A “democracia animal” dificulta a visão mecanicista da Natureza porque a cooperação dos indivíduos de uma mesma espécie, como a decisão consensual de um grupo que “vota” coletivamente suas “escolhas”, revela a possibilidade do improviso e de certo cálculo de possibilidades mesmo em seres irracionais. Esse dado põe em questão a crença de que a Natureza é regida por leis necessariamente fixas e completamente estáveis e regulares (cujos melhores exemplos seriam dados por tudo o que é diferente do ser humano). 4. Além dos problemas sociais e ecológicos, haveria dificuldades teóricas que indicassem a incoerência do mecanicismo? Sim. Como expõe o biólogo inglês Rupert Sheldrake, há muitos indícios de que o “funcionamento” da Natureza não segue necessariamente leis sempre estáveis e constantes, como testemunha o fato de cientistas terem de ajustar de tempos em tempos as “constantes” com que medem fenômenos naturais. Se há a necessidade de ajuste, é porque há mudanças no funcionamento da Natureza. EXERCÍCIO C (p. 239) 1. Diferencie Natureza e Cultura com base na necessidade humana de aprendizado. Você pode se inspirar no texto de Pierre Sanchis. A Cultura pode ser entendida como um prolongamento ou como um desenvolvimento de capacidades e possibilidades presentes na própria Natureza. Dessa perspectiva, a possibilidade mesma da Cultura não significa necessariamente algo dissociado da Natureza. Porém, como ser cultural e diferentemente dos outros animais, o ser humano não “nasce sabendo”; ele nasce apenas propenso e com certas potencialidades; precisa aprender e desenvolver suas capacidades por meio de sua inserção em um meio social criativo. 2. Por que, segundo Merleau-Ponty, tudo no ser humano é natural e fabricado? Para Merleau-Ponty, o ser humano não é um ser meramente biológico, regido e determinado pelos instintos. Em sua condição de ser psicofisiológico, o ser humano tem abertura para múltiplas possibilidades. Isso quer dizer que o uso que ele faz de seu corpo é transcendente ao próprio corpo. Desse modo, a expressão de sua natureza passa pela “criação” ou pela “fabricação” própria da Cultura. Natureza e Cultura não se opõem e nem mesmo se sobrepõem, mas se misturam e se integram, sem, no entanto, se anularem ou se confundirem. 3. A continuidade entre Natureza e Cultura anula a diferença entre animais humanos e animais não humanos? Não. E a diferença entre animais humanos e não humanos também não se reduz a uma mera diferença de grau (grau de animalidade). Há uma diferença mais profunda, pois, apesar dos elementos culturais vividos por animais não racionais, eles não revelam uma reflexão intelectual nem a capacidade de pensar sobre si mesmos e de analisar o modo como se dá o pensamento. A reflexão intelectual vai além
da simples percepção de causas e efeitos (algo que os animais certamente têm); ela é da ordem do “pensamento do pensamento”, e, como tal, leva a identificar uma diferença de qualidade entre os humanos e os não humanos. 4. Com base na continuidade entre Natureza e Cultura, analise as frases seguintes e argumente se você concorda com elas ou discorda delas: “Todo brasileiro ama futebol”; “Italiano fala com as mãos”; “Brasileiros e argentinos não se gostam”. Resposta pessoal. Contudo, as três frases são exemplos de certa naturalização da Cultura, como se determinados comportamentos fossem próprios e intrínsecos de cada povo. Além disso, elas fazem uma generalização cultural apressada, pois a Cultura não é, a rigor, algo que determina completamente o comportamento de todos os seus indivíduos. EXERCÍCIO D (p. 241) 1. Qual a diferença entre o conceito de pessoa e o de indivíduo? A diferença entre pessoa e indivíduo reside no tipo de relação estabelecida com a espécie: enquanto um indivíduo é apenas um membro de determinada espécie (inclusive cada mineral, cada planta e cada animal é um indivíduo no interior de seus grupos), uma pessoa é um indivíduo tipicamente humano, ou seja, um indivíduo que não repete simplesmente sua espécie, mas um modo único e “irrepetível” de ser, dando coloração e características próprias ao seu modo de realizar a sua espécie, por sua capacidade de dar sentido, refletir e escolher. 2. Em que se baseou Agostinho de Hipona para identificar a especificidade do ser humano? Agostinho se baseou no fato de os seres humanos serem capazes do ato de conhecer e de fazer escolhas. Essas capacidades revelam uma estrutura específica que diferencia o ser humano dos outros seres vivos. Ele observou que os minerais apenas existem; as plantas existem e vivem; os animais existem, vivem e sentem; e os seres humanos existem, vivem, sentem, pensam e escolhem. 3. Quais as funções da alma humana, segundo Agostinho? Além de existir (por possuir corpo, assim como tudo na Natureza, inclusive os minerais), a alma humana vive (mantém a função nutritiva ou vegetativa, presente também nas plantas e animais) e sente (exerce a função sensitiva, presente também nos animais com sensibilidade). Por fim, existe uma função que só os seres humanos possuem: a capacidade de pensar e fazer escolhas, de dar sentido ao mundo (a alma racional ou espiritual). 4. Explique a metáfora agostiniana da alma como tensão vital do corpo, servindo-se do exemplo da corda de um instrumento musical. Agostinho usa a metáfora para representar a vida e as funções da alma por meio da força ou da “tensão” presente em uma corda de instrumento musical. A tensão é capaz de Manual do Professor
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