AC/DC ÁLBUM POR ÁLBUM

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Martin Popoff com Richard Bienstock, Phil Carson, Mark Cicchini, Rich Davenport, Dave Ellefson, Mike Fraser, Jay Jay French, Michael Hannon, Paul Kehayas, Robert Lawson, Joel O’Keeffe, Phil Rudd, Robert Sibony, Mark Strigl Brad Tolinski, Bill Voccia e Simon Wright

Tradução de Henrique Guerra


© 2017 Quarto Publishing Group USA Inc. © 2017 Martin Popoff (texto) Publicado originalmente em 2017 por Voyageur Press, um selo do The Quarto Group. www.QuartoKnows.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida em qualquer forma sem a permissão por escrito dos proprietários dos direitos autorais. Todas as imagens neste livro foram reproduzidas com o conhecimento e prévio consentimento dos artistas envolvidos, e os editores não aceitam qualquer responsabilidade por quaisquer violações dos direitos autorais, ou de outra natureza, originadas do conteúdo desta publicação. Todos os esforços foram feitos para assegurar que os créditos estejam em exata conformidade com as informações fornecidas. Pedimos desculpas por qualquer inexatidão que possa ter ocorrido e vamos corrigir a informação inexata ou ausente na próxima reimpressão do livro. Este livro é o resultado de um trabalho feito com muito amor, diversão e gente finice pelas seguintes pessoas: Gustavo Guertler (publisher), Germano Weirich (coordenação editorial), Maristela Deves (revisão), Celso Orlandin Jr. (adaptação da capa e do projeto gráfico) e Henrique Guerra (tradução). Obrigado, amigos. 2021 Todos os direitos desta edição reservados à Editora Belas Letras Ltda. Rua Antônio Corsetti, 221 CEP 95012-080 - Caxias do Sul - RS www.belasletras.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP) Biblioteca Pública Municipal Dr. Demetrio Niederauer Caxias do Sul, RS

P829 Popoff, Martin AC/DC: álbum por álbum/Martin Popoff; tradução: Henrique Guerra. - Caxias do Sul, RS: Belas Letras, 2021. 256 p.: il.

Título original: AC/DC: album by album ISBN: 978-65-5537-087-4

1. Rock australiano. 2. AC/DC (Grupo de Rock). I. Título. II. Guerra, Henrique (trad.)

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CDU 784.4(94)

Catalogação elaborada por Rose Elga Beber, CRB-10/1369

Impresso na China

Créditos da edição original Editor de aquisição: Dennis Pernu Gerente de projetos: Jordan Wiklund Diretor de arte: James Kegley Design editorial: Renato Stanisic Layout: Kim Winscher


O I R Á M SU I NTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 1 . 2 . 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11 . 12 . 13. 14. 15. 16.

HIGH VOLTAGE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . T.N.T.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . DIR T Y DEEDS DONE DIR T CHE A P. . . . . . . . . . . . LE T THERE BE ROCK. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . POW ER AGE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . HIGH WAY T O HELL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . BACK IN BL ACK . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . FOR THOSE A BOUT T O ROCK W E SA LUTE YOU. . FLICK OF THE SW IT CH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . FLY ON THE WA LL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . BLOW UP YOUR V IDEO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . THE R A ZORS EDGE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . BA LLBRE A K ER . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . S TIFF UPPER LIP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . BL ACK ICE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ROCK OR BUS T. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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POWER UP (CAPÍTULO EXTRA) por Lui z Fe li pe Carne i ro .

. . . . . . . . . . . . . . . . 246 SOBRE O AUTOR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256 CRÉ DITOS DAS I MAGE NS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256


