Aran Carriel - Brinquedo - O Livro

Aran Carriel

Brinquedo, o livro (2014) Versão e-book estendida/2020

Platonic( A)M usick( A) : destrua o f ascismo!

Bauru, 2014 ≠ 2020

ÍNDICE

1. As cores da infância A garça – 3 O sangue da terra – 4 A ponte – 5

2. Poemas da Sexta -Feira Santa O mendigo – 9 O cão que ladra à meia noite – 10 Caçada – 11 Amor – 12 Menino – 13 Morcego – 14

3. O menino animal Apazan – 17 A rocha vermelha – 18 O menino anima -19 Carretel – 20

4. O edifício O edifício – 25 A família Dal – 26 O sonho – 28

5. O peso da inocência

O enterro do escorpião – 61 O velho no banco da praça – 62 O homem que encontrou sua essência – 63 O desinformado – 64 Ritual: pena e faca – 66

PREFÁCIO (2014)

O pa i e a m ã e v iv i am es c r ev en d o. O Ar a n d i zi a : “ Ta m b ém qu er o br i nc ar de es c rev er. ” D i ze m q u e as c r i anç as a pr en d e m por i mi taç ã o d os ad u lt os .

O pai e a m ã e de r a m tir as d e pa p el c o m pa l av r as es c ri tas par a o Ar an br inc ar. C o m d o is a no s r ec o nh ec i a p a l av r as s o ltas . C om c i nc o t i nh a a pre n d id o a l er e es c r ev er “ s o zi n h o ”.

Co m es s e br in q ue d o, es c r ev eu e d es en h o u po e m as e his t ór ias . A ar te d e es c rev er é a ar t e d e b r i nc ar c om a s pa l av ras .

Es t á ex p l ic a d o o n om e d es t e l iv r o: “ Br i nq u ed o ”.

Br i nc a n do , o Ar an c r i ou s e us tr ês pr im e ir o s p oe m as – t in h a s ei s a nos d e i da d e. Br i nc a n do , par a m os tr ar par a u ma a m i gu i n ha c o m o s e f a z p o es ia , f e z a s ér ie dos “ P oe m as d a S ex ta - Fe ir a S an ta ” – ti n h a o n ze an os d e i da d e.

Br i nc a n do f e z os ou tr os t ex tos (v ár i os fo ra m per d i dos ) , at é o ú l ti m o aq u i s e lec i on a do , “ R i tu a l – P e na e Fac a ” – t i nh a tr e ze a nos d e i d ad e , e ntr a nd o n a ad o l es c ê nc ia . Er a a p er d a ( f a ls a ? , r e al ?) d a i n oc ê nc i a.

Es per o q ue os l ei t or es ap r ec i em o r es u ltad o des s e br in q ue d o mu i to d iv er t id o e m ui t o s ér io ao mes m o te m po .

J os é Ca rl os M en d es Br a nd ã o

NOTA DO AUTOR SOBRE A EDIÇÃO ONLINE 2020

Um a s e gu n da v id a a o BR IN Q U E DO : a e d i ç ão e l etr ô n ic a d o l iv r o ( e - bo ok ) c on t ém t o do o m at er i a l or i g in a l d a p ub l ic aç ã o fís ic a e m 5 00 un i d a des (c ha m a me nt o mu n ic ipa l d e li t er a tu r a d e B a ur u, 2 0 1 4) . Co m o b ôn us , p ág i n a s il us tra d as c o m des e nh os fe i tos n o p er í o do i n ic ia l d a pr o d uç ã o ( 1 98 5) e o m a n us c r it o do ú lt i m o po e ma d o l iv r o ( R it u a l: pe n a e f ac a, 1 9 93 ) . Bo a l e it ur a & c o mpa rti l h e l iv r e me nt e : ho j e o m u nd o s o fr e e m u nís s on o , e n ão s ão as ú n ic as v o zes .

Mas qu e p es ad e lo na d a l úd ic o es s e 2 02 0 ... O m a i or v ot o é : s aúd e !

A cr i anç a d ent ro e f o ra i ns i ste e m v iv e r m uito m ai s

Ar an .

As cores da infância poemas de 1985

A G AR Ç A

A garça branca voa sobre a terra n egra coberta pelo céu a zu l.

