Revista Operações Especiais

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operações especiais

Ano 1 | Edição Nº 1 | 2021

EDIÇÃO DE lançamento

A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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perações especiais

A Revista Operações Especiais é um espaço de discussão profissional que abrange a doutrina e lições aprendidas nos diversos vetores das Operações Especiais. Todas as opiniões expressas nesta revista, bem como a linguagem e o conteúdo, não refletem necessariamente as políticas ou opiniões do COPESP e nem de qualquer Órgão do Governo Brasileiro.

Os artigos são escritos por militares ou civis que tenham conhecimento sobre temas afetos às Operações Especiais. É permitido citar parte dos textos sem autorização prévia, desde que seja identificada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei n.° 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.


M E NSA G E M

do Comandante de Operações Especiais As origens das Forças de Operações Especiais do Exército Brasileiro se fundem com o nascimento do próprio Exército, que consolidou a data de 19 de abril de 1648 como seu dia, em homenagem à celebração da 1ª Batalha de Guararapes. Das guerras contra os invasores holandeses, inicialmente na Bahia (1624), e posteriormente em Pernambuco (1648) foram executadas as primeiras ações que ficariam conhecidas como “guerra brasilis” e dariam início as operações de guerra irregular em território nacional.

Dessa época surgem os patronos de unidades de elite de nosso Exército, Antônio Padilha, do 1º BAC, e Antônio Dias Cardoso, do 1º BFEsp. Em 1957, dezesseis bravos pioneiros desenvolveram o primeiro curso de Operações Especiais no Exército. Começava um período de intenso trabalho, inúmeros desafios e significativas conquistas para as Operações Especiais e ao visualizar, pelo retrovisor do tempo, o embrião daquele pequeno núcleo em formação no final da década de 50, desde então, ao longo dessa trajetória evolutiva, as Operações Especiais passaram por várias transformações até atingir o seu estágio atual em que o Exército é contemplado por um Comando de Operações Especiais com uma nova visão de futuro na defesa e na preservação de uma Doutrina Militar Terrestre em crescente ascensão.

Batalha dos Guararapes - Pintura a óleo de Victor Meirelles

Os artigos desta revista mostram ao leitor a evolução constante pela qual passam nossas Operações Especiais. Agradeço aos autores por sua dedicação e disponibilidade.

Desejo a todos uma excelente leitura.

Foto: 3º Sgt Forsin

General de Brigada Gustavo Henrique Dutra de Menezes Comandante de Operações Especiais

“Tudo por um ideal! Comandos! Força! Brasil!”


edi t o r i a l Estimados leitores,

A equipe editorial da Revista de Operações Especiais, produzida pelo Comando de Operações Especiais (COpEsp), por intermédio da Seção de Doutrina, tem o orgulho de apresentar a primeira edição desta revista, que tem a pretensão de se tornar um periódico de assuntos de natureza militar voltado para o sistema de operações especiais.

na África auxiliaram na projeção do poder nacional na comunidade internacional.

Outro artigo, foi o escrito pelo Capitão Fuzatto, onde é ressaltada a importância da utilização de meios tecnológicos modernos para apoiar o emprego das Forças de Operações Especiais. No caso em questão, o capitão nos apresenta a utilização do equipamento Abrindo esta edição, você encontrará Sherpa, um material que permite o lançamena entrevista com o Cel R1 Paulo Filgueiras to preciso no apoio às operações especiais. Tavares – Operador Especial 02. Devido No artigo do Capitão Schettine, nos é à sua apreciável capacidade de memorizar fatos e dados, foi possível extrair com de- apresentada a possibilidade de utilização de talhes uma parte da história do desenvolvi- agentes QBRN como armas de terror. Nesse mento da doutrina de Operações Especiais. sentido o autor destaca a importância da capacidade do combate contra dispositivos exEm seguida, o Major Josias nos inse- plosivos improvisados (DEI), também chare em um debate atual sobre a pertinência mados de artefatos explosivos improvisados ou não do emprego de unidades de operações (AEI) ou Improvised Explosive Device (IED). especiais das nações unidas como uma soluPor fim, os Capitães Do Vale e Diego ção viável para o uso da força no contexto das missões de paz no presente século. Amaro apresentam um artigo sobre a sinergia necessária entre as operações psicolóO Capitão Cietto nos expõe uma refle- gicas e as operações especiais. Os autores xão sobre as peculiaridades e limites das nor- argumentam que tal sinergia possibilita mas que regem o uso da força pelos elementos multiplicar poder de combate e contribuir de com atribuição legal para tal, ou seja, as Re- maneira única para o êxito das ações condugras de Engajamento (RE). Tal artigo res- zidas por uma Força de Operações Especiais. salta a importância dos limites e disciplina Esperamos que os textos aqui reproque os profissionais das armas e dos manteduzidos despertem interesse pelo debate por nedores da lei e da ordem precisam se atenparte dos nossos leitores. tar no uso da força delegada pelo Estado. Você também lerá o artigo do Major Filipo sobre o legado dos 15 anos de De antemão, agradecemos as valiosas destacamentos de segurança de embai- colaborações dos nossos articulistas em prol xadas na África, para as operações espe- do desenvolvimento da doutrina de operaciais. Ele ressalta ainda que as missões ções especiais do nosso Exército Brasileiro.

Alan Rodrigues dos Santos - Maj Editor-Chefe


SUBCOMANDANTE DE OPERAÇÕES ESPECIAIS Cel Ricardo Luiz da Cunha Rabêlo CONSELHO EDITORIAL Maj Alan Rodrigues dos Santos 1º Ten Gildecio Ferraz Souto 1º Sgt Adriano Vitor de Paiva EDITOR CHEFE Maj Alan Rodrigues dos Santos

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REDAÇÃO E REVISÃO Maj Alan Rodrigues dos Santos 1º Sgt Adriano Vitor de Paiva PROJETO GRÁFICO Maj Alan Rodrigues dos Santos 1º Sgt Adriano Vitor de Paiva DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL 1º Sgt Adriano Vitor de Paiva Sd Vitor Hugo Bueno da Conceição Sd Guilherme Santana Barreto TIRAGEM 300 exemplares (circulação no país e no exterior) DISTRIBUIÇÃO Comando de Operações Especiais VERSÃO ELETRÔNICA EB Revista: http://www.ebrevistas.eb.mil.br COpEsp: http://www.copesp.eb.mil.br COMANDO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS Av. Salvador, s/n, Jardim Guanabara | Goiânia - GO CEP: 74675710 E-mail: comsocopesp@gmail.com Comunicação Social - 62 3239-4500 Relações Públicas - 62 3239-4635

