importante que no processo de busca do autoamor tenhamos a capacidade de ser verdadeiros. Uma pessoa que se ama é capaz de estabelecer algo que é tão essencial nas relações e que muita gente não sabe fazer: limites saudáveis entre mim e o outro. Existe o Eu, o outro e nós.”
somos o ser humano possível. Todo dia eu tenho que agradecer à vida, às pessoas que me cercam, às conquistas que executo, porque cada uma tem uma conta de sacrifício. Se sou incapaz de olhar pra isso, aceitar, validar, eu vou desenvolver síndrome do impostor, vou achar que não mereço o amor de ninguém, vou me submeter a certas relações. Portanto, é importante que no processo de busca do autoamor tenhamos a capacidade de ser verdadeiros, ao menos conosco mesmos. Uma pessoa que se ama é capaz de estabelecer algo que é tão essencial nas relações e que muita gente não sabe fazer: limites saudáveis entre mim e o outro. Existe o Eu, o outro e nós. Alguém que se ama diz não quando precisa. Não aceita pessoas e lugares tóxicos. Sabe que os limites são a forma essencial de autocuidado porque permite que os outros saibam o que merece e, sobretudo espera, respeito.
E você sabe oferecer respeito e limite nas relações. No autoamor, ressignificamos a palavra erro, dando a ela a conotação de processo. O autoamor nos faz entender que, uma criança ao tentar andar, cai, não peca, nem erra. Ela está somente tentando aprender. No processo do autoamor eu também posso aprender a subtrair a angústia do outro para que de forma empática minimize sua dor. Na matemática das emoções, eu posso somar o que sei e não olhar como ameaça, que me provoque inveja, mas com sentimento de alegria porque me acrescenta. Juntos todos nós somos sempre mais fortes do que sozinhos. No autoamor nós podemos perceber que existe uma nova química nas relações, que faz com que a gente entenda como conseguimos conviver com alguém que torce para um time diferente, com outra visão política, com relação com o sagrado diferente da minha, com sotaque diferente do meu, outra cultura. Que ainda assim, por sermos humanos, temos a capacidade de conviver e nos amar. O amor certamente está entre aquilo que é a grande resposta para todas as dores do mundo. É talvez porque não conseguimos amar o próximo como a nós mesmos e a Deus sobre todas as coisas, que a gente brigue pelas diferenças pequenas. É talvez porque não conseguimos fazer aquilo que é essencial, que briguemos pelo supérfluo. O amor é aquilo que nos permite construir, por exemplo, a paz, que tanto queremos. Estamos procurando construir, pelo menos dentro de nós, um apaziguamento da alma. Um olhar com mais compaixão, com mais sentimento, doçura para nós mesmos. Então a partir de hoje olha para
A palestra em três tópicos: Não existe pessoa perfeita, que não sente medo, que não tem dúvidas, que sempre tem a melhor resposta, que nunca vacila emocionalmente. Nós e nossa humanidade oscilamos muito. No autoamor, ressignificamos a palavra erro, dando a ela a conotação de processo. Nesse processo do autoamor, priorizar você é fundamental. Isso não significa atropelar os outros, não olhar ou ter compaixão pelas outras pessoas. Mas se tenho que amar a mim para amar o outro, preciso priorizar a mim quando possível, quando for necessário.
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tua alma, como uma alma que está aprendendo a andar, ler, e agradece pelo processo, pela construção de tudo isso, pela vida. Nós, seres humanos, enfrentamos muitas dificuldades, ou que nós criamos ou que a natureza nos oferece, mas a história humana mostra sempre que ao fim, nós como fênix, com resiliência natural, saímos melhores e mais fortes.
Desafios da inovação diante da missão institucional Conforme o mestre em Educação Ricardo Mariz, inovação é o meio e a missão, o fim. Deve-se inovar para cumprir o objetivo, em vez do contrário
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Gestores ›››
RICARDO MARIZ
Doutor em Sociologia. Mestre em Educação. Pedagogo. Coordenador do Grupo de Pesquisa Cartografias dos territórios de aprendizagem CNPQ/UCB. Conselheiro do Movimento de Educação de Base da CNBB. Membro fundador da Esquina do Pensamento.
