Digesto Econômico nº 445

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acionar as empresas em nome de seus representados, mas sem autorização destes e até mesmo contra a sua vontade, o que, de certa forma, tornou os empresários reféns dos sindicalistas. Trata-se do dispositivo legal chamado de "substituição processual", por meio do qual o sindicato substitui o trabalhador, sem anuência deste. Com isso, os sindicatos estão se preparando para usar esse poderoso direito para acionar as empresas por motivos presentes e passados, em ações trabalhistas de grande monta. Numa palavra, os empresários não sabem mais o passivo trabalhista que de fato possuem porque, a qualquer momento, um sindicato pode processá-los por motivos remotos referentes a todos os seus empregados e até mesmo a toda uma categoria profissional. Esses dois exemplos explicitam a insegurança jurídica que cerca os investidores no longo prazo. É a formação de passivos ocultos. A qualquer momento eles podem se transformar em ações judiciais onerosas para ressarcir um acidente ou uma doença que foi contraída fora de suas empresas ou indenizar prejuízos alegados por um sindicato que sequer consultou seus representados para deles obter a devida autorização. Na área trabalhista, a lista de medidas intervencionistas é infindável e transborda os limites deste ensaio. Em vista de tudo isso, ainda é vantajoso investir no Brasil? Parece que sim. Afinal, o potencial de consumo do País é enorme. A melhoria da distribuição de renda vem ampliando esse potencial. A elevação do poder de compra dos pobres, promovida em grande parte pelos programas sociais, amplia as oportunidades de vendas e lucros. Ganhos adicionais podem surgir da estabilidade política mantida por um governo que tem fortes raízes populares. Na opinião de Bresser, para os investidores, a esquerda ideal é a que busca reformar o capitalismo. (58) Na concepção do PT, entretanto, o capitalismo não tem conserto. O regime precisa ser substituído pelo socialismo moderno que, deixa para o setor privado a produção do "varejo", para a qual o Estado não tem condições de sobressair, e reserva para o governo os grandes investimentos em infra-estrutura e em programas sociais, incluindo-se aqui, as transferências de renda, os projetos educacionais, da cultura, da imprensa e outros que garantem a hegemonia do partido no processo eleitoral. Se essa hipótese tem validade, o socialismo moderno estaria sendo cunhado dentro de um pacto implícito, no qual as grandes empresas, que podem trabalhar com mais liberdade em

Alfer

áreas não estratégicas, concordariam em repassar para o governo quase 40% do PIB na forma de impostos, e o governo, em contrapartida, garantir-lhes-ia uma exposição mínima ao comércio internacional. Sim, porque uma grande abertura comercial colocaria a céu aberto as feridas da economia brasileira. Seria um desastre para muitas empresas terem de competir com similares de países que produzem os mesmos bens com menos custo e mais qualidade. Ademais, isso traria à praça pública as mazelas que hoje impedem as empresas nacionais de competirem com vantagem, como é o caso do gigantismo das despesas públicas e do anacronismo da carga tributária. Como isso não interessa nem às empresas, nem ao governo, a troca de uma pesada carga tributária por garantias contra as agressões externas surge como uma hipótese de um pacto quase sinistro, o que explicaria, dentre outras coisas, o bombardeio do Brasil à ALCA e a busca de um relacionamento mais forte com os países pobres. (59) Mas, o que há de errado com um governo que distribui renda e reduz a pobreza? Nada. Há que se perguntar, porém, se, em nome dessa política, o País consegue manter a eficiência da economia no longo prazo. É bom lembrar que o comunismo morreu por ter abandonado a eficiência, deixando como saldo o desamor pela produtividade e o desprezo ao mérito. Aliás, esse mesmo mérito vem sendo "desconstruído" em muitas áreas da sociedade brasileira. Há sindicatos que criticam as empresas que premiam os melhores empregados, porque isso significa uma exclusão social dos demais. O mesmo ocorre nas escolas, em que a premiação do aluno mais brilhante é vista como desprezo aos demais. E assim vai se destruindo a noção de mérito, que é o símbolo da eficiência, da garra, da dedicação, do comprometimento, do amor ao bem-feito, numa palavra, da ética do trabalho. No caso do Brasil, o grosso da produção ainda se guia pela produtividade e pelos sinais dos preços, que caracterizam a concorrência acirrada. É isso que levou as empresas a avançarem bastante no terreno da eficiência, das inovações organizacionais e da modernização tecnológica. A melhoria da produção e da produtividade se aplicam à agricultura, à indústria, ao comércio e aos serviços. Só não houve mais avanços devido à persistência dos constrangimentos da infra-estrutura, à má qualidade da educação e à perversidade dos juros e tributos. O que dizer da marcha do intervencionismo depois do PT? O "day after" depende muito do andamento do crescimento econômico. A continuar com

SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

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