Ferrovias Paulistas (1860-1940)

Ferrovias Paulistas A Evolução da Malha Ferroviária de São Paulo e a Expansão da Cafeicultura (1860 - 1940) AUP 280 | Organização Urbana e Planejamento Eduardo Henrique Tita Lain | 9358520 Profa. Dra. Andreina Nigriello

Introdução

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O tema proposto para a disciplina AUP 280 – Organização Urbana e Planejamento tem por objetivo explorar a temática da conformação do território paulista através da expansão da cafeicultura atrelada à expansão da malha ferroviária que, por sua vez, tinha como objetivo inicial possibilitar o escoamento da produção do café para o Porto de Santos.

A mudança da tecnologia empregada para o escoamento da produção significou maior possibilidade de expansão territorial das lavouras. Inicialmente promovida pelo capital inglês e posteriormente pelo capital dos próprios cafeicultores, a ferrovia também viabilizou a estruturação de um arranjo de cidades de portes variados que hoje representam o maior polo de produção industrial, de serviços e científico do país.

O papel e uso das ferrovias no estado de São Paulo sempre foi questão chave, principalmente em se tratando da logística de transportes (tanto de produção quanto de passageiros), por essa razão é um tema bastante explorado, tanto pela bibliografia recente, quanto por bibliografias antigas (datadas desde 1970). Portanto, o principal objetivo deste trabalho é organizar e sistematizar, de maneira bastante sintética, o panorama bibliográfico que se tem sobre o tema. Buscando entender as condições econômicas, sociais e políticas que propiciaram a expansão (e grande concentração) das ferrovias no estado de São Paulo, tomando como partida três livros seminais sobre o tema, são eles: “Café e Ferrovias – A Evolução Ferroviária de São Paulo e o Desenvolvimento da Cultura Cafeeira” de

Odilon Nogueira de Matos, “História da Viação Pública de São Paulo” de Adolfo Augusto Pinto e “O Roteiro do Café” de Sérgio Millet. A questão que se objetiva levantar com este trabalho é basicamente qual o papel das ferrovias na estruturação do território (e sociedade) paulista e também qual a correlação entre a expansão da malha ferroviária e do cultivo da cafeicultura.

Em termos metodológicos, os mapas apresentados a seguir estão em ordem cronológica. Eles mesclam os dados dos levantamentos feitos por Adolfo Pinto e Sérgio Millet.

Esta monografia propôs-se a se apropriar desses dois levantamentos elaborados, um na década de 1910 e outro na década de 1940 pelos mencionados autores. Sendo que o primeiro, diz respeito à expansão da malha ferroviária no estado de São Paulo, e foi organizado por Adolfo Pinto. O segundo, diz respeito à expansão da lavoura de café sobre o território paulista, sendo organizado por Sérgio Millet.

Ambos os estudos foram, na década de 1950, revistos pelo professor Odilon Nogueira de Matos, que publica o livro: “Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da Cultura Cafeeira”. No livro, o autor traz uma síntese dos estudos de Pinto e Millet, bem como elabora algumas cartografias sobre a dinâmica existente entre a expansão ferroviária e a expansão da cafeicultura.

O mapa hipsométrico ao lado retrata o relevo e os rios principais do território compreendido pelo estado de São Paulo. É a partir dessa base física que se inicia a história da colonização, circulação de pessoas e mercadorias e da transformação da paisagem do oeste paulista.

Hipsometria de São Paulo Legenda Altitude em relação ao nível do mar Nível do mar

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Odilon Nogueira de Mattos inicia seu livro trazendo uma breve contextualização da situação de isolamento que o planalto paulista viveu, desde o período da descoberta do Brasil até quase o início do século XIX. Por conta do grande desnível existente entre o Porto de Santos e o território em que hoje se situa a cidade de São Paulo, a comunicação, a circulação de mercadorias e de colonos era dificultada.

Esse isolamento fez desenvolver uma configuração sócioeconômica específica nos habitantes do planalto.

Desde a fundação da vila de São Vicente, em 1532, a única via de ligação entre Santos e o planalto paulista (território além Serra do Mar) consistia em uma trilha traçada pelos indígenas. Durante os três primeiros séculos de colonização nada foi feito para alterar essa situação. Diversos historiadores, por exemplo Alfredo Ellis Júnior, relatam que a precariedade da comunicação entre o planalto e a zona litorânea fez-se desenvolver uma certa “autarquia paulista”, no sentido de que os paulistas se autodeterminavam (do ponto de vista político e econômico). Geógrafos entendem esse fenômeno como “determinismo geográfico”, que significa o papel ativo dos biomas e da estrutura física do território na determinação dos aspectos sociais, políticos e econômicos.

