Cecilia Barros Erismann

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nada era mais charmoso do que uma ponte torta,

tão pequenas perto do seu momento, olhou o

ou uma manchinha descuidada da pintura mais

livro e foi aí que de fato entendeu o que ele dizia.

bem cuidada. Seu coração não queria mais nada,

O livro lhe contara sua própria história e o final

somente seu antigo castelo, onde fora tão feliz...

só era fraco porque também ele não conseguiria

Depois desse momento sorriu como quem nada mais quer... Nada mais queria. Ousou ir mais além,

ser mais forte. Abriu na última página do livro e quebrou o silencio mortal daquela ligação:

pegou o telefone laranja da sala. (Aquele telefone

– Hoje só te escrevo, quer dizer, só te ligo, “porque

carregava tantos segredos e risadas, que fora melhor

quando

nunca tê-lo inventado...). Começou timidamente a

violento, vi o sol e fui capaz de sorrir. Sorri

discar o número que já sabia de cor há anos. “7...

verdadeiramente por ser feliz. Não a felicidade

8... 5... 3...” Parou. Desligou. Ela nunca lhe perdoaria

utópica, mas sim sorri pela minha felicidade

a ausência de anos, ela já o esquecera. Mas o verde

verdadeiramente defeituosa.” Sorri por esse amor

e o vermelho, aquele livro, a velha música que

que guardo tanto e que no entanto volto sempre a

Sinhá Vitória cantarolava da cozinha... Tudo era

procurar... Te liguei porque te amo.

tão familiar e tão ela, tão bela naquele vestido que seus sonhos ainda não haviam desistido de repetir e inspirar. Suspirou... Fechou os olhos e pensou em suas fraquezas, pensou que hoje escreveria á ela só porque de supetão realizara que até mesmo o cotidiano, o leviano, o mais normal dos dias perdia todo seu sentindo se não fosse por ela, com ela.

de

um

tormento

inesperadamente

Últimas palavras da ligação que demorara mais de ano para ser feita. Choro com lagrimas de alívio e de felicidade por parte dos dois lados. O livro virou de cabeceira depois que ela também o leu e que a contra capa finalmente fora dedicada a alguém. A cor da casa decidiu-se depois do casamento por ser vermelho e verde e as frutinhas vermelhas

– Alô, meu bem, hoje tive peito de remador para te

nunca mais foram oferecidas, viraram simples

ligar... Hoje só te ligo porque...

lembranças de um passado, não contado e nem

Gaguejou, engoliu em seco, começou a suar enquanto ela timidamente e também nervosa perguntava com voz de sorriso o que acontecera. (Pensando tão feliz se seria verdade... Debilmente e quase sem coragem se perguntava se ele ainda a amava) Ele ficou pálido ao perceber que as palavras todas tinham ficado

dedicado a ninguém: passado e esquecido no meio das pequenas queridas tralhas que guardaram no fundo do porão.


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