Quem não conhece Gastão? A história de um homem de Guapimirim
Copyright 2017 by Thamiriz Garcia Campos Texto revisado pelo Novo Acordo Ortográfico.
Capa: Said Ali Revisão: Laura Seligman Diagramação: Thomas Falconi
Este livro foi produzido como Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo pela acadêmica Thamiriz Garcia Campos na Universidade do Vale do Itajaí
Aos meus pais, que por inúmeras vezes leram e releram meus textos. Eles são meu porto seguro. Faltam palavras pra agradecer tanto amor e suporte. À minha avó Sueli, investidora das minhas ideias e fã incondicional. À minha família e aos amigos, que se dispuseram a me contar os relatos que deram vida a esse enredo. À Professora Laura Seligman, por todo auxílio e ensinamento. Em memória da minha tia avó Neuza, minha primeira entrevistada, que nos deixou repentinamente meses depois da nossa conversa. Ao meu avô, o biografado, o protagonista dessa história.
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e lembro como se fosse ontem. Ela chegou em casa com um olhar distante, pensativo. Deixou a mochila da escola em cima do sofá, como já era de costume, e sentou à mesa voltando-se para mim com aquele semblante de curiosidade que marcou sua infância. Estava no auge dos seus sete anos, mas sempre foi a menina dos porquês. - Mãe, por que todo mundo me chama de “a neta do Gastão”? A pergunta me soou no mínimo estranha. Larguei rápido a colher que segurava em frente à panela, no fogão, onde esquentava o almoço, e a encarei com olhar apressado: - Ué, minha filha! Por que essa pergunta agora? As pessoas lhe chamam assim fazendo referência ao seu avô, isso porque ele é bastante conhecido. - Mas por que ele é tão conhecido assim? – questionou-me sem demora. - Ah! Seu avô tem uma história bem longa com Guapimirim. Ele nasceu aqui, trabalhou na política durante muitos anos e ainda tem a loja há pelo menos uns 50 anos. Ele ficou muito conhecido. Mas aconteceu alguma coisa quanto a isso? Por que essa pergunta agora? – perguntei mais uma vez. - É que na escola todos me chamam assim. Na rua, também sempre falam – com olhar duvidoso, continuou. - Eu amo ser neta do meu avô, mas não sabia que 7
tanta gente assim conhecia ele. - Ah, um dia você vai conhecer toda essa história. Tem muita coisa pra contar – finalizei já voltando para o fogão, até que fui interrompida por mais uma pergunta, desta vez ansiosa e incessante: - Oh, mãe! Será, então, que um dia eu posso escrever um livro sobre a história do meu avô pra todas essas outras pessoas que ainda não conhecem ele, conhecerem? – perguntou animadamente! Eu sorri, feliz pelo o que passou na cabecinha dela naquele momento e respondi, complementando a brincadeira: - Com certeza, minha filha! Mas difícil mesmo será encontrar alguém que ainda não conheça essas histórias. Afinal, em Guapi, quem não conhece Gastão?!
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trás da estação de trem da cidade, ficava a oficina ferroviária. Ela era enorme! Uns 500 homens trabalhavam ali. Eduardo Garcia, o avô de Gastão, era o chefe da oficina. O espanhol veio de seu país para São João Del Rey, em Minas Gerais, para trabalhar na Rede Ferroviária. Depois, mudou-se para Guapimirim para assumir tal função. Ele coordenou e participou da montagem da primeira máquina a vapor no Brasil, que veio da Holanda e foi montada ali. Na ocasião, o homem chegou a receber um telegrama do Presidente da República o parabenizando pelo feito – documento que se perdeu entre os familiares com o passar do tempo. Na época do ouro, São João Del Rey era uma cidade onde se tinha a pedra preciosa à vontade e, por muito pouco, tal pedra não enriqueceu a vida da família de Seu Eduardo. Quando se mudou para Guapimirim, vendeu a casa em que moravam na cidade mineira. Relutou bastante, pois não queria fazer a venda, mas o comprador foi persistente e o convenceu. O coitado só descobriu um tempo depois, através das escavações, que embaixo de sua casa havia uma mina de ouro. Seu Eduardo casou-se com Ana Moreira Garcia ainda na Espanha, com quem teve sete filhos. Um deles também se chamava Gastão e morreu na década de 40 ainda novo, com tuberculose. O pai morreu oito dias depois, de tristeza. Por isso, Seu Zinho deu o nome de seu primei10
ro filho de Gastão Eduardo, uma homenagem ao irmão e ao pai. Os parentes de Seu Zinho não eram muito a favor de seu relacionamento com Peredy. Na época, eles eram de uma família mais requintada, “de nariz em pé”, muito diferente da jovem. A mulher era de origem indígena e alemã. Seu pai, João Palmerim, era filho de índio civilizado e sua mãe, Maria Leontina Brust, de forte ascendência alemã. Os dois tiveram mais sete filhos além de Peredy. Porcilha, Polágea, Paladina, Palmira, Placides, Perci, Paraguaçu e Peri. Nomes peculiares e bastante curiosos. Dizem até que foi o próprio Seu Palmerim que inventou nome por nome e registrou os filhos sem nem sequer a mãe saber, isso porque era escrivão. Em Guapi mesmo, Seu Zinho e Peredy começaram a vida morando juntos e só depois de algum tempo casaram-se. A família se formou com seus três filhos.