“Era uma autarquia não só econômica, mas também psicológica, étnica, social, etc. que se consolidava em espírito próprio e diferente da metrópole, em contraposição ao que acontecia no Nordeste, onde tudo respirava psicologia reinol, como lembra a toponímia regional” (ELLIS JUNIOR apud MATTOS, 1990, p. 24)

Inicialmente, o território do planalto paulista era formado por poucos núcleos de povoamento, não muito distantes entre si (localizavam-se em um raio máximo de 60 km desde o ponto inicial, São Paulo), compreendendo hoje as cidades de: Jundiaí, Santana de Parnaíba, Itu, Sorocaba e Atibaia.

Esses núcleos eram aldeias indígenas que com o tempo se transformaram em freguesias, vilas e cidades.

Esse tipo de “colonização à paulista” como indicado por Sérgio Buarque de Holanda, se refletia não apenas na apropriação das aldeias para a fundação das vilas, mas também na apropriação dos costumes, por exemplo: o hábito de dormir nas redes, o tratamento dado ao solo, as artes da caça e da pesca, a toponímia do local (várias cidades são nomeadas em Tupi), e o fato da própria língua Tupi ser falada em São Paulo.

Esses núcleos de povoamento eram conectados por rotas terrestres e fluviais que, a partir da calçada de Lorena (trilha indígena utilizada para ultrapassar a serra), ligam os diversos pontos indicados no mapa. São elas, conectando São Paulo: à Piracicaba (originalmente denominada Constituição); à Franca, passando por Jundiaí, Campinas, Mogi Mirim, Casa Branca e Batatais; às Minas Gerais, passando por Juqueri, Atibaia e Bragança Paulista; ao Vale do Paraíba, passando por Mogi das Cruzes, Jacareí, São José dos Campos, Taubaté, Lorena, Areias e Bananal e ao Paraná, passando por Cotia, São Roque, Sorocaba Itapetininga e Itapeva. Além das trilhas no planalto, havia aquelas localizadas no litoral, ligando: Ubatuba a Santos, Santos à Iguape.

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Até a inauguração da estrada de ferro Santos Jundiaí, em 1866, a única rota de penetração no planalto paulista era a Calçada de Lorena, destacada em branco no mapa da década de 1860. Portanto, a década que se segue, 1870, inaugura uma nova possibilidade de conexão entre o planalto e o litoral que significou uma transformação extraordinária na economia e no modo de vida dos paulistas.

O contexto político nacional começa a se estabilizar a partir de 1850 por conta do fortalecimento da ordem pública interna e também pela extinção do tráfico de escravos, em virtude da Lei Eusébio de Queirós. Essa situação mais estável, associada à promulgação da Lei nº 641, de 26 de junho de 1852, que estabelece concessões e favores sólidos e para o empreendimento ferroviário, por meio de dispositivos como a “zona privilegiada” e a garantia de juros, faz com que capitalistas brasileiros passem a investir na expansão das ferrovias.

O cenário acima descrito inaugura a segunda fase da periodização ferroviária proposta por Adolfo A. Pinto.

Segundo ele, a primeira fase, ocorrida principalmente em território baiano e carioca, é marcada por ensaios (técnicos e legais), que abrem caminho para realizações futuras. A segunda fase, como dito, é marcada pelas concessões e favores. A partir de 1880 abre-se uma terceira fase, na qual as estradas mantêm o benefício de zona privilegiada, porém dispensam a garantia de juros. Por fim, a quarta fase é

caracterizada pelo completo desenvolvimento do sistema ferroviário e pela emancipação da proteção do Estado.

Nesta última fase, torna-se livre a construção de estradas de ferro, com a única restrição de que respeitem os direitos previamente adquiridos.

Porém, todas as fases acima descritas, só são possíveis de serem executadas em território paulista em função da implantação da Santos-Jundiaí. Vencer o desnível da Serra do Mar era tão crucial que até a criação de uma alternativa à Santos-Jundiaí, em 1930 (setenta anos depois), a referida estrada era a única opção, se tornando a “grande artéria dessa extensa rede ferroviária que em poucos anos se devia desdobrar sobre o solo fecundo paulista” (MATTOS, 1990, p.

74).

Sérgio Millet analisa que o café penetra em território paulista via Vale do Paraíba. Justamente pois é nessa região que se concentravam, as principais fazendas e estabelecimentos agrícolas de todo o século XIX. À montante do Rio Paraíba do Sul, área onde localizam-se os municípios de Vassouras e Bananal, caminhou o café na direção de São Paulo.

