Revista Paulo Freire - Augusto Boal - ed03

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Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE

nº 03 - Sergipe - setembro - 2009

AUGUSTO

BOAL Conheça o pai do teatro socialista que encantou o mundo e deu voz aos oprimidos.

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primeiras palavras

Não só leia, interprete!

Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE Rua Sílvio Teófilo Guimarães, 70, B. Pereira Lobo Aracaju/SE Cep. 49052-410. Tel: (79) 2104-9800

José Cristian Góes - Editor (DRT/SE 633)

A terceira edição da revista Paulo Freire não é apenas para ser lida, mas debatida, comentada, refeita sempre, interpretada, como pedia o mestre Augusto Boal, o maior dos maiores do teatro do povo. Na madrugada do dia 2 de maio deste ano, Boal nos deixou, mas certamente já está montando um grande espetáculo no plano metafísico. Como aqui, lá ele deve estar mexendo com as estruturas mais profundas. Nesta edição, os professores conheceram um pouco da história fantástica e intensa do engenheiro químico que mudou a vida dele e de milhares de pessoas e que continua, mais firme do que nunca, transformando o Mundo através dos seus inúmeros discípulos. O carioca Boal tem uma importante tão grande que chegou a ser reconhecido pela Unesco, este ano, como embaixador Mundial do Teatro. No ano passado ele concorreu ao Prêmio Nobel da Paz. Boal teve reconhecimento nacional. Como instrumento pedagógico do Sintese, esta revista está focada na contribuição que Augusto Boal dei-

xou para a educação, professores e alunos. Vale a pena ler com cuidado e atenção o texto da professora Helen Sarapeck, além de uma entrevista esclarecedora. Leia também o texto “O lápis cor de rosa”, do arte-educador Cláudio Rocha.

Esta revista está focada na contribuição que Augusto Boal deixou para a educação, professores e alunos

A revista ainda traz dois textos fundamentais do ator e psicólogo Aldo Melo que apresenta as condições fundamentais para entender a lógica do teatro do oprimido. Aldo e Helen Fontes são os facilitadores de um projeto fantástico do Sintese – o Palco na Luta, onde filiados ao sindicato se aventuram na mágica experiência do teatro do oprimido. Chamo atenção para a leitura da árvore do teatro do oprimido nas duas páginas centrais da revis-

ta e um texto escrito pelo próprio Augusto Boal sobre “Aprendemos a Aprender”, onde ele fez várias referências ao método do professor Paulo Freire. “Paulo Freire ajuda o cidadão a descobrir, por si, o que traz dentro de si”, escreve Boal. Esta terceira edição só se tornou possível pela compreensão do seu papel da História do Sintese, de sua direção, filiados e funcionários, mas também da importante e vital colaboração dos integrantes do Centro de Teatro do Oprimido, localizado no Rio de Janeiro, que colaboraram decisivamente para esta edição. Vale registrar o apoio de Ney Motta, assessor de comunicação do Centro de Teatro do Oprimido, de Aldo Rezende Melo e Helen Fontes, aqui de Sergipe, e de Helen Sarapeck, Bárbara Santos, Geo Britto, Cláudio Rocha, e tantos outros que foram fundamentais nesse projeto. Agora, reafirmo o convite à leitura, reflexão e ação.

Diego Oliveira - Coordenação Gráfica(DRT/SE 1094)

Conselho Editorial: Hidelbrando Maia, Joel Almeida, Neílton Diniz, Alexandrina Luz.

Apoio: Aldo Rezende de Melo, Helen Fontes, Ney Motta, da assessoria de Comunicação do CTO-Rio

CENTRO DE TEATRO DO OPRIMIDO Av. Mem de Sá, 31 - Lapa. Rio de Janeiro - RJ • Cep: 20230-150. Tel:(21) 2232-5826 / 2215-0503. site: www.ctorio.org.br . contato@ctorio.org.br

Direção Artística: Augusto Boal

Coordenação Geral: Helen Sarapeck

Curingas e Elenco: Bárbara Santos, Cláudia Simone, Claudete Felix, Flávio Sanctum, Geo Britto, Helen Sarapeck e Olivar Bendelak. Curingas Regionais: Cláudio Rocha (PE), Kelly di Bertolli (SP) e Yara Toscano (SP). Curingas-Assistentes: Alessandro Conceição, Janna Salamandra e Monique Rodrigues. Consultoria de Imagem: Cachalotte Matos. Administração Financeira: Graça Silva. Assessoria de Comunicação: Ney Motta. Assessoria Jurídica: Victor Gabriel. Administração: Graça Silva. Apoio Administrativo: Lígia Martins, Walter Gonçalves. Programação Visual: Leila Braile. Colaboradores: Roni Valk, Christoph Leucht, Cachalotte Mattos, Kelly Regis, Wellington Leão, Santa Clara.

O Centro de Teatro do Oprimido - CTO, surgido em 1986, é um centro de pesquisa e difusão, que desenvolve meto-

José Cristian Góes Editor da Revista Paulo Freire

dologia específica do Teatro do Oprimido em laboratórios e seminários, ambos de caráter permanente, para revisão, experimentação, análise e sistematização de exercícios, jogos e técnicas teatrais. Nos laboratórios e seminários são elaborados e produzidos projetos sócio-culturais, espetá-

SINTESE cria o Palco na Luta

onde achar Boal: vida do teatro ou teatro da vida

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Estética do Oprimido. A filosofia e as ações desta instituição visam à democratização dos meios de produção cultural, como forma de expansão intelectual de seus participantes,

O lápis de cor rosa O Teatro do Oprimido e as tradições libertadoras II

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culos teatrais e produtos artísticos, tendo como alicerce a

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Centro de Teatro do Oprimido ratifica sua força mundial

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além da propagação do Teatro do Oprimido como meio, da ativação e do democrático fortalecimento da cidadania. O CTO implementa projetos que estimulam a participação ativa e protagônica das camadas oprimidas da sociedade, e visam à transformação da realidade a partir do diálogo e através de meios estéticos. Dessa forma o Centro de Teatro do Oprimido desenvolve projetos na área da educação, saú-

Embaixador do teatro pelo mundo

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Teatro do Oprimido: um aliado na Educação dos oprimidos

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Teatro e a educação

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de mental, sistema prisional, pontos de cultura, movimentos sociais, comunidades, entre outros. Por conta de sua natureza humanística e do potencial do Teatro do Oprimido, está atuante em todo o Brasil e em países como Moçambique,

O Teatro do Oprimido e as tradições libertadoras I

Guiné Bissau, Angola e Senegal.

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A Árvore do Teatro do Oprimido

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Aprendemos a aprender

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Biografia

Boal: vida do teatro ou teatro da vida Como um engenheiro químico, que desde criança escrevia e montava peças, tornou-se o maior dos maiores do teatro do povo

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ugusto Boal nasce em 1931, no bairro da Penha, Rio de Janeiro. Desde criança escrevia, ensaiava e montava suas próprias peças nos encontros de família. Sua formação em Engenharia Química torna-se paralela à pesquisa, à criação de textos teatrais lidos e comentados por Nelson Rodrigues. Estuda na Columbia University com John Gasner e assiste às montagens do Actors Studio. Em 1956, Boal volta ao Brasil a convite de Sábato Magaldi e Zé Renato para dirigir o Teatro de Arena de São Paulo. O grupo provoca uma revolução estética no teatro brasileiro nos anos 50 e 60. Através do Seminário de Dramaturgia, do Laboratório de Interpretação e das diversas montagens, o Teatro de Arena contribui vigorosamente para a criação de uma dramaturgia genuinamente brasileira. Prisão, tortura e exílio A partir 1964, a Ditadura Militar inicia a perseguição a todos os indivíduos e grupos de artistas com preocupações sociais e políticas. Em 1968, vem o AI-5 que aperta ainda mais o cerco. Em 1970, O Núcleo Dois do Arena inicia os primeiros experi-

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mentos do Teatro-Jornal, o embrião do Teatro do Oprimido. Em fevereiro de 1971, Augusto Boal é preso, torturado e exilado. Passando a residir na Argentina, de 1971-1976, dirige o grupo “El Machete” de Buenos Aires e monta, de sua autoria, “O Grande Acordo Internacional do Tio Patinhas”, “Torquemada” (sobre a tortura no Brasil) e “Revolução na América do Sul”, iniciando intensas viagens por toda a América Latina, onde começa a desenvolver novas técnicas do “Teatro do Oprimido?”: Teatro-Imagem, Teatro-Invisível e Teatro-Fórum. Em 1976 muda-se para Lisboa, onde dirige o grupo “A Barraca”. Dois anos depois é convidado para lecionar na Université de la Sorbonne-Nouvelle. Em Paris, cria o Centre du Théatre de l´Opprimé-Augusto Boal, em 1979. Trabalha em muitos países europeus e desenvolve as técnicas introspectivas do Teatro do Oprimido: o Arco-Íris do Desejo. VOLTA AO BRASIL - Antes de regressar definitivamente ao Brasil, monta no Rio de Janeiro “O Corsário do Rei” (de sua autoria, letras de Chico Buarque, música de Edu Lobo) e “Fedra” de Racine, com Fernanda Montenegro. A convite do então secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, professor Darcy Ribeiro, Boal volta ao Brasil em 1986 para dirigir a Fábrica de Teatro Popular. O

objetivo era tornar a linguagem teatral acessível a todos, como estímulo ao diálogo e à transformação da realidade social. Ainda em 1986, junto com artistas populares, cria o Centro de Teatro do Oprimido, para difundir o Teatro do Oprimido no Brasil. No CTO, desenvolve projetos com ONG’s, sindicatos, universidades e prefeituras. AS INCURSÕES NA POLÍTICA - Em 1992, candidata-se e é eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PT (Partido dos Trabalhadores), para fazer Teatro-Fórum e, a partir da intervenção dos espectadores, criar projetos de lei: é o Teatro Legislativo. Após transformar o espectador em ator com o Teatro do Oprimido, Boal transforma o eleitor em legislador. Utilizando o Teatro como Política, em Sessões Solenes Simbólicas, encaminha à Câmara de Vereadores 33 projetos de lei, dos quais 14 tornam-se leis municipais, entre 1993 a 1996. A partir de 1996, fora da Câmara dos Vereadores, Boal e o CTO seguem na consolidação do Teatro Legislativo Em 1998, conseguem o apoio da Fundação Ford, para a criação de grupos comunitários de Teatro do Oprimido. Boal também realizou diversas Sessões Solenes Simbólicas, de Teatro Legislativo, no exterior: no “Great Lon-

