Drama 4

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josé maria vieira mendes

Qual a sua intervenção e relação com o encenador, atores e restante equipa na passagem do texto para a cena? Não trabalhamos com encenador nem com qualquer tipo de hierarquia, tanto nas funções dentro do grupo como entre os vários elementos (cenografia, atores, música, iluminação) que constituem o espetáculo. Trabalhamos num coletivo. E o texto não passa para a cena. O texto é o texto. A cena é a cena. São dois elementos distintos e de convivência difícil. E tentam encontrar-se num espetáculo. Em alguns espetáculos. Tal como os restantes elementos. É tudo o mesmo. E o texto tanto pode ser o princípio (cronológico) da criação do espetáculo, como aparecer no meio ou no fim. Não há regras. Não há método. Não há hierarquia predefinida.

Quando está a escrever ou a ler um texto, como é que reconhece nele potencial ou qualidade dramatúrgica? Não acredito em potencial ou qualidade dramatúrgica de um texto. Gosto ou não gosto do que estou a escrever ou a ler. O “potencial dramatúrgico” tem sido responsável por uma estagnação de uma certa dramaturgia que se fixou numa ideia de que o texto prevê um espetáculo. A mim interessa-me hoje escrever para um teatro que não sei o que é ou pode ser. E não espero com o meu texto que o teatro encontre uma resposta, antes um estímulo para se continuar a perguntar. Qual costuma ser o ponto de partida dos seus textos e como é que estes se desenvolvem? Tenho tido um percurso de mais de dez anos de escrita para teatro que passou por várias fases. Desliguei-me entretanto de uma escrita para um teatro de texto e concentrei-me no meu trabalho com a companhia Teatro Praga, da qual faço parte. E dentro deste coletivo tenho trabalhado de diferentes formas, seja escrevendo textos com um grupo de pessoas, durante os ensaios, tentando preencher uma estrutura e conceito de espetáculo amadurecida, em conjunto e recorrendo a diferentes materiais, seja propondo um texto meu como objeto literário que pretendo que seja lido pelos restantes membros da companhia e entendido como estímulo para um espetáculo que não se pode fazer.

O José Maria Vieira Mendes já colaborou com os Artistas Unidos, que praticam um teatro mais literário, e hoje integra o coletivo Teatro Praga, mais influenciado por uma estética da performance e das artes plásticas. Quais os desafios e atrativos de escrever para estas duas diferentes formas de fazer teatro? Neste momento não escrevo para nenhuma forma de teatro. Apenas faço espetáculos com o Teatro Praga. E nem todos os espetáculos que faço enquanto membro do Teatro Praga têm textos escritos por mim. Às vezes nem sequer uma frase escrevo. O Teatro Praga faz teatro. Não faz performance nem artes plásticas, mas trabalha com essas influências como trabalha com as influências da música, do teatro, da televisão e do cinema, ou seja, de tudo o que se passa à nossa volta. Teatro é um termo suficientemente abrangente apesar de tanta gente o tentar reduzir. Continuo a escrever peças de teatro. Acabei de escrever uma peça a que chamei Terceira Idade, uma comédia. Vamos tentar fazer um espetáculo em que esse texto seja dito. Ou parte dele. Se mais alguém quiser fazer qualquer coisa com este texto, não me oponho. É pouco provável que vá ver o espetáculo ou participar nos ensaios. Mas, atenção, o texto é uma peça de teatro. E não teatro. A minha relação com os Artistas Unidos, que é uma relação neste momento com o Jorge Silva Melo, tem por um lado que ver com o passado, e, no presente, com uma espécie de prolongamento do passado no presente. Parece-me mais difícil os Artistas Unidos interessarem-se por aquilo que ando a escrever agora. Mas não quero ajuizar por eles.

De que forma é que estrutura o texto e a trama dramática até à sua forma final? Vou escrevendo. Tenho ideias. Penso. Manipulo. Não me interessa a “trama”. Só trabalho com ela para mostrar que ela não interessa para nada. Interessam as ideias. A trama apenas serve para dizer coisas como “Adensa-se a trama. E fica tramado.” E fujo da forma. A sete pés. Como nascem e crescem as personagens nos seus textos? Ninguém nasce nem ninguém cresce. O teatro não é a vida. O teatro é o teatro. Ou é aquilo que torna a vida mais interessante do que o teatro. Nascer e crescer são metáforas que a mim não me dizem nada. Trabalho com a ideia de ator. Um ator a dizer um texto. E o texto pode ter umas personagens ou não. (Quando as tenho em textos, só lá estão para mostrar que as personagens não interessam para nada.) Mas não pode deixar de ter ideias. Pensamento. São pessoas a pensar em palco. Pessoas a fazer coisas para outras pessoas. Pessoas que entrem e saem, não nascem e morrem.

Tendo trabalhado como dramaturgo, tradutor de teatro, formador de escrita dramática e júri de prémios de dramaturgia, que visão tem sobre a dramaturgia portuguesa contemporânea? Nenhuma. E também não sei o que é “dramaturgia”. —

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