Cultura imperial e projetos coloniais (séculos XV a XVIII)

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vozes de Charles Ralph Boxer e de Vitorino Magalhães Godinho, sem dúvida os dois mais importantes historiadores do império português da segunda metade do século XX.3 Racismo e violência, enquanto temas reveladores de uma atenção às lógicas do conflito envolvidas na construção de um império, opunham-se assim ao elogio dos mecanismos integradores utilizados pelos portugueses espalhados por esse mundo fora. De qualquer modo, o aspecto que se visa aqui defender diz respeito ao fato de os intervenientes no debate não se encontrarem todos ao mesmo nível. Isto é, os que enalteciam as práticas de integração dos portugueses estavam mais próximos de uma visão comemorativa da história, pejada de anacronismos, porque preocupada em servir a um regime político ansioso de encontrar na história uma base ideológica excepcional para a sua política colonial; enquanto os dois referidos historiadores se insurgiam contra o modo como se pretendia colocar a história a serviço de um regime político. Tratava-se de um ponto de união entre os dois grandes historiadores do império português, pese embora a divergência entre o conservadorismo de Boxer e a visão progressista da cidadania pela qual Godinho tem lutado durante toda a sua vida. Numa perspectiva mais metodológica, haverá também que sublinhar a diferença entre a atenção concedida pelo primeiro à tenacidade dos indivíduos, frente ao estudo das grandes estruturas defendido pelo segundo. Em suma, para as gerações subseqüentes, que aprenderam a fazer história refletindo sobre o sentido das obras de gigantes tais como Magalhães Godinho e Boxer, o debate histórico e político que coincidiu com o início da Guerra de Libertação de Angola assumiu uma enorme importância. Existe, no entanto, um intervalo de cerca de 20 anos entre as discussões de inícios dos anos 60 e o momento em que a minha geração começou a iniciar-se na prática de fazer história. Durante esse intervalo de tempo, muitos foram os que escolheram o exílio para se opor ao regime de Salazar. Alfredo Margarido constitui, a este respeito, uma figura emblemática da historiografia portuguesa. E, mau grado a dispersão da sua obra e a pouca atenção a que tem sido votado dentro de Portugal, o seu labor representa talvez um dos esforços mais consistentes destinados a aprofundar de forma reflexiva a história colonial em tempos do fim do império. Porém, as razões que explicam o esquecimento em que acabaram por cair muitos dos textos de Margarido — aos quais deveria ser conferido o estatuto de manifestos fundadores de uma nova orientação historiográfica, destinada a dar voz aos oprimidos e a criticar muitas idéias feitas — acabam por ser bem reveladoras do modo como se organizou a pesquisa histórica sobre o império e as ex-colônias em Portugal: pura e simplesmente, calando as vozes incomodamente críticas e dissonantes. Paralelamente, o impacto que teve, na historiografia portuguesa posterior à década de 60, o paradigma formado em torno das questões da modernização — o qual se sobrepôs a reflexões, velhas de mais de um século, sobre a decadência portuguesa — pode ser avaliado pela concentração da pesquisa nos limites do território do

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Cf. do autor “O atraso historiográfico português”, in Charles Boxer, Opera minora, vol. III — Historiografia. Lisboa: Fundação Oriente, 2002.

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