Major Alan Rodrigues

UNIDADES DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DAS NAÇÕES UNIDAS: UMA SOLUÇÃO VIÁVEL PARA O USO DA FORÇA NO CONTEXTO DAS MISSÕES DE PAZ DO SÉCULO XXI? Major Josias

EDITOR-ADJUNTO 1º Ten Gildecio Ferraz Souto SUPERVISOR DE PRODUÇÃO Maj Alan Rodrigues dos Santos 1º Sgt Adriano Vitor de Paiva

FALANDO DE DOUTRINA - ENTREVISTA COM PIONEIRO DAS FORÇAS ESPECIAIS

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REGRAS DE ENGAJAMENTO DAS OPERAÇÕES ESPECIAIS EM GRANDES EVENTOS: PARTICULARIDADES E LIMITAÇÕES À LUZ DO MARCO JURÍDICO BRASILEIRO Cap Cietto

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MUITO ALÉM DA SEGURANÇA: OS 15 ANOS DOS DESTACAMENTOS DE SEGURANÇA DE EMBAIXADAS NA ÁFRICA

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A DOUTRINA DO MÉTODO SHERPA: UM LANÇAMENTO PRECISO NO APOIO ÀS OPERAÇÕES ESPECIAIS

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Major Filipo

Capitão Fuzzato

A COMPANHIA DE DEFESA QUÍMICA, BIOLÓGICA, RADIOLÓGICA E NUCLEAR NA PROTEÇÃO CONTRA DISPOSITIVOS EXPLOSIVOS IMPROVISADOS Capitão Schettine

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CAPA 1º Sgt Adriano Paiva Mosáico composto por fotos das Unidades subordinadas ao Comando de Operações Especiais. Foto do 2º plano: Operadores Especiais do 1º BFE.

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A SINERGIA ENTRE AS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS E AS OPERAÇÕES ESPECIAIS Capitão Do Vale Capitão Diego Amaro

ÍNDICE

COMANDANTE DE OPERAÇÕES ESPECIAIS General de Brigada Gustavo Henrique Dutra de Menezes


Cel R1 Paulo Filgueiras Tavares Major Alan Rodrigues

Operador Especial 02 - O baluarte da memória Como foi o início do desenvolvimento da doutrina das Operações Especiais no Brasil a partir das experiências adquiridas nos Estados Unidos, adequando-as às necessidades e demandas do Brasil? Foi no ano de 1957 que deu início o primeiro Curso de Operações Especiais com as experiências adquiridas pelo Major Gilberto1 nos Estados Unidos. Os assuntos foram extraídos dos Cursos “Rangers” e “Special Forces”, porém, com algumas restrições devido o sigilo de suas missões.

elaboraram um currículo com os assuntos que, naquele contexto, eram considerados fundamentais para a atividade. Até então ninguém no Exército Brasileiro havia pensado, por exemplo, em montanhismo, que mais tarde daria origem ao estágio de montanhismo2 desenvolvido em São Joao Del-Rei. Outro assunto foi a Educação Física, que passamos a chamar de Treinamento Físico. Não era apenas ginástica e corrida, fomos para a água. Além da natação que era utilizada na seleção dos candidatos às Operações Especiais, foi in-

Equipe de salto livre do Núcleo da Divisão Aeroterrestre - 1961 Então, os pioneiros das Operações Especiais 10 operações especiais | ano 2021

2 Estágios e Cursos do 11º Batalhão de Infantaria de Montanha

Falando de Doutrina

Executamos coisas que ninguém iria imaginar.

troduzido o que, à época, chamamos de Trabalho Submerso; que seria o atual mergulho. Atualmente, uma atividade que conta com equipamentos em circuito aberto e circuito fechado – curso que fui fazer como tenente-coronel, com mais dois tenentes e dois sargentos em Key West, Florida. Fato que contribuiu para a aquisição de equipamentos, roupas e aparelhos. Esse era um assunto novo no Exército, então, mais tarde, a marinha criou o GRUMEC – Grupamento de Mergulhadores de Combate. Era assim: quando uma novidade aparecia ou surgia, o outro (Força Armada) procurava fazer. Outro assunto era o Salto Livre que ainda não existia no Núcleo de Divisão Aeroterrestre, atualmente Brigada Paraquedista, atividade que incluímos como “Salto Comandado” e fomos executar sem técnica alguma; até o paraquedas era o de acompanhamento de carga, que nos emprestavam para os experimentos. Nada de teoria consolidada! Usávamos a experiência de Charles Astor3, um ex-guerrilheiro francês que estava como instrutor de ginástica acrobática na Escola de 3 Achiles Hypolito Garcia, conhecido por Charles Astor, nascido em Castinglion, Argélia, na época, uma colônia francesa.

Aeronáutica. Nos Afonsos4, ele então é que nos ditou as primeiras notas que depois... Concluímos que eram absurdas! Você segurava o punho de abertura, saía do avião e abria com o braço livre. Ninguém pode ficar estável no espaço nessa posição! Mas nós iniciamos assim, e chegamos a fazer uns três saltos com a técnica que estava sendo passada pelo Charles Astor e pelo Major Paulo, que juntos, no aeroclube, praticavam essa atividade. Mais tarde, veio a equipe de salto livre do Exército Americano, que competia nessa modalidade no mundo todo. Ficaram conosco dois dias e sob a minha chefia. No curso, nós então fomos executar o salto Livre e acabamos com a fama de retardados5 (risos). O salto livre realizado com a técnica transmitida pelos americanos começava com a posição aberta básica e utilizava o altímetro – uma grande vitória, pois saímos de uma tentativa experimental de alto risco, com aqueles três primeiros saltos, com os quais apenas conseguíamos ficar girando como qualquer coisa durante cinco segundos; para a posição aberta básica, posição que nós assimilamos muito rápido. Isso nos deu a capacidade de, meses depois, já estarmos com uma equipe disputando campeonato mundial de salto livre militar. Dessa saudosa equipe ainda está vivo o Dalton6 , Capitão da reserva e o Osami; o Prado e o Saraiva7 morreram; Joubert8 ... Não sei. Isso foi um avanço extraordinário, pois saímos do experimental de alto risco que o Charles Astor nos transmitiu, para uma atividade completamente regular e técnica, o que julgo ser de interesse doutrinário esse registro. Outras atividades inéditas foram realizadas. A época, tínhamos muita liberdade de expor e tentar, a hierarquia sempre foi respeitada. Nunca houve in4 Base Aérea dos Afonsos – Rio de Janeiro-RJ. 5 Trocadilho, pois o salto era caracterizado pelo tempo (retardo) do acionamento (abertura). 6 Capitão de Infantaria DALTON MALFACINI, Operador Especial 15. 7 Tenente-Coronel de Cavalaria JOSÉ CARLOS SARAIVA DOS SANTOS, Operador Especial 12. 8 General-de-Exército JOUBERT DE OLIVEIRA BRÍZIDA, Operador Especial 09.