introdução E

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ngraçado como são as coisas. Meu primeiro livro nesta descontraída série Álbum por Álbum foi dedicado ao Rush, os sofisticados pioneiros do math rock. Agora, na minha segunda participação nesta intimista série – que mais parece um bate-papo informal, regado a cerveja –, entre todas as bandas possíveis, qual é a escolhida? Justamente o AC/DC. Em termos filosóficos (ao menos no interior de nossa “bolha” do hard rock clássico), cada uma dessas bandas fica num dos extremos do espectro! Mas é um estímulo notar que existe uma vasta sobreposição na base de fãs. Das milhões de pessoas que amam o Rush, milhões também amam o AC/DC. Isso dá uma ideia do quanto essas duas bandas lendárias têm o dom de seduzir um público amplo e difuso. Na hora de colocar a mão na massa, porém, a perspectiva de construir o livro sobre o AC/DC me soou um pouco mais assustadora. À primeira vista, o desafio era maior, parecia haver menos pano para manga, menos detalhes e minúcias em termos musicais. Mas eu estava redondamente enganado! Ao reunir meu pelotão de especialistas em AC/DC, uma coisa logo ficou óbvia: em meio a gargalhadas e gritos, podíamos conversar eternamente sobre Angus, Malcolm, Brian e Bon. E parece que foi isso que fizemos, levando em conta o volume de entrevistas coletadas. No fim das contas, tive de deixar muita coisa de fora deste livro, que nada mais é do que uma carta de amor, em ritmo de filme de ação, ao maior produto de exportação da Austrália. E um filme com tramas e subtramas. Os bizarros primórdios da banda. A postura engajada de quem veio da classe operária. A inevitável conquista da Europa e das Américas. A contratação de novos produtores. A morte chocante de Bon Scott. A reação imediata: o lançamento de um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos. Sim. Os níveis lendários de fama, infâmia e status da banda foram muito ancorados naquele primeiro álbum corvejado e crocitado por Brian Johnson, um ilustre desconhecido, com forte sotaque do nordeste inglês. O que me apaixona neste livro? Ou, melhor dizendo, por que você tem tudo para se apaixonar por ele? Com empolgação e lábia, os debatedores nos convencem: há muito a comentar sobre essa banda, tão famosa por “fazer sempre o mesmo álbum”. É a oportunidade perfeita para revisitar esses álbuns – que você pensa conhecer de cabo a rabo – em uma seleta e agradável


companhia. E o mais fascinante: as didáticas explicações contidas nestas conversas informais vão catapultar a sua admiração por álbuns menos badalados, como Powerage, Fly on the Wall, Ballbreaker, Stiff Upper Lip e seu mais recente lançamento, Rock or Bust.1 É justamente isto que eu mais amo nesta série: a troca de informações ricas e gabaritadas não só de nós para vocês, mas também desse pessoal para mim em tempo real enquanto eu escrevia o livro. O bate-papo com esses caras abriu minha mente para muitos aspectos que eu jamais havia pensado. Assim que a entrevista acabava, eu atacava os CDs, com dedos frenéticos para achar o ponto, em busca das novas revelações sobre o que Angus fez na marca de vinte e oito segundos. O espírito é esse. Sou fã do AC/DC desde que comprei um LP canadense da banda em 1977 na Kelly’s, em Winnipeg, Manitoba, durante uma viagem de férias com a família. E eis que me flagrei novamente vasculhando o catálogo, coisa que fiz com naturalidade, pois sempre gostei de ouvir os álbuns da banda. Quando o assunto é curtição, o AC/DC é imbatível. Uma banda sinônimo de divertimento. Na hora de beber, de socializar, de dar uma corridinha; na hora de treinar na academia de ginástica, de pisar fundo na rodovia, ou simplesmente naqueles momentos espinhosos em que um estímulo ou reajuste de postura é necessário, nada é melhor que Powerage ou Highway to Hell. Então brinde conosco e fique à vontade. Embarque nesse bate-papo com dezessete (dezoito, se eu entrar na conta) fãs apaixonados como você, cada qual com sua própria história sobre quando ele enfiou o dedo nessa tomada pela primeira vez. Sim, eu disse “ele”... não há garotas, por mais que eu tenha me esforçado para encontrar alguma. Não seja tímido; junte-se ao debate – enquanto eu escrevia isso, quase ouvi você esmurrando o balcão do bar, seja para concordar ou para provocar uma briga. Dos bares e clubes mundo afora, espero de vocês um feedback. Qual desses caras não falou coisa com coisa? E qual leu os seus pensamentos para confirmar tudo aquilo que, na sua opinião, só você entendia sobre os enigmáticos irmãos Young – e esse contagiante balançar de cabeça, bendito e balsâmico, que eles criaram?

—Martin Popoff

1 Em 2020, o AC/DC lançou Power Up, o 17º álbum de estúdio da banda, que ganhou um capítulo exclusivo na edição brasileira deste livro. (N. de E.)


