Agenda Cultural Novembro Dezembro

Page 12

MÚSICA

E N T R E V I S TA C O M N A I L O R P R O V E TA O seu álbum solo, Tocando para o interior (2007), nos remete à sua história musical, que é, também, a sua história afetiva com músicos de grande importância para a sua formação e para o cenário da música instrumental no Brasil. Como é o encontro entre o menino uniformizado da Corporação Musical Maestro Ângelo Cocentino e o consagrado líder da Banda Mantiqueira? Na verdade, penso que em nenhum momento houve uma separação. Eu tocava saxofone desde pequeno, quando morava em Leme, cidade do interior de São Paulo. Era a época das bandas de coreto nas praças, tradição que trago de volta no álbum. Meu pai era acordeonista, então na família já havia uma relação com a música – coisa que tenho em comum com muitos dos músicos da Banda Mantiqueira. Somos todos de uma época em que, nas famílias, sempre havia um tio ou um avô que tocava algum instrumento. Mas claro, com o tempo, houve o despertar de uma consciência maior, como adulto, na percepção de uma música que integrasse mais o meu compromisso como ser humano e como músico também. Compromisso que nos remete às referências que fazem parte da nossa história – musical e afetiva. Seja ela simples ou não, ela tem que nos convencer, porque quando fazemos música, estamos também levando nossa verdade para as pessoas, e cuidando das pessoas com a música. O músico tem o dever de informar o público, levar sua verdade e, neste sentido, educar. É uma verdade que nasce do nosso interior, no caminho do coração.

12

Você, além de instrumentista e compositor, é muito conhecido pela excelência de seus arranjos – tarefa muitas vezes esquecida pelo público, mas fundamental para o funcionamento da música. Como é arranjar temas seus e de outros tantos compositores, à frente de uma banda de quatorze músicos? Fazer arranjos seria como organizar ingredientes numa cozinha imaginária de acordes e arranjos, sempre buscando um sabor perfeito para cada um dos músicos. Quando se escreve, é como se você adivinhasse como determinado músico gosta de tocar. No caso da Banda Mantiqueira, temos já uma relação de dezoito anos, e com o tempo sabemos não tudo, mas uma boa parte das características e particularidades de cada amigo. Isso é muito importante, porque o músico rende muito mais se, na sua linha melódica, existem elementos com os quais ele se identifica. Porque tem músicas que você toca, acha bonita, mas você não está lá dentro. Uma vez um professor meu de São Paulo foi assistir a nossa estreia num bar. Quando terminou o show, perguntei a ele o que tinha achado. Ele respondeu: “As ideias estão boas, mas você percebeu a expressão do baixista, a expressão do baterista? Eles estão tristes. Eles estão só acompanhando”. Aí eu entendi: eles estavam fora do quadro, eles não se enxergavam lá dentro. Evidentemente, é necessário também, nos momentos certos, levar desafios para cada músico, para que haja uma reciclagem pessoal e musical. Depois de um bom tempo de observação e percepção, a gente já sabe de longe quando um músico está precisando de uma vitamina. Às vezes, eles vêm me dizer: “Poxa, ali você me apertou”. Mas quando eu ofereço para mudar, eles sempre recusam e preferem aceitar o desafio. E como na música popular a gente não tem a obrigatoriedade de escrever tudo, podemos apenas deixar as coisas alinhavadas, e depois cada músico vai se ajustando, até encontrarmos juntos aquela música que fica saborosa para todos.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.