3

O S ANGUE DA TERRA

Existe um lugar onde passam todos os dias muitas pessoas que sofrem.

Nesse lugar a terra é vermelha como se tivesse sangue.

4

A PONTE

Uma ponte negra, negra.

Dentro dela mora um anjo negro.

5

Poemas da Sexta-Feira Santa 13-04-1990

O MENDIGO

Um anjo sentado na porta da igreja rindo para um rato.

9

O CÃO QUE LADRA À MEI A-NOITE

O cão que ladra à meia -noite derruba as casas e enterra os mortos.

10

CAÇAD A

Um gato morto.

Um cão.

Um rato morto.

Um gato.

Um homem morto.

Outro homem.

11

AMOR

O cobertor é gelado.

A mão dela é quente.

O fogo que sai da boca do anão esquenta a mão dela.

12

MENINO

Menino chorava, chorava no colo da noite.

Menino dormiu.

Noite foi embora, veio o dia.

Menino acordou, sorriu, cantou.

13

MORCEGO

Morcego sentou no chifre do cachorro.

Cachorro vermelho ficou preto na lua.

Lua azul ficou com cara de morcego.

14

O menino animal 1987

APAZ AN

Ninguém chegará ao Grande Apazan.

Em Apazan há um tesouro.

Apazan é a fonte do poder que irá fazer a paz.

Muitos homens já tentaram chegar a Apazan.

Mas todas as pessoas que tentaram chegar a Apazan foram derrotadas, viraram pedra.

Quer dizer, das pessoas que foram em busca de Apazan só sobraram esculturas.

Dizem que há um guardião que faz essas esculturas: “O Escultor Fantasma”.

17

A ROCHA VERMELHA

Greyce Julie estava em sua piscina quando tudo ficou vermelho.

Até ela.

Ela saiu correndo assustada e tropeçou em uma pedra. A pedra não estava vermelha.

Era uma rocha onde estava escrito: “Red”.

De repente todas as rochas se transformaram em uma.

Aí a rocha f icou vermelha também, e ao mesmo tempo todas as outras coisas voltaram à cor natural.

Menos Greyce.

Ela continuou vermelha.

A rocha vermelha se transformou num ser vivo.

A rocha vermelha agarrou Greyce e a fez entrar dentro de seu corpo.

Agora Greyce faz parte da rocha vermelha.

18

O MENINO ANIMAL

No meio do mato nasceu um menino e sua mãe morreu um dia depois, mas o menino havia ficado com uma pessoa muito importante, seu avô, que era um caçador que tinha uma corrente de prata na mão direita.

Quando o menino tinha dez anos o avô morreu, morreu em um rio dizendo: – Adeus, meu neto! Eu amo você!

– Adeus, meu grande avô! Eu amo muito o senhor! – disse o menino.

O menino tinha um pote, uma pistola e um cinturão de balas.

No pote o menino colocou chorando a corrente do avô, e foi embora com a corrente no pote.

O menino foi vivendo uma vida diferente, a cada dia ia arranjando vários amigos, que eram animais.

Ele gostava muito dos animais, mas principalmente do chimpanzé.

Um dia o menino quebrou o pote em centenas de pedaços, e de dentro do pote saiu a corrente, que o menino pôs no punho direito.

Quando o menino tinha doze anos, foi para um rio, o rio em que seu avô tinha morrido.

Lá só se viam pedaços do esqueleto do avô. O chimpanzé estava com o menino quando o menino teve uma visão do avô e mergulhou no rio e não apareceu nunca mais.

Dizem que nos rios e nos mares o menino aparece derrubando barcos e navios.

O chimpanzé é um animal interessante, é a coisa que o avô do menino é.

Agora o chimpanzé é o símbolo do menino e do avô.

Todo chimpanzé que a gente vê é um menino que nasceu no mato e...

19

CARRETEL

Demônios puxam meu pé pra baixo da terra.

Lá embaixo há uma bruxa.

A bruxa é muito bonita.

Ela me pega no colo e me beija.

Eu

21

também a beijo e todos os demônios cantam e pulam no fogo.

A bruxa me leva, pula no fogo e eu pulo atrás, não volto mais.

22

O edifício 1988 a 1990

O EDIFÍCIO

Nesse prédio, os andares são infinitos, mas ele, o andarilho, insiste em chegar até o último andar.

