JFD 087

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www.jornalfalandodedanca.com.br ISSN 2237-468X

ANO 8 - Nº 87 DEZEMBRO/2014

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Para refletir

A fábula do pássaro dançante e seus vizinhos

Era uma vez em um Reino muito, muito próximo, um pássaro que dançava. O Reino era um local mágico, com montanhas, florestas e praias paradisíacas. Em suas florestas inúmeras espécies de aves Marco Antonio Perna* se multiplicavam. A vida era bela, doce e alegre. Nesse ambiente nasce nosso jovem herói. Um pequeno pássaro que começa a dar seus primeiros voos. Na primeira tentativa, cara no chão. Mas nosso herói foi tentando e tentando até que conseguiu alçar seu primeiro voo. Seus amigos de mesma primavera comentavam que ele voava como ninguém. Que tinha muito estilo para quem tinha acabado de aprender a voar. Os pássaros mais antigos também notavam tamanho talento. Alguns, invejosos ficaram. Outros, felizes pela continuidade da excelente qualidade de seus sucessores. O tempo passou e nosso herói evoluiu muito em sua arte de voar. Sua espécie era conhecida por cortejar as fêmeas com um voo dançante. Não era apenas uma dança como outras espécies de pássaros faziam, era um voo dançante. Essa característica, única entre as aves, tornava esse Reino respeitado em todos os Reinos vizinhos, cujas aves cantavam ou dançavam, mas não conseguiam vislumbrar tamanha técnica e inventividade do voo dançante. Pássaros e mais pássaros vinham ver o show de nosso herói. As passarinhas suspiravam a cada rodopio no ar. Quando nosso herói tirava uma passarinha para o voo dançante, todos paravam para ver tamanha beleza. Alguns se perguntavam se essa seria a escolhida, mas a dança sempre terminava em agradecimentos apenas. Com o passar do tempo, primos de espécies próximas, vindos de Reinos vizinhos, pediam ao nosso herói aulas de voo dançante. Claro que, feliz e sem modéstia, ele não se furtava a passar seus conhecimentos. Não cobrava nada, nem um pedacinho de fruta ou inseto para matar sua fome após a aula. As aulas eram em uma clareira, entre a praia e a montanha. Nessa clareira eles voavam e dançavam. Por essa razão os mais antigos chamavam o voo de cortejo de “voo dançante da clareira”. Existiam regras de conduta, não se podia namorar a passarinha durante o voo de cortejo, só depois, se ela quisesse. Não era permitido esbarrar em outros pássaros que estivessem realizando o voo dançante. Só era permitido uma passarinha por dança. As normas eram claras, pois o ambiente exigia respeito. Era dançar o dia inteiro, mas voando direito. Aula após aula, quando perguntavam o nome do voo dançante, nosso herói achava engraçado e para parecer importante dizia que, como dançava ao som do mar e do vento e esses vinham de reinos europeus, a dança se chamava voo dançante europeu. Claro que para desgosto dos mais velhos de

seu reino, que sabiam que o voo dançante não tinha nada de europeu, talvez a inspiração dos ventos, mas era criação daquele belo reino mesmo. Alguns ainda tentavam contra argumentar. “Mas, não é o mesmo voo dançante de seus pais e avós ?” Perguntavam. No que nosso herói ria e se calava. Muitos anos se passaram desde que nosso herói deu seu primeiro voo. Hoje, ninguém mais vem fazer aula com ele e com mais ninguém em nosso belíssimo Reino. Os primos, que tanto vinham fazer aulas, criaram escolas de voo dançante em seus reinos e estão com as reservas de alimentos abarrotadas de tantas aulas dadas e bem cobradas. Cada Reino vizinho apregoa ser o verdadeiro representante do voo dançante europeu, que teria chegado pelos mares e ventos aos seus reinos. Alguns poucos que conheciam o nome verdadeiro chamavam o voo simplesmente de “Clareira”, pois nunca haviam entendido o real sentido do nome. Nada do que é ensinado é diferente do aprendido com nosso herói. Nosso herói continuava dando show para suas passarinhas e sempre com movimentos novos, mas os reinos vizinhos não mais se lembravam dele. Nenhum pássaro de fora aparecia mais em nosso belo Reino. Já cansado e doente, nosso herói perguntou a seu pai o que ele tinha feito de errado, pois não seria melhor então se tivesse cobrado pelas aulas? Seu pai, triste e resignado, responde que cobrar as aulas possivelmente facilitaria sua vida, mas as gerações futuras de qualquer maneira perderiam a primazia de tão bela dança. “Por que, pai?” Pergunta nosso herói, no que recebe de resposta: “Amado filho, cobrar resolveria um problema momentâneo de fome, mas quando você repudiou o nome e a origem de nossa mais bela dança você deu carta branca para que nossos vizinhos se tornassem donos dela também. Eles não são tão criativos como nós, mas são organizados e disciplinados, era uma questão de tempo até que deixassem de lembrar que existimos”. Nosso herói morre jovem, de doenças provocadas por dançar e voar sem se alimentar direito. Passarinhas ele teve diversas e estas mesmas levaram seus ninhos e estoque de alimentos deixando-o na miséria. Triste é o fim do artista que não sabe valorizar seu patrimônio. _________________ Marco Antonio Perna é analista de sistemas, pesquisador, coordenador do portal dancadesalao.com, organizador de congressos de dança e autor de livros sobre dança de salão (dentre os quais Samba de Gafieira, a História da Dança de Salão Brasileira) e organizador da coletânea “200 anos da dança de salão no Brasil”, publicada pela AMAragão Edições. Site: www.marcoantonioperna.com.br Blog: www.dancadesalao.com/agenda

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