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amos iniciar esta reflexão dando um passo atrás no tema da missão, antes de verificarmos a articulação entre missão e inovação e que desafios nascem daí. Já que somos organizações ligadas à educação, o núcleo central da nossa missão é oportunizar aprendizagens sempre, sempre, sempre. É para isso que a gente serve, é para isso que a gente existe: organizar a escola, o ambiente, as atividades de tal maneira a oportunizar que todos em contato com a escola aprendam cada vez mais. A escola foi uma invenção, e essa me parece ser o segundo aspecto do núcleo central da nossa missão, para que as novas gerações não comecem a caminhada do zero. Como nós, seres humanos, não somos fabricados, não nascemos prontos, temos esse objetivo com a educação. As novas gerações podem fazer diferente, melhor, mas não sem aquilo que nós fizemos. Então a escola, na verdade, é essa instituição que nós inventamos para ajudar a construir humanidade nos humanos, ajudar que os mais novos sejam acolhidos e partam do ponto que a gente já conseguiu fazer. Com todos os problemas onde nós chegamos, mas também com todas as saídas, soluções, conhecimentos que construímos. Então esse me parece ser o núcleo da nossa missão: oportunizar aprendizagens e não deixar que os mais novos comecem do zero. Para isso, existe uma condição – para poder fazer valer um núcleo, existe uma condição. Primeiro, uma postura da escola de não deixar de aprender. E isso não é simples. Nós,
“Parece que a função da gestão é fazer inovação, e não é. A função da gestão é garantir a missão. Agora, para garantir a missão você tem que se perguntar o quanto você deve e o quanto não deve inovar, do quanto você precisa e em que precisa inovar.” como escola, somos muito bons para dar lições de vida, mas nem sempre somos bons para poder aprender lições com a vida. Quantos de nós, gestores, deixamos de estudar por causa da correria da própria gestão educacional, de aprender? Se isso é um contrassenso em qualquer profissão, dentro da educação é um contrassenso enorme: deixar de aprender porque estou trabalhando muito em educação e não tenho tempo para isso, não consigo organizar minha rotina em função das demandas, que são inúmeras. Então essa é a primeira condição para cumprir nossa missão: que nós, enquanto escola, não deixemos de aprender. A segunda condição é que a gente – e aqui vem o tema da inovação – consiga fazer ponte entre o passado e o futuro. Se eu tivesse que resumir para vocês em uma
frase, diria: escola é escola quando faz ponte entre o passado, aquilo que a gente já sabe, e o futuro, aquilo que a gente precisa saber. A ação educativa tem esse propósito. Fazer gestão educacional é criar condições para que essa ponte se estabeleça. Quando tínhamos menos velocidade nas mudanças, ou seja, uma mudança social acontecia a cada três, quatro, cinco gerações, a escola quase não tinha papel. Pense o papel da educação antes da Revolução Industrial, ou a própria Idade Média. A lição de vida era para um adulto: “faça tudo que eu fiz que deu certo, não faça nada do que eu fiz que deu errado, a sua vida está arrumada”. Aqui, o papel da escola, da educação, era mais diminuto. Era garantir a tradição. Não tem papel de inovação. No momento em que a gente passa a ter uma mudança, chega o ápice da escola. A família chega para a gente e fala “escola, prepara meu filho para o futuro. Eu tenho uma noção do que é o futuro, mas eu não dou conta de preparar o meu filho”. A escola, então, vai fazer uma ponte entre esse momento, tudo que a gente acumulou, e esse futuro. Esse parece ser um momento que nós já superamos. Porque o que nós vivemos hoje, e esse é um drama da inovação, nós vivíamos nas mudanças intrageracionais. Ou seja, mudanças dentro da própria geração. A velocidade da mudança é algo excepcional nesse sentido. E é por isso que em alguns momentos, hoje, missão se confunde com inovação. Parece que a função da gestão é fazer inovação, e não é. A função da gestão é garantir a missão. Agora, para garantir a missão você tem que se perguntar o quanto você deve e o quanto não deve inovar, do quanto você precisa e em que precisa inovar. Segue ›››
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Eu quero dividir a minha fala, em dois momentos: pensar a inovação e a missão nessa sociedade da aceleração. E, a partir disso, pensar sobre qual é o fazer específico da gestão nesse contexto que a gente vem vivendo hoje. O nosso desafio é fazer gestão educacional em uma época inusitada. Todo tempo possui o seu encanto e os seus espantos. Nós não somos privilegiados de viver o inusitado do nosso tempo. Quando nos prendemos demais aos encantos deste, temos uma posição meio alienada. Sabe aquela coisa de que o mundo está acabando e a pessoa fala que está tudo bem, maravilhoso, vai tudo dar certo? Esse é um extremo de um jeito de lidar com o espanto e com o encanto, porque eu me prendo só ao encanto da nossa época, à possibilidade do nosso tempo. Como aquela pessoa que parece que vive em outro planeta, o que, do ponto de vista da gestão, é um equívoco. Mas o outro extremo também é um equívoco. Quando a gente vive só nos espantos. Aí eu me imobilizo, fico preso nos desafios. Por exemplo: vou tentar mostrar nessa conversa que quem está achando que este é um ano inusitado, esperem as cenas dos próximos capítulos, ano que vem: fazer educação em um processo eleitoral da maneira que nós vamos viver no nosso país. Eu estive, há dois anos, falando com uma escola do Rio Grande do Sul e ela sinalizava isso: a gente está vivendo uma dinâmica inusitada. Não é um ano agitado. É uma dinâmica de agitação social, isso não vai passar pelos próximos anos. Então eu tenho que aprender a fazer gestão com tudo que tem de encanto e com tudo que tem de espanto. Caso contrário, a gente fortalece uma postura