O deslocamento da produção do café do norte de São Paulo, para a região central, que até então era produtora de açúcar, e para as terras a noroeste (na divisa com as Minas Gerais) balizou a implantação das primeiras ferrovias no planalto paulista. Essas ferrovias, conectadas com a SantosJundiaí, escoavam a produção pelo Porto de Santos.

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Superada a transposição da serra, a década de 1870 inicia com as primeiras fundações de companhias férreas e a implantação dos primeiros trechos de ferrovia. As companhias: Paulista, Mogiana, Sorocabana e Ituana são as primeiras a serem fundadas.

Durante a década de 1870 os primeiros troncos de ferrovia são implantados assim como alguns ramais. A Mogiana segue à noroeste, com ponto inicial em Jundiaí, e atingindo a cidade de Casa Branca até o final da década.

A Paulista, com ponto inicial também em Jundiaí, segue paralela à Mogiana, distando aproximadamente 31 km, distância determinada em contrato (zona privilegiada).

A Sorocabana, partindo de São Paulo, segue à sul do Rio Tietê, atingindo Iperó e com ramal para Porto Feliz até o final da década. A partir de Porto Feliz o Rio Tietê passa a ser navegável, razão pela qual o traçado da Sorocabana foi delimitado.

A década de 1880 inicia portanto com esse primeiro sistema ferroviário implantado, concentrado sobretudo na porção central e noroeste, com os três vetores de expansão (os troncos principais da Paulista, Mogiana e Sorocabana) definidos e como a articulação com a ferrovia da capital, Rio de Janeiro, concluída.

Se até 1880 o Vale do Paraíba representava aproximadamente 80% das exportações de café, nesta década essa taxa passa a diminuir significativamente.

Enquanto isso, a área noroeste do estado de São Paulo, principalmente a porção entre os rios Mogi-Guaçu e Pardo, começa a ter a produção de café intensificada.

Essa intensificação na produção se dá em função da

disponibilidade de linhas férreas para fazer o escoamento da produção no Porto de Santos. Se, em 1854 essa área representava apenas 14% das exportações de café, em 1880 passará a representar mais de 25%, segundo Sérgio Millet.

Cabe ressaltar que, a expansão do café no território de São Paulo teve dois balizadores fundamentais. O primeiro, como já mencionado, foi a expansão ferroviária, que permitia o escoamento da produção. O segundo era o clima, razão pela qual as plantações de café não se estenderam à sul do Trópico de Capricórnio, tampouco na faixa litorânea e à extremo oeste. Este último, até 1880 era marcado por fortes geadas, o que dificultava o cultivo do café. Desde o início do bandeirismo na Capitania de São Vicente, o território à extremo oeste daquilo que era considerada a Zona Central do estado era utilizado para tropeirismo e aprisionamento de índios. A problemática da geada só foi mitigada posteriormente, com a remoção da vegetação do cerrado.

Portanto, os primeiros núcleos de povoamento, localizados junto às estações ferroviárias se distribuíram na porção noroeste do estado, equidistantes aproximadamente 30 km entre si, por conta do percurso do trem, ou seja da necessidade de haver estações distando no máximo 50 km entre si, e também em função da zona privilegiada de cada companhia férrea, fazendo com que as linhas também guardassem uma distância mínima de 31 km entre si.

Cabe ressaltar também que a Companhia Paulista, atingindo a cidade de Porto Ferreira, passou a monopolizar o tráfego de embarcações no Rio Mogi-Guaçu.

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Até 1880 foi concluído, pela Companhia Paulista, o trecho ligando Rio Claro a Araraquara e Rincão, também foi concluído um ramal partindo de Itirapina buscando as terras da região de Jaú. A Companhia Sorocabana conclui o trecho ligando Iperó a Agudos, a Ituana prossegue sua linha de Piracicaba até São Pedro.

De Botucatu a Companhia Sorocabana planeja estender sua linha tronco no sentido do vale do Rio Paranapanema até a cidade de Avaré.

Havendo chegado em Araraquara a Companhia Paulista planeja duas extensões paralelas ao Rio Turvo, uma sentido norte, buscando a cidade de Pontal (próxima à Ribeirão preto) objetivando assim disputar, com a Companhia Mogiana, a exportação de café da área mais consolidada do período (Ribeirão Preto), afinal Pontal localiza-se a menos de 30 km da referida região.