Boal no início da carreira

don Council” - Londres, com a participação de escritores como: Lisa Jardine, Tarik Ali, Paul Heller e advogados dos Tribunais de Londres; em Bradford, na Câmara Legislativa da cidade, sobre questões relativas aos portadores da Síndrome de Down; na Sala da Comissão de Justiça do Rathaus (Prefeitura) de Munique, com apoio da Sociedade Paulo Freire. Em 1999, transforma a ópera “Carmem” de Bizet em Sambópera, uma experiência inovadora que traduziu as músicas originais para ritmos genuinamente brasileiros. Carmem ficou em temporada no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Em julho de 2000, estreou em Paris. Em 2001, “La Traviata” é montada também como Sambópera e faz circuito no Rio de Janeiro. Uma de suas últimas pesquisas foi a Estética do Oprimido, programa de formação estética que integra experiências com o som, palavra, imagem e ética. A Estética do Oprimido tem por fundamento a crença de que somos todos melhores do que pensamos ser, e capazes de fazer mais do que aquilo que efetivamente realizamos: todo ser humano é expansivo.


Augusto Boal teve obras traduzidas para o inglês, francês e espanhol Foi nomeado embaixador mundial do teatro pela Unesco e chegou a concorrer ao Prêmio Nobel da Paz

Obras e prêmios

Embaixador do teatro pelo mundo

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ugusto Boal foi autor de diversas obras literárias lançadas nos mais diversos idiomas, além de colecionar um arsenal extraordinário de prêmios e honrarias. A principal criação de Augusto Boal, o Teatro do Oprimido, é hoje uma realidade mundial, sendo a metodologia teatral mais conhecida e praticada nos cinco continentes. Com os sete curingas do Centro de Teatro do Oprimido (Claudete Félix, Helen Sarapeck, Bárbara Santos, Geo Britto, Olivar Bendelack, Cláudia Simone e Flávio Sanctum) rea-

lizou projetos exemplares: Teatro do Oprimido nas Prisões, Teatro do Oprimido nas Escolas, Teatro do Oprimido de Ponto a Ponto, Teatro do Oprimido na Saúde Mental, Fábrica de Teatro Popular Nordeste etc, em todo território nacional além de Moçambique e Guiné-Bissau, países da África.

Obras •“JaneStipfire” - edição revisada - Civilização Brasileira - 2003 •“O Teatro como arte marcial” - Garamond - 2003 •“Hamlet e o filho do padeiro” - Civilização Brasileira - 2000 •Jogos para atores e não atores - Civilização Brasileira - 1999 •Teatro Legislativo Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996 •Aqui Ninguém é Burro! Rio de Janeiro: Revan, 1996 •O Suicida com Medo da Morte Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992 •Duzentos Exercícios e Jogos para Ator e Não-Ator com Vontade de Dizer Algo através do Teatro - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991 •O Arco-Iris do Desejo - Rio de Janerio: Civilização Brasileira, 1990 •Teatro de Augusto Boal 2 São Paulo: HUCITEC,1986 •Teatro de Augusto Boal 1 São Paulo: HUCITEC,1986 •O Corsário do Rei Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986 •Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas- RJ: Civilização Brasileira, 1985 •Stop C’est Magique Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980 •Milagre no Brasil Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979 •Murro em Ponta de Faca São Paulo: HUCITEC, 1978

•Jane Spitfire Rio de Janeiro: DECRI,1977 •Técnicas Latino-Americanas de Teatro Popular, São Paulo:HUCITEC, 1975 •Crônicas de Nuestra América, São Paulo: CODECRI, 1973 •Categorias de Teatro Popular Buenos Aires:Ediciones CEPE,1972 •Arena conta Tiradentes São Paulo: Sagarana,1967 Em espanhol •Categorias de Teatro Popular. Buenos Aires: Ediciones Cepe,1972. Em francês •Théâtre de l’opprimé. Éditions La Découverte , 1996. •Jeux pour acteurs et non-acteurs. Éditions François Maspero, 1978. •Pratique du théâtre de l’opprimé. Centre d’étude et de diffusion des techniques actives d’expression, 1983. •Stop ! c’est magique. Éditions Hachette, 1980. •Méthode Boal de théâtre et de thérapie. Éditions Ramsay, 1990. •L’Arc-en-ciel du désir. Éditions La Découverte , 2002. Em inglês •Theatre of the Oppressed. Londres: Pluto Press,1979. •Games for Actors and Non-Actors. London: Routledge, 1992. •The Rainbow of Desire. London : Routledge, 1995.

Prêmios 2009: Nomeação como Embaixador Mundial do Teatro pela Unesco - 25 de março 2008: Concorreu ao Prêmio Nobel da Paz 2003: Proclamation “ City of New York” Theater of the Oppressed Day - 27 de maio 2003: Título de ECO-CIDADÃO, Prefeitura de Macaé 2001: Doctor Honoris Causa in Literature, University of London, Queen Mary, UK 2000: Montgomery Fellow, Dartmouth College, Hanover, USA 2000: Doctor Honoris Causa in Fine Arts, Worcester State College, USA 2000: Proclamation of the City of Bowling Green, Ohio. USA 1999: HONRA AO MÉRITO, União e Olho Vivo, 1999-12-07 1998: PREMI D´HONOR, Institutet de Teatre, Barcelona, Spain 1998: PREMIO DE HONOR, Instituto de Teatro, Ciudad de Puebla, México 1997: Prix du Mérite, Ministère de la Culture de l´Egypt 1997: Lifetime Achievement Award of Americam - As of Theatre in Higher Education 1996: Cultural Medal - Götemborg University 1996: Doctor Honoris Causa - in Human Letters - Nebraska University 1995: The Best Special Presentation - Manchester News -UK 1995: Prix Culturel - Institut Fuer Jugendarbeit - Gauting - Baviera 1995: Outstanding Cultural Contribution, Queensland University of Technology 1994: Medalha Pablo Picasso da Unesco 1994: Prêmio Cultural Award da cidade de Gavle-Suécia 1981: Officier des Arts et des Letras- Condecoração - France 1971: Prêmio Obie Award -Feira Latino Americana de Opinião - Estados Unidos 1967: Prêmio Moliére pela criação do Sistema Coringa, Brasil 1965: Prêmio Moliére Para o espetáculo Mandragora de Maquiavel, Brasil 1962: Prêmio Padre Ventura, melhor diretor do ano, São Paulo, Brasil

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Para entender I

O Teatro do Oprimido e as tradições libertadoras Por Aldo Rezende de Melo

As festas e rituais dionisíacas da grécia antiga como os primórdios do teatro do oprimido

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teatro primordial nasce da relação do homem com a terra, de uma relação orgânica entre a natureza humana e a biodiversidade de seres que os circundavam. As festas dionisíacas na Grécia antiga, os rituais ao estranho deus da fertilidade, do transe, dos campos, tinham a função simbólica de fecundar o chão e de celebrar mais um tempo de colheita, mais um ciclo da terra. Os ritos dionisíacos presentificavam a força da transcendência humana, a libertação da mediocridade e da mortalidade. Nos complexos rituais de entorpecimento pela dança, pelo canto, pelo vinho, pelo encontro dos corpos em êxtase e entusiasmo, o ser humano comum, mortal, escravo, estrangeiro, mulher, rompia as amarras sociais e se permitia a condição de deus, de ser imortal, de criador. As aristocracias helênicas alimentaram um ódio olímpico pelas festas dionisíacas. Os deuses do Olímpio, representados pelos próprios aristocratas, enciumavam-se pelo culto excessivo a um deus camponês, subversivo, obsessivo, anti-lei. O caráter coletivizante e despersonalizante das festas dionisíacas ofen-

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dia gravemente a atitude ordinária de moderação moral, de controle social, pregada pelas religiões apolíneas. A Tragédia Grega, assim como o rádio e a televisão para o homem moderno, foi sem dúvida uma das maiores tecnologias de controle ideológico já inventadas pelas elites dominantes. As tragédias foram a concretização de uma política aristocrática de anulação das forças dionisíacas por meio da sua cooptação e captura burocrática. Funda-se o teatro competitivo, coercitivo, financiado pelos benfeitores da política, mensageiro da moral vigente das elites atenienses. As tragédias eram festas urbanas, que cultuavam os deuses olímpicos, mas que se utilizavam do nome do deus (Grandes Dionisíacas) para atrair a população e

Quem é quem As peças de Teatro do Oprimido podem ser expressas em vários formatos, considerando o foco que se deseja atingir (cultural, pedagógico, político, terapêutico e, preferencialmente, todos integrados):

neutralizar as suas forças libertadoras. Os rituais coletivos e circulares de integração, cooperatividade e solidariedade foram estrategicamente atenuados quanto as suas forças extraordinárias. Uma grande parte da população de todas as categorias sociais era seduzida pela grandiosidade dos espetáculos apolíneos. O culto ao deus dos campos tinha sido mascarado e revertido. O nome de Dioniso raramente era lembrado nas peças trágicas, e, quando lembrado, aparecia como um deus passivo, enfraquecido, harmônico aos interesses da cidade. A circularização e a participação efetiva de todos nos rituais dionisíacos, foi substituída pela hierarquização e passividade. Foram construídos espaços arquitetônicos destinados aos espetáculos, onde se absolutizava a separação entre palco e platéia: estava criado o abismo histórico que inventou e separou os participantes em atores e espectadores. No inicio, Ator e Espectador coexistem na mesma pessoa; quando se separam, quando algumas pessoas se especializam em atores e outras em espectadores, aí nascem as for-

mas teatrais tais como conhecemos hoje. Nascem também os teatros, arquiteturas destinadas a sacralizar essa divisão, essa especialização. Nasce a profissão de ator. (BOAL, 2002: 28). Na platéia, os espectadores permaneciam imobilizados pelos dispositivos estético-ideológicos que eram enfaticamente representados no palco. Dentre todos os efeitos trágicos, a catarse (kátharsis) era o princípio purificador da vontade de ser divino, transferido das religiões para os palcos com o objetivo de neutralizar o entusiasmo e o êxtase dos antigos rituais. Contudo, as tradições dionisíacas resistiram na marginalidade dos povos gregos até os nossos tempos. As forças dionisíacas podem ser entendidas como forças indomáveis, características de uma subjetividade integrada à natureza. Dos rituais shivaístas indianos, de bruxaria da Escandinávia, das tribos africanas, indígenas e aborígines, da cultura popular brasileira, até os recônditos das teologias libertadoras da igreja católica, o arquétipo do deus dos campos conspira, celebrando a horizontalidade, a circularidade e a participação coletiva.

