SeLecT nº 4

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Qual é o impacto do privilégio à juventude na produção cultural e intelectual?

Chnaiderman Há uma infantilização da arte e da cultura. Freud falou do quanto a criação artística passa, necessariamente, por algo que tem a ver com o infantil. Na criação, o artista resgata o brincar. Isso é bem diferente do infantilizar o mundo. Resgatar a capacidade de brincar é parte da fruição e da produção artística. Mas não como prótese de um mundo perdido, e sim como abertura libertadora para possibilidades inusitadas de construção da vida. maCedo Antes dos anos 1960, ser jovem era ser imaturo, incapaz e rebelde. A geração dos anos 1960 tornou ultrapassado tudo o que representava ser adulto e afirmou que ser jovem é que era bom. Isso transformou todos em eternos jovens e continua sendo um mantra em nossa civilização, embora já se perceba uma revisão nesses conceitos. A ideia não é negar o valor da juventude, mas afirmar que temos de manter o nosso espírito jovem.

Cildo, afirma que a memória é o melhor lugar para uma obra de arte. A ausência de memória é a impossibilidade de criação. O apagamento das marcas do corpo confunde-se com o apagamento da memória. m a C e d o Falar em corrida contra o tempo é um equívoco. Trata-se da busca pela conservação e pela saúde, fugindo do que pode nos dar um aspecto cansado, envelhecido e descuidado. A conquista disso envolve fazer ajustes no estilo de vida, como atividade física e nutrição adequada. As mulheres já perceberam isso e hoje a balzaquiana derrotada pelos anos não existe mais. O que existe são mulheres lindíssimas, sensuais, conservadas, cuidadas em seus 40, 50, 60, 70 anos, desejáveis e saudáveis. Este me parece o ethos mais atual da civilização. P o n d é A breguice de ser jovem quando não se é mais. O pior estrago é quando você está diante do espelho, sozinho. A mãe quer ser como a filha, o que implica que a filha não tem futuro. Há o cultivo de retardo mental alegre como modo de ser. Porque ser maduro hoje é como ser podre. Mas o lado interessante dessa busca pela juventude para a geração que está envelhecendo é não se tornar tão escravo de falsas verdades, como casamento, família e paternidade. Ruim com eles, pior sem eles.

Pondé Isso deixa os jovens de verdade perdidos. Eles não têm narradores de vida porque os pais querem ser filhos para sempre. Narrar a vida é dar significado a ela. Para isso você tem de ser adulto e bancar alguma certeza em um mundo em dissolução como o nosso. O difícil não é amar quando se é jovem, mas quando já se sabe que a vida nunca satisfaz nossos delírios de felicidade.

A mãe quer ser como A filhA, o que implicA que A filhA não tem futuro. mAs o

Quais aspectos chamam a sua atenção em uma cultura Que preza cada vez mais a aparência jovem?

C h n a i d e r m a n A vida passou a ser descartável, na medida em que a morte violenta se banaliza nos noticiários cotidianos. Hanna Arendt, referindo-se a essa cultura que nos aprisiona, diz: “É a durabilidade que dá às coisas do mundo sua relativa independência diante dos homens que as produzem e as utilizam. Sua objetividade as faz suportar, resistir e durar, pelo menos por algum tempo, diante das vorazes necessidades de desejo de seus produtores e usuários vivos”. Esta é uma afirmação saudosista, na busca de uma estabilidade perdida. Hoje temos outros recortes, como o nomadismo e a transitoriedade. Cildo Meireles, no documentário

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lAdo interessAnte dessA buscA pelA juventude pArA A gerAção que está envelhecendo é não se tornAr tão escrAvo de fAlsAs verdAdes, como Luiz FeLiPe Pondé

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