Mogiana por sua vez atinge o extremo do estado, com estação junto ao Rio Grande, na cidade de Rifaina, monopolizando assim o trajeto hidroviário no referido rio, e penetra em território mineiro atingindo Uberaba articulando-se à uma estrada de ferro já existente nas Minas Gerais. Desta forma, capitaliza as exportações da região compreendida como triângulo mineiro. Mogiana se conforma assim como um tronco ferroviário bastante extenso no qual se conectam diversas estradas de ferro menores, algumas com menos de 20 km de extensão.

Até 1890 a região servida pelas estradas de ferro da Companhia Mogiana se equiparava ao Vale do Paraíba em participação na exportação de café, ambas as áreas

representavam 25% do total de exportações, sendo que a primeira tinha tendência de incremento na produção enquanto que a segunda tinha perspectiva de redução.

Em função da abolição da escravatura, por meio da promulgação da Lei Áurea em 1888, o Vale do Paraíba, no qual os latifúndios e estabelecimentos agrícolas se organizavam majoritariamente em regime escravocrata, entra em colapso. Adicionalmente, as terras do Vale do Paraíba encontravam-se “exaustas”, razão pela qual a mídia carioca publiciza as terras roxas à oeste, o que resulta numa forte migração de fazendeiros cariocas e paulistas para a região servida pela ferrovia Mogiana.

Castro Alves destaca que a reorganização da produção cafeeira paulista em torno das ferrovias e do trabalho livre, executado por imigrantes europeus, provocariam mudanças importantes na sociedade brasileira: “Vós que o templo das idéias Largo, abris às multidões P’ra o batismo luminoso Das grandes revoluções Agora que o TREM DE FERRO Acorda o Tigre no cerro E espanta os caboclos nus Fazei deste rei dos VENTOS Ginete dos pensamentos Arauto de Grande Luz!” (Castro Alves - O Livro e a América, in: Espumas Flutuantes - ed. Afrânio Peixoto, I, p. 308-11)

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‘Ao findar o século, apresentava São Paulo índices animadores de um progresso sempre crescente: 3373 quilômetros de linhas férreas, quase 2.300.000 habitantes e mais de meio bilhão de cafeeiros, formando a “onda verde” que deixou pasmo o italiano Ferri. “Eis o maior fenômeno econômico do século” foi a exclamação do grande cientista ao contemplar os cafezais paulistas’ (MATOS, p. 121) Enquanto que no período de 1880 a 1890 é marcado pela duplicação da quilometragem até então existente de linhas férreas, o período entre 1890 e 1900 é marcado por efeitos sensíveis na produção de café do Vale do Paraíba em razão do colapso do segundo império, da abolição da escravatura e desgaste das terras cultiváveis. Se em 1886 o Vale do Paraíba se equiparava com a região de Ribeirão Preto, ambos produzindo cerca de 25% do total de exportações (50% ao todo), em 1935 o Vale do Paraíba passou a representar apenas cerca de 1 a 4%.

Em seu trabalho, Sérgio Milliet afirma que existiu, no processo de expansão da cafeicultura em São Paulo, uma correlação linear entre o número de colonos fixados em cada região do estado e o número de pés-de-café, expresso no volume de arrobas exportados pelo Porto de Santos. O zoneamento do estado por ele utilizado diz respeito às áreas de influência de cada companhia ferroviária, no sentido de ser possível mapear a expansão da cafeicultura por meio dos livros de caixa de cada companhia. Comparando o mapeamento dos volumes de café transitado em cada uma das ferrovias com os recenseamentos realizados pelo governo regional de São Paulo foi possível estabelecer

essa correlação entre expansão de café e expansão demográfica. Portanto, muito embora a série temporal de mapas apresentados nesta monografia descrever apenas o volume de café exportado em cada região, implicitamente ela também demonstra como se deu e com que intensidade ocorreu a marcha de povoamento no estado de São Paulo. É perceptível, no mapa de 1900, que a virada do século foi marcada pela consolidação da região noroeste do estado de São Paulo. Região essa servida pelas ferrovias Paulista e Mogiana. Milliet ressalta que: “As zonas da Paulista e da Mogiana - lembra Sérgio Milliet - foram as que melhor aproveitaram a mãode-obra do imigrante. Ao começar a imigração iniciava-se o seu desbravamento. E ao terminar este, embora outras regiões já se abrissem ao forasteiro, as conveniências de civilização instalada atraíram sempre o colono” (MILLIET apud MATTOS, p. 117) Duas últimas considerações a serem feitas sobre o mapa de 1900 são: a primeira sobre a fusão da Companhia Sorocabana e da Companhia Ituana, em razão dessa fusão são executadas duas ligações, uma entre Itu e Mairinque, outra entre a estação Vitória e a estação Quinze de Novembro na linha de São Manuel, para assegurar o trânsito de vagões entre as duas linhas principais da nova empresa; a segunda diz respeito ao papel desempenhado pelas ferrovias, inicialmente elas eram implantadas buscando conectar núcleos de povoamento já existentes porém, quando se inicia a expansão à oeste elas assumem papel de desbravamento das novas regiões.