•Teatro Imagem: são técnicas que permitem aos integrantes debaterem um problema e pensar sem o uso das palavras, através de imagens produzidas pelos seus próprios corpos e/ou por objetos. •Teatro Fórum: é um jogo dramático dialético no qual o protagonista, em verdade “co-agonista”(por sempre sofrer junto com o outros), tem um desejo vital a ser realizado e não consegue pelas relações de domínio que lhe são impostas. Nesse formato o público é transformado em um coletivo que busca alternativas para os problemas apontados, conduzindo a ação dramática. •Teatro Legislativo: é uma peça de Teatro-Fórum na qual as alternativas sugeridas pelo coletivo são formatadas em projetos de lei e apresentadas nas câmaras ou assembléias legislativas. Posteriormente, o coletivo deve acompanhar a tramitação do projeto, pressionando a sua aprovação e, após aprovado, fiscalizando a sua implementação. •Arco-Íris do Desejo: é uma técnica dramática de funções terapêuticas, desenvolvida para possibilitar a expressão das opressões que foram introjetadas pelas relações simbólicas de dominação a serem trabalhadas.


Para entender II

O Teatro do Oprimido e as tradições libertadoras Por Aldo Rezende de Melo

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cultura dos oprimidos (especialmente dos ritos dionisíacos) reproduz e repete a recordação deformada e atrofiada de um projeto originário de liberação e de institucionalização coletiva: na parte mais secreta, mais codificada e simbolizada, os ritos de possessão e de transe, ´contam` um passado de luta contra a opressão, falam de ´magia negra` da revolta e do entusiasmo coletivo; em suma, mediante um discurso indireto, indicam tudo aquilo que forma o núcleo de qualquer experiência revolucionária. (ALTOÉ, 2004: 74). É dessa tradição revolucionária que brota, do seio da cultura popular brasileira, o Teatro do Oprimido. Criado na década de setenta pelo ativista político-cultural Augusto Boal, num contexto de resistência aos regimes ditatoriais que violentavam os direitos sociais e impunha uma ordem bélica, oposta ao ritmo de libertação e solidariedade dos povos latino-americanos, essa modalidade de teatro serviu de instrumento de luta contra os aparelhos totalitários e as subjetividades opressoras que operavam em todas as dimensões da existência. Hoje um movimento cultural ainda em expansão, atuando em mais de setenta países do mundo, o Teatro do Oprimido vem desapropriando os meios de produção de bens simbólicos, artísticos, através da popularização desses meios para as comunidades. Enquanto na linguagem dramática herdada da Grécia, o caminho da perfeição e os valores aristocráticos

são impostos aos espectadores por via catártica, na Estética do Oprimido o espectador rompe a catarse e se transforma em “espect-ator”, transgredindo as fronteiras da representatividade dramática e atuando. O espectador se liberta, pensa e atua sintonizado com os anseios coletivos de seu grupo, de sua comunidade. A metodologia do Teatro do Oprimido segue dois princípios fundamentais: o primeiro é de transformar todos os espectadores em “espect-atores”, retomando as origens primordias dos rituais dionisíacos. O segundo princípio é o de transformar toda “ficção” vivida nos espaços cênicos, em um ensaio para a transformação da realidade. O Teatro do Oprimido é um sistema de exercícios físicos, jogos estéticos, técnicas de imagens e improvisações especiais, que tem por objetivo resgatar, desenvolver e redimensionar essa vocação humana, tornando a atividade teatral um instrumento eficaz na compreensão e na busca de soluções para problemas sociais e interpessoais. (BOAL, 2002:28). A partir da reflexão sobre histórias comuns vividas no cotidiano, são descortinadas as relações de poder e de repressão dos desejos vitais dos envolvidos. A dramaturgia é construída a partir desse compartilhamento e constituída no sentido de denunciar as relações entre opressores e oprimidos, propiciando a libertação da lógica de opressão, através da produção coletiva de alternativas para os problemas apontados. O teatro de elite, da burguesia, é um teatro laico, assim como a própria classe dos proprietários. Classe

No teatro o espectador se transforma em “espect-ator”. Nele, o espectador se liberta, pensa e atua sintonizado com os anseios coletivos de seu grupo, de sua comunidade

da qual os antigos deuses precisaram se exilar para que se divinizasse o Capital e todas as suas expressões de exploração. Essa teatralidade é uma obra de arte finalizada, própria de quem já cristalizou uma visão de mundo e quer expressála. O teatro burguês é um espetáculo asséptico onde a pureza da arte final não pode se contaminar pelo público, que deve estar silencioso, domesticado, catártico, para melhor acumular as mensagens bancárias transmitidas do palco. O teatro popular é um teatro sagrado, de onde nunca foi preciso alienar o divino. A transcendência, é, por excelência, a expressão da criatividade, de uma tradição advinda dos rituais ancestrais de culto à terra. A teatralidade popular é uma arte de infinitos ciclos, de quem está sempre descobrindo um mistério e celebrando uma nova criação. Um teatro inacabado, aberto à transformação, ao diálogo, um ensaio

coletivo, sem público, no qual todos são criadores espontâneos, um templo circular onde todos são deuses. BIBLIOGRAFIA ALTOÉ, S. (org.). (2004). René Lourau: analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec. ARISTÓTELES (1988). A arte poética. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações. BOAL, A. (2006). Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. ___. (2002). O arco-íris do desejo: método Boal de teatro e terapia. 2a Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. ___. (1991). Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. ___. (1991) Teatro do Oprimido. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. ___. (1988) Técnicas Latino-Americanas de Teatro Popular. 3a Ed. São Paulo: Hucitec. ___. (1980). STOP: c’est magique. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. BRANDÃO, J. S. (2002). Teatro grego: tragédia e comédia. Petrópolis: Ed. Vozes. CAMAROTTI, M. (2001). Resistência e voz: o teatro do povo do nordeste. Recife: Ed. Universitária da UFPE. TRABULSI, J.A.D. (2004). Dionisismo, poder e sociedade: na Grécia até o fim da época clássica. Belo Horizonte: Ed. UFMG. VERNANT, J. P. e NAQUET, P. V. (1999). Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Ed. Perspectiva.

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Teatro e educação

Teatro do Oprimido: um aliado na Educação dos oprimidos * Por Helen Sarapeck

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ducação é um fenômeno que acontece em qualquer sociedade humana e envolve os processos de ensinar e aprender. Ela é responsável pela manutenção e perpetuação do aprendizado às gerações futuras. A Educação é a transmissão e a recepção do saber existente. Pedagogia é um processo mediador para que a educação seja eficaz. Ela aponta como vou fazer, de que forma vou educar, que instrumentos didáticos devo usar, levando o sujeito ao questionamento. A Pedagogia busca a melhoria no processo de aprendizagem, através da reflexão, sistematização e produção de conhecimento. Descrições clássicas do entendimento comum sobre a diferença entre Educação e Pedagogia. Porém, como dizia Boal e bem sabia Paulo Freire, Educação e Pedagogia são complementares, são irmãs. Portanto, usando da Pedagogia, o Teatro do Oprimido (TO) deseja educar, mas sem perder de vista o objetivo maior que deve ser a transformação social e a construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária. Para trabalhar com Educação, especialmente com a educação formal, foi preciso primeiramente entender a prática que ocorre na grande maioria dos espaços escolarizados e levar em consideração os problemas que o tema envolve. Dentre os cinco maiores problemas da educação, descritos por Michel Aires de Souza em seu recente ensaio, destaco alguns e acrescento outros, que em minha opinião, atravancam

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e desaceleram o processo educacional, tornando urgente e necessária a investida do Teatro do Oprimido. O primeiro é justamente um problema pedagógico. Infelizmente, no geral, a educação que recebemos é autoritária. Eu ensino e você aprende. Eu falo e você copia. Eu faço e você faz. Não há uma pedagogia para entender que outra forma de aprendizado poderia ser possível ou necessária. Não há preocupação em desenvolver o indivíduo como um ser completo, que se torne capaz de potencializar suas próprias habilidades, mas sim embutilo, quase que enlatá-lo em um padrão pré-estabelecido de ensino, ensinando o que há para ser ensinado, sem perguntas ou novidades. O estudante é visto verdadeiramente como “aluno” no seu significado etimológico: sem luz. Essa realidade é aparente nas escolas públicas e também particulares. Da educação infantil ao ensino médio. os bairros empobrecidos ou de maior poder aquisitivo. É uma realidade dura e opressora. NA POLÍTICA - O segundo, e não menos importante, é um problema político. Muitas vezes não há interesse pedagógico na mudança, na transformação, na descoberta de uma nova possibilidade de Educação. A pequena quantidade de escolas e a grande quantidade de escolas ruins que temos, é reflexo de um mundo dominado pelos interesses das classes dominantes. Se todo mundo fosse alfabetizado e tivesse recebido educação formal, quem seriam os trabalhadores braçais da his-

tória da humanidade? Como manteríamos o trabalho escravo? Quem seriam as domésticas, os pedreiros e lavradores de mãos calejadas em todo o mundo? A escola reproduz o modelo capitalista que assola o mundo. Não há troca de ensinar e aprender ao mesmo tempo. Há quem ensina o que quiser e quem aprende o que é possível. O professor e o estudante. Quem manda e quem obedece. Na há diálogo. A escola passa a ser uma mera reprodutora de um sistema que marginaliza e exclui. O terceiro e crucial problema é social. Nossas escolas são pobres, os professores mal pagos e os estudantes estão famintos. Como manter com dignidade uma educação pedagógica em um ambiente assim? Onde, na maioria dos casos, o objetivo é receber o fraco salário ou a parca merenda? A falta de estrutura básica da escola aliada à desvalorização do professor causa uma falta natural de interesse por parte dos educadores. Sem espaço e material didático adequado com um salário que não garante sua sobrevivência, os professores são obrigados a acumular empregos e, em consequência, acumulam cansaço. Acabam por desenvolver uma educação possível e não a necessária e devidamente pedagógica. Os estudantes, por sua