No andar milésimo segundo, o andarilho se cansa e pega o elevador... Dentro do elevador há muitos mortos e terrível fedor.

Ele quer apertar... o botão do últi mo andar... Mas como achar?

Não se pode encontrar.

Como eu disse, os andares são infinitos, mas, mesmo assim, o andarilho insiste em chegar. Ele pensa: “No topo do prédio, irei pôr uma bandeira a dourar. Mas, se o prédio é infinito, como o topo irei encontrar?”

O andarilho sai do prédio com enjoo e com razão: como chegar ao topo deste mundão?

Logo, o andarilho morreu com uma dúvida: “Por que construir uma coisa sem fim? Será que era só para me matar, a mim?”

25

A FAMÍLI A DAL

Meu nome é Odolka, eu era uma princesa linda, mas uma poção me fez ficar horrível...

... e então todas as pessoas gozavam de mim... e até o meu pai... o rei!

E eu resolvi ir embora daquela cidade.

Quando fui embora encontrei um homem feio, feio, feio como eu.

Cada dia eu e o homem ficávamos mais feios.

Depois eu soube que o homem era um príncipe. Fui fazendo amor com ele e aí nós nos tornamos bruxos.

Tive um filho e o nome dele era Rodalko. Quando Rodalko era maiorzinho já me ajudava a fazer poções...

A diversão de Rodalko era tomar banho de lama... Mas do que ele gostava mesmo de brincar era com os ratos!

26

Cada vez que meu filho fazia aniversário, nasciam mais bolhas no corpo e na cara dele.

Quando ele fez doze anos, tinha ficado um monstro de bolh as.

Rodalko casou -se e teve muitos filhos.

Eu, a Odolka, fiquei avó e a família Dal foi feliz para sempre.

27

O SONHO

Eu estou tendo um sonho. Estou suando enquanto sonho.

Estou falando alguma coisa enquanto sonho.

28

No meu sonho eu tenho uma tia.

O nome dela é Stephanie.

Ela é muito boazinha e me dá vários doces toda semana.

Ela é triste. Não sei por que é assim.

30

No meu sonho eu vou à praia.

Eu queria nadar no mar, mas um homem gordo e engraçado me contou que a água acabou.

Eu chorei e ele me deu um cachorro -quente.

Eu lembrei de minha tia.

32

Quando fui comer meu cachorro -quente, fiquei com dó dele, pois era muito bonitinho e balançava o rabo para mim. Coloquei ele no colo e fomos embora.

34

Eu entrei num casarão negro e deixei meu cachorro -quente lá fora. Na casa tinha uma sacada e seus degraus largos estavam com sangue escorrendo. Fiquei com medo, mas subi.

36

Subi aqueles degraus ensanguentados e olhei à minha frente: Tia Stephanie estava morta no chão com o peito espirrando sangue e chocolate. Na sua mão direita, uma faca usada, e na es querda, um bombom com meu nome escrito. Chorando eu comi aquele bombom e desmaiei.

38

Quando despertei, vi minha tia sentada num banquinho na minha frente. Mas agora ela sorria feliz.

– Eu estou morto, tia?

– Não, pequeno. Só está dormindo.

– E a senhora? Está viva?

– Não, mas estou feliz. Só queria me despedir de você. Seja um bom menino.

E então ela sumiu e eu despertei de verdade, indo embora com o meu cachorro -quente debaixo do braço, confuso.

40

Tudo agora estava um imenso deserto.

Eu estava com muita fome. Olhei para trás e vi que mais quatro pessoas, esqueléticas, também procuravam bem mais alguma coisa para matar sua fome. Um deles viu meu cachorro -quente e gritou para os outros: – Comida! Comida!

Eu corri e entrei num beco escuro. Não aguentando mais, disse adeus a meu cãozinho e devorei -o chorando, enquanto meu estômago sorria.

42

Satisfeito, saí do beco pensando estar livre.

Mas eu

estava enganado: os quatro estranhos continuaram

correndo atrás de mim com a intenção de me devorarem, até que encontrei uma porta com várias placas escritas com avisos: – “NAO ENTRE”; “NÃO ULTRAPASSE”; “VOLTE JÁ” e outros avisos desses tipos.