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A primeira década do século XX é marcada pela expansão paulatina dos troncos férreos das companhias paulistas galgando terras à oeste. Além dessa expansão, o governo de São Paulo começa a ver o sistema ferroviário como um poderoso articulador de territórios e canalizador de recursos e capitais para o estado. O conselheiro Rodrigues Alves afirma que a “[...] grande ligação por via férrea de nosso Estado com os do sul por um lado, com os de Mato Grosso e Goiás, por outro, constituindo-nos o centro da convergência da produção desses grandes territórios” (ALVES apud MATOS, p. 121).

Descartando-se alguns núcleos de povoamento em pleno sertão, como Santa Cruz do Rio Pardo e Rio Preto as terras à oeste eram descritas nas cartas geográficas como sendo “terras desconhecidas habitadas por índios”. As ferrovias que se estendem para além do território conhecido funcionam como “ponta de lança” tanto para expansão da cafeicultura quanto para a colonização.

As principais realizações deste decênio, no tocante à expansão ferroviária foram: a fundação da ferrovia Noroeste, que futuramente partirá de Bauru, estabelecendo conexão com o Mato Grosso; a extensão dos trilhos da Paulista até as cidades de Bebedouro e Barretos, que marca a transição da ferrovia do domínio da plantação de café para a pecuária, típica dessa região desde os primórdios da colonização; além disso, à paulista foram incluídos novos pequenos ramais em razão da desistência do privilégio de zona por parte da companhia (um exemplo desse caso é a

consolidação das ferrovias da Companhia Douradense); a Companhia Sorocabana atinge Itararé conectando-se com a linha São Paulo - Rio Grande e servindo a um território marcado pelas invernadas, que são pastos de longa extensão cercados por obstáculos naturais ou artificiais para descanso e engorda de animais; por fim, em virtude da caducidade do privilégio de zona garantido à Ituana, referente às terras à noroeste de Agudos, a Companhia Paulista pôde estender seu ramal de Jaú a Bauru, passando pela cidade de Pederneiras.

A Sorocabana vem de encontro à Paulista, ambas unindo-se na cidade de Bauru. Muito embora nos decênios anteriores a sobreposição de linhas ser considerada pouco vantajosa, pois resultava em competição para ambas, neste caso o tangenciamento foi considerado positivo pois a aproximação de dois grandes sistemas de viação em ponto tão afastado do litoral, estabelecia fácil comunicação entre o sul e o oeste do Estado, permitindo e estimulando as relações de comércio inter regional.

O último ponto a ser destacado na década de 1910 é a escolha de traçado da Companhia Paulista, em seu tronco principal, e da Companhia Araraquarense. A primeira desviase do traçado original, buscando as terras férteis do vale do Rio Mogi-Guaçu, a segunda, almejando alcançar as divisas do estado, conduz suas linhas pelo divisor de águas das subbacias hidrográficas do Rio Turvo e Rio Tietê, afirmando-se como via de penetração.

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Os trilhos da Companhia Sorocabana atingem as cidades de Presidente Prudente e Santo Anastácio, fazendo com que a produção de café no sul de São Paulo - área compreendida entre os vales dos rios Paranapanema e rio do Peixe - se intensifique. Segundo Sérgio Milliet, a referida região passou a produzir, no início da década, cerca de 4 a 16% do total de exportações de café, apresentando tendência de aumento nas décadas seguintes.

No mesmo período, a Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil iniciou a construção do trecho até a cidade de Araçatuba, finalizando-o nesta década. Muito embora essa linha tivesse como objetivo, num primeiro momento facilitar a comunicação terrestre com o Mato Grosso, em função da Guerra do Paraguai, e num segundo momento estabelecer uma conexão transcontinental, interligando o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico, a estrada tarda a se desenvolver. A implantação do trecho à oeste de Araçatuba, no solo da várzea do Rio Tietê, foi bastante morosa, pois a referida área era tida, à época, como contaminada. Vários trabalhadores perderam suas vidas, por conta de doenças, na ocasião da construção da ferrovia.

