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Quando os militares colocaram os tanques na rua e derrubaram o governo constitucional de João Goulart para instaurar uma ditadura de 21 anos no Brasil, o cobrador Telmo percorria os bairros de Porto Alegre em sua moto à cata de devedores relapsos. Brizolista de quatro costados, ele logo percebeu que precisava sair logo de circulação. “Quando prenderam o meu patrão, que também era brizolista, eu senti que tinha que fugir senão iam me pegar também”. Na fuga, preferiu nem passar perto da antiga rodoviária da capital gaúcha. “Não queria me arriscar. “Saí de Porto Alegre e fui tomar um ônibus lá longe, na estrada”. Seu destino? Candiota, onde nascera e da qual se afastara bem jovem. Ali ninguém se preocuparia em procurá-lo. Morador da Vila Residencial, aposentado, Telmo Monte vive em Candiota até hoje. “Comecei como auxiliar de serviços gerais, depois fui pra operação de máquinas. Quando inauguraram Candiota II fiquei no setor de lubrificação e, mais tarde, na oficina de revisão das máquinas”, relaciona. No poder, os militares enfatizaram o papel do setor produtivo estatal na economia. O realismo tarifário adotado em 1964 e o apoio de agências internacionais – como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid) – aumentaram os investimentos no setor elétrico, levando o país, a partir de 1968, ao polêmico “milagre brasileiro”. De qualquer modo, a capacidade instalada de energia elétrica no país praticamente dobraria, entre 1966 e 1972, e mais do que duplicaria entre 1972 e 1980, superando os 31 mil MW. No isolamento de Candiota, porém, as atenções estavam mais voltadas para a convivência e as amizades. Em 1964, mais importante do que as realizações reais ou supostas do regime autoritário era o dia a dia e, particularmente, o domingo, tradicionalmente dedicado a memoráveis duelos nos gramados. Em setembro de 1964, o Grêmio Esportivo Candiota – sucessor de outra agremiação, o Gaúcho, e autor de um inesquecível 7x0 sobre o Industrial, de Bagé – inaugurou o Estádio 20 de Setembro. A inauguração aconteceu justamente no dia 20 de Setembro, data farroupilha e feriado gaúcho. Foi tudo muito divertido menos o resultado da partida. Convidado, o Bancário, clube profissional que disputava o campeonato municipal de Pelotas, cometeu a indelicadeza de aplicar 6x1 no anfitrião. Godofredo Cápua, o Godo, era o goleiro. “Ele quis impressionar o técnico do Bancário e tomou seis”, brinca Pradella. O antigo goal-keeper do Candiota responde com um sorriso amistoso. “Não dava pra enfrentar eles. Eram profissionais, estavam bem organizados e treinados”, argumenta Toríbio Castro Filho, aliás o centroavante do Candiota. Experiente, ele havia jogado nos juvenis do Brasil, de Pelotas. E, certa vez, convocado para a reserva do time principal, havia jogado metade de um Bra-Pel, o clássico da zona sul do Estado. “Me encaixei bem no time daqui”. Depois do susto na partida inaugural, o Candiota retomou o bom caminho. “Fizemos amistosos contra outros clubes profissionais e, alguns, empatamos e até ganhamos”. A maior glória, porém, reside no amadorismo. Quando Candiota ainda estava vinculado a Bagé, o clube dos eletricitários arrebatou o troféu do campeonato amador da cidade no distante ano de 1971. “E, em 2012, vamos completar 50 anos”, comemora Castro Filho. Outro remanescente do velho time de Candiota, onde dava conta da meia-direita, é Vanderlei Irala Soares. “Mas eu não era bom...”, reconhece. Nem só de futebol vivia o G.E.Candiota. “Certa época, tivemos um time feminino de vôlei”, informa Waldon Ortiz que, por sinal, era quem treinava as meninas. Além disso, os trabalhadores da usina e suas famílias organizaram os Jogos Olímpicos de Candiota, batizados de “Candiotíadas”... O antigo meia-direita Soares tem, hoje , outro esporte preferido: pescar nas barragens do arroio Candiota onde pega traíras, jundiás e tilápias. Por sinal, além da fascinação pela bola, a pesca sempre dividiu o interesse dos precursores. Um deles conseguiu até engordar a renda com o esporte. “Fiz amizade com os franceses (da Alsthom) e eles me pagavam, no fim de semana, para conseguir minhocas para eles pescarem”, conta Armando Ritta. E junta um detalhe engraçado: “Eles queriam somente aquelas minhocas brancas. Não queriam saber daquelas nervosas, que pulam...” As pescarias também ajudaram a cimentar amizades. “Eu e o Alverino (Alves) somos companheiros de muito tempo. No passado, a gente caçava e pescava juntos”, recorda Telmo Monte. “Muita traíra, jundiá e pintado no arroio Candiota. O pai dele tinha uma terra por lá e a gente também ia pescar no rio Jaguarão”.

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