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timidade de se tratar por você. Não! Todos nós tratávamos uns aos outros dentro dos princípios hierárquicos, mas qualquer sargento tinha liberdade de propor uma atividade, e essa seria realizada e experimentada pela equipe. Por isso não tínhamos nada escrito. Tudo era experimental e depois de realizar o experimento era incorporado à matéria para cursos futuros. Outra atividade peculiar é que nós nunca nos preocupávamos com direção perigosa. Por exemplo: o primeiro curso fez direção de tudo que você possa imaginar – nós à paisana dirigindo bonde na rua (risos). Uma das matérias era direção de veículos como locomotivas e embarcações. Tudo isso nós fizemos, mas isso foi abrandado e até eliminado. Por que nós fizemos no primeiro curso? Porque o ambiente civil na época era muito rico de greves. Teve greve que nós imaginávamos ter condições, em caso de emergência, de dirigir qualquer veículo – essa era a intenção. Contudo, essa matéria foi abolida porque o ambiente mudou. Mas no primeiro curso isso chegou a ser matéria e nos registros fotográficos encontramos Operadores Especiais dirigindo locomotivas e lanchas do antigo SALVAMAR9 . Compondo nosso currículo, no que diz respeito à sobrevivência, nos valemos de relatos

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de sobreviventes da II Grande Guerra Mundial. Mas a sobrevivência que tinha maior número de registros era a sobrevivência no mar, porque os que sobreviveram em terra normalmente eram pilotos de aeronave abatida. Era estranho, pois havia uma dúvida: o cara era prisioneiro dentro de um território tomado pela Alemanha ou em território amigo cercado? Nas Operações no Pacífico, quando aeronaves eram abatidas pelos japoneses, sempre havia um caso de sobrevivente, e nesse contexto, o que teve mais repercussão foi de John Fitzgerald Kennedy10, o presidente americano. Ele foi um sobrevivente que gravou uma mensagem na casca de um coco, e essa mensagem foi alcançada por uma embarcação que o resgatou. Mas é o procedimento pessoal? O que ele fez? Como se aqueceu? Como se abrigou? Como achou água? Isso nós não tínhamos de fonte nenhuma. O que se fez com esse assunto? Não sei se prosseguiu. A primeira experiência que nós tivemos foi saltando no Posto Indígena Capitão Vasconcelos11 , em uma área indígena do Xingu, onde

10 John Fitzgerald Kennedy foi o 35º presidente dos EUA. 11 Atualmente é chamado de Posto Leonardo Villas Bôas. Localizado às margens do rio Tuatuari – Parque

fotospublicas

Instrução de condução de bondes

tentamos um suprimento pelo ar, que foi muito difícil porque ali já é a aba da Floresta Amazônica, então o suprimento foi lançado de paraquedas e caía em cima das árvores, portanto não atingiu a finalidade e consequentemente não podíamos considerar aquilo uma doutrina. Depois foram progredindo as experiências vividas por nós no primeiro curso. Eu me lembro de que nós fazíamos uns travesseirinhos com leite em pó com café para poder aliviar as cargas de alimentos transportadas. Não sei como está atualmente.... Eu passei na Academia Militar das Agulhas Negras ano passado, ocasião que pude ver uma turma trabalhando com ração padronizada. Não tenho mais notícia de sobrevivência, e se é matéria ou não. Os exercícios e a maneira pela qual nós os executávamos.... Realmente nós não obedecíamos ao tradicional (risos). Por exemplo: fizemos um exercício na Companhia Hidrelétrica do São Francisco. Para esse exercício nós avisamos ao Comandante da 6ª Região Militar, a empresa foi avisada que haveria um ataque à barragem que fornece energia a todo Nordeste. Executamos coisas que ninguém iria imaginar! (risos) Por exemplo: atravessar o Cânion do Rio São Francisco (Risos). Na saída de água das turbinas! Não foi nadando! Fizemos uma corda com linha de paraquedas, retiradas do boot e o primeiro homem amarrado nela foi atravessando e fixou a cordinha do outro lado, aí o restante passava dentro d’água com aquele turbilhão, mas segurando na corda. Dessa façanha, participaram os sargentos Genival12 e Ly Adorno13 , já falecidos. Isso está registrado nos meus fascículos. Isso era doutrina? Não! Era técnica e criada pela necessidade e foi a solução que se deu no momento. Cumpriu sua missão? Cumpriu!

todos os cabos que fornecia energia para o estado de Pernambuco. Nossa missão foi cumprida! Mas isso nos traria a antipatia do Comandante da 6ª RM, que se sentiu ofendido porque nós ultrapassamos o esquema de defesa que a Região Militar mantinha. Só que eles não estavam atualizados... Nós entramos no recinto da hidrelétrica pelo portão, usando um artifício: um dos nossos homens pegou o caminhão que estava entrando para levar a carne à cozinha da parte administrativa. Entrou embaixo dos pés do motorista e com uma pistola apontada para ele, passou por uma espécie de guarda. A guarda era guarnecida por um civil que olhava apenas a identidade do crachá pendurado no pescoço e a cor do capacete, mas que nem imaginava que um dos nossos homens estava entrando sentado no fundo da boleia ameaçando o motorista (risos). Esse foi o primeiro homem que entrou e pelo rádio orientava o que os outros da periferia fariam. Tudo isso era novidade para o Exército, que não conhecia essas técnicas. Foi um tremendo

Um dos nossos conseguiu chegar ao subterrâneo da casa de controle e simulou o corte de

Indígena do Xingu. 12 Subtenente GENIVAL MONTENEGRO GUERRA, Operador Especial 16. 13 Capitão de Infantaria LY ADORNO DE CARVALHO, Operador Especial 14.