A Paulista nesta década torna-se a segunda companhia ferroviária paulista a atingir os limites do estado. Ao prosseguir com ramal de Jaú até Marília, e posteriormente até Panorama, chega com seus trilhos até o limite de São Paulo, junto ao Rio Paraná. Adicionalmente, ao estender também seu tronco principal de Barretos à cidade de

Colômbia a Paulista atinge novamente o limite do estado, agora junto ao Rio Grande. Por conta da articulação de seu sistema ferroviário com os referidos rios, passa a monopolizar também o trajeto hidroviário neles.

Um dos ramais da Mogiana também é estendido, no sentido norte, passando pela cidade de Anápolis e depois conectando-se com uma ferrovia mineira em São Sebastião do Paraíso. Por sua vez, a Araraquarense estende sua linha até Mirassol e lá estaciona por muito tempo. O plano de chegar ao limite do estado só foi concluído na década de 1940.

Em contraponto ao interior do estado, no litoral é inaugurada a ferrovia que conecta o Vale do Ribeira ao Porto de Santos, viabilizando assim o incremento da colonização para além do núcleo colonial de Itanhaém.

O colapso da produção de café ocorrido na década de 1900 consolidou-se nas décadas seguintes, fazendo com que a produção nessa área se reduzisse a 1%. O café segue seu roteiro, deslocando-se do centro produtor do início do século XX (Ribeirão Preto) para a região de influência da Companhia Sorocabana e Araraquarense.

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A crise da bolsa de valores de Nova Iorque ocorrida em 1929 produziu efeitos no mundo inteiro, inclusive na produção agrícola brasileira. Esse evento marca o ápice na acumulação de capital destinado à implantação de ferrovias no Brasil, portanto a década que se segue, pós colapso da bolsa é marcada, sobretudo pela estagnação da produção do café e, consequentemente, da estagnação ferroviária.

Em termos da política nacional, a década de 30 representa a passagem do período denominado República Velha para a Era Vargas. Em razão deste contexto econômico e instabilidade política a Companhia Araraquarense não conseguiu estender seus trilhos para além de Mirassol.

As principais transformações ocorridas no período foram a extensão da ferrovia Noroeste até o limite do estado, instalação da ponte em tecnologia ferryboat sobre o Rio Paraná no sentido da cidade de Três Lagoas, e a criação da ferrovia Mairinque-Santos, que significou a quebra de monopólio da São Paulo Railway company referente aos transportes realizados entre o planalto e o litoral.

Como lembra Odilon Nogueira de Matos, o prolongamento da ferrovia Noroeste e a transposição do Rio Paraná representaram uma extraordinária transformação do território mato-grossense. “[...] desbravando e abrindo à civilização novas áreas, ou consolidando o povoamento, dando estabilidade, portanto, a algumas frentes pioneiras, abertas por povoadores procedentes de áreas consideradas “envelhecidas” devido à já tantas vezes mencionada itinerância do café.” (MATOS, p. 135)

A Mairinque-Santos, construída pela Companhia Sorocabana através da extensão de sua linha, inicialmente até Embu-Guaçu e, posteriormente, até São Vicente, onde se conecta com uma linha já existente, de propriedade da Southern Railway Company, atinge Santos e é aberta para tráfego em 1937. Para realizar este empreendimento foi necessário perfurar 31 túneis e construir diversos viadutos.

Soma-se ao desafio topográfico o do clima pois a região escolhida para a implantação da ferrovia “[...] é uma das mais úmidas de todo o litoral brasileiro e, além disso, na parte baixa, a malária ameaçava dizimar os trabalhadores” (MATOS, p. 139).

Uma estrada de ferro, executada pela Companhia Sorocabana, parte de Ourinhos e penetra em território paranaense, colaborando extraordinariamente no desenvolvimento desta zona que, apesar de pertencer administrativamente ao Paraná, pode ser considerada economicamente paulista, pois durante várias décadas suas únicas vinculações, ferroviárias e rodoviárias, foram com o estado de São Paulo.

Em termos da produção de café no território paulista, ela passa a se concentrar no domínio da Companhia Araraquarense e da Noroeste, ambas representando mais de 32% das exportações do produto com tendência de aumento. Ainda assim, a produtividade da região da Companhia Sorocabana e da Mogiana mantém-se constante, ambas variando entre 9 e 16%, ou seja, se somadas correspondem também a 32% do total, porém com tendência de declínio.

