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www.jornalfalandodedanca.com.br ISSN 2237-468X

ANO 8 - Nº 95 AGOSTO/2015

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Estante

A dança na literatura de ficção Em 2001 escrevi a primeira edição do meu livro “Samba de Gafieira, a história da dança de salão brasileira”. Para elaborá-lo, pesquisei em livros sobre história do Rio, sobre música e em periódicos. Na maioria das vezes garimpei essas publicações em sebos e em bibliotecas, como a Biblioteca Nacional. Naquela época, a pesquisa puramente na internet não gerava bons resultados. Porém, pesquisando palavras de interesse, achei um trecho do livro “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo (1857-1913). Como era um livro já Marco Antonio Perna* em domínio público, todo seu texto estava liberado na internet e a pesquisa conseguiu achá-lo. Usei-o, então, como referência em meu livro, como pode ser conferido na página 23 da edição de 2005. Quando comecei a pesquisar para meu livro, não pensei em literatura brasileira em momento algum, e só o acaso de ter achado o citado texto o colocou em minhas páginas. Mais de 11 anos depois, tomei conhecimento do livro “Dança ao pé da letra”, lançado em 2012 por Marina Martins. A autora realizou sua pesquisa sobre dança unicamente em textos literários e teatrais e em 220 páginas nos apresenta seus resultados. Alguns dos autores pesquisados por Marina Martins são: Casimiro de Abreu, Martins Pena, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Machado de Assis, Luís Guimarães Jr., Artur Azevedo, Luiz Peixoto e Paulo Barreto, entre outros. Curiosamente, ela não incluiu o livro de Aluísio de Azevedo. Talvez por ser muito pequena a passagem de dança em seu livro. Porém, para minha pesquisa, essa passagem foi extremamente relevante, pois abordava um assunto importante. O período pesquisado pela autora vai do Romantismo à Belle Époque carioca. Meu livro vai, basicamente, do início do século 19 aos dias de hoje. Alguns podem pensar: “Mas não são obras de ficção? Por que confiar em pesquisas nesse tipo de trabalho?”. Quando encontrei o trecho de “O Cortiço” eu pensei exatamente assim. Porém, refleti e concluí que todo autor de romances e crônicas pode se basear no fantástico ou na realidade. Então, basta analisar se o autor da obra literária dá a ela um viés de realidade, ou seja, se ele baseia seu texto em vivências pessoais ou relatos do cotidiano de terceiros. Quando escrevo uma crônica como a série “Causos de Dansa”, que publiquei parcialmente neste jornal, eu baseio o texto em minha experiência, na observação e nos relatos de terceiros. Meu texto fala sobre coisas que acontecem nos bailes atuais, apenas os personagens e a combinação das situações são ficcionais. Dito isso, basta acharmos autores que escrevem a realidade em suas obras de ficção, e teremos excelentes termômetros da sociedade dançante em determinado período. Outro cuidado importante ao adotar literatura como fonte de pesquisa é determinar o período ao qual a obra se refere. O período tem de ser da mesma época em que o autor estava escrevendo. Ou se referir a um período não muito distante da realidade do autor, de forma que este tenha o perfeito domínio de como a sociedade se comportava naquela época. Um livro ficcional sobre o século 19, escrito nos dias de hoje, não acrescentaria nada de novo a uma pesquisa histórica sobre dança, pois o autor não vivenciou aquela época, se baseando em realidades descritas em textos de então. Pior: um livro desses pode até cometer erros cronológicos. Por isso só recomendo utilizar literatura ficcional como fonte de pesquisa se o autor de fato vivenciou a época descrita. Para Machado de Assis, por exemplo, falar sobre o século 19 em seus livros era falar de sua atualidade. A autora Marina Martins nos brinda com inúmeras passagens literárias que representam o que a sociedade da época vivia em relação à dança. A certeza da correção das colocações vem das comparações com outros relatos e estudos, bem como da biografia dos autores literários. Da próxima vez que você ler literatura brasileira e encontrar alguma passagem de dança, reflita sobre ela. Se achar que representa a vida social de um período, anote-a e entre em contato comigo. A dança agradece.

_________________ Marco Antonio Perna é analista de sistemas, pesquisador, coordenador do portal dancadesalao.com, organizador de congressos de dança e autor de livros sobre dança de salão (dentre os quais Samba de Gafieira, a História da Dança de Salão Brasileira) e organizador da coletânea “200 anos da dança de salão no Brasil”, publicada pela AMAragão Edições. Site: www.marcoantonioperna.com.br/ Blog: www.dancadesalao.com/agenda.

ESTACIONAMENTO NA RUA MÉXICO 21


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