Sábado, 14 de julho

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8 DIREITOS HUMANOS

SOROCABA, SÁBADO E DOMINGO, 14 E 15 DE JULHO DE 2018

diariodesorocaba.com.br

ESPECIAL

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PALAVRA DO ARCEBISPO

Projeto social sorocabano ampara autores de violência doméstica

Iniciação à Vida Cristã Dom Julio Endi Akamine, SAC

A assistente social Tatiana Festa e a psicóloga Ingrid Fonseca mediam as conversas Referência da Mulher (Cerem) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) também fazem o encaminhamento ao identificarem uma situação de prevenção à violência doméstica. “Independentemente de qualquer coisa, eles estão em fase de medida preventiva. Então, não estão condenados ainda”, enfatiza a assistente social Tatiana Festa que, ao lado da psicóloga Ingrid Fonseca, media os encontros. “O grupo tem muitos assuntos pessoais. Falamos de relações de afeto, violência e sexualidade”.

percebe que dá para ‘soltar a mão’”, garante Tatiana Festa. Quando encaminhados ao Cerav, os homens são obrigados a comparecerem aos encontros. “Eles só ficam em regime aberto se vierem”, explica Tatiana. “Fazemos o acompanhamento de liberdade assistida, com relatórios e carteirinha de frequência”.

PROGRAMA PIONEIRO Criado em 2014 e implantado em 2015, o programa parte de uma proposta de 15 encontros, um por semana, número que pode ser prorrogado pela avaliação da equipe do Cerav. “Teve caso da pessoa participar de 45 encontros”, lembra Ingrid. “A gente só libera quando

Tatiana Festa, assistente social

A gente tem que parar eles, não elas.

Todas as segundas, quartas e quintas-feiras pela manhã, o movimento de pessoas aumenta no número 33 da rua Buenos Aires, no bairro da Parada do Alto. Homens de todas as idades, profissões, aparências físicas e classes sociais reúnem-se em um semicírculo, sentados para ouvir e contar histórias durante quase duas horas. Discursos exaltados e conversas estimulantes; tristeza, raiva e, enfim, compreensão. Os mais diversos sentimentos passam semanalmente pela sala do Centro de Integração da Mulher (CIM Mulher) na qual homens são acolhidos pelo projeto social do Centro Especializado de Reabilitação do Autor em Violência Doméstica (Cerav). Uma média de 60 a 80 homens são atendidos mensalmente, encaminhados pela Justiça ao adquirirem uma medida preventiva após denúncia pela Lei Maria da Penha. O Centro de

O programa, primeiro do Estado de São Paulo, foi desenvolvido em razão da reincidência dos agressores. “A Casa Abrigo `Valquíria

Germano Schonfelder

Rocha´ recebe mulheres e crianças amparadas pela Lei Maria da Penha. Mas a gente tem que parar eles, não elas”, observa Tatiana.

Homens de todas as idades, profissões, aparências físicas e classes sociais têm acompanhamento prontos. Com a `Maria da Penha´, eles perdem a casa e a confiança fica abalada. Então, pedimos para não confundirem carência com amor”.

MULTIPLICADORES – Satisfeitas, Tatiana e Ingrid relembram incansavelmente os casos que já passaram pela sala do Cerav nos últimos meses, como o atendido que perce-

beu que a vizinha sofria violência doméstica e ofereceu ajuda; o que viu uma briga de casal no shopping e interferiu; o que percebeu que se continuasse como agressor passaria

o exemplo ao filho e o que se tornou voluntário do CIM Mulher. “São os multiplicadores”, define a assistente social Tatiana Festa, referindo-se aos homens que fazem o acompanhamento pelo programa, reeducam-se e passam adiante os conhecimentos adquiridos. “Pensar que vamos mudar o mundo é uma utopia; mas, de pouquinho a pouquinho, fazemos alguma mudança”, celebra a psicóloga. CIM MULHER – Para conhecer melhor o trabalho do CIM Mulher, basta acessar o site www.cimmulher.org. br ou entrar em contato pelo telefone (15)3342.6999 e pelo e-mail contato@ cimmulher.org.br. A entidade também aceita voluntários, por meio de requisição no e-mail voluntariado@ cimmulher.org.br, e doações, por transferência bancária, pela Caixa Econômica Federal (Banco 104, agência 2757 e conta poupança 013-12466-8).