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O último fato a ser destacado sobre a dita “Era Ferroviária” paulista, período analisado por esta monografia, é a construção da ponte ferroviária Eurico Gaspar Dutra que foi iniciada em 1938 e finalizada em 1947. Atualmente a ponte não é mais utilizada, porém encontra-se tombada pelo IPHAN como patrimônio histórico nacional. “a construção do ramal de Ponta Porã, estabelecendo ligação com o Paraguai, e o prolongamento de Porto Esperança a Corumbá, obrigando à transposição do rio Paraguai mediante extensa ponte, e articulandose com uma ferrovia boliviana para a realização da segunda linha transcontinental na América do Sul.” (MATOS, p. 138) O mapa ao lado, de 1940, retrata o cenário das ferrovias no clímax da dita “era ferroviária”, além das ferrovias paulistas, foram adicionadas também as ferrovias de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Paraná, para que seja

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1920

1930

possível vislumbrar a articulação territorial promovida por elas.

O sistema ferroviário paulista é caracterizado por sua morfologia semelhante à uma árvore, na qual a raiz é o Porto de Santos, o tronco é a ferrovia Santos-Jundiaí, os galhos principais são as companhias: Sorocabana, Paulista e Mogiana, nas quais outros galhos menores, companhias regionais e ramais, se acoplam.

Os interesses econômicos de expansão da cafeicultura destinada à exportação, a limitação topográfica especialmente na área próxima ao litoral, o curso dos rios navegáveis, a preexistência de aldeamentos indígenas e as legislações impostas para o empreendimento ferroviário foram, portanto, os fatores que delinearam a implantação desse sistema e, com ele, balizaram a colonização e urbanização de São Paulo.

O gráfico acima apresenta, em números, a correlação existente entre a expansão ferroviária paulista, o incremento demográfico e a evolução da exportação de café. Foi

Hidrografia

escolhido escalas diferentes para cada variável, sendo a quantidade de cafezais expresso em milhões, a extensão das ferrovias em quilômetros e a demografia em milhares, com o intuito de possibilitar a visualização desses dados no mesmo gráfico. É interessante perceber que após a década de 1930, que sucede a crise da bolsa de Nova Iorque, a produção cafeeira tende a estagnar e consequentemente a extensão ferroviária também. Por essa razão e pela tendência analisada nas décadas posteriores à 1940 foi possível estabelecer essa data como marco do fim da dinâmica econômica, política e de expansão territorial aqui apresentada.

O desenvolvimento econômico observado nas décadas seguintes foi pautado, sobretudo, na indústria automobilística. A década de 1950 é marcada por essa transição, que se intensifica até a segunda década do século XXI.

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Hoje

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A partir de 1940 assiste-se, praticamente, ao fim da era ferroviária. Não tendo sido reaparelhadas, nem corrigidos os seus erros básicos, não tiveram as ferrovias brasileiras condições para resistir à concorrência das rodovias. O mapa ao lado evidencia esse cenário. Muitos trechos ferroviários em operação até 1956, segundo levantamento do IBGE, foram parcialmente ou integralmente desativados. Muitos deles inclusive tiveram seus trilhos removidos.

Tratam-se, principalmente, de ramais que davam acesso ao escoamento regional da produção de café, por essa razão, findada a produção cafeeira nesta região, o ramal tornava-se subutilizado e era removido, cedendo espaço para estradas municipais de terra (no caso das regiões afastadas dos centros urbanos) ou para vias arteriais (no perímetro urbano).

“A ausência de plano, a que se refere Adolfo Pinto, foi responsável pela precariedade de grande parte de nossa rede ferroviária, especialmente quando o produto que a motivou - o café - deixou de representar a poderosa força que um dia representou. Daí o caráter deficitário de muitas estradas, ou de seus ramais, levando as autoridades a opinarem pela sua supressão, em vez de cuidarem de seu reaparelhamento.” (MATOS, p. 140) Os trajetos dessas ferrovias, quando suprimidos, são possíveis de serem localizados por meio da vegetação que se desenvolve em seu percurso. É possível também mapeálos a partir de pequenas construções e estações ferroviárias

tombadas que resistiram à intensa transformação da paisagem paulista que ocorreu desde a década de 1950.

Em razão da escala de abordagem deste trabalho e do enfoque dado à temática da relação entre expansão da cafeicultura, expansão ferroviária e criação das redes de cidades paulistas, não foi possível mapear, em detalhe, todos esses trechos ferroviários suprimidos. Por isso, eles são apresentados no mapa como linhas conectando cidades ou pontos de referência que indicavam seu percurso.

As ferrovias localizadas dentro do perímetro do estado de São Paulo e apresentadas na cor laranja são aquelas implantadas posteriormente ao período analisado. Por essa razão, não foram levantados dados da sua implantação e operação.