Mas é claro que eu preferi entrar a ser devorado. E entrei.

43

Corri por imensos pilares de marfim e o chão inteiro era de ouro.

De repente, dois guardas vestidos luxuosamente me agarraram.

Eu fazia milhares de perguntas, mas era ignorado e arrastado pelos dois até que fui jogado em frente a uma porta gigantesca de ouro maciço incrustada de diamantes e outras pedras que eu acho que nunca tinha visto com tais cores e brilhos antes.

E eu estava apavorado.

46

A porta abriu -se sozinha. À minha frente um homem com uma coroa de joias, sentado num trono de cristal e rubis e pisando em peles de ursos e de tigres bordadas com ouro, me estendeu a mão pálida e me disse: – O que faz aqui? Não leu as placas impedindo a entrada? Nem você nem ninguém devem entrar no palácio. Este é o “Palácio dos Sonhos” e eu sou o primeiro -ministro de nosso Imperador, o Sonho.

Mas ele sumiu há muitos anos e nós o esperamos, fiéis, pois um dia, cremos que ele voltará!

48

Eu acompanhei o primeiro -ministro até uma sala enorme, com areia no chão.

– Aqui estão os sonhos de todos. Observe essas placas de sonhos: primeiro, Tia Stephanie; depois, o homem engraçado da praia; depois, o cachorro -quente; o casarão negro; os quatro estr anhos famintos; depois, meus guardas; e agora, eu.

50

Cada vez mais eu me aprofundava naqueles sonhos interessantes (e olhe que eu também estou sonhando).

Vejo sonhos de dragões, carros, fantasmas, beijos...

Eu vejo infinitos sonhos. Não tenho a menor pressa de acordar.

Eu queria poder controlar todos esses sonhos...

52

Este é o sonho mais comprido meu.

Eu me decido: não quero mais acordar.

Quero viver para sempre no “Palácio dos Sonhos”.

54

E eu nunca mais acordei.

Eu sou um sonho e para sempre serei.

Agora, eu sou o SONHO.

56

O peso da inocência 1991 a 1993

O ENTERRO DO ESCORPI ÃO

Se eu fechar os olhos Novamente verei o enterro do escorpião Os velhos vão chorar de novo E vai nevar...

Se eu abrir os olhos Novamente verei o enterro do escorpião O ar vai gelar de novo E congelar...

Por isso eu prefiro não te r meus olhos Para manter vivo o escorpião Mas ele já morreu E precisa ser enterrado.

61

O VELHO NO BANCO DA PRAÇ A

Não sei se era louco, bêbado, esclerosado ou dopado, só sei que aquele velho sentado no banco da praça me levou a escrever i sto.

Negro, barbudo, tagarela e com sua sacolinha engraçada, o velho ali se instalou. Tagarela, mas de suas curtas e interrompidas frases só eram compreendidas algumas palavras. Ele falava de bois, peões, maconha, Roberto Carlos e aviões.

O velho falava e gesticulava para o nada ali no banco da praça. A cada duas palavras dava uma cuspidinha. Fumava e acendia o mesmo cigarro várias vezes.

Depois

de

meia

hora

de

frases

incompreensíveis,

gestos

estranhos e mil cuspidinhas, notou minha presença. Me falou de a viões e gesticulou o voo do decolar ao pousar.

Ao fim da sua conversa comigo, que só respondia com a cabeça, me dedicou uma música do Roberto Carlos, só que não cantou.

Arrumou sua sacolinha e foi embora cambaleando no meio da rua e da noite.

62

O HOMEM QUE ENCONTROU SUA ESSÊNCI A

O homem estava andando mais uma vez sozinho na Lua, quando encontrou uma rosa: “Qual é o seu nome?” – perguntou. E a rosa nada respondeu. Ele insistiu perguntando mais uma vez, e nada. Então continuou o seu caminho, sozinho, sempre sozinho.

Pouco tempo depois, encontrou uma casa de madeira. Foi até a porta e bateu: “Tem alguém aí? Tem alguém aí?” – e tudo era silêncio.

Desapontado, ele seguiu o seu caminho, sozinho.

Mais à frente encontrou o conforto de estar triste, e sentou-se à sombra de uma árvore.

“Onde está o amor? Se ele existe, onde está? Onde está o amor?”

Então,

ele fechou os olhos e viu uma rosa, a mesma rosa que havia

encontrado antes. Ele estendeu as mãos e apanhou a rosa, com muito cuidado e carinho, e c aminhou até a casa de madeira. Chegando lá entrou e colocou a rosa em um vaso, com muito amor. Depois, sentou se em uma cadeira em frente à janela e lá ficou, com a rosa ao seu lado.

Quando

caiu

a

noite,

pôde

contemplar,

com

os

olhos

maravilhados, um céu repleto de estrelas e cometas, em uma perfeita harmonia. Sentia-se bem. Então, o homem foi dormir satisfeito, com a rosa ao seu lado. Ele havia encontrado a sua essência.

63

O DESINFORMADO

– Por favor, em que bairro fica a rua Mocassim Grande?

– Depende de qual o senhor quer saber, pois existem duas ruas com esse nome, em bairros diferentes.

– Dê-me o nome dos dois bairros.

– Muito bem, um bairro chama -se Belo Pé, e o outro, Sopro Mole.

Anotou?

– Sim, sim. Muito obrigado. E até mais.

– Até.

– Boa tarde. Onde fica a Rua Mocassim Grande?

– O senhor tem alguma referência?

– Bem, acho que é perto de um hospital.

– O senhor vira à direita, anda três quadras, depois vira a esquerda e anda mais cinco, atravessa a avenida e anda mais uma quadra. Entre na esquerda, vá reto até ver o hospital, aí, entre na esquerda. Não tem erro. Logo o senhor chega lá.

– Puxa, obrigado.

(Ah, cheguei.)

– Por favor, esta é a rua Mocassim Grande?

– É, sim. O senhor está procurando alguma loja?

– Não, não. Eu procuro a casa nº 18-38.

– Casa? Mas não há casas nesta rua. Só lojas. É como um calçadão.

– Oh, sim. Obrigado. ...

– E agora? Será que este é o bairro errado? Agora, terei que tentar o bairro Sopro Mole. Só pode ser lá.

64

Ei! Como chego ao bairro Sopro Mole?

– Escuta aqui, ô velhote: se você tá querendo tirá sarro de alguém perguntando nome que num existe, escolheu a pessoa errada.

Falô?!

– Hã... Falou...

– Puxa vida! E agora? Parece que ninguém conhece o bairro. Faz uma hora que estou andando e perguntando e ninguém sa be.

A senhora sabe onde fica o bairro Sopro Mole?

– Sim, meu amigo. Estou indo pra lá. Vou de ônibus, quer me acompanhar?

– É um prazer, senhora. Vamos.

– Chegamos.

– Obrigado. Por acaso sabes onde é a rua Mocassim Grande?

– Mas claro que sim! Eu moro lá. Vamos, fica só a alguns quarteirões daqui.

– E aqui estamos. Qual é o número?

– 18-38.

– Suba apenas mais duas quadras e estará lá.

– Muito obrigado. Obrigado mesmo.

– Desculpe eu perguntar, mas você está vindo visitar alguém? De que cidade você é?

– Não, não. Sempre morei aqui. É que faz dois anos que eu saí para viajar e parece que a cidade mudou bastante. Até logo, minha senhora. Logo mesmo, afinal, somos vizinhos.

65

RITUAL – PENA E FAC A

Pena e faca.

Vinho e água.

Orador –

Morte, sonho, dor.

Pena e faca.

Vinho e água.

Dor.

Todos –

Dor, dor, dor.

Orador –

Que o vinho se junte à água.

A faca corte a pena.

E que venha a dor.

Nós iremos saudá -la.

Todos –

Nós iremos saudá -la.

Orador –

Nós iremos adorá -la.

Todos –

Nós iremos adorá-la.

66

Orador –

Então, venha.

Venha, venha.

Todos e

Venha, venha.

o orador – Venha, venha.

Venha, venha.

Venha, venha.

Venha, venha.

................................................................................................ ........ ............................

Orador –

Você já deve estar aí.

Agora, almocemos.

Todos –

Almocemos.

Orador –

Beije-nos.

Todos –

Beije-nos.

Orador –

Agora, transmita sua dor a alguém.

Todos –

A mim, a mim, a mim.

A mim, a mim, a mim.

A mim, a mim, a mim.

67