A falta de estrutura somada a falta de pedagogia e a falta de interesse político, produzem uma escola falida. vez, são entregues à sorte e absorvem o que o estômago vazio consegue. A falta de estrutura somada a falta de pedagogia e a falta de interesse político, produzem uma escola falida. Uma escola produtora de meros consumidores. Meros receptores. Meros espectadores. O massacre que impede a descoberta e o desenvolvimento de um ser criativo e autoconfiante acontece em exemplos diários que passam despercebidos. Em minha vida existe um menino chamado Pedro, que um dia me convidou para pintar. No livro de pinturas havia duas silhuetas: uma menina e um menino. Ele pinta a menina e sugere que eu pinte o menino. Ele pinta a pele da menina, o cabelo, e, por fim, pinta a roupa de rosa. Ele me entrega o lápis azul e diz que o menino deve ser pintado dessa cor. Eu dispenso o lápis oferecido e pinto o menino com uma roupa cheia de bolinhas roxas com lilás e uma calça amarela. Ele me diz:


“Assim não pode!” Eu me assusto e pergunto por quê. Rapidamente ele diz mais uma vez que não pode. Eu retruco, e ele afirma “não pode porque não pode” Eu insisto e cansado, ao mesmo tempo curioso, ele reponde: “tá bom... eu deixo” e em seguida começa a explorar as novas possibilidades de cores e traços, que descobriu serem possíveis. Repinta a menina, melhor, redesenha. Muda as cores, sai do limite dos traços, avança. Se liberta. Experimenta um novo mundo possível através da arte. As escolas ensinam nossas crianças a seguirem regras. Regras de uma educação moral e preconceituosa que envolve traços, linhas, cores, movimentos, que transformam nossos corpos em corpos enrijecidos e nossas cabeças em cabeças que pensam em uma única direção. Crianças produzidas para pintar o mundo da cor que lhes foi ordenada. Mulheres usam rosa e homens azul. Mulheres lavam roupa e homens andam de carro. Perdemos a voz e o desejo. Aprendemos a não ter opinião. Perdemos a criatividade e a liberdade. Crescemos seres frustrados. Essas são razões que apontam para a necessidade urgente do uso do Teatro do Oprimido dentro das escolas. O método precisa ser usado como suporte pedagógico, instrumento político de transformação e de luta por melhores condições de ensino. Aliado à Educação, o Teatro do Oprimido pode ser usado por professores, gestores e estudantes, ajudando a fomentar o diálogo no meio escolar. O TO não aumenta os salários ou diminui a pobreza, mas contribui para uma educação dialógica, minimizando os efeitos dos problemas sociais, pedagógicos e políticos na realidade escolar, ajudando o indivíduo a se tornar protagonista de sua própria vida. De 2006 a 2007, Boal e o Centro de Teatro do Oprimido (CTO) desenvolveram o projeto Teatro do Oprimido nas Escolas, em sete municípios do estado do Rio de Janeiro, usando o método na promoção do diálogo através da capacitação de jovens e professores de escolas públicas como Multiplicadores da Estética do Oprimido. Todo ser humano, indepen-

O Teatro do Oprimido dentro da escola é instrumento facilitador e revolucionário que luta pela verdadeira Educação Pedagógica como prática da liberdade. dente de sua formação, tem a capacidade de produzir arte. Todo ser humano é capaz de escrever uma poesia, fazer uma pintura, compor uma música. Todos podemos muito mais do que imaginamos. Essa é a base da Estética do Oprimido (EO). Desenvolver a estética dos oprimidos com os quais trabalhamos era uma de nossas missões, melhor, era a maior delas. Além de trabalhar a estética na criação dos figurinos, cenários e textos dramatúrgicos com estudantes e professores, estimulamos que os Multiplicadores desenvolvessem atividades específicas, dentre as quais destaco a criação da Bandeira Nacional na visão de cada participante; a criação do Ser Humano representante daquele grupo, a partir do lixo limpo; a produção de poesias e a criação de músicas inéditas e seus respectivos instrumentos feitos de lata, latinha, latão, balde, garrafa e sacola plástica. Em um espaço curto de tempo, os participantes das oficinas, em sua maioria crianças e adolescentes, produziram 19 músicas, mais de 60 poesias, 6 esculturas de seres humanos e mais de 200 pinturas. Parte dessa produção foi uma excelente experiência de processo. Mesmo quando por fim a arte produzida não chegava a ser um produto, ou seja, uma obra de arte, que em nada tem a ver com o artista que a produz, mas com o efeito que ela - a obra - produz em quem a vê, o que é realizado durante o processo artístico que o artista passa, é fenomenal. É no processo que ele se revela, se descobre criador e se transforma em artista. Vimos o processo tão dedicado e criativo de nossos artistas, crianças de 12, 8, 6 anos!, que chegavam na ofi-

A Estética do Oprimido, além de ser apropriada para a escola é urgente.

cina muitas vezes sem vontade e sem esperança, e que depois de 15 minutos apenas, estavam imersos no material, absortos com a escolha do papel, mergulhando os pincéis nas tintas de seus desejos. As tintas, panos, papéis, pincéis, brochas, palhetas, sucatas e crianças se misturavam em um grande caos criativo. Estavam absortos na criação. A arte quando verdadeira, em seu momento de criatividade, enquanto desperta no ser seus desejos, emoções, fazendo-o colocar tudo para fora em cores e traços, não tem controle e não pode tê-lo. Sem rédeas, cavalgavam soltos. Chegavam próximo ao delírio criativo e através dele se deixavam levar. Os produtos surgidos neste processo foram expostos nas escolas e uma delicada seleção fez parte da exposição do projeto na Casa do CTO, encantando profissionais da Educação e, especialmente das Artes, pela qualidade e sinceridade com que as pinturas e esculturas transmitiam a realidade das escolas e comunidades, e faziam transparecer os desejos e anseios dos pequenos humanos artistas. A Estética do Oprimido, além de ser apropriada para a escola é urgente. Atividades lúdicas, simples, que podem ser desenvolvidas em salas de aula, em curto espaço de tempo e sem custo. Essas facilidades atraem

professores, estudantes, gestores e comunidades, que passam a usar o método dentro e fora de suas salas de aula. A EO é mais que o despertar artístico daquele ser humano. A EO é a forma dele expressar seu ponto de vista sobre o mundo. Quando a criança descobre que a bandeira nacional não representa o Brasil que temos hoje, e que ela tem a possibilidade de recriar essa bandeira, mostrando uma bandeira triste, sem verde, sem mata, sem paz, ela está redescobrindo a realidade em que vive. Está refletindo sobre o presente para mudar seu futuro. Para ampliar suas chances. Para não ser um analfabeto estético. O Teatro do Oprimido dentro da escola é instrumento facilitador e revolucionário que luta pela verdadeira Educação Pedagógica como prática da liberdade, assim como acreditavam Paulo Freire e Augusto Boal. * Coordenadora Geral, atriz e Curinga do Centro de Teatro do Oprimido, especialista e facilitadora do Método. Trabalhou diretamente com Augusto Boal desde 1990 até a sua morte, em 2009. helensarapeck@ctorio.org.br BIBLIOGRAFIA Ensaio sobre A Estética do Oprimido – Augusto Boal Artigo Afinal, qual é o problema da Educação? Michel Aires de Souza O que é Pedagogia? - Paulo Ghiraldelli Jr

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Infográfico

A Árvore do Teatro do Oprimido * Por Bárbara Santos

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epois de exilado pelo regime militar, Boal se dedicou a pesquisar formas teatrais que pudessem ser úteis para oprimidos e oprimidas, criando condições para ultrapassarem o papel de consumidores de bens culturais e assumirem a condição de produtores de cultura e de conhecimento. Para tanto, sistematizou o Teatro do Oprimido, que poderia ser chamado de Teatro do Diálogo que, partindo da encenação de uma situação real, estimula a troca de experiências entre atores e espectadores, através da intervenção direta na ação teatral, visando à análise e a compreensão da estrutura representada e a busca de meios concretos para ações efetivas que levem à transformação daquela realidade. Um Método teatral que se baseia no princípio de que o ato de transformar é transformador. Como diria Boal, aquele que transforma as palavras em versos transforma-se em poeta; aquele que transforma o barro em estátua transformase em escultor; ao transformar as relações sociais e humanas apresentadas em uma cena de teatro, transforma-se em cidadão. Um Método que busca, através do Diálogo, restituir aos oprimidos o seu direito à palavra e o seu direito de ser. Boal sempre insistiu que as técnicas que compõem o Método do Teatro do Oprimido não surgiram como invenção individual e sim como consequência de descobertas coletivas, a partir de experiências concretas que revelaram necessidades objetivas. Cada uma das técnicas do Teatro do Oprimido representa uma resposta encontrada por Boal e pelos colaboradores e colaboradoras que acumulou ao longo de sua carreira. A Árvore foi símbolo escolhido pelo próprio Boal para representar seu Método, por estar em constante transformação e ter a capacidade de Multiplicação. A Árvore do Teatro do Oprimido representa a estrutura pedagógica do Método que tem ramificações coerentes e interdependentes. Cada técnica que integra o Método é fruto de uma descoberta, é uma resposta a uma demanda efetiva da realidade.