Por fim, muito embora grande parte dos ramais ferroviários tenham sido suprimidos, todos os troncos principais foram conservados e continuam operando, segundo levantamento da fundação SEADE, realizado em 2018. Porém, sua condição de uso se restringe ao tráfego de matérias primas, grãos e todo tipo de “carga pesada”, não sendo utilizados para logística de produtos nem de passageiros.

Hoje, as ferrovias são consideradas um problema urbanístico para as cidades médias do estado de São Paulo, pois elas se desenvolveram em torno da estação de trem. Em cidades como Araraquara, Itu ou Rio Claro, as prefeituras municipais têm buscado desviar a linha de trem do perímetro urbano, pois sua utilização é incompatível com as condições do entorno.

Situação Atual Legenda Ferrovias ativas (até 2018) Ferrovias removidas ou desativadas Ferrovias não analisadas Hidrografia

N 0

50

100

150 km

Conclusão 8000

Número de Óbitos Fonte: InfoSiga | Governo do Estado de São Paulo

7000 6000

Regiões de Influência

5000

Legenda

4000 3000 2000

Ferrovias ativas (até 2018)

1000

24

0

2015

2016

2017

2018

2019

O sistema econômico e social, constituído no período denominado ciclo do café, produziu transformações extraordinárias na paisagem do estado de São Paulo, a grande maioria das cidades médias paulistas, que hoje são referência em industrialização, educação, ciência e tecnologia, se desenvolveram durante esse período. Além do desenvolvimento urbano, vários biomas naturais, tais como o Cerrado e a Mata Atlântica, foram transformados, dando lugar a pastagens, à sul e à noroeste, e à cafezais, que ocuparam quase que o território inteiro de São Paulo à exceção da faixa litorânea e da região de clima frio, abaixo do Trópico de Capricórnio. Essa paisagem rural se estruturava à medida em que a malha ferroviária se desenvolvia.

São Paulo, se tornando a metrópole do café e das ferrovias, conseguiu capitalizar recursos de extensas áreas à oeste. Os territórios localizados no sul de Minas Gerais (em especial no Triângulo Mineiro), no estado do Mato Grosso (e Mato Grosso do Sul), no norte do estado do Paraná, faziam uso do sistema ferroviário paulista para escoar suas produções.

2020

O binômio “café e ferrovia”, mobilizou transformações não apenas territoriais e econômicas, mas também sociais e políticas. Enquanto os estabelecimentos rurais do Vale do Paraíba colapsavam, primeiramente com o fim do tráfico negreiro, e depois com a abolição da escravatura, as plantações de café e construções da infraestrutura ferroviária paulista, organizadas por meio do trabalho livre e da imigração europeia prosperavam. Esse fenômeno reposicionou São Paulo como sendo o centro econômico brasileiro no início do século XX. Posteriormente, pôde São Paulo se lançar à industrialização, atraindo capitais da indústria automobilística, e à modernização, tornando-se a capital cosmopolita que é.

A forma como se organizou o sistema ferroviário paulista faz sentido, se levarmos em consideração os processos políticos, sociais, econômicos e legais que o condicionou.

Devemos compreendê-lo e analisá-lo enquanto fenômeno histórico e geográfico mas, é natural do campo disciplinar da arquitetura e do urbanismo vislumbrar possibilidades futuras.

Hoje, na segunda década do século XXI, as ferrovias

Hidrografia paulistas encontram-se subutilizadas e muitas vezes se tornam problemas urbanísticos. Adicionalmente, assistimos a uma retração econômica na indústria automobilística.

Do ponto de vista social, as novas gerações não enxergam o automóvel como um paradigma de mobilidade (nem urbana, nem regional). Dados do Governo do Estado de São Paulo mostram que, anualmente, 5000 pessoas perdem suas vidas em rodovias estaduais. Não seria agora o momento mais adequado para repensar o modelo de transporte utilizado em São Paulo, direcionando recursos públicos para investimentos em modais de transporte mais eficientes e seguros?

O mapa ao lado ilustra as relações entre as cidades, mapeadas pelo IBGE em 2015. Nele podemos ver que as cidades que se desenvolveram em torno das ferrovias se tornaram, e são, ainda hoje, centralidades regionais. A circulação de pessoas e de mercadorias no estado de São Paulo é intensa e tende a crescer. Por último, a questão que colocamos é, entendendo as ferrovias paulistas como parte importante da memória e da estruturação territorial de São Paulo, não faz mais sentido preservá-las e qualificá-las?

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100

150 km

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