Livro Mundo dos Trabalhadores

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de suas fontes, devendo peregrinar por múltiplas bibliotecas públicas, arquivos privados e livrarias especializadas em material antigo. Às vezes poderá comprar suas fontes, convertendo-se sem querer em um entesourador privado. E assim como o colecionador é um pesquisador principiante, insensivelmente o pesquisador argentino tornou-se um colecionador amateur. Inclusive chegou a acontecer que os pesquisadores estabeleceram entre si uma competição, não pelo rigor ou originalidade de suas interpretações, mas sim pela possessão de “suas” próprias fontes. Seu maior orgulho é estampar, ao pé da página, esta manifestação de nosso subdesenvolvimento cultural: “Original no arquivo do autor”. Não podemos ignorar que, desde a antiguidade, a história das grandes bibliotecas está diretamente vinculada aos projetos de expansão imperial. Todos os conquistadores tomaram para si ou enviaram a seus soberanos despojos de guerra ou presentes de terras exóticas que provaram suas façanhas, conquistas e descobrimentos. O inglês Thomas Richards, no The Imperial Archive, um clássico dos estudos pós-coloniais, analisa os modos de apropriação e sistematização do que chama o “arquivo imperial” britânico. Este não seria nem uma biblioteca nem um museu, mas sim “uma fantasia de conhecimento catalogado e reunido a serviço do Estado e do Império”. Quando os poderes públicos britânicos falam de “material catalogado” se referem a “conhecimentos localizados baixo a jurisdição especial do Estado”5. Sua função de “reservatório do conhecimento universal” foi logo relevada pelos Estados Unidos, que desde a Guerra Fria, e, sobretudo desde a Revolução Cubana, construiu uma verdadeira maquinaria de pesquisa, exploração, compra e preservação de bibliografia latino-americana. Qualquer bibliotecário argentino (ou latino-americano) sabe, por exemplo, que se precisar de uma informação sobre uma publicação de seu país, seja antiga ou a novidade mais recente, deve começar por ingressar no catálogo da página web da Hispanic Division da Library of Congress dos Estados Unidos. Não obstante isso não podemos prosseguir contemplando esta drenagem com um nacionalismo cultural hipócrita, quando não geramos no próprio país as condições para preservá-lo e socializá-lo. O interesse desses países por nossa produção cultural não pode deixar de ser para nós, em certo sentido, motivo de orgulho; e sua capacidade de preservá-lo causa tranquilidade. O problema radica em nosso país: na ausência de instituições públicas interessadas em preservar efetivamente este patrimônio mais além das enfáticas declarações e na falta de uma cultura cívica que as acompanhe. Nesse sentido, não deixa de ter razão Nicolás Helft, um dos maiores colecionadores de primeiras edições e manuscritos de Jorge Luis Borges, quando dizia provocativamente pouco tempo atrás: “Carece de sentido batalhar 66

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