Cadernos CPqD Tecnologia V5 Nº 2

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Ícones como facilitadores da interação de usuários iletrados com interfaces computacionais

riscos do uso dos pesticidas. O estudo de caso investigou como os trabalhadores interpretavam textos e símbolos nas etiquetas das embalagens e de que modo essa leitura dependia de fatores como idade, escolaridade e tempo de uso. Os autores deram indicações sobre a importância do uso de cores, símbolos, léxico e linguagem adequados àquele público-alvo (trabalhadores rurais e pequenos agricultores). Porém, o levantamento inicial não identificou, na área das interfaces computacionais no Brasil, soluções baseadas em ícones para o baixo letramento que pudessem ser integralmente reproduzidas no STID. Muito embora, como já discutido, as experiências estrangeiras relatadas não possam ser totalmente transpostas para o cenário brasileiro, elas sustentam algumas das hipóteses iniciais deste estudo. Uma dessas hipóteses, a de que o uso de apoios icônicos é necessário em interfaces para pessoas com baixo letramento, foi descrita em Medhi et al. (2007a), na forma de implementação de interface sem textos (baseada em ícones) voltada a facilitar a busca, por parte de mulheres analfabetas da Índia rural, de empregos adequados às suas habilidades profissionais e expectativas de remuneração. Já em Medhi et al. (2007b), os autores discutiram a melhor forma de representar diferentes conceitos para usuários analfabetos ou semianalfabetos, fazendo uso de elementos audiovisuais. Esse último artigo compara a inteligibilidade de dez tipos diferentes de representações – desenho estático, texto, foto, animações feitas à mão e vídeo, cada uma também com descrição por voz. As conclusões foram de que descrições por voz em geral ajudam na compreensão e que, embora as representações com áudio tenham sido bem mais inteligíveis do que as sem áudio, pode também ocorrer de essas informações bimodais (audiovisuais) serem confusas para esse público. Por outro lado, informação visualmente mais rica não implica necessariamente melhor compreensão, e quadrinhos podem se mostrar mais efetivos que representações fotorrealistas. Finalmente, os resultados foram inconclusivos a respeito das vantagens/desvantagens das imagens dinâmicas com relação às estáticas, isto é, movimento não implica necessariamente melhor compreensão, e, numa comparação entre a compreensão produzida por informação estática e aquela produzida por informação dinâmica, vários fatores devem ser considerados. Em tese, ícones podem se tornar um recurso efetivo na redução da carga simbólica imposta aos usuários, pois não pressupõem, para sua interpretação, escolarização ou proficiência em uma linguagem (código adquirido), mas sim experiência com o mundo concreto, algo que, em grande medida, prescinde de escolarização. Todavia, nem sempre as vivências concretas

bastam para a apreensão de conceitos muito abstratos ou técnicos, bastante frequentes em serviços de governo, como os que são objeto do projeto STID. Por outro lado, nada garante que todos os usuários de uma interface compartilhem de um mesmo conjunto de experiências do mundo concreto, tais como as necessárias à interpretação dos ícones utilizados. Em outras palavras, o uso de imagens (ícones) pode elevar a inteligibilidade dos conteúdos e facilitar sua compreensão pelos usuários iletrados, mas a busca por ícones perfeitos será uma empreitada inócua, visto que a inteligibilidade dos ícones depende fundamentalmente das experiências anteriores de cada indivíduo, e o que é “perfeito” para um pode ser inadequado ou insuficiente para outro. A despeito desse caráter estritamente individual da interpretação icônica, nos pareceu válida uma busca por ícones cuja interpretação dependesse de vivências mais ordinárias e cotidianas (menos particularizadas) por parte do público-alvo. Nesse sentido, e a exemplo dos trabalhos apresentados em Medhi et al. (2007a; 2007b), a identificação das imagens mais adequadas ao contexto ou ao domínio específico de serviços de governo foi, sempre que possível, fundamentada em dados colhidos em campo, como resultado de estudos etnográficos, que embasaram o primeiro e o terceiro ensaios deste estudo (descritos nas Seções 5 e 7), e de uma dinâmica participativa com a população-alvo, que norteou o segundo ensaio (Seção 6). Por fim, tendo em vista o perfil de alfabetização atual da população brasileira, o presente estudo buscou ainda avaliar de que modo os ícones construídos ou escolhidos poderiam interagir com conteúdos textuais presentes na interface. Para isso, o estudo buscou entender como, no processo de interpretação de elementos em uma interface computacional, as habilidades de leitura e de interpretação icônica retroalimentam-se, reforçam-se e concorrem entre si. No terceiro ensaio deste estudo, descrito na Seção 7, esse tema é aprofundado. Para a realização dos ensaios e das dinâmicas de iconicidade com representantes do público-alvo, os autores contaram com o apoio de núcleos acadêmicos das áreas de computação (POLI-USP e NIED-Unicamp) e de linguística (IEL-Unicamp), todos com larga experiência em interação humano-computador e em avaliação de usabilidade e inteligibilidade de mídias digitais. Foram assim criados e realizados três ensaios de reconhecimento e de design participativo de ícones, escalonados nas três etapas acima mencionadas, e cujos objetivos e resultados são discutidos a seguir. 4

Descrição dos experimentos

A fim de entender os processos envolvidos na

Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 5, n. 2, p. 15-36, jul./dez. 2009

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