TEATRO LEGISLATIVO É o desdobramento do Teatro-Fórum, onde os espectadores, além de entrarem em cena e darem suas alternativas, encaminham sugestões escritas para a criação de propostas legislativas, as quais são analisadas, sistematizadas, votadas pela platéia e encaminhadas para os órgãos capazes de darem os devidos encaminhamentos. A técnica é uma resposta à necessidade de ir além da encenação teatral e de provocar Ações Sociais Concretas e Continuadas na vida real.

TEATRO JORNAL O Teatro-Jornal foi uma resposta estética à censura imposta, no Brasil, no início dos anos 70, pelos militares, para escamotearem conteúdos, inventarem verdades e iludirem. Nesta técnica, encena-se o que se perdeu nas entrelinhas das notícias censuradas, criando imagens que revelam silêncios. Criada em 1971, no Teatro de Arena de São Paulo, esta técnica foi muito utilizada na época da ditadura militar brasileira, para revelar informações distorcidas pelos jornais da época, todos sob censura oficial. Ainda hoje é usada para explicitar as manipulações utilizadas pelos meios de comunicação.

ÉTICA E SOLIDARIEDADE Suas raízes fortes e saudáveis estão fundadas na Ética e na Solidariedade e se alimentam dos mais variados conhecimentos humanos. O solo do Teatro do Oprimido deve ser fértil, oferecer o acesso a saberes e base para criações.

TEATRO IMAGEM No Teatro-Imagem, a encenação baseia-se nas linguagens não-verbais. Esta técnica teatral transforma questões, problemas e sentimentos em imagens concretas. A partir da leitura da linguagem corporal, busca-se a compreensão dos fatos representados na imagem, que é real enquanto imagem. A imagem é uma realidade existente sendo, ao mesmo tempo, a representação de uma realidade vivenciada.

* Socióloga, atriz e Curinga do Centro de Teatro do Oprimido, especialista e facilitadora do Método. Trabalhou diretamente com Augusto Boal desde 1990 até a sua morte, em 2009. barbarasantos@ctorio.org.br

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ESTÉTICA DO OPRIMIDO É a seiva que alimenta a Árvore, desde as raízes passando pelo tronco, atravessando galhos e folhas. A Estética do Oprimido tem por fundamento a crença de que somos todos melhores do que supomos ser, e capazes de fazer mais do que aquilo que efetivamente realizamos: todo ser humano é expansivo.


AÇÕES SOCIAIS CONCRETAS CONTINUADAS A técnica é uma resposta à necessidade de ir além da encenação teatral e de provocar essas ações na vida real. Na Árvore do Teatro, a ética e a solidariedade são fundamentos e guias. A multiplicação, a estratégia. E a promoção de ações sociais concretas e continuadas, para a superação de realidades opressivas, a meta.

TEATRO FÓRUM É onde a barreira entre palco e platéia é destruída e o Diálogo implementado. Produz-se uma encenação baseada em fatos reais, na qual personagens oprimidos e opressores entram em conflito, de forma clara e objetiva, na defesa de seus desejos e interesses. O confronto incita a busca por alternativas para o problema encenado.

JOGOS As centenas de Exercícios e Jogos do arsenal do Teatro do Oprimido estão na base do tronco da Árvore, sendo fundamentais para o desenvolvimento de todas as técnicas. Esse vasto arsenal auxilia a desmecanização física e intelectual de seus praticantes, estimulando-os a buscar suas próprias formas de expressão.

TEATRO INVISÍVEL Se baseia na encenação de uma ação do cotidiano apresentada no local onde poderia ter acontecido, sem que se identifique como evento teatral. Desta forma, os espectadores são reais participantes, reagindo e opinando espontaneamente à discussão provocada pela encenação.

ARCO-ÍRIS DO DESEJO Também conhecido como Método Boal de Teatro e Terapia, é um conjunto de técnicas terapêuticas e teatrais utilizadas no estudo de casos onde os opressores foram internalizados, habitando a cabeça de quem vive oprimido pela repercussão dessas idéias e atitudes.

PALAVRA , SOM E IMAGEM A Estética do Oprimido estimula a descoberta das possibilidades produtivas e criativas, e da capacidade de representar a realidade produzindo Palavra, Som e Imagem – promover a sinestesia artística que impulsiona o autoconhecimento, a auto-estima e a autoconfiança.

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Formação

SINTESE cria o Palco na Luta

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uma palestra em Aracaju, o economia Márcio Pochmann questionava a platéia: “quero saber se os sindicatos de hoje estão preocupados em conservar o passado ou assumir o protagonismo do futuro?”. Não dá para responder por todos os sindicatos, mas tem um para o qual essa pergunta fica até sem sentido: o Sintese, um sindicato do seu tempo e que vai muito além dele. Não obstante a duras e amplas campanhas salariais, por condições de trabalho, de fiscalização e acompanhamento das políticas públicas na área da educação, o Sintese investe muito em formação em larga escala, não apenas dos seus dirigentes, mas da base, isto é, para todos os seus filiados. Esta ação por si só já é revolucionária nos dias de hoje. São cursos, seminários, oficinas, conferências, congressos, grupos de estudo, etc, etc, etc. tudo para que os professores possam compreender sua condição de agentes transformadores da realidade. Um dos exemplos mais vivos dessa compreensão estratégica do Sintese é a implantação do Projeto Palco de Luta, que vive a experiência de trabalhar o Teatro do Oprimido, criado pelo fantástico mestre Augusto Boal. COMO COMEÇOU - O namoro entre Sintese e o teatro do oprimido vem de longas datas. Em muitas das manifestações públicas do sindicato a metodologia do teatro já se fazia presente. A participação ativa de professores, alunos, pais, da população era uma constante. Os calçadões das Laranjeiras e João Pessoa em Aracaju foram testemunhas de inúmeras apresentações. Mas essa diálogo criativo com a sociedade ganhou mais corpo quando nas conferências e congressos do sindicato o teatro, nas mesmas perspectivas defendidas por Augusto Boal, começa a ganhar

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força. Depois de uma apresentação da leitura dramática de textos do livro do professor poeta José dos Santos, pelo grupo Humaniza a Cena, coordenado pelo ator e psicólogo Aldo Rezende, resolveu enfrentar um desafio. Surge assim o Projeto Palco na Luta, para os professores filiados ao Sintese. A idéia não é fazer teatro pelo teatro. Boal sempre dizia que arte não é adorno, mas poderosa ferramenta de transformação social. As subjetividades opressoras, a grande mídia, tentáculos invisíveis do capital, tudo age através da expressão estética, aprisionando os sentidos com a criação sistemática de espectadores de tudo: da TV, do teatro, do professor, da política. “O Teatro do Oprimido desenvolve o protagonismo, liberta os nossos sentidos, podemos perceber o mundo de forma autônoma, crítica e, principalmente, interagindo com ele e o reconstruindo com inventividade”, garante Aldo. Para Boal, a quarta parede do teatro (parede imaginária que separa os artistas da platéia) é tão nociva quanto às paredes que separam as salas de aula da comunidade. “A nossa metodologia empodera a platéia, que sobe ao palco para dar alternativas para conflitos reais que estejam acontecendo com aquele grupo e empodera a educação quando, através de meios estéticos, traz a família e a comunidade para dentro da escola para debater e transformar a sociedade”, justifica Aldo. O GRUPO - Quinzenalmente o grupo de professores filiados ao Sintese se reúne. O projeto é de um ano, mas certamente será renovado. A idéia revolucionária do sindicato é alcançar o maior número de professores com a metodologia. “Quanto mais pessoas puderem fazer teatro, mais pessoas gostarão de teatro. Devemos popularizar não peças prontas, mas os meios

de produção teatral”, disse Aldo. São cerca de 35 participantes na turma “Augusto Boal”, além de outros tantos terem participado de cursos nas Oficinas Pedagógicas da Resistência, nos mês de julho. Como já são professores, muitos já se sentem motivados a aplicar a metodologia nas salas de aula, ou criar grupos de teatro na escola. É impressionante a dinâmica cotidiana deles. Muitas vezes trabalham em mais de uma escola para poder ter dignidade material, às vezes não almoçam e não têm tempo para o cuidado de si, para uma caminhada por exemplo. O teatro também acaba sendo um momento de cuidado desses cuidadores. Porque a violência que entra pelas portas do fundo da escola adoece o professor, e a violência da falta de políticas públicas que dignifiquem a classe, adoece mais ainda. Além do ator e psicólogo Aldo, também atua no curso a Helen Fontes, multiplicadora que foi formada pelo Centro de Teatro do Oprimido – RJ e que dá oficinas com Aldo desde 2007. “Começamos a trabalhar juntos quando ministrei algumas oficinas em encontros do MST e para dependentes químicos e coordenamos juntos o Grupo Humaniza Cena”, lembra Aldo. O grupo já começou a trabalhar com histórias de opressão realmente vividas pelos professores nas escolas ou nas comunidades. Está sendo montada uma cena de teatro para debater com a sociedade. A estréia está marcada para a conferência do Sintese em outubro deste ano. Mudanças - Mas quem pensa que o trabalho do grupo ficará por aí, engana-se. Vários são os projetos. Os professores

PALCO DA VIDA Exercícios teatrais representam ações cotidianas.

serão multiplicadores e o mais interesse é que essa experiência é tão viva e rica que eles dizem que as boas repercussões do teatro já são sentidas em suas vidas pessoais, profissionais e política. Essa formação capacita os professores a produzir uma cultura solidária e ética, não só combatendo intelectual e verbalmente a ideologia da “cachaça, mulher e galha”, mas criando alternativas concretas, lúdicas e culturais. A alternativa para a indústria cultural, que produz consumidores são os círculos de cultura, que produzem protagonistas, seja no teatro ou na sala de aula. Para Aldo, o Sintese é um dinamizador do futuro e vem mostrando a importância dos formadores não se sedentarizarem nas salas de aula. “Um dia conquistaremos o direito legítimo do cuidado de si, do direito à cultura como processo intrínseco da educação. A arte nos aproxima da realidade dos estudantes e das suas famílias, permite meios mais eficazes de dialogicidade”, disse Aldo. É isso aí. Boal disse que cidadão não é aquele que vive em sociedade, mas aquele que a transforma. O ser humano se tornará um cidadão íntegro quando contar sua própria história através do seu teatro, da sua rádio e TV comunitária, da sua revista, do seu jornal, da sua fotografia, da sua música. Libertação e autonomia popular se tornam mais viáveis e palpáveis a partir dessa trajetória.


Boal e o papel do professor

O lápis de cor rosa * Por Claudio Rocha

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ou um professor. Licenciado, a minha ocupação consiste em freqüentar salas de aula e lutar diariamente contra todo um sistema autoritário e manipulador que encaminha as crianças,adolescenteseadultosquefreqüentam a escola, a um metafórico moedor de carne como se fossem recheio de salsichas. Atuando em escolas de públicas, onde a educação de crianças e a alfabetização de adultos esta a cargo do pedagogo, a cada dia de trabalho, a cada reunião de equipe, fico cada vez mais preocupado e estarrecido com o que se faz nos cursos de formação de educadores neste país. Tenho visto professores cometerem atos degradáveis contra os seus alunos, impotentes. O pedagogo, profissional formado nas universidades para o papel de alfabetizar crianças e adultos, tem uma representação simbólica gigantesca para a vida desses estudantes. A sua presença em sala de aula, as suas posturas, as suas falas e, principalmente, as suas escolhas são fundamentais e decisivas na vida daqueles que estão sob a sua tutela no caminho da construção da consciência política, a cidadania. Entretanto, é comum verificar nestes uma completa falta de consciência política, de consciência do seu papel de cidadão, de formador de opiniões. Claro que não são todos, mas raras são as exceções onde vemos um educador, seja ele pedagogo ou arte-educador, que não traga em si idéias preconceituosas e, pior, que não as propague através dos ensinamentos aos seus alunos, que necessitados de uma referência, o segue mansa e pacificamente como bem exigem as normas de bom comportamento escolar. Boal, abordando os conceitos de Educação e Pedagogia, nos dá uma fundamental direção no sentido de encontrarmos respostas, ou as boas perguntas, em relação ao papel do professor numa escola

“Educação significa a transmissão do saber existente. Pedagogia, a busca de novos saberes. Essas duas palavras não podem ser dissociadas, porque não podemos aceitar um saber paralítico, imóvel, não-investigativo, nem descobriremos jamais novos saberes sem conhecer os antigos”. Augusto Boal e numa sociedade. Boal, falando sobre a Educação, a Pedagogia e a Cultura diz: Fica claro então que, ao professor, é necessário, antes de qualquer coisa, ter a clareza do significado de cada uma dessas duas palavras que substanciam o seu fazer profissional, para que assim evite-se os comuns erros e desmandos que evidenciam o currículo oculto que tem como objetivo maior normalizar os erros e violações aos Diretos Humanos já perpetrados na sociedade. Conjugaressessabresembuscadeuma prática que seja o mais próximo possível do conceito de democracia (isto levando em conta que esta nunca existiu na história da humanidade)éagrandetarefadoprofessor. O Teatro do Oprimido (TO), pro-

posto por Augusto Boal é uma tentativa de construção de espaços democráticos necessários à Educação e à Pedagogia. Na condução do trabalho de um Curinga (técnico artístico-pedagógico do TO), a palavra democracia é uma palavra de ordem. Todos os procedimentos e processos de construção estética devem perpassar por esse conceito em busca da expressão sincera e autônoma do oprimido, que passa a ser produtor ativo e não mais consumidor passivo no processo de construção da Estética e do Teatro do Oprimido. O curinga foi assim chamado por Boal por ser “uma carta que cabe em qualquer jogo do baralho”. Ele faz produção, ministra oficinas, dirige a cena de teatro, dialoga com a platéia na sessão do Fórum e deve estar pronto, ou ser capar de estar, para qualquer demanda que surja da sua atividade de construir espetáculos de Teatro. Boal pregava a necessidade de se democratizar os meios de produção artística ao invés de democratizar a obra de arte. Pensando de maneira análoga na educação, seria então necessário democratizar a Pedagogia, permitindo ao aluno, indicar os caminhos, participar do planejamento, determinar os métodos e procedimentos avaliativos e as metodologias utilizadas na busca pedagógica para que enfim, pudéssemos encontrar uma atividade que se aproxime do tão sonhado conceito de democracia na educação. Trazer para a sala de aula os princípios do TO é urgente e necessário, pois já não é mais possível continuarmos com o mo-

Certo dia o meu filho não queria ir para a aula, perguntei o por que e ele me disse que os seus colegas o chamavam de veado na sala de aula. Quando lhe perguntei o motivo, ele me disse que era por que ele quis pintar um desenho com o lápis de cor rosa. Fui à escola, e pedi aos pedagogos que tomassem uma atitude. No dia seguinte, ele continuava sem querer ir à aula. Quando voltei à escola e questionei os pedagogos sobre que atitudes eles haviam tomado no dia anterior, a coordenadora foi enfática: “Eu mesma peguei o lápis rosa do estojo do seu filho e o quebrei”. Depoimento de uma mãe sobre o seu filho de 5 anos.numa escola de Salvador - BA.

delo educacional que temos hoje em dia. Fazer do professor um Curinga, é mais que sobrecarregá-lo de atividades, é libertálo do pensamento estreito que o prende na condição de especialista e que coloca sob os seus olhos uma viseira tal qual a que se coloca em cavalos que puxam carroças, com a finalidade de evitar o desvio da atenção do seu trabalho para um mundo que o convida à novas experiências, pedagógicas. Transformar o professor em Curinga seria assim, uma forma de superação da opressão à que é condenado esse profissional que deixa de ver no lápis de cor rosa a possibilidade de abertura para um mundo democrático e que respeita as diferenças.

* Arte-educador e Curinga Regional do Centro de Teatro do Oprimido BIBLIOGRAFIA BOAL,A. Educação, Pedagogia e Cultura. In. Metaxis – Teatro do Oprimido nas Escolas. Centro de Teatro do Oprimido. Rio de Janeiro, 2007

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Teatro do mundo

Centro de Teatro do Oprimido ratifica sua força mundial por Geo Britto*

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Teatro do Oprimido que é uma metodologia teatral criada pelo teatrólogo Augusto Boal, diretor do histórico Teatro de Arena de São Paulo, na década de 60, e que em 1971 iniciou esta nova forma de ver e praticar a arte teatral. Nestes mais de 38 anos de história, multiplicadores do mundo inteiro levaram os princípios éticos e solidários do Teatro do Oprimido, sempre tendo não o teatro com o oprimido, mas do oprimido e para o oprimido, para que juntos, aprendendo um com o outro, possamos transformar o mundo. Como o diálogo é antídoto do conflito, o Teatro do Oprimido tem sido um importante instrumento de Paz, que precisa ser conquistada e exercitada cotidianamente, através de ações diretas e da superação da passividade. Assim, hoje, no mundo, é difícil encontrar um país onde não tenha um grupo de Teatro do Oprimido ou uma Universidade importante que não tenha em seu currículo o estudo de sua prática e teoria. Infelizmente o Brasil é uma exceção. Mas como garantir que o Teatro do Oprimido (TO) aplicado nos

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diferentes países ou diferentes regiões culturalmente tão distintas continuem preservando os princípios éticos, políticos e artísticos do TO? Na Conferência Internacional de Teatro do Oprimido realizada de 20 a 26 de julho de 2009, no Rio de Janeiro, tivemos a oportunidade de ter a presença de representantes de 26 países dos cinco continentes: Palestina, Sudão, Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Senegal, Argentina, Uruguai, Índia, Paquistão, Austrália, Espanha, Portugal, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Israel, França, Itália, Filipinas e Brasil, permitindo o encontro de praticantes que não se viam há anos e alguns que nunca se viram, a troca de experiências entre diferentes culturas e países sobre seus trabalhos e a linguagem que tem em comum: o Teatro do Oprimido. A ideia foi aprofundar o diálogo e a sistematização de experiências. Tivemos espetáculos de grupos de Guiné-Bissau, Sergipe, Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro. Além do recurso do vídeo que facilitou assistir trabalhos do Paquistão, Alemanha, Canadá, Inglaterra, Índia, Espanha e Moçambique. Mas o foco maior foi à apresen-

tação de diferentes mesas com diferentes temáticas. Na abertura, uma mesa mostrou a trajetória teatral de Boal com depoimentos de Rosa Luiza Marques (Porto Rico), que pode trabalhar com Boal na França, onde ele criou a técnica ArcoÍris do Desejo, até o Rio de Janeiro, quando participou das primeiras experiências de Boal nos CIEPS e fechando com Bárbara Santos, socióloga e curinga³ do CTO, que chegou até nossa última pesquisa: A Estética do Oprimido. Nos dias de 21 a 23 o debate continuou. Sempre tínhamos mesas introdutórias às temáticas pensadas. Abrindo com uma questão fundamental sobre o que é a opressão hoje e como trabalhar com esta temática, Julian Boal do GTO-Paris (França) e Carolina Echeverria (Argentina), expuseram suas ideias e debateram com a platéia. Assim, demos prosseguimento provocando com a temática o “Teatro do Oprimido como Política”, onde foram incluídos nossos parceiros de luta: Evelaine Martinez, do MST; Sanjoy Ganguly, diretor

do grupo “Jana Sanskriti (cultura popular em Indi) e um dos responsáveis pela criação da Federação Indiana de Teatro do Oprimido que congrega cerca de dois milhões de indianos; e Olivar Bendelak, curinga do CTO, expondo sobre nossa experiência do Teatro Legislativo. O trabalho do multiplicador do

Livro do Teatro do Oprimido foi traduzido para vários idiomas


Teatro do Oprimido não deixa de ser um trabalho de educador, por isto a mesa sobre suas relações se fez fundamental. Com uma mesa introdutória onde tivemos a presença de Moacir Gadotti, presidente do Instituto Paulo Freire, Dan Baron (EUA), diretor do Instituto Internacional de Teatro - IDEA e Doug Paterson (EUA), responsável pela organização da PTOConference, que há 15 anos junta centenas de educadores dos EUA para debater a relação entre a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do Oprimido. Na mesa dos praticantes: Alvim Cossa (Moçambique), diretor do GTO-Maputo, que hoje com mais de 180 grupos em todos os estados deste país usa o TO no combate a AIDS; Luc Opbeck e Ronald Matheus, sobre suas experiência na Holanda; e Helen Sarapeck, coordenadora artística do CTO fala sobre a experiência do Centro de Teatro do Oprimido em escolas da Baixada Fluminense. No dia seguinte, a temática de gênero, com uma mesa introdutória com Andréia Rodrigues, da “Marcha Mundial das Mulheres” e Jurema Werneck, da entidade “Criola”. Na mesa de praticantes, um colorido de mulheres: Muriel Naessens (França); Birgit Fritz (Áustria); Zaina Rajá (Moçambique); Edilta da Silva (Guiné-Bissau); e Claudete Felix, curinga do CTO, que falou sobre a experiência de 10 anos do grupo de empregadas domésticas “Marias do Brasil”. Na parte da tarde, na mesa da saúde mental, tivemos: Geraldine Ling (Inglaterra), do The Lawnmowers, grupo de portadores de dificuldade de aprendizagem; e Pedro Gabriel Delgado, da Coordenação Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, falando sobre a implementação da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Na mesa de praticantes: Tim Wheler (Inglaterra), diretor do grupo Mind The Gap de Bradford; Brent Blair (EUA),

professor da USC-California, falando sobre sua experiência em Ruanda; e Geo Britto, coordenador nacional do programa Teatro do Oprimido na Saúde Mental, realizado pelo CTO em três estados brasileiros: RJ, SP e SE. A temática dos Direitos Humanos não poderia faltar, já que o TO em muitos lugares é considerado o Teatro dos Direitos Humanos. Tivemos a mesa introdutória com o Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Cecília Coimbra, diretora do Grupo Tortura Nunca Mais. Na mesa de praticantes: Bárbara Santos, socióloga e curinga do CTO, falou sobre o projeto Teatro do Oprimido nas Prisões, realizado em nove estados brasileiros: SP, PE, RS, RO, RN, PI, ES, DF e MS; Till Bauman (Alemanha), que trabalha com jovens neonazistas encarcerados; e Adrian Jackson (Inglaterra), do CardBoardCitizens, grupo de moradores de rua. A mesa final discutiu as possibilidades de se realizar trabalhos em áreas de conflito. Na introdutória tivemos a fala de Sergio Andréa, chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos do RJ, onde falou sobre seus projetos e principalmente o “Mulheres da Paz”. Na mesa de praticantes, um debate muito instigante entre Edward Muallen (Palestina), do Grupo Ashtar, mostrando o trabalho de multiplicação neste país tão massacrado; José Carlos (Guiné-Bissau), com o trabalho do GTO-Bissau entre militares e a sociedade civil no mesmo palco; Chen Alon (Israel), mostrando que um israelense pode e deve lutar ao lado dos palestinos contra as injustiças do Governo de Israel; e Justin Billy (Sudão), sobre o poder no TO num país dividido. Nos dias 24 a 26 aconteceu o Encontro de Praticantes. Um momento privativo, onde

podemos discutir os conceitos do TO, sua ação, nossas responsabilidades e principalmente seu futuro. Desses dias, conseguimos trazer para o Rio de Janeiro um pedaço de cada local do mundo. Esse impressionante movimento teatral, que se amplia cada vez mais e repercute cultural, social e politicamente, tem no Brasil uma de suas principais referencias: o Centro de Teatro do Oprimido - CTO. A realização da primeira Conferência Internacional de Teatro do Oprimido, no Rio de Janeiro, foi um marco histórico no sentido de lançar as bases estruturais uma rede Internacional do Teatro do Oprimido, a partir de um método sistematizado pelo brasileiro, cidadão do mundo, Augusto Boal.

*¹ Sociólogo, ator e Curinga do Centro de Teatro do Oprimido, especialista e facilitador do Método. Trabalhou diretamente com Augusto Boal desde 1990 até a sua morte, em 2009. geobritto@ ctorio.org.br ² Criado por Augusto Boal em 1986, o Centro de Teatro do Oprimido - CTO se dedica à pesquisa e ao desenvolvimento do Método, atuando em todo o Brasil e apoiando grupos, especialmente, da América Latina e da África. Av. Mem de Sá, 31 – Lapa, Rio de Janeiro (21) 22325826 www.ctorio.org.br ³ Especialista e facilitador do Método.

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Entrevista

Teatro e a educação Helen Sarapeck é coordenadora geral, atriz e Curinga do Centro de Teatro do Oprimido, especialista e facilitadora do Método. Trabalhou diretamente com Augusto Boal desde 1990 até a sua morte, em 2009.

1 - Que relação a senhora faz entre Teatro do Oprimido e educação? O Teatro do Oprimido (TO) é uma metodologia teatral que se baseia no fato de que somos teatro e isso faz parte de nossa natureza humana. O ser humano é o único animal com a capacidade de se ver em ação. Agimos e nos observamos em ação ao mesmo tempo. Essa capacidade nos auxilia no entendimento da realidade e nos possibilita rever nossas ações, dialogar sobre elas e transformá-las. O TO é um conjunto de jogos e técnicas teatrais que visam resgatar esse potencial humano, tornando-o consciente, para que possamos usar o teatro para rever nossas vidas e opressões. Quando o indivíduo representa a opressão que vive, além de expurgar um pouco do sofrimento, ele descobre que pode dialogar sobre ele com outras pessoas, na tentativa de descobrir saídas para o problema que vive, e que talvez, muitos vivam assim como ele. E a idéia dialógica do método criado por Boal é essencial no meio educacional que se encontra massacrado por problemas de ordem política, social e pedagógica. O Teatro do Oprimido (TO) é um instrumento pedagógico que pode e deve ser usado na educação. Mais que isso: o TO é urgente na educação, especialmente na educação escolar, que não deve perder de vista o objetivo

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maior que deve ser a transformação social e a construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária. 2 - Como o Teatro do Oprimido pode ser trabalhado nas escolas públicas? De muitas formas distintas. O método pode ser usado pelos gestores e professores, para facilitar o diálogo e o entendimento das necessidades referentes aos profissionais da Educação, bem como com os estudantes e comunidade do entorno daquela escola, para facilitar o diálogo e aproximar as partes, colaborando para que a escola seja parte integrante da comunidade e não um prédio isolado e muitas vezes ocioso fora do horário escolar. A escola deve ser um espaço democrático que contribua com a comunidade onde está inserida. O Teatro do Oprimido (TO) pode ser usado dentro e fora da sala de aula. No horário escolar ou além dele. De forma extremamente lúdica, mas igualmente crítica, o TO pode ser um excelente dinamizador em reuniões, um colaborar no desenvolvimento de qualquer disciplina, bem como um instigador e estimulador no debate de temas tabus, como homossexualidade e violência doméstica. Por exemplo, de 2006 a 2007 o Centro de teatro do Oprimido desenvolveu um projeto Teatro do Oprimido nas escolas em municípios fluminenses. A proposta visava capacitar professores e lideranças comunitárias na metodologia para que pudessem usá-la na facilitação do diálogo dentre o corpo escolar e entre ele e a comunidade aonde a escola está inserida.

A escola deve ser um espaço democrático que contribua com a comunidade onde está inserida.

O projeto foi desenvolvido dentro de escolas públicas e os professores passaram a usar o Teatro do Oprimido com crianças e adolescentes na discussão de temas como descriminação dos professores, desleixo escolar, influência do tráfico na escola, falta de ética, preconceito e relação família/ escola. Temas que raras vezes são discutidos dentro da educação formal. 3 – Como um (a) professor (a), seja ele de que disciplina for, pode utilizar o Teatro do Oprimido como ferramenta pedagógica em sala de aula? Praticamente todas as técnicas do Teatro do Oprimido podem ser usadas em sala de aula, mas devido a falta de conhecimento da metodologia, aliado ao curto tempo do professor em sala

de aula, geralmente o método é usado como suporte lúdico para a introdução de alguma atividade ou apoio pedagógico na discussão de algum tema. 4 – Quais resultados se podem esperar da aplicação do Teatro do Oprimido em salas de aula de escolas da rede pública? A melhor forma de explicitar o que penso é descrevendo um exemplo ocorrido durante o desenvolvimento do projeto Teatro do Oprimido nas Escolas. Lembro de uma cena criada por um multiplicador juntamente com seu grupo de crianças do 6º. Ano do município de Niterói que contava a história de um menino e seu professor. Ele, assim como seu irmão, eram estudantes da mesma escola, do mesmo ano e da mesma sala de aula. Ambos tinham em conseqüência, o mesmo professor. Acontece que um deles era dedicado e tímido. Estudava e sempre tirava boas notas. O outro era agitado e extrovertido. Sabia dançar, assobiar o canto dos pássaros e até sapatear, mas não conseguia se concentrar nos estudos e com isso era duramente reprimido pelo professor que o comparava sempre a seu irmão: Como podem irmãos tão diferentes? Um é inteligente e o outro mal sabe ler! A cena era cruel e visivelmente


causava desconforto em quem assistia, especialmente ao ver a menina que representava o professor com uma veracidade e voracidade indescritível. A cada ensaio a cena crescia, os atores-estudantes ficavam mais fortes, mais seguros. Então, em um dos ensaios que acompanhamos junto ao multiplicador, conversamos com as crianças sobre a cena, a importância do tema, a discriminação dentro da escola, a diferença entre os professores. E então um dos meninos presentes, um garoto pequeno pra idade próxima aos 9 anos, levantou uma questão: essa cena se passou comigo e sábado agora, vamos apresentar na escola. E eu, ignorando a profundidade da indagação, disse: ótimo. Vai ser muito bom. Todos vão poder ver o trabalho bonito de vocês! Então o menino retrucou: esse é que é o problema. O professor vai estar presente. E se ele se descobrir na cena? Se ele vir que o professor da cena é ele mesmo? E

O Teatro do Oprimido é um instrumento pedagógico que pode e deve ser usado na educação.

eu disse: a cena é de vocês. Vocês são quem devem dizer se gostariam que ele visse ou não. E ele, depois de uns breves segundos de reflexão disse: acho que vai ser bom ele ver como ele é. Esse tipo de coação, opressão e humilhação, infelizmente, é reincidente entre pessoas que se julgam educadores. Felizmente, também temos muitos excelentes educadores em nossas escolas, assim como os multiplicadores desta escola em Niterói que souberam estimular a reflexão em seu grupo, colaborando para a construção de uma escola melhor. O mundo pode e será diferente. De passo em passo, construiremos a realidade utópica de um mundo perfeito, onde a educação tenha espaço privilegiado na vida de nossas crianças. 5 – Quais as mensagens Boal, diante de uma platéia apenas de professores, deixaria para eles? Não sou capaz de adivinhar. Boal era homem de muitas idéias e falas encantadoras. Prefiro deixar aqui um trecho de uma texto seu escrito especialmente para os profissionais da educação. Educar vem do latim Educare, que significa conduzir. Educar significa a transmissão de conhecimentos inquestionáveis ou inquestionados. Significa ensinar o que existe, e que é dado como certo e necessário.

Pedagogia vem do grego paidagógós, que era o escravo que caminhava com o aluno e o ajudava a encontrar o caminho da escola e do saber. Educação significa a transmissão do saber existente; Pedagogia, a busca de novos saberes. Essas duas palavras não podem ser dissociadas, porque não podemos aceitar um saber paralítico, imóvel, nem descobriremos jamais novos saberes sem conhecer os antigos. Educação e Pedagogia são duas irmãs, ao mesmo tempo, mães e filhas da Cultura. Filhas, porque a Cultura existe e se manifesta através do saber que ensina, e do saber que busca. Mães, porque através delas nasce uma nova Cultura, sempre em trânsito. Trânsito para que futuro? Surgem então os conceitos de Ética e de Moral. Esta, vem do latim mores, que significa costumes. Qualquer costume, mesmo os mais bárbaros e odiosos, podem fazer parte da Moral de um lugar e de uma época. A escravidão já foi Moral no Brasil, e os escravos que

Praticamente todas as técnicas do Teatro do Oprimido podem ser usadas em sala de aula.

lutavam por sua liberdade eram chamados de fujões e rebeldes – hoje, sabemos que foram heróis e eram sábios. Nenhuma Moral social, quando anti-ética, pode ser aceita só porque faz parte dos costumes de um infeliz momento. Não podemos aceitar o latifúndio e a corrupção, nem a fartura que lida com a fome – estes são males da pátria contra os quais temos que lutar. Moral refere-se ao passado que sobrevive no presente. Ética, ao presente que se projeta no futuro: não queremos o Brasil como foi, nem como é, mas como queremos nós que seja? Qual a Ética que nos guia e justifica nossas vidas? Queremos um Brasil em que todos os brasileiros sejam plenos cidadãos, e sabemos que não se pode ser pleno sem os fundamentos da Educação basilar, sem as audácias da Cultura livre, e sem o diálogo entre as duas.

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Augusto Boal

Aprendemos a aprender por Augusto Boal *

N

a Babilônia, quase vinte séculos antes de Jesus Cristo, um homem observou uma maçã caída de uma macieira que rolava por um declive na ribanceira, e viu o que todos apenas olhavam: a maçã rodava tocando o solo pela circunferência. Só uma parte da sua superfície tocava o chão. O homem se deu conta daquilo que ninguém antes percebera: para rodar, a maçã não necessitava ser esférica bastaria ser circular. E inventou a roda. As rodas que vemos rodando pelo mundo, pelos trilhos, pelas velozes pistas, pelos mercados, em casa, na rua, foram inventadas por um gênio: um homem que viu o que todos apenas olhavam. Outra maçã, séculos mais tarde, caiu bem na cabeça de Newton quando dormia embaixo da árvore. Qualquer um de nós teria dado um grito, feito uma imprecação, dito um palavrão do tamanho da nossa dor física e do galo na cabeça, teria amaldiçoado o reino vegetal. Newton, tranqüilo, viu o óbvio: “A matéria atrai matéria na razão direta das

massas e inversa do quadrado das distâncias”. É lógico, límpido e cristalino. Porque, se assim não fosse, a maçã não teria jamais caído na cabeça de Newton: seriam a Terra e Newton que teriam caído na maçã. Isso, hoje, é fácil de entender. Mas foi preciso um gênio para ver o que todos apenas olhavam. Arquimedes, tomando banho de banheira, percebeu

que sua perna tendia a flutuar. Coisa estranha! E, num lampejo, gritou “Eureka!” Havia descoberto o óbvio: “Um corpo sólido mergulhado em um líquido recebe um empuxo de baixo para cima igual ao peso do volume de líquido deslocado”. Nada mais elementar: não eram necessárias nem a banheira nem a perna de Arquimedes: qual-

quer sólido em qualquer línquido. Só que, antes, ninguém tinha traduzido, em teoria, a prática das pernas flutuantes. Todos os usuários de todas as banheiras, piscinas, lagoas, viam pernas flutuando, cabeças e troncos também, e achavam tudo muito natural, mas só Arquimedes deduziu a lei que regia tais fenômenos. Assim são os gênios: descobrem ou inventam o óbvio que ninguém vê. Assim aconteceu com Paulo Freire: descobriu que o “vovô absolutamente não viu o ovo”, nem a “vovó viu a ave”, mas, ao contrário - com certeza certa! - o pedreiro viu a pedra, a cozinheira o feijão, e o lavrador a enxada. O operário e o camponês não viam o salário, as férias, o direito à escolaridade dos filhos, à saúde. O trabalhador não via a hora de descansar. O faminto, a hora

Paulo Freire ajuda o cidadão a descobrir, por si, o que traz dentro de si.

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de comer. O povo, a hora da redenção. O ato de aprender a ler é aprender a pensar, e pensar é uma forma de ação. Assim, apesar de vovôs e vovós das antigas cartilhas serem dignos de todo respeito, aves e ovos dignos de todo cuidado, o camponês precisa saber como se escreve o nome da foice com que lavra a terra, o pedreiro o nome do tijolo com que constrói a casa, a cozinheira os nomes com que condimenta o feijão e a farinha. Desenhando em letras e palavras a dor que o pobre sentia na carne, mas sem esquecer os desenhos do sonho e da esperança! - Paulo Freire inventou um Método, o seu, o nosso, o Método que ensina ao analfabeto que ele é perfeitamente alfabetizado nas linguagens da vida, do trabalho, do sofrimento, da luta, e só lhe falta aprender a traduzir em traços, no papel, aquilo que já sabe e vive no seu cotidiano. Maiêutico, socrático, Paulo Freire ajuda o cidadão a descobrir, por si, o que traz dentro de si. E, neste processo, aprendem o

O ato de aprender a ler é aprender a pensar, e pensar é uma forma de ação.

professor e o aluno: “A um camponês ensinei como se escreve a palavra arado; e ele me ensinou como usá-lo!” - disse um professor rural. Só é possível ensinar alguma coisa a alguém quando esse alguém, a nós, alguma coisa ensina. O ensino é um processo transitivo - diz o nosso Mestre – é um diálogo, como deveriam ser diálogos todas as relações humanas: homens e mulheres, negros e brancos, classes e classes, países e países. Mas sabemos que esses diálogos - se não forem carinhosamente cuidados ou energicamente exigidos - bem cedo se transformam em monólogos, onde apenas um dos interlocutores tem direito a palavra: um gênero, uma classe, uma raça, um país. Os outros são reduzidos ao silêncio, à obediência: são os Oprimidos. Esse é o conceito Paulo-Freiriano de opressão: o diálogo que se transforma em monólogo. O Rei Afonso VI da Espanha teria dito certa vez: “Se Deus tivesse pedido a minha opinião antes de criar o mundo, eu teria aconselhado alguma coisa bem mais simples, descomplicada”. Paulo Freire, de certa forma, descomplicou o ensino. Embora Deus nada lhe tenha perguntado - isto, é o que consta oficialmente, mas no íntimo estou convencido de que perguntou sim, porque eles conversavam muito! Paulo criou alguma coisa mais simples, mais humana do que as complicadas formas autoritárias de ensino que obstaculizavam o aprendizado.

Com Paulo Freire aprendemos a aprender. Com o seu Método, além de se aprender a ler e a escrever, aprende-se mais: aprende-se a conhecer e respeitar a alteridade, o outro, o diferente. Meu semelhante a mim se assemelha, mas não sou eu; a mim se assemelha: com ele me pareço. Dialogando aprendemos, ganhamos os dois, o professor e o aluno, pois que alunos somos todos, e professores também. Existo porque existem. Minha identidade sou eu e são os outros. Para que se escreva em uma página branca é necessário um lápis negro; para

*Teatrólogo, ensaísta e diretor artístico do Centro de Teatro do Oprimido de 1986 até 2009.

que se escreva em um quadro negro é necessário que o giz tenha outra cor. Para que eu seja, é preciso que sejam. Para que eu exista é preciso que Paulo Freire exista. Esta homenagem nos mostra que, em cada um de nós, um pouco dele existe - existe e cresce. Onze anos atrás, em Omaha, Nebraska, nos Estados Unidos, lá foi a primeira e única vez em que eu e Paulo Freire nos encontramos lado a lado na mesma mesa, em um grande teatro local, respondendo às mesmas perguntas de mais de mil professores e especialistas que lá estavam participando da Conferência anual que desde 1993 se realiza naquele país: Pedagogia e Teatro do Oprimido. Depois de duas horas de conversa, estava com a palavra Paulo Freire quando a desajeitada coordenadora da mesa anunciou, vacilante e burocrática, que o seu tempo estava esgotado. Paulo respondeu: “O meu tempo pode estar esgotado, mas o meu pensamento não: eu vou continuar”.

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