“ Fazer gestão é calcular o feito e o efeito da minha ação. Quando eu calculo e falo que o resultado é bom, vamos avançar. Mas nem todo feito tem um bom efeito. Em alguns momentos o efeito é trágico, apesar do feito ser um grande ganho. Todo excesso gera uma carência e educação não atua no excesso, mas na carência.” muito comum na educação, que é a do número-tempo. Quantas vezes, na sala dos professores, a gente não escuta um ou outro colega falando “no meu tempo aluno não fazia isso, jovem fazia aquilo, no meu tempo, no meu tempo...” como se o nosso tempo não fosse o hoje. Ou seja, eu me prendo tanto ao espanto do momento que idealizo o passado, como se o passado fosse tão simples. O que eu tenho tentado estudar e compreender é que o passado só é mais simples que o presente porque está distante de nós. O passado, quando era presente, também tinha sua complexidade. Também tinha seu inusitado. Então, aprender a lidar com o inusitado é um perfil fundamental para a gestão nesses tempos acelerados, porque o nosso tempo é hoje, o tempo de fazer gestão é hoje, com tudo que o tempo de hoje tem de belo e com tudo o que tem de trágico. Um bom gestor é aquele que não foge do inusitado do seu tempo. E
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isso significa lidar bem com a ambiguidade da vida humana. Talvez esta seja uma das grandes possibilidades de aprendizagem com essa pandemia: saber que a vida humana é ambígua. Se você quiser, por exemplo, motivos para se orgulhar de experiência humana eu posso dar vários. Se você quiser motivos para se envergonhar da experiência humana, também. Somos essa ambiguidade do belo e do trágico. Como é que eu faço educação, como possibilitar a aprendizagem diante disso tudo? Então para isso a gente precisa compreender a dinâmica que o tempo foi mudando, de tal maneira que se o inusitado acontecia de tempos em tempos, hoje é diário. Quem de vocês, em uma semana de aula, quando chega a quarta-feira já parece que aquela semana teve um volume de acontecimentos de um mês? Um mês que parece já ter valido por um semestre, por um ano? É nessa velocidade que a demanda da inovação chega na escola e a gente tem que encontrar uma resposta. Agora, a aceleração, como todo o remédio, também traz seus efeitos adversos. O primeiro é que a gente construiu uma sociedade ansiosa. Temos uma sociedade doente de excesso de futuro. Em março de 2020 tínhamos pessoas conversando sobre o pós-pandemia, sobre o novo normal. Estava começando a pandemia e estávamos menos ocupados em passar por ela do que em pensar sobre como seria a vida depois. Nessa cultura da ansiedade a gente deixa de esperar pelas coisas e passa a se desesperar por elas. Esta é uma pauta que a escola precisa tratar. Deve se perguntar que inovações ajudam a enfrentar e quais pioram essa cultura da ansiedade. Na tentativa de antecipação cons-
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tante das coisas surge o segundo efeito adverso, que é confundir agitação com atividade. Uma escola ativa não é uma escola agitada. Pedagogia ativa é aquela que coloca o estudante como coautor do seu processo de aprendizagem, junto dos professores, em uma posição ativa de construção dos conhecimentos. Nós confundimos agitação com agilidade. E sabemos disso também: um dia agitado na gestão não significa um dia produtivo. Tem dia que você passa o tempo todo apagando incêndio, chega no fim do dia cansado, olha para a agenda e nada de estratégia foi construído. Você foi atropelado pela dinâmica da escola. Então não é agitação, não é você ter agenda cheia que fala que você é produtivo. O terceiro efeito adverso é uma presença ausente. Não sabemos mais para onde estamos indo, mas sabemos que estamos atrasados. Quantas vezes vocês chegam atrasados em uma reunião porque estão vindo de outra, e saem mais cedo para ir à seguinte? No fim do dia onde é que você esteve, de fato, presente? O risco é ignorarmos a ausência e aí chegarmos a uma ausência ignorada. Como eu me acho presente em tudo, não me dou conta de que estou construindo a ausência. Não estou presente de fato com os professores, nem no pátio com os alunos, nem na relação com as famílias. Como a gente articula, então, a missão diante disso? Primeiro: inovação é meio. Missão é o fim. Eu inovo para cumprir a missão, e não cumpro a missão para inovar. E para isso existem alguns critérios claros, na minha perspectiva, que quero compartilhar com vocês. Primeiro, é fundamental que a gestão esteja atenta às tendências, mas não submetida a elas. A escola