Uma em cada 100 mulheres recorreu à Justiça por violência doméstica em 2017 Agência Brasil/USP/Marcos Santos

Germano Schonfelder

Idealizado no CIM Mulher, programa recebe homens em encontros semanais para reeducação

REEDUCAÇÃO – A maioria dos homens que chega ao Cerav está na defensiva; chateados, agressivos ou em negação. “A gente tem muito advogado e policial e eles têm aquele discurso do ‘por que eu estou aqui?’”, conta Ingrid. “Querendo ou não, é uma vergonha para eles”. A psicóloga diz que o trabalho da equipe é entender o momento e a emoção dos atendidos. “Eles estão revoltados; saíram de casa, estão em uma situação judicial e são obrigados a virem, então chegam agressivos”, pontua. “Isso faz parte do processo”, completa Tatiana. “A gente trabalha com eles de uma maneira muito gradativa, mas, ao final, acontece uma transformação”. O primeiro passo, segundo a assistente social Tatiana Festa, é desenvolver nos homens a maturidade de poder falar sobre o problema. “O grupo é importante porque a pessoa começa a se olhar do lado de fora. Tentamos buscar neles a autodescoberta”, conta a assistente social. “Às vezes, a história de um leva o outro a falar”, exemplifica Ingrid. Em seguida, começa o processo de desconstrução. “Não adianta, se eu aprendo errado, vou executar errado”, explica Tatiana. “A partir do momento em que alguém te ensina o caminho, você ensina à pessoa outros meios de abordagem da situação”. Ingrid acredita que o histórico familiar e o pensamento patriarcal da sociedade são problemas a serem enfrentados. “Os mais velhos dizem que bater na mulher era normal antes. Nunca foi normal! Mas, para dizer isso, a pessoa vivenciou”, acrescenta. “É difícil desconstruir quem viu e viveu isso; é difícil aceitar. Tenho que bater na mesma tecla”. Então, há a reeducação por meio da abordagem de temas prédeterminados ou de acordo com os depoimentos espontâneos de membros do grupo – e a diversidade dos homens conta pontos positivos nesse momento. “Temos empresário e catador de latinha, por exemplo. As realidades são diferentes. E, a partir do momento em que eu me coloco no lugar do outro, a dor dele dói em mim e eu me transformo”, explica Tatiana. As conversas não tratam apenas do machismo e da violência, mas também repensam as relações. “Vemos que as relações estão completamente disfuncionais”, lamenta a assistente social. “Eles ‘entram de cabeça’ em relacionamentos que são fáceis de começar e de acabar, então insistimos em saber se eles estão

Apenas 5% dos processos de agressão doméstica em tramitação tiveram algum tipo de andamento no ano passado Um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que, ao final do ano passado, uma em cada 100 mulheres brasileiras abriu ação judicial por violência doméstica. No levantamento elaborado e divulgado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias da instituição, constatou-se que 1.273.398 processos dessa natureza tramitavam na Justiça dos estados. Desse total, 388.263 eram casos novos. Em relação a 2016, o número apresentado foi 16% maior. Apenas 5% dos processos de agressão doméstica em tramitação tiveram algum tipo de andamento no ano passado, contudo. Em rela-

ção ao feminicídio, crime considerado hediondo desde 2015, foram 2.795 ações pedindo a condenação de um agressor enquadrado nessa modalidade em 2017, em uma proporção de oito casos novos por dia ou uma taxa de 2,7 casos a cada 100 mil mulheres. De acordo com o CNJ, o volume de processos julgados (440.109) foi ampliado em 19% na comparação com 2016. Um dos fatores que motivaram o aumento é o programa “Justiça pela Paz em Casa”, que consiste em uma força operacional de tribunais estaduais concentrada ao longo de três dias, em que são decididos os destinos de vítimas e

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autores de crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Mais de 800 mil casos (833.289) ainda aguardavam um desfecho no final de 2017. Outra pesquisa, divulgada na semana passada, indica que somente uma em cada três mulheres afirmou ter recorrido a algum equipamento do Estado para enfrentar a violência a que foi submetida. Segundo o levantamento `Aprofundando o Olhar sobre o Enfrentamento à Violência contra as Mulheres´, realizado pelo Observatório da Mulher contra a Violência e pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, 29% das

mulheres consultadas dizem que foram vítimas de violência. Em 2015, o percentual era de 18% das entrevistadas. NA INTERNET – Por outro lado, internautas brasileiros demonstram cada vez mais curiosidade em pesquisar o termo `machismo´ nos canais de busca do Google e do YouTube, apesar de ainda existir falta de informação ou confusão sobre o tema. O apontamento faz parte de uma pesquisa realizada pelo Google BrandLab, que realizou 700 entrevistas online em diversos estados brasileiros e analisou o resultado nos canais de busca do Google e YouTube. As consultas com o termo `machismo no Brasil´ aumentaram 263% nos últimos dois anos, pulando da nona posição para a terceira em volume de busca, e a existência do machismo no País é uma verdade assumida por 78% dos brasileiros. No entanto, a pesquisa aponta também que, apesar do crescimento do interesse, ainda há muita confusão e falta de informação sobre o tema. Para metade dos homens, machismo e feminismo são movimentos equivalentes. “O feminismo está disputando não a hegemonia de um grupo sobre o outro, mas as relações de igualdade entre homens e mulheres”, explica o pesquisador do Núcleo sobre Sexualidades, Gêneros, Feminismos e Diferenças da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc-SP), Fábio Mariano. O machismo, por outro lado, é o esforço para manter as assimetrias entre os gêneros. (Agência Brasil)