Pessoal em solo aguardando o 1º salto na aldeia Kuikúrus, realizado pelo Curso de OE A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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susto em Paulo Afonso (risos). Foi tão grande que o Oficial de Dia, um oficial temporário, entrou em pânico e efetuou seis disparos, com munições reais que ele portava durante o serviço, na direção do Buch14 , que não morreu porque se abrigou atrás de uma pedra grande e (risos) contando os disparos até perceber que as munições haviam acabado (risos). Isso, realmente nos valeu uma antipatia por parte do Comandante da Região, que decidiu proibir exercícios de paraquedistas na área da 6ª RM. Durante a crítica, eu expus para a administração da empresa, ou seja, para os civis, o desastre que era a noção de defesa deles. Para o efetivo militar – os comandantes de companhia, os oficiais do Estado-Maior da Região Militar e da Unidade – relatei os nossos procedimentos diante da guerra moderna, então, eles se sentiram ofendidos. Mas nós estávamos mostrando uma possibilidade que era real, pois se não fosse, não teríamos executado. Esse foi então um exercício muito marcante na doutrina. Porque tudo que nós fizemos é atualmente usado no Curso de Forças Especiais. A primeira parte do nosso curso era chamada Estagio Básico que foi transformada em um curso - Curso de Ações de Comandos – e a 2º fase que era exercícios de área transformou-se no atual Curso de Forças Especiais. Fizemos um estudo de área e depois uma atuação dentro do quadro de exercício no Rio grande do Sul, com o título de Espionagem. Nesse exercício, lançamos os homens – uns saltavam à paisana, outros saltavam fardados e trocavam a roupa no solo. Sempre tínhamos o pessoal de apoio na montagem dos exercícios nas unidades. Eles saltavam e recebiam um envelope fechado com a missão que seria executada no solo; então eles desenvolveriam o que estava no envelope. Tinham que se ligar com a população civil, conseguir rádio amador e se ligar com ou14 Coronel de Engenharia CARLOS BUSH NETO, Operador Especial 11.

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tros elementos do exercício. Um não sabia se outro era inimigo ou não – esse era exatamente o quadro que vai se desenrolar depois de 1964. Alunos em curso, durante o Eu já tinha “briefing” da patrulha. imaginado porque me baseei em dois livros de relatos da I Grande Guerra Mundial, chamado Espionagem, o que me ajudou a montar esse exercício inesquecível. (Risos) Lembro-me de uma passagem – quase todos os participantes já morreram. Colocamos uma mensagem escrita em um papel de cigarro (risos), que era entregue ao militar ou oferecido. Mas nessa ocasião o cara não se deu conta que a mensagem estava no papel do cigarro e... (risos) fumou a mensagem que trazia a ordem para ele agir (risos). Outro incidente foi um exercício que sai de várias cidades do Rio grande do Sul, que convergia para Santa Maria, onde eu consegui em uma boate, dois argentinos (risos), e o cara tinha que obter a mensagem por intermédio de um deles (risos), assim terminava o exercício. Foi marcante não sei se prosseguiram com essa ideia de espionagem que vai ser um fundamento da Escola Nacional de Informações, pois, após a revolução acordaram para essa atividade que demorou muitos anos e que deu origem a essa escola e ao próprio Serviço Nacional de Informações (SNI). Ninguém vai lembrar que nós fizemos um exercício com esse aspecto em 1958.

Fotos: Acervo do Museu do COpEsp

Cel R1 Paulo Filgueiras Tavares “Nós intentávamos ser os melhores em tudo. Depois reconhecemos que não podemos ser em tudo. Mas, gostávamos de ser melhores no máximo de atividades. Isso nos inspirou a prosseguir, a estudar, a tentar, a experimentar. A ideia conseguiu adeptos e seguidores.”

Sergipano de Aracaju, nasceu em 19 de fevereiro de 1929, filho do marinheiro da capitania dos Portos, Germano Tavares dos Santos e de Isolina Viana Filgueiras dos Santos, o Cel Paulo Tavares iniciou sua formação na carreira das armas no Colégio Militar do Rio de Janeiro, onde cursou a antiga Escola de Soldados (1945-1947), ingressando, logo em seguida, na Academia Militar das Agulhas Negras, em 26 de fevereiro de 1948, sendo declarado Aspirante a Oficial da Armas de Engenharia, em 14 de dezembro de 1950, e classificado no 5º Batalhão de Engenharia de Combate, em Porto União/SC. Em constante busca de seu aperfeiçoamento militar, em 1956, realizou o Curso de Instrutor de Educação Física, oportunidade em que se preparava, simultaneamente, para os Cursos Básico Paraquedista e Mestre de Salto. Isso acarretou sua ida, em 1957, da Escola de Educação Física do Exército para o Centro de Instrução Especializada Aeroterrestre do Núcleo da Divisão Aeroterrestre. Devido a sua formação, entusiasmo, espírito inovador e capacidade profissional, foi convidado pelo então major Gilberto Antônio Azevedo e Silva, chefe dos cursos de especialização daquele centro de instrução, para auxiliá-lo na montagem do Curso de Operações Especiais, o que aceitou de imediato, passando a integrar a equipe de instrutores e monitores daquele curso pioneiro. A partir desse momento, dedicou-se inteiramente na preparação das ações iniciais do novo curso em multifacetadas atividades, auxiliando incessantemente, como aluno, instrutor, monitor e fotógrafo. Em 1958, concluiu com mérito sua formação, constituindo-se no Operador Especial 02, e tornando-se ao longo do tempo, pelo seu poder de comunicação e influência, uma das maiores memórias vivas das Operações Especiais do Exército Brasileiro, carregando consigo inesgotável fonte de conhecimento. No exterior realizou os Cursos de “Special Forces Underwater Operation”, nos Estados Unidos. Paralelamente às lides castrenses, também buscou alicerçar-se de conhecimentos adicionais nos estabelecimentos de ensino por onde vicejou em diversos cursos, dentre eles: administração e desenho de arquitetura, na Fundação Getúlio Vargas; orientação educacional, psicologia das relações humanas, pelo Ministério da Educação, e gerência administrativa, desenvolvimento organizacional, pela Universidade de Brasília. Em 27 de setembro de 1982, após trinta e quatro anos de efetivo serviço ao Exército Brasileiro, foi transferido para a reserva remunerada. Mas sua retirada das fileiras do Exército não significou que as suas inovadoras tratativas durante a permanência na defesa da pátria, por mais de três décadas, fossem depositadas nas gavetas do esquecimento. Não conseguiu a perfeição em todas as ações executadas, mas seus ensinamentos no decorrer da invulgar caminhada permanecerão incólumes por um porvir incalculável. Fonte: Revista Operações Especiais do Exército Brasileiro - 60 anos.

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Foto: Tereza Sobreira - Fotos Públicas

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UNIDADES DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DAS NAÇÕES UNIDAS: UMA SOLUÇÃO VIÁVEL PARA O USO DA FORÇA NO CONTEXTO DAS MISSÕES DE PAZ DO SÉCULO XXI? Atualmente, o uso da força no contexto das operações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) é um tema que suscita debates no cenário internacional. Nesse sentido, alguns autores argumentam que o uso da força por tropas da ONU fere os princípios tradicionais das missões de paz, abrindo um perigoso precedente para que grandes potências intervenham em países em desenvolvimento. Por outro lado, existe o entendimento de que somente o uso efetivo da força é capaz de deter graves violações de direitos humanos como genocídio e limpeza étnica.