não é um museu, mas também não é uma passarela de modas. Lembra do carrinho do audiovisual? Em cima dele já teve o retroprojetor, que era o milagre do momento. Depois pegamos dois santos, Cosme e Damião, que eram a televisão e o videocassete. Depois lousa digital, computador, agora sala maker. Aí eu encho de post-it minha sala, coloco umas almofadas e estou fazendo uma educação inovadora. Eu quero dizer para vocês que posso ter uma versão high-tech da escola da palmatória. Continua sendo a escola da palmatória, só que high-tech. Segundo critério: todo feito tem seu efeito. Fazer gestão é calcular o feito e o efeito da minha ação. Quando eu calculo e falo que o resultado é bom, vamos avançar. Mas nem todo feito tem um bom efeito. Em alguns momentos o efeito é trágico, apesar do feito ser um grande ganho. Todo excesso gera uma carência e educação não atua no excesso, mas na carência. O que falta à humanidade de hoje para ser melhor no futuro próximo? Essa é a pauta da educação. Não é a moda de hoje. Que carência a moda de hoje gera? É aqui que eu, educador, tenho que entrar e fazer alguma coisa. A agitação deve continuar. O ano de 2022 não deve ser mais tranquilo do que este agora. Oxalá sem essa pandemia, mas com outras pautas. Então a gente precisa aprender a conviver com o inusitado. Quem quiser fazer gestão só na certeza vai fazer gestão na ilusão, porque é impossível ter certeza de tudo. Como eu articulo isso? No meu cotidiano de gestão devo articular uma praxis criativa e inovadora com uma reiterativa, que consolida aquilo que eu inovei. Preciso de tempo para consolidar a inovação, caso contrário uma atropela a outra e a gente vive
A palestra em três tópicos: A primeira condição para cumprir nossa missão é que nós, enquanto escola, não deixemos de aprender. Não é um ano agitado. É uma dinâmica de agitação social, isso não vai passar pelos próximos anos. Então eu tenho que aprender a fazer gestão com tudo que tem de encanto e com tudo que tem de espanto. Fazer gestão do atraso não é superar o atraso. A escola é o lugar de fazer relação entre o que eu sei e o que não sei, o novo e o velho. Vamos fazer o novo com e contra o velho, mas não sem ele.
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em um eterno projeto. Fazer gestão do atraso não é superar o atraso. A escola não vai superar o atraso. A questão é não viver em uma defasagem excessiva, não perder a conexão entre o passado e o futuro. A escola é o lugar de fazer relação entre o que eu sei e o que não sei, o novo e o velho. O novo não vai ser feito sem o velho. Vamos fazer o novo com e contra o velho, mas não sem ele. E é essa relação entre o que sei e o que ainda não sei que me parece ser o papel da gestão.
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FOTOS BRUNO DUPON
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25 anos de história, em imagens Nas próximas páginas, confira registros de edições anteriores do Congresso do Ensino Privado, com bastidores, participantes e dinâmicas dos eventos
Educação em Revista | Nº 142 | Julho\Agosto\Setembro 2021
2021 ›
Registros do Congresso: Hilário Bassoto apresenta palestrantes (foto maior); e equipe cuidou da produção
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1996 › Bastidores do primeiro Congresso do Ensino Privado
2000 › Movimentação do público junto aos estandes
2003 › Grande participação do público marca o evento 2009 ›
Espetáculo de abertura do Congresso
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2011 ›
Educação em Revista, publicação do Sinepe/RS, esteve presente no evento
2015 › Congresso inovou com palco no centro do auditório
2015 › Evento sempre contou com a participação de educadores de todo o Estado Educação em Revista | Nº 142 | Julho\Agosto\Setembro 2021
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2017 › A 14ª edição trouxe o tema “Ousadia para Mudar”
2019 › Atrações artísticas marcaram as edições CONTEÚDO ONLINE DISPONÍVEL
2019 › Painel foi construido ao longo do evento
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››› Reportagem de capa
Título corpo 36 Padrão de oscilação será de neutralidade, que também exige atenção redobrada do produtor LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Doutor em Letras, professor da Escola de Humanidades-Letras da PUCRS. Romancista, com mais de 20 livros publicados.
O
tão falado crescimento exponencial da tecnologia está prestes a mais uma guinada de impacto. Novidades como a internet móvel 5G, a computação quântica e a inteligência artificial prometem mudar, nos próximos anos, muitas relações de consumo, trabalho e convívio social. Isso, claro, tem forte reflexo na educação – tanto na forma como é feita, quanto nas exigências para profissionais alinhados com essa nova realidade. Sem dúvida, o principal ator nesse processo será mesmo o 5G. Sua capacidade de processamento simultâneo vai liberar o gargalo que hoje reprime o desenvolvimento de muitas outras tec
Mudança de mentalidade
Educação em Revista | Nº 137 | Abril\Maio\Junho 2020