Revista Postais 02 - 2014

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Escrevo-te dolorosamente aflito: cartas de Cruz e Sousa aos amigos

de poemas e documentos do autor – correspondência, fotos, artigos jornalísticos – e relatos sobre o autor – depoimentos de seus contemporâneos, ensaios e perfis biográficos – deslocam o lugar exclusivo da literatura como corpus de análise e alargam o feixe de abordagem de relações culturais. A leitura das cartas, a ser efetuada neste artigo, conjugada a interpretação de textos de sua obra poética, distancia-se, portanto, da teoria proposta por Barthes em “A morte do autor” e recupera a presença desse conceito não mais como ausente do texto, mas, ao contrário, exercendo o papel de ator e de representante do escritor e do intelectual, no meio acadêmico e social em que produziu sua obra. O autor permanece então como “ator no cenário discursivo, considerando-se o seu papel como aquele que ultrapassa os limites do texto e alcança o território biográfico, histórico e cultural.” (SOUZA, 2002, p. 116). A correspondência de Cruz e Sousa não apresenta os traços da opulência verbal ou ousadia das imagens que são características de sua obra poética. Não constituem exercícios literários em prosa, nem anunciam a troca de experiências artísticas ou discussões intelectuais, presente, por exemplo, na correspondência de Lima Barreto ou em grande parte da correspondência dos modernistas; no entanto, carregam a força da “escrita de si” (FOUCAULT, 1992) como prática em que a presença do outro é indispensável para se atingir a forma de existência desejada. Segundo Foucault, é necessário pensar na dupla função da carta enviada, que “evoca a recompensa da perfeita amizade, em que cada um dos dois será para o outro o socorro permanente, a ajuda inesgotável” (FOUCAULT,

Selo emissão conjunta Brasil - Portugal, 2012. Acervo - Museu Nacional dos Correios

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