POR JOSIAS MARCOS DE RESENDE SILVA Major do Exército Brasileiro Doutorando em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Mestre em Relações Internacionais e Resolução de Conflitos pela American Military University.

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nessa conjuntura que o emprego de unidades de operações especiais surge como uma inovação dentro das operações de paz da ONU, particularmente naquelas desdobradas em ambientes hostis, onde as tropas convencionais não possuem a capacidade ou a disposição de cumprirem os respectivos mandatos e proteger os civis sob sua responsabilidade. Essa novidade só é possível hoje porque, diferente de algumas décadas atrás, na atualidade a ONU é reconhecida pela maioria de seus Estados-membros como a organização legítima para a resolução de conflitos no mundo. Entretanto, a realidade nem sempre foi assim. Durante a Guerra Fria, as duas superpotências representadas pelos Estados Unidos da América (EUA) e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) travavam uma disputa político-ideológica pela hegemonia mundial. Nesse contexto, a ONU ocupava um papel secundário no cenário internacional, sendo obrigada a ceder constantemente aos interesses dos grandes protagonistas globais (BELLAMY; WILLIAMS; GRIFFIN, 2010, p. 175). Com o colapso da URSS e a consequente mudança da ordem mundial, a ONU assumiu um papel central na resolução de conflitos, desdobrando novas missões ao redor do mundo. Além do aumento em termos de demanda, as operações de paz começaram a tomar um aspecto mais complexo ou multidimensional. Isso se deve em grande parte às mudanças ocorridas na natureza dos conflitos armados. Enquanto no período da Guerra Fria os conflitos eram predominantemente travados entre Estados nacionais, o fim da bipolaridade mundial resultou num crescimento exponencial de guerras civis e ameaças não-estatais (ONU, 2008, p. 21). Assim, diferentemente das operações de paz tradicionais, estruturadas em torno de

Foto do autor

um contingente militar, as operações de paz multidimensionais adaptaram-se à nova realidade dos conflitos e passaram a agregar também os pilares policial e civil, ampliando seu escopo para incluir atividades como proteção de civis, apoio a refugiados, desenvolvimento, criação de instituições locais e desmobilização de ex-combatentes (ONU, 2008, p. 22). Contudo, dois grandes fracassos nos anos 1990 frearam o entusiasmo da comunidade internacional pós-Guerra Fria, afetando negativamente a história da ONU. Eles foram materializados pelas operações de paz desdobradas em Ruanda e na Bósnia, as quais não conseguiram prevenir e deter os genocídios que ocorreram nesses dois países, colocando seriamente em xeque a credibilidade da organização. Em Ruanda, no ano de 1994, as forças da ONU que se encontravam no país, como parte da Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda (UNAMIR), não foram capazes de impedir assassinatos em massa, mutilações, desaparecimentos forçados, estupros coletivos e tortura de civis inocentes (VISACRO, 2018, p. 59). Na ocasião, ao longo de aproximadamente 100 dias, cerca de 800 mil civis, preponderantemente da minoria étnica Tutsi, foram perseguidos e massacrados em um dos maiores genocídios presenciados na história contemporânea. Em 1995, em meio à decomposição da antiga Iugoslávia, limpezas étnicas e crimes contra a humanidade chocaram novamente a comunidade internacional. Na ocasião, encontrava-se desdobrada nos Bálcãs a Força de Proteção das Nações Unidas (UNPROFOR). Dentre todos os acontecimentos, a tropa da ONU ficou marcada particularmente pelo genocídio de Srebrenica1 , no qual os capacetes azuis2 fo-

1 Cidade localizada no leste da Bósnia. 2 Referência aos militares que constituem as tropas das Nações Unidas, conhecidos também como boinas azuis ou peacekeepers.

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ministro das relações exteriores da Austrália, e Mohammed Shanoun, antigo diplomata argelino, essa comissão independente ressaltou que a responsabilidade de proteger cidadãos contra violações de direitos humanos recai primariamente sobre os Estados. Entretanto, quando os Estados são comprovadamente incapazes de cumprir seu dever, a responsabilidade deve ser transferida para a comunidade internacional (WHEELER; BELLAMY, 2014, p. 486). Em 2005, durante a Cúpula Mundial das Nações Unidas, a R2P foi aprovada por unanimidade pelos Estados-membros. De acordo com o conceito aprovado, os Estados possuem a obrigação de proteger suas populações contra graves violações de direitos humanos, particularmente no que se refere ao genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. Caso um Estado seja considerado incapaz de proteger sua população contra essas violações, cabe à comunidade internacional tomar as medidas cabíveis sob os auspícios da Carta das Nações Unidas, incluindo sanções internacionais e intervenções militares (BELLAMY, 2014, p. 53). No ano de 2008, a doutrina Capstone surgiu como mais um passo no sentido de fortalecer

as operações de paz das Nações Unidas por meio do uso da força. Assim, a nova doutrina revisou o princípio do uso mínimo da força. De acordo com o novo entendimento, o Departamento de Operações de Paz (DPO) da ONU compreende que, além da autodefesa, toda a força necessária deve ser usada para a defesa do mandato e para a proteção de civis. Essa mudança de postura faz-se necessária ao analisar a realidade dos conflitos contemporâneos, os quais se caracterizam pela presença de inúmeras ameaças como milícias armadas, grupos criminosos e outros atores violentos, capazes de interferir no processo de paz e causar graves danos à população civil. Fruto desse entendimento, o CSNU passou a emitir resoluções referenciando o capítulo VII da Carta das Nações Unidas, tornando as operações de paz da ONU oficialmente robustas (ONU, 2008, p. 35). Nessa nova conjuntura de incremento no uso da força, cresce de importância a distinção entre o significado de operações de paz robustas e de operações de imposição da paz. Por definição, operações de paz robustas são baseadas no capítulo VII da Carta das Nações Unidas e compreendem o uso da força no nível tático com o consentimento da autoridade anfitriã e/

ou das principais partes do conflito. Por sua vez, operações de imposição da paz não requerem o consentimento das principais partes do conflito, podendo ser realizadas de forma coercitiva pelo CSNU. Além disso, a imposição da paz pressupõe o uso da força no nível estratégico, caracterizando uma intervenção militar internacional no país (ONU, 2008, p. 19). Apesar da nova postura adotada pelo CSNU ao emitir resoluções mais robustas, as missões de paz desdobradas em regiões hostis mostraram-se incapazes de cumprir os mandatos recebidos e proteger os civis das ameaças existentes. Em 2012, na República Democrática do Congo (RDC), mais de 1.500 peacekeepers3 desdobrados em Goma observaram inertes enquanto rebeldes do grupo M-234 tomaram posse da cidade, causando frustração e revolta na população local e na comu3 Soldados da paz. Militares empregados em operações de paz. 4 Movimento 23 de Março. Grupo militar rebelde baseado em áreas orientais da República Democrática do Congo e que operava principalmente na província de Kivu do Norte.

