O principio do fim apocalipse manel loureiro doval

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rendi-me à evidência e acendi as luzes. Embora fossem seis da tarde, a escuridão era quase absoluta. Não podia distinguir além de uns trinta ou quarenta metros. A tempestade se aproximava. Já se ouviam alguns trovões distantes, que faziam tremer as janelas do 4x4. Aquilo estava prestes a começar. Reconheço que estava angustiado e que aquela atmosfera me deixava sugestionável, mas o susto que levei quinhentos metros adiante quase me provocou um infarto. Desviando de um eucalipto caído no meio da rua, os faróis do carro iluminaram repentinamente uma caveira sorridente, enrolada em um monte de farrapos, jogada no asfalto. Freei de repente, quase em cima dela, e, de fato, pude ouvir perfeitamente um "crac" embaixo das rodas da frente. Parei o 4x4. Passei as mãos no rosto, suando. Estava começando a ventar. Eu ouvia o assovio por entre as árvores; as primeiras rajadas da tempestade. Percebia algo enorme bem em frente ao veículo, mas na negrura do entardecer não via exatamente o que era. Aquele lugar tinha algo em particular, algo tenebroso. Engatilhei a AK, dolorosamente consciente do pouco que sabia do manejo de armas de fogo, e desci do 4x4, cujo motor ronronante era o único som da tarde/noite com o rugido do vento. Deixei o carro para trás e comecei a andar cautelosamente no espaço iluminado pelos dois faróis. Via minha sombra se projetando à minha frente à medida que me aproximava da figura negra que havia ao fundo. Segurei a AK com força. Minhas mãos suavam e meu coração batia violentamente. Aquela massa informe ocupava quase metade da rua, mas eu ainda não conseguia ver o que era. O vento quente me envolvia como uma manta. De repente, o cheiro. Meu Deus! Empilhadas à minha frente, dezenas, talvez centenas de cadáveres putrefatos se decompunham lentamente à mercê das inclemências do tempo e dos bichos. Apoieime no cano da AK para não cair no chão. Oh, Jesus. Minhas pernas bambearam. Tive de me sentar, incapaz de desviar o olhar do espaço tenuemente iluminado pelos faróis. A figura que eu havia vislumbrado nas sombras eram uns enormes pilares de cimento reforçado e uma espécie de contêiner metálico, parecido com escritórios móveis de canteiros de obras. O arame farpado deitado em frente a eles indicava que eu estava diante de um antigo check-point abandonado. Todos os cadáveres apresentavam impactos de bala. O chão do check-point, até onde a vista alcançava, estava coberto de reluzentes cartuchos de cobre. Aquilo era um gigantesco ossário, que recordava as imagens de Ruanda em seus dias de guerra. Não era difícil adivinhar o que havia acontecido ali. Um check-point do exército, em um lugar evidente, a caminho de um ponto sensível, o hospital. De repente, dezenas, centenas de não mortos convergem pela estrada atraídos pela presença humana. Os defensores do controle enfrentam-nos desesperadamente, eliminando a tiros a centenas


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