Nestes últimos tempos, muito se tem falado que a Igreja Católica está perdendo fiéis, que ela diminuiu e que muitos a deixam. Como a Igreja reage? Que resposta ela tem dado ao abandono dos fiéis? Qual é o remédio para esse problema? Há vários anos a Igreja tem se esforçado em responder a esse problema concreto com a iniciação à vida cristã. O que é Iniciação à Vida Cristã? No que ela consiste? Qual é o seu objetivo? O que devemos fazer para que a minha paróquia, a minha comunidade seja casa da iniciação à vida cristã? Iniciação indica o ato de começar, de iniciar algo. No contexto cristão, iniciação consiste no processo de admitir uma pessoa como membro da comunidade eclesial. Significa também tornar a pessoa acolhida na Igreja capaz e idônea de celebrar da Sagrada Liturgia. Iniciação a Vida Cristã é, portanto, o processo em que uma pessoa se torna realmente cristã. Gostaria que você refletisse: você se tornou cristão de uma hora para outra? Ou percebe que o `tornar-se cristão´ é um processo que ainda está se realizando? Para que eu me torne um `novo homem´, para que eu pudesse `nascer de novo´, `nascer do alto´, foi preciso um itinerário, um caminho feito de várias etapas. Esse caminho é formado por diversos elementos: o anúncio da Palavra de Deus, o acolhimento do Evangelho, a conversão pessoal, a Profissão de Fé, o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia. Além disso, para que eu `me torne cristão´ muitas outras pessoas colaboram. Os pais que me apresentaram para o Batismo, que me ensinaram os primeiros rudimentos da fé e que me levaram à missa dominical; os catequistas que me preparam para a Primeira Comunhão e para a Confirmação, os padres que atenderam as minhas confissões, os outros fiéis que rezaram por mim e deram bom testemunho de Jesus Cristo, todas essas pessoas me introduziram no ser cristão. Eu não nasci cristão, eu me tornei cristão, ou melhor, eu me torno cristão todos os dias. Além disso, eu não me torno cristão sozinho; eu me torno cristão ao ser introduzido na comunidade dos filhos de Deus, ao receber da Igreja a fé que é profes-

sada, celebrada, vivida e rezada. Eu me torno cristão ao receber a vida cristã que me é transmitida pela Palavra de Deus, pelos Sacramentos e pelo testemunho vivo dos outros fiéis de Cristo. Iniciação à Vida Cristã é uma ação continuada e prolongada no tempo. Consiste numa sequência de ações (anúncio e catequese, diálogo e serviço, presença, testemunho e vida sacramental), ações essas que apresentam unidade e coerência entre si em vista de um fim, que é o de fazer uma pessoa um discípulo e missionário de Jesus Cristo. A Iniciação à Vida Cristã não se limita à transmissão de ideias ou ao ensino de um código de ética e de doutrinas. Tudo isso é importante e não deve ser deixado de lado na iniciação à vida cristã. Mas é preciso ir muito além. Fazer da paróquia e da comunidade uma casa da iniciação à vida cristã implica em transmitir a Vida plena. Trata-se de uma transmissão vital da sabedoria e da identidade cristã, da geração de um novo ser e de uma nova Vida em Cristo. Não devemos confundir, nem reduzir a iniciação à vida cristã aos cursos de preparação para os Sacramentos. Os cursos de preparação são importantes na medida em que eles ajudam as pessoas a se encontrarem com Jesus Cristo, a partilharem a experiência cristã do mistério, a adquirirem a capacidade de celebrar atenta, consciente e frutuosamente o Mistério Pascal. É necessário desenvolver, em nossas comunidades, um processo de iniciação à vida cristã que conduza a um encontro pessoal cada vez mais profundo com Jesus Cristo. Por hoje é só; continuaremos esse tema em nossas próximas conversas. – Dom Julio Endi Akamine, SAC, é arcebispo metropolitano de Soroca\ba e escreve aos sábados no DIÁRIO


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