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ram incapazes de deter o ataque de paramilitares de origem sérvia, o qual dizimou cerca de 8.000 civis bósnios (VISACRO, 2018, p. 60). Com o intuito de evitar um terceiro grande fracasso, no ano de 1999, a Resolução 1270 dotou a Missão das Nações Unidas em Serra Leoa (UNAMSIL) com o mandato explícito de proteger civis. No entanto, mesmo contando com o amparo do mandato recebido do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), as tropas presentes na missão mostraram-se inertes frente aos atos de grave violação de direitos humanos. Além disso, cerca de 500 capacetes azuis da UNAMSIL foram capturados e feitos reféns sem disparar um único tiro, o que foi extremamente vergonhoso para a ONU (LYONS, 2018, p. 110). Dessa forma, a organização percebeu que deveria se preparar para engajar-se em operações de paz de uma forma mais robusta (KALDOR, 2010, p. 280). No ano 2000, em meio aos repetidos fracassos e descrédito perante a comunidade internacional, o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, determinou a organização do Painel das Operações de Paz das Nações Unidas. Dirigido por Lakhdar Brahimi, antigo ministro das relações exteriores da Argélia, o painel realizou diversas recomendações para melhorar o desempenho das missões de paz. Entre as recomendações, o relatório Brahimi enfatizou que o componente militar de uma operação de paz deveria ser robusto o suficiente para defender a si mesmo de forma efetiva, além de proteger os civis sob sua responsabilidade (BELLAMY; WILLIAMS; GRIFFIN, 2010, p. 129). Dois anos mais tarde, patrocinada pelo governo canadense, a Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS) desenvolveu o conceito de responsabilidade de proteger (R2P). Liderada por Gareth Evans, antigo


20 operações especiais | ano 2021

Fonte: ONU (2015a) - imagem adaptada

nidade internacional (DOSS, 2014, p. 726). ocupem um protagonismo cada vez mais releCom receio de que o conflito na RDC pudesvante para o êxito de operações militares. Nesse se conduzir a violações de direitos humanos tão ambiente operacional, as FOpEsp se caracterisérias como os genocídios de Ruanda e da Bószam ainda por desencadearem suas ações com nia, o CSNU resolveu tomar uma medida drásreduzidos danos colaterais e baixa visibilidade. tica. Assim, em 2013, foi desdobrada a Brigada Assim, operações especiais tornam-se especialde Intervenção (FIB) da Missão das Nações Unimente adequadas às operações de paz, contridas para a Estabilização na República Democrábuindo com a credibilidade e a legitimidade das tica do Congo (MONUSCO). O mandato da FIB ações junto à população local e junto à opinião representou um marco na evolução do uso da pública internacional (BRASIL, 2017, p. 3-1). força na história da ONU, uma vez que a BrigaNo espectro das operações de paz, as FOpEsp da de Intervenção recebeu a missão de conduzir podem contribuir para o sucesso dos mandatos operações ofensivas “...as Forças de Operações Es- em todos os estágios e neutralizar grupos peciais (FOpEsp) devem com- da missão, cumprinarmados rebeldes plementar e não competir ou do três missões prin(ONU, 2013, p. 6). substituir as forças convencio- cipais: Tarefas EspeTendo em vista po- nais, sendo empregadas quan- ciais, Reconhecimento tencializar os resulta- do os riscos político-militares Especial e Assistência dos da FIB e asseguMilitar (ONU, 2015a, p. são muito elevados.” rar seu sucesso, este 16). As Tarefas Espemecanismo de intervenção foi dotado por uma ciais, também conhecidas como Ações Diretas, Companhia de Forças Especiais da Tanzânia. De são operações precisas e limitadas em amplituacordo com a doutrina em construção, operade e duração, com o propósito de adquirir, desções especiais das Nações Unidas são atividades truir, recuperar, neutralizar ou desabilitar objemilitares conduzidas por forças especificamentivos de valor significativo (ONU, 2015a, p. 18). te designadas, organizadas, treinadas e equiAo contrário das operações ofensivas de padas, compostas por pessoal selecionado que tropas convencionais, as Tarefas Especiais se utiliza técnicas, táticas e linhas de ação não-conadequam perfeitamente ao ambiente das opevencionais (ONU, 2015a, p. 9). Assim, as Forças rações de paz, já que elas são conduzidas de de Operações Especiais (FOpEsp) devem comum modo bastante efetivo e por um número plementar e não competir ou substituir as formínimo de soldados altamente treinados. Além ças convencionais, sendo empregadas quando disso, as Tarefas Especiais ocorrem dentro de os riscos político-militares são muito elevados. uma janela limitada de tempo e com o mínimo De uma maneira geral, as operações espede danos colaterais. Isso é possível porque as ciais têm adquirido importância crescente no FOpEsp observam o princípio da “superioriambiente operacional contemporâneo. Isso se dade relativa”, o que corresponde à habilidade deve em função da influência de condicionande pequenas equipes de operações especiais tes políticas, econômicas, científico-tecnológiem obter uma vantagem temporária decisiva cas e psicossociais no espaço de batalha, o que sobre uma força inimiga muito mais numerosa faz com que as tropas de operações especiais

Companhia de Forças Especiais das Nações Unidas

ou melhor defendida (SPULAK Jr., 2009, p. 26). ra, as unidades de operações especiais posA segunda missão principal é o Reconheci- suem o desafio de melhorar a qualidade de mento Especial, que são operações conduzidas forças regulares locais e da própria tropa

para coletar ou verificar informações de valor es- convencional presente nas operações de paz. tratégico ou operacional, empregando técnicas,

Nas operações de paz, as principais unidades

táticas e procedimentos (TTP) não disponíveis operativas de operações especiais são as United em tropas convencionais (ONU, 2015a, p. 17). Nations Special Forces Task Group ou Grupo de Essas operações complementam os demais mé- Tarefas de Forças Especiais das Nações Unidas

todos de coleta de inteligência, em locais onde (nível companhia). Nesse sentido, a Companhia restrições são impostas pelo clima, pelo terreno de Forças Especiais das Nações Unidas é uma

ou por forças hostis. Dessa forma, ao conduzir organização multipropósito, capaz de condu-

essas atividades, as unidades de operações es- zir todas as missões de operações especiais inpeciais melhoram a qualidade e a efetividade cluindo as Tarefas Especiais, o Reconhecimento da célula de análise de informações da missão. Por fim, a Assistência Militar é composta pelo engajamento com lideranças e organizações locais, regionais e nacionais, além do desenvolvimento da capacidade de forças amigas (ONU, 2015a, p. 19). Dessa manei-