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ilho do meio entre a irmã mais velha, Neuza, e o caçula José (carinhosamente apelidado de Zizil), Gastão tinha três anos e sete meses de diferença com a primogênita e um ano e seis meses com o mais novo. O mais cabeça dura dos filhos de Peredy e José Moreira, o menino de pele clara, cabelos escuros e olhos cor de mel esverdeados, desde pequeno era muito sistemático. Extremamente organizado, sempre foi muito preocupado em ter tudo e todas as suas coisas no lugar, fossem elas de seus afazeres ou apenas seus brinquedos carpintados. Gostava de andar alinhado, arrumadinho de acordo com as possibilidades da época e da condição financeira da família. Muito obediente, sempre foi um bom filho e, na escola, um aluno exímio, com comportamento e notas exemplares. Não há muitos registros fotográficos de quando pequeno, devido às limitações tecnológicas da época, mas principalmente porque o menino quieto nunca gostou de fotos. Contam-se nos dedos os retratos que se guardam da infância do garoto. Gastão também era muito medroso. Nunca gostou de altura ou de atividades radicais. Ia ao campo de futebol com o irmão, porque em Guapimirim onde moravam não havia muitos outros lugares para se ir, mas nunca se deu muito bem no esporte. Um dos seus maiores pavores era o de tomar injeção. A 14
Foto: Acervo pessoal
A irmã Neuza, o irmão Zizil e Gastão.
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família contava que ele foi tomar a primeira com 12 anos. Se falasse que ele seria levado ao hospital, já corria para debaixo da cama. Tinha medo de tudo, inclusive de assombração. A irmã Neuza lembrava que ainda bem novo, ele viu seu falecido Tio Peri na janela do quarto e gritou. A mãe correu, mas não viu nada. Nunca mais Gastão dormiu cedo na infância, passava no corredor de olhos fechados. Não mudou muita coisa até hoje.
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á muitas cidades no estado do Rio de Janeiro que se apagam atrás da fama da Zona Sul na capital. Pegando as rodovias que dão acesso ao interior, encontramos muitos municípios maltratados. Locais com histórias e belezas naturais esquecidas. Cidades como Guapimirim. Ao cruzar o pórtico da entrada principal do antigo terceiro distrito de Magé, atual município dos guapienses, encontra-se uma rua longa e asfaltada. A avenida Dedo de Deus, a conhecida “reta”, é a principal avenida da cidade. Pouco desenvolvida, por ali é possível encontrar apenas algumas poucas grandes lojas. A cidade ainda sobrevive de comércios de bairro, de pequenos e médios empreendedores. Ainda não existem shoppings, cinemas, teatro ou qualquer outra estrutura de lazer. Em Guapimirim, a movimentação se concentra em uma grande praça bem no centro da cidade, onde as pessoas se encontram para comer uma pipoca ou fazer um lanche, reunir os amigos, e levar as crianças para um passeio. O município não é dos mais bem cuidados. Não se veem flores e jardins, quem dirá decorações temáticas nas épocas festivas do ano. No máximo, os postes ganham as cores vermelho e verde e algumas luzinhas no Natal. As ruas não são das mais sujas, mas também ficam longe da categoria limpa. Pelo clima quente, mesmo aos pés da Serra, as pessoas costumam andar de forma 18
Foto: Prefeitura de Teresópolis
Dedo de Deus - Serra dos Órgãos, Guapimirim.
bem informal e “fresca”. Diferente do centro do Rio de Janeiro, pouco se veem pessoas engravatadas. Pernas de fora, blusas fresquinhas e chinelos são a composição de vestuário mais vista pelas ruas. Guapimirim possui muitas belezas naturais. O município não chega a ser reconhecido pelo turismo ecológico ou rural como deveria, mas muitas ou até grande parte das propriedades da cidade são de casas de campo ou sítios, onde os proprietários costumam visitar para passar fins de semana e horas de lazer. A cidade é cercada de verde e muitas cachoeiras, dados populares contabilizam 17 pontos de quedas d’água apenas nos perímetros urbanos – não há contagem oficial sobre isso. 19
A região é considerada um santuário natural intocado pelo homem, já que quase 70% de seu território é de preservação ambiental. O acidente geográfico símbolo da região, o famoso pico do Dedo de Deus, pertence ao município e não a Teresópolis, como grande parte das pessoas acredita.
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