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C uElR o Ca Hp AíPtT

HIGH VOLTAGE com RICH

DAVENPORT e ROBERT SIBONY

OB S . : Lançado apenas na Austrália. Não deve ser confundido com as versões internacionais de High Voltage, embora “She’s Got Balls” e “Little Lover” estejam incluídas nesses discos. LADO A

1. Baby Please Don’t Go 2. She’s Got Balls 3. Little Lover 4. Stick Around

LADO B

1. Soul Stripper 2. You Ain’t Got a Hold on Me 3. Love Song 4. Show Business

4:50 4:51 5:37 4:40

6:25 3:31 5:15 4:46

Todas as músicas de Angus Young, Malcolm Young e Bon Scott, exceto “Baby Please Don’t Go” (Big Joe Williams) e “Soul Stripper” (Angus Young e Malcolm Young) Formação: Bon Scott – voz; Angus Young – guitarra solo; Malcolm Young – guitarra base, guitarra solo, baixo, backing vocals; Rob Bailey – baixo (na banda, mas participação limitada no álbum); Peter Clack – bateria (na banda, mas no álbum toca apenas em “Baby Please Don’t Go”). Participações especiais: George Young – baixo, guitarra base, backing vocals; Harry Vanda – backing vocals; Tony Currenti – bateria (toca como músico de estúdio em todas as faixas, à exceção de “Baby Please Don’t Go”) Lançado em 17 de fevereiro de 1975 Gravado nos Albert Studios, Sydney, Austrália Produzido por Harry Vanda e George Young

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A

banda mais amada neste raio de mundo fez por merecer? Eu diria que sim. Quando surgiu mansamente no cenário australiano, em fevereiro de 1975, mostrando seu álbum de estreia, High Voltage (que recebeu o selo de aprovação materna), o AC/DC só existia há um pouco mais de um ano. O novo vocalista, Bon Scott, tinha entrado um mês antes da gravação do álbum, em outubro de 1974. Mas antes disso muita coisa já estava rolando. O irmão mais velho e coprodutor George Young tinha sido uma sensação pop com sua banda Easybeats, junto com Harry Vanda, que também coproduziu High Voltage com George. Da mesma forma, havia uma conexão entre George e Ted Albert, membro de uma família tradicional na indústria fonográfica. Assim, o AC/DC logo foi contratado por uma gravadora, e a banda teve a oportunidade de fazer um disco em estúdio moderno, de última geração. O resultado dessa organização foi um álbum fragmentário e frágil que, décadas depois, ainda permanece desconhecido para a maioria


dos fãs do AC/DC, à exceção de duas faixas: “She’s Got Balls” e “Little Lover”. Essas duas músicas foram incluídas no álbum de estreia internacional do AC/DC, o qual, só para confundir, também foi chamado de High Voltage. A maioria dessas músicas não teve um lançamento mundial, e essa “baixa tensão” foi mantida por um bom motivo comercial. E não é que as músicas em si fossem ruins. É que o som da banda estava em formação, um som aliás que se tornaria um dos mais identificáveis do rock. Essas características distintivas já afloravam em algumas faixas, como “She’s Got Balls”, “Stick Around” e “Soul Stripper”. Outras eram descaradamente “boogie” (o boogie é uma vertente do blues), e, quer você queira ou não, essa influência acabou se incorporando na identidade posterior do AC/DC. Vide “Show Business”. Certa vez entrevistei Malcolm num quarto de hotel (um dia após o histórico festival SARSstock em Toronto, em 2003, do qual participaram o Rush e os Rolling Stones). Ele me explicou que havia uma razão clara para a banda tocar músicas como “Show Business” e “Baby Please Don’t Go”. “No circuito dos pubs, o público era assim”, contou ele. “Alguns desses pubs tinham mil e quinhentas, duas mil pessoas, loucas para agitar. E a galera se conectava com os boogies logo de cara... Era tipo: ‘Queremos um boogie!

NA PÁGINA OPOSTA: O álbum High Voltage lançado só na Austrália. ABAIXO: O High Voltage australiano é um disco frágil e fragmentário, produzido pelos experientes George Young e Harry Vanda.


Toquem um boogie para nós!’. Então, todo mundo tocava um ou outro boogie. Sabe, não era de hoje que a gente curtia a banda Canned Heat, e na época só improvisávamos em cima do material deles, em torno das ideias deles, e colocávamos umas pitadas de boogie em nosso material próprio. Mas a nossa praia sempre foi blues e rock’n’roll. Crescemos com isso. Nossos irmãos mais velhos gostavam de Chuck Berry, Little Richard e Jerry Lee Lewis, passamos a infância ouvindo isso. Ficou impregnado em nós. Só tentamos reproduzir isso, esses caras, com os sentimentos deles, fazer um rock pulsante e deixar a coisa rolar.” Além de sua premissa deliberada de “rock raiz”, todas as faixas do álbum High Voltage foram habilmente gravadas e solidamente tocadas. A equipe utilizou engenhosamente a parafernália de última geração do estúdio e o know-how de produção de Harry e George. Mas mesmo essas canções um tanto avançadas eram um “AC/DC Leve”, um tanto medianas. Numa análise mais rigorosa, perfeitas para encher linguiça. Seja como for, o disco trazia uma versão frenética de “Baby Please Don’t Go”, bem ao estilo de Ted Nugent e Amboy Dukes. “You Ain’t Got a Hold on Me” é outra música que pode ser acrescentada ao banco de faixas que constituem as raízes do AC/DC propriamente dito. E, claro, “Little Lover” tem um vínculo com “The Jack” e “Night Prowler”. Mas, vamos combinar, “Love Song” destoa das demais. É o mais próximo de uma balada que a banda jamais chegaria, oferecendo vislumbres divertidos do passado de George e Bon, os dois veteranos experientes. É quase como se George, Harry e Malcolm estivessem em busca de algo específico, algo inexistente, uma visão de mundo sônica que ficava piscando além de suas periferias. Com avidez e entusiasmo – sem esquecer de boas doses de suor e de ambição –, eles seriam recompensados por seus esforços. Logo teriam canções incendiárias, “punk-mas-não-punk”, em número mais do que suficiente para apresentar, quando a possibilidade de um acordo com uma gravadora internacional se tornou real. Está explicado. Assim, quase todo o material de High Voltage ficou nos subterrâneos, pelo menos na era pré-internet. Jailbreak ’74 remediaria parte disso, assim como Backtracks, o box set de 2009, mas, no andar da carruagem, High Voltage permanece uma esquisitice (ou o patinho feio?) do catálogo, o tiro ouvido apenas em Down Under, prevendo um trovão de rock’n’roll que logo abalaria o planeta.

MARTIN POPOFF: Para começo de conversa, na real, logo de cara o AC/ DC teve bastante apoio. Não era só uma garotada fazendo barulho por aí e lançando um disco independente. Tinham produtores, uma gravadora, um excelente estúdio para trabalhar, roadies e até mesmo um ônibus de turnê.

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CAPÍTULO 1


ROBERT SIBONY: Tem razão. E tudo começa com George Young, o irmão mais velho de Angus e Malcolm, que tocava no Easybeats, uma big band de respeito em meados dos anos 60, que influenciou muita gente, de Bruce Springsteen a David Bowie, acredite se quiser. Então, ele e Harry Vanda, que era holandês, formaram o Easybeats na onda de imigrações na Austrália, com outro holandês, sem falar no baterista de Liverpool, Snowy Fleet. Já a família de George tinha chegado recentemente da Escócia. E eles produziram um monte de coisas, compuseram e produziram aquele sucesso retumbante, “Love Is in the Air”. Seja como for, a dupla Vanda e Young decolou como equipe de produção, foi à Europa e ficou alguns anos na Inglaterra. J. Albert & Son era uma grande loja de música na Austrália, e Ted Albert era um dos jovens, e ele queria entrar no rock e começar a produzir. O bisavô dele tinha essa loja de música, inaugurada em 1902, anos depois de a família ter vindo da Suíça para Sydney em 1884 para se fixar no ramo de conserto de relógios. E é uma superloja de música. Quer dizer, estamos falando de música clássica... Fabricavam pianos, órgãos gigantes. E também vendiam discos. Logo entraram no mercado de edição e radiodifusão, até que, por fim, tinham uma rede de estações de rádio. Em 1973, construíram um estúdio de vanguarda nesse local chamado Boomerang House, imóvel de propriedade da família Albert. E é assim que começa a colaboração entre Young e Albert. E os primeiros discos do AC/DC foram produzidos pela Albert Productions e pela EMI da Austrália. Ted Albert fez isso para atrair Vanda e Young de volta à Austrália. E ele praticamente fez uma oferta irrecusável. Então eles foram lá e basicamente se tornaram compositores e produtores da Albert Productions. E sabe como tudo começou? Claro, eles eram amigos de Ted, e um dia Ted passou na casa de George para falar sobre algo. Nisso escutou um som vindo do porão, onde os dois irmãos mais novos, Angus e Malcolm, estavam tocando. Ted falou aos pais deles: “Se um dia eles quiserem fazer algo, me ligue”. Foi aí que a coisa começou. Então você está certo, eles estavam numa posição bem estabelecida, ali com Ted, que era basicamente o pária da família Albert, rumo ao rock’n’roll. Mas esse foi o início de tudo.

Pré-Bon, pré-Phil e pré-Mark... No clube noturno Chequers, Sydney, começo de 1974.

POPOFF: E por que, levando em conta o som pop da Austrália – grande parte dele saindo das mãos de George e Harry –, essa nova banda tem essa vibe meio rock’n’roll dos anos 1950? HIGH VOLTAGE

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RICH DAVENPORT: Pois é, a Austrália estava tentando tirar o atraso musical nos anos 60, mas chegou lá. Claro, a primeira banda australiana importante foi o Easybeats, com George Young na guitarra. E Angus e Malcolm, é claro, admiravam George como seu irmão mais velho, não só musicalmente, mas acho que pela maneira como eles conduziam os negócios da banda. A percepção de George sobre a indústria da música era a de que eles tinham sido literalmente roubados quando estavam no Easybeats. Portanto, a experiência dele moldou a perspectiva dos irmãos sobre a indústria. Mas, de volta ao som, falando em termos do início dos anos 70, os cenários do pop rock e do pub rock australianos estavam se destacando. Mas havia diferenças. O pub rock inglês era um cenário com muita diversidade, que tinha de tudo um pouco, desde o country rock, com Brinsley Schwarz, até bandas com uma levada mais blues, como o Dr. Feelgood. Por sua vez, o pub rock australiano era muito mais intenso, mais blues. Tinha gente como Lobby Loyde, que fez uma banda chamada Easybeats, importante banda da Austrália. O guitarrista base (bem à esquerda) é George, irmão mais velho de Malcolm e Angus, que o admiravam como músico e empresário. Londres, 1968.


Coloured Balls, e o Buffalo (uma banda pesada), cujo baixista era ninguém menos que Pete Wells, que depois tocaria no Rose Tattoo. Billy Thorpe & The Aztecs eram uma banda dos anos 60 que ressurgiu no comecinho dos anos 70; eles foram superinfluentes. E, obviamente, Buster Brown, a banda formada por Phil Rudd e Angry Anderson, antes de participarem do AC/DC e do Rose Tattoo, respectivamente. Ou seja, a sonoridade é bem inflexível, e eles tocavam nesses enormes “hotéis”, como eram chamados, pubs com grandes salões, bem maiores do que aqueles que você encontrava em pubs ingleses. Eram lugares rústicos, com serragem no piso, onde você tinha mesmo de impressionar a multidão e nocauteá-la com rock’n’roll. Era isso que o pessoal queria. Em suma, foi nesse tipo de ambiente que esse som se formou, em grande parte. Mas entre as influências da banda tem muito rock’n’roll na veia: Stones, Free, Rod Stewart, um montão de gente do blues, Little Richard, esse tipo de coisa. Daí que vem a sonoridade rock’n’roll. Mas a chave para a evolução do som deles está em George. Muita gente presente no estúdio durante a gravação do primeiro álbum realçou as orientações que George dava à banda: cortem os excessos de todos os riffs, reduzam as músicas apenas ao essencial. A guitarra de Malcolm formava quase metade do som da banda, e dá para notar a influência dos Stones ali. Mas acho que ele também foi influenciado por George, por seu estilo de tocar, em termos de despojar as músicas. Não quero dizer que George fez tudo, mas foi muito útil para convencê-los a podar tudo que não era essencial. E se eles viessem com algo que não soava como o que tinham feito antes, ele dizia: procurem se concentrar naquilo que vocês sabem fazer.

POPOFF: Harry e George produziram High Voltage. Qual foi a contribuição de Harry? DAVENPORT: Se puxou nessa. Difícil de responder. Sei que eles eram muito, muito ligados, porque tocaram juntos no Easybeats. Pelo que andei lendo sobre o The Angels e o Rose Tattoo, é sempre Harry e George, e Harry fez isso, e George fez aquilo. No AC/DC, a tendência é a de que George tenha sido mais ativo, talvez pelo relacionamento familiar, por ser o irmão mais velho. Mas, para ser franco, o AC/DC tende a não mencionar tanto o Harry, não sei por quê. POPOFF: Seja lá quem foi o responsável por isso ou aquilo, o fato é que os dois sem dúvida conseguiram uma boa produção, principalmente quando estamos falando de equalizar as guitarras. (continua na página 16)

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CAPÍTULO 1


Victoria Park, Sydney, 1974.

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(continuação da página 13)

SIBONY: Sim, e você pode ouvir isso em alto e bom som, tanto nos solos quanto nos riffs de “Soul Stripper” e “She's Got Balls”, onde Angus mostra que, aos 20 anos, já é tão bom quanto o conheceríamos mais tarde – o icônico guitarrista solo de hoje, especialmente em “She’s Got Balls”. E o jeito como esses caras produziram, como equalizaram as guitarras, foi incrível. Foram a todos os clubes da Austrália atrás de bandas. Escutaram os discos dessas bandas, mas, quando foram vê-las ao vivo, pensavam, caramba, não é a mesma banda. Os discos não captavam o som. O trunfo de George e Harry é que os dois eram não só os guitarristas do Easybeats, mas os compositores. A partir daí, aplicaram esses conhecimentos para estabelecer aquele som de guitarra ao vivo do AC/DC e fixá-lo num álbum. Até hoje aquele som de guitarra ainda se destaca – você pode usá-lo ainda hoje. Sabe o quanto é difícil capturar energia no estúdio? Bem, eles fizeram isso com o AC/DC. Você pode sentir a energia fluindo dos discos. Harry era o guitarrista solo do Easybeats – ele era o Angus de Malcolm, certo? E ele era muito culto em termos musicais, e os dois formavam um ótimo duo de compositores. Dois garotos de dezoito anos, imigrantes na Austrália. Ficavam nos acampamentos de migrantes da época e começaram a fazer música. Também receberam apoio dos pais – lembre-se de que George era um grande astro do rock antes do AC/DC. A família inteira tocava. Eram oito entre irmãos e irmãs. Até Alex, o irmão mais velho, quinze anos mais velho do que Malcolm, tocou em alguns discos produzidos por Vanda e George. Todo mundo pensa que o AC/DC foi apenas uma banda de garagem que teve a sorte de fazer sucesso. Mas não é bem assim. Tinham muito estudo musical e conhecimentos sobre a indústria fonográfica, porque o irmão deles já tinha passado por tudo isso e se tornado uma grande estrela, com o sucesso “Friday on My Mind”, de 1966. POPOFF: O que você sabe sobre a atmosfera nos Albert Studios? DAVENPORT: Bem, todo mundo que entrevistei – falei com os caras dos Angels, e li entrevistas e reportagens com Angry Anderson, e também com os caras do AC/DC –, todo mundo cita que George e Harry formavam uma dupla de produtores altamente eficaz, proativa e muito animada. Nunca li algo em tom de crítica, dizendo que foi péssimo, que realmente nos sobrecarregaram. Mark Evans menciona que o objetivo deles sempre era capturar a performance. A banda tocava praticamente ao vivo, com poucos overdubs. E a história sobre o amplificador de Angus ter incendiado numa das faixas de Let There Be Rock, Mark fala nisso. Se você prestar atenção em “Hell

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CAPÍTULO 1


Sessão de fotos promocionais do álbum High Voltage no estúdio do fotógrafo Philip Morris.

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Ain’t a Bad Place to Be”, se você for um defensor da afinação, as guitarras estavam um pouco desafinadas nessa faixa, mas eles foram até o fim da performance. George e Harry disseram que era melhor deixar como estava, o sentimento está aí, vamos deixar assim.

POPOFF: E como era o estúdio propriamente dito? DAVENPORT: Era grande o suficiente para a banda tocar ao vivo, mas acho que não era um espaço enorme. Mark Evans menciona que ele, Angus e Malcolm ficavam numa sala, e então havia outro ambiente ao lado, de onde a porta tinha sido arrancada, onde ficava Phil. E então eles trabalhavam no instrumental, e Bon trabalhava os vocais por cima. Eles meio que literalmente arrancaram a porta das dobradiças para conseguirem se enxergar e, pelo que entendi, tocavam apenas conectados a uma linha de amplificadores e praticamente faziam isso ao vivo. POPOFF: Como High Voltage equilibra o tradicional e ao mesmo tempo sugere algo inovador? SIBONY: Todo aquele álbum, eles pegam licks de guitarra realmente comuns e os incrementam sutilmente para torná-los seus, em especial adicionando um pouco mais de melodia e modernizando os acordes. Eles dominavam a magia de fazer isso. George os fez perceber que tudo tinha a ver com o gancho, e até mesmo a linha da guitarra tinha de ser um gancho. Não se tratava apenas dos vocais, mas também da guitarra, que também precisava mostrar a sua força e fornecer um gancho. POPOFF: Existe um quê de mistério sobre quem toca o que em High Voltage. Pode elucidar um pouco isso para nós? DAVENPORT: Na bateria tem um cara chamado Tony Currenti, que depois abriu uma pizzaria em Sydney. Mudou-se da Itália para a Austrália no final dos anos 60. Na época, o AC/DC tinha Bon nos vocais. Fazia pouco tempo que Bon havia entrado na banda. Questão de poucos meses. No baixo, tinha um sujeito chamado Rob Bailey, e o outro baterista era o Peter Clack. Então, aconteceu o seguinte. Quando entrevistei o Tony, ele me contou que já conhecia o Vanda e o Young. Ele tinha ido ao estúdio para trabalhar numa sessão com Jackie Christian & Flight, a banda da qual ele fazia parte, e eles perguntaram: “Olha só, você pode ficar mais um tempinho?”. Ficou óbvio que tinham gostado do estilo dele na bateria. Tony me explicou que os produtores lhe disseram que Peter Clack havia demorado muito para tentar criar uma levada na bateria. Eles queriam seguir em frente rápido e agilizar o processo.

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CAPÍTULO 1


De acordo com Tony, na época em que ele entrou, “Baby Please Don’t Go” já estava gravada, e essa foi com Peter Clack. Mas as demais faixas de High Voltage tiveram Tony na bateria. Contou que gravaram oito canções em quatro noites. Ele já conhecia Bon Scott, porque tinha participado de uma banda anos antes, no início dos anos 70, quando Bon estava no Fraternity, e os dois ficaram amigos, bateram um papo e beberam juntos no bar. Então George Young trouxe Tony ao estúdio para a sessão de gravação e, ao abrir a porta do estúdio, Tony reconheceu Bon. Contou que isso foi ótimo para sentir-se em casa e à vontade. E como é que Bon dá as boas-vindas? Preparou para o recém-chegado uma xícara de chá [risos]. Isso o ajudou a se concentrar e arrasar na hora das gravações, realmente. Ele também contou que na primeira noite quem tocou baixo foi Rob Bailey, e nas três noites seguintes foi George Young. Então naquele primeiro álbum muitas linhas de baixo foram tocadas por George.

POPOFF: O que os motivou a fazer a cover de “Baby Please Don’t Go”? DAVENPORT: Faz muito sentido. Sei que eles adoram blues. Ou melhor, é claro que não sei isso, mas tenho a sensação de que eles eram fãs do Them, a singela banda de R&B do Van Morrison. Porque, sem desrespeito ao AC/ DC, mas o riff de “Jailbreak” é muito, muito parecido com o de “Gloria”, do Them. E são pouquíssimas músicas do AC/DC em que você pode falar, ah, isso me lembra outro riff. Mas essa é uma delas. A outra que me vem à cabeça, assim, de improviso, é “Beating Around the Bush”, que parece uma versão acelerada de “Oh Well”, do Fleetwood Mac. E “Ride On”, que tem uma certa semelhança com “Jesus Just Left Chicago”, do ZZ Top. Fora isso, obviamente, há doze compassos que soam como Chuck Berry, mas é a versão deles de “Baby Please Don’t Go” que escancara suas raízes boogie, ligadas às raízes do blues. Imagino que eles talvez já tivessem ouvido a versão de Van Morrison antes. Se você ouvir a versão original de Muddy Waters, ela tem cerca de metade da velocidade, e o Them pegou a música e deu uma boa acelerada nela, enquanto o AC/DC intensificou o ritmo um pouquinho mais.

ABAIXO: Partitura cifrada de “Baby Please Don’t Go”, 1975. Será que a cover do AC/DC para o clássico de Big Joe Williams foi inspirada na versão da banda Them, de Van Morrison? AO PÉ DA PÁGINA: Promo alemão de três faixas, 1975. Lado A: “Baby Please Don’t Go” e “Jail Break” [sic]; Lado B: “Soul Stripper”.


Eles colocam sua própria marca registrada na música, é como uma sequência de acordes ascendentes no meio, e há uma espécie de jogo dialético entre o vocal de Bon e a guitarra de Angus. A canção inicia meio que com uma marca registrada, o riff que as pessoas associam a “Baby Please Don’t Go”, só que Angus e Malcolm tocam em oitavas. Malcolm toca a oitava baixa e Angus, a oitava alta, e ele voltou a fazer isso em outros riffs ao longo da carreira. A ex-mulher de Bon, Irene, me contou que Bon contou ao segundo marido dela que eles planejavam gravar uma cover de “Gloria” no lado B! Isso foi na época de Highway to Hell.

“Uma anomalia completa.” “Love Song (Oh Jene)” foi o primeiro single oficial do AC/DC com Bon. Mas as rádios tocaram mais o lado B: “Baby Please Don’t Go”.

POPOFF: Mas eles tiveram influência de outras bandas, correto? DAVENPORT: Sim, e na verdade, “She’s Got Balls” é provavelmente uma das primeiras músicas que tem esse estilo de riff implacável. Então, naquele High Voltage original, só lançado na Austrália, os ingredientes básicos do AC/ DC já estão lá, embora algumas faixas, para mim, não tenham a mesma força do material posterior, coisa que ficaria bem nítida com o segundo álbum, T.N.T. Quero dizer, “Stick Around”, boa música, mas não nos empolga tanto quanto algumas das coisas posteriores. E “Little Lover” é bem devagar. Você tem coisas como “Love Song”, que é mesmo diferente em termos de AC/DC, uma anomalia completa, porque é bastante complicada e meticulosa, e começa com tercinas e arpejos e coisas assim. Imagino que é esse tipo de coisa que George Young os aconselhava a evitar. Em termos das letras, Bon está cantando mais canções de amor, coisas mais gerais, menos lascivas do que o material que o tornou conhecido. Mas claro que temos “She’s Got Balls”, e em “Soul Stripper” transparece o atrevimento que é sua marca registrada. Voltando a “She’s Got Balls”, ela tem essa força motriz implacável pela qual o AC/DC é conhecido, é um excelente indicador do que eles se tornariam. E “Show Business” serve como uma espécie de prefácio de “It’s a Long Way to the Top”. Se não me engano, os primeiros versos são: You learn to sing/ You learn to play/ Why don’t the businessmen/ Ever learn to pay?2 Talvez seja uma prévia para explorar as coisas que Bon desenvolve depois em “It’s a Long Way to the Top”. POPOFF: Então, isso nos ensina algo sobre Bon. SIBONY: E todo o seu esforço. Mas ele superou isso e se tornou o protótipo do astro do rock, não foi? Ou, se não fosse um astro do rock, pelo menos um 2 Você aprende a cantar/ Você aprende a tocar/ Por que os empresários/ Nunca aprendem a pagar? (N. de T.)

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CAPÍTULO 1


músico dedicado e trabalhador. Ele viveu a vida, sobre isso não há dúvida. Angus dizia: “A gente voltava pra casa de um show às três da manhã, e Bon falava, ‘O.k., mais um drinque’”. Ele não parava. Mas eu simplesmente amava a postura dele. Era um cara que adorava se divertir e parecia que realmente amava a vida e queria aproveitar cada momento. Mas também dava a impressão de que ele sabia que não teria muito tempo de vida. Estava naquela estrada e não se importava. Vivia esse estilo de vida e o transmitia nas letras que fazia.

POPOFF: Mas mesmo em High Voltage o AC/DC tinha mais a ver com as guitarras do que qualquer coisa que Bon já tinha feito, certo? SIBONY: Sim, e temos de dar aos irmãos os méritos musicais, sabe? Uma época eles tiveram o mesmo empresário do Aerosmith, David Krebs, que cravou: “Joe Perry não é melhor do que Angus”. O que resume tudo. Joe era o deus da guitarra, enquanto Angus, só por causa de seu comportamento tolo e sua representação infantil, nunca foi levado a sério como guitarrista. Se bem que, em termos de composição, Malcolm era o cara que escrevia a maior parte dos licks e era o líder da banda. Originalmente, Angus nem estava na banda, e Malcolm o colocou na banda para tocar guitarra solo. Malcolm tinha uma frase ótima. Dizia que fazer a guitarra solo atrapalhava sua bebida [risos]. Mas, se você escutar as gravações, é um primor. Um espelha o outro muito bem, com Malcolm de um lado representando a parte baixa das frequências, enquanto Angus cuida da parte alta. George e Harry fizeram exatamente isso no Easybeats.

Capas do High Voltage (1976): internacional (embaixo) e europeia (em cima).

POPOFF: E o padrão se estabelece, e nasce um som, bem aqui nas faixas de High Voltage. SIBONY: Mas a beleza disso é que, no fundo, é uma nota pentatônica do blues comum. Mas o jeito como Malcolm a subverte, e o que ele faz ritmicamente, imprime a sua marca. Esse tipo de magia é inexplicável. Quer dizer, na minha adolescência, todo mundo amava o AC/DC, até onde eu me recordo. Se você olhar para a história, todos os amavam. E no fundo era apenas uma grande banda de festa. De alguma forma, eles pegaram aquela mentalidade de festa e bar e fizeram isso funcionar nos estádios, e isso é algo muito raro. HIGH VOLTAGE

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