Especial e a Assistência Militar. Normalmen-

te, entre duas e cinco companhias constituem

uma United Nations Special Forces Task Force

ou Força-Tarefa de Forças Especiais das Na-

ções Unidas (nível batalhão) (ONU, 2015a, 22). As Companhias de Forças Especiais são

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Fonte: ONU (2015a) - imagem adaptada

para que uma Companhia de Forças Especiais abaixo do nível brigada (ONU, 2015a, p. 29). multinacional obtenha sucesso, é necessá-

No ano de 2015, respaldada pelo sucesso

rio que as FOpEsp dos países que a integram inicial da FIB, a MONUSCO inovou novamente

tenham uma relação prévia de confiança e implementando a Força-Tarefa de Forças Es-

respeito mútuo (MORRISON, 2014, p. 52). peciais (SFTF), subordinada diretamente ao Com relação ao comando e controle (C2), as Force Commander. Essa nova estrutura nível

operações especiais configuram, quando em- batalhão reuniu sob sua coordenação a Com-

pregadas pelos respectivos países, um meio panhia de Forças Especiais da Tanzânia, que estratégico que se reporta a autoridades no ní- integra a FIB, além das Companhias de Forvel nacional. Nas operações de paz, as FOpEsp ças Especiais da Guatemala e do Egito, tamse posicionam no nível da Força, devendo estar bém presentes da missão (ONU, 2015b, p. 5). sob o comando direto do Force Commander

Nessa mesma direção, o CSNU criou, no ano

(ONU, 2015a, p. 7). Caso haja uma demanda de 2016 e inserida na Missão das Nações Unidas Força-Tarefa de Forças Especiais das Nações Unidas

compostas por até cinco United Nations Special te composta por companhias de diferentes paí-

Forces Detachments ou Destacamentos de For- ses, cada Companhia de Forças Especiais deve

ças Especiais das Nações Unidas, os quais são ser prioritariamente constituída por militares a menor fração de operações especiais com um de uma única nação. Contudo, em casos específicomando tático incluído. O destacamento, que cos, a companhia também pode receber destaca-

possui entre vinte e cinquenta militares, pode mentos de múltiplos países contribuintes (ONU,

operacional, unidades de operações especiais no Sudão do Sul (UNMISS), a Força de Proteção

(nível companhia ou destacamento) podem ser Regional (RPF). Essa força de intervenção, aos

“...o emprego de unidade de operações especiais surge como uma alternativa extremamente promissora para o uso da força no contexto das operações de paz...”

ser genérico (capaz de cumprir as três princi- 2015a, p. 27). Isso ocorre porque, embora exista

pais missões de operações especiais) ou es- uma doutrina própria de operações especiais da pecializado em somente uma das missões. Ele ONU, as táticas, técnicas e procedimentos (TTP)

também pode ser vocacionado para atividades diferem entre os diversos países do mundo.

colocadas sob Controle Tático (TACON) de um moldes da FIB, foi dotada de uma Companhia

ou meios de mobilidade (salto livre, mergulho, de uma mesma companhia, o que poderia com-

racional (OPCON) dessas frações (ONU, 2015a, 2016). Finalmente, na República Centro-Africa-

específicas de acordo com o ambiente operacio- Além disso, não é desejável que haja barreiras

nal (montanha, selva, deserto, entre outros) e/ linguísticas e culturais entre os destacamentos

aeromóvel, entre outros). Por sua vez, os des- prometer o comando e controle dessa unidade. tacamentos são compostos por United Nations

Nos casos em que se decida pelo empre-

Special Forces Teams ou Equipes de Forças go de Companhias de Forças Especiais mulEspeciais das Nações Unidas, as quais consti- tinacionais, é fundamental que exista plena

tuem a base da estrutura de operações espe- sinergia entre destacamentos dos diferentes ciais das Nações Unidas (ONU, 2015a, p. 28). países envolvidos, a qual é obtida principal-

De acordo com a doutrina da ONU, enquanto mente por meio de um constante trabalho em

a Força-Tarefa de Forças Especiais é normalmen- conjunto ao longo do tempo. Dessa maneira,

22 operações especiais | ano 2021

comandante de setor (nível brigada), enquan- de Forças Especiais do Nepal, também conheci-

to o Force Commander retém o Controle Ope- da como High Readiness Company (HRC) (ONU, p. 10). O OPCON permite que o Force Comman- na (RCA), a Companhia de Comandos de Portugal,

der continue designando, de forma coordenada, denominada Força Nacional Destacada (FND),

tarefas específicas para as unidades de opera- passou a integrar a Missão das Nações Unidas ções especiais destacadas, mesmo que essas para a Estabilização da República Centro-Afri-

se encontrem temporariamente subordinadas cana (MINUSCA) a partir de 2017 (ONU, 2020). ao comandante de setor. O TACON de unida-

De uma forma geral, o emprego de unidades

des de operações especiais deve ser delegado de operações especiais resultou em relevantes

por um período limitado de tempo, e nunca sucessos iniciais nessas três missões nas quais A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

23


REFERÊNCIAS_________________________________

estão sendo empregadas. Na MONUSCO, a Com-

panhia de Forças Especiais da Tanzânia teve pa-

pel central na vitória sobre o M-23 e na redu-

ção de outros grupos rebeldes como as Forces Démocratiques Alliées (ADF) para um número

insignificante (NDUWIMANA, 2014, p. 10). Na

UNMISS, a HRC passou a proporcionar ao comandante da RPF a autonomia para atingir al-

vos com efeitos estratégicos e operacionais, contribuindo para o sucesso da missão (ONU, 2017). Por fim, de forma inédita na MINUSCA, os comandos portugueses tomaram a ofensiva

e derrotaram grupos rebeldes como o Union

for Peace in the Central African Republic (UPC) e o Popular Front for the Rebirth of Central

African Republic (PFRC), garantindo a prote-

ção de milhares de civis anteriormente sujeitos à barbárie das milícias (PAULINO, 2017, p. 5). Portanto, o emprego de unidade de opera-

ções especiais surge como uma alternativa ex-

tremamente promissora para o uso da força no contexto das operações de paz, particularmente

naquelas sob o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas. É importante lembrar, no entanto, que

o desdobramento dessas unidades é bastante recente e seus resultados não estão totalmente

consolidados. Dessa forma, este é um assunto

que ainda necessita ser profundamente estudado e debatido. Apesar disso, resta-nos a expectativa de que as FOpEsp possam impactar

de forma relevante o desempenho das operações de paz, trazendo uma nova esperança às

populações sofridas nas regiões de conflito.

24 operações especiais | ano 2021

BELLAMY, Alex J. Respostas Internacionais às Crises de Proteção de Pessoas: a responsabilidade de proteger e o surgimento de um novo regime de proteção. Revista Crítica de Ciências Sociais. n. 104, p. 45-66, 2014. Disponível em: <https://journals.openedition.org/rccs/5680>. Acesso em: 21 Abr 2015. ______. Alex J; WILLIAMS, Paul D.; GRIFFIN, Stuart. Understanding Peacekeeping. 2 ed. Cambridge: Polity Press, 2010. BRASIL. EB70-MC-10.212 Operações Especiais. Brasília: Comando de Operações Terrestres, 2017. DOSS, Alan. In the Footsteps of Dr Bunche: The Congo, UN Peacekeeping, and the Use of Force. Journal of Strategic Studies. v. 37, n. 5, 2014. Disponível em <http://www.tandfonline.com.ezproxy1apus.edu/doi/abs/1 0.1080/01402390.2014.908284#.VTbTtebF-So.> Acesso em 13 Fev 2017. KALDOR, Mary. Inconclusive Wars: Is Clausewitz Still Relevant in These Global Wars? Global Policy. v. 1, n. 3, 2010. Disponível em <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/ j.1758-5899.2010.00041.x.>. Acesso em: 10 Abr 2020. LYONS, Scott W. New Robust Peacekeeping. The American Society of International Law. v. 112, p. 109-111, 2018. Disponível em: <https:// www.cambridge.org/core/journals/proceedings-of-the-asil-annual-meeting/ article/new-robust-peacekeeping/DA7A508D30EFEE6129E9297C929D0018.> Acesso em: 12 Ago 2019. MORRISON, Scott. Redefining the Indirect Approach, Defining Special Operations Forces (SOF) Power, and the Global Networking of SOF. Journal of Strategic Security. v. 7, n. 2, p. 46-54, 2014. Disponível em: <https:// scholarcommons.usf. edu/jss/vol7/iss2/7/>. Acesso em: 12 Abr 2020. Nduwimana, Donatien. Impact of the UN Force Intervention Brigade Operations on the Eastern DRC. International Peace Support Training Center. 2014. Disponível em: <http://www.ipstc.org/media/documents/ IPSTC_OPNo2.pdf.>. Acesso em: 10 Ago 2018. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Nepal High Readiness Company. Regional Protection Force Standard Operational Procedures. Juba: UNMISS Headquarters, 2017. ______. Adopting Resolution 2304 (2016), Security Council Extends Mission in South Sudan, Authorizes Expanded Peacekeeping Force to Bolster Civilian Protection Efforts. Meetings Coverage and Press Releases. 2016. Disponível em: <https:// www.un.org / press/en/2016/sc12475.doc.htm.>. Acesso em: 8 Mar 2017. ______. Portuguese Blue Helmets Awarded UN Medals for Impactful Peacekeeping. United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in the Central African Republic. 2020. Disponível em: <https:// minusca.unmissions.org/en/portuguese-blue-helmets-awarded-un-medals-impactful-peacekeeping.>. Acesso em: 10 Jul 2019. ______. Resolution 2098. New York: United Nations Security Council, 2013. ______. United Nations Peacekeeping Missions Military Special Forces Manual. New York: Department of Peace Operations, 2015a. ______. United Nations Peacekeeping Missions Military Special Forces Manual. New York: Department of Peace Operations, 2015a. ______. Special Forces Task Force Cell. Standard Operational Procedures. Goma: MONUSCO Force Headquarters, 2015b. ______. United Nations Peacekeeping Operations: Principles and Guidelines. New York: Department of Peace Operations, 2008. PAULINO, Musa. Missão na República Centro-Africana: 1ª força nacional destacada. Revista Mama Sume. Carregueira: Regimento de Comandos, 2017. SPULAK Jr., Robert. A Theory of Special Operations. Military Technology. n. 33, p. 23-28, 2009. Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/ a861/ad43ed88acd0 cd65046 dd43dd6ca4f0ee823.pdf>. Acesso em: 15 Jan 2019. VISACRO, Alessandro. A Guerra na Era da Informação. São Paulo: Contexto, 2018. WHEELER, Nicholas; BELLAMY, Alex J. Humanitarian Intervention in World Politics. In: BAYLIS, John; SMITH, Steve; OWENS, Patricia. The Globalization of World Politics. An Introduction to International Relations. 6 ed. p. 479-496. Oxford: Oxford University Press, 2014.

Homenagem aos nossos que tombaram no cumprimento da missão.

onde você estiver, estaremos com você!


REGRAS DE ENGAJAMENTO DAS OPERAÇÕES ESPECIAIS EM GRANDES EVENTOS Particularidades e limitações à luz do marco jurídico brasileiro

O presente trabalho tem como objetivo abordar as peculiaridades e limites das normas que regem o uso da força pelos elementos com atribuição legal para tal, denominadas Regras de Engajamento (RE), particularmente, com foco no emprego de elementos especializados, como os Destacamentos de Ações de Comandos (DAC) e os Destacamentos de Operações de Forças Especiais (DOFEsp), no contexto dos Grandes Eventos no Brasil. Inicialmente são feitas considerações jurídicas para demonstrar em que ambiente teórico estão inseridas as RE. Na sequência, apresentamos as particularidades das RE para as tropas especiais e as limitações de suas disposições. Pesquisa baseada em bibliografia e documentos, além de observações empíricas.

POR ROGERIO PAIVA CIETTO Capitão do Exército Brasileiro Mestrando em Direito Internacional Humanitário, Direitos Humanos e Direito Operacional pela Universidad Antonio de Nebrija; Especialista em Direito Internacional Humanitário pela Université de Nice – Sophia Antipolis; Especialista em Operações de Suporte à Paz pelo Peace Operations Training Institute; Integrante da Assessoria de Apoio para Assuntos Jurídicos do Comando de Operações Especiais.

Recentemente o Estado Brasileiro promoveu em seu território, diversos eventos de alcance global, como os Jogos Mundiais Militares de 2011; a Conferência sobre Meio Ambiente, conhecida como Rio+20 realizada no ano de 2012; a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude em 2013; a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos, no ano de 2016. Para a realização desses grandes eventos, foram mobilizados os mais variados tipos de recursos oriundos dos meios de segurança pública e defesa, por meio de órgãos e agências como a Polícia Federal, Agência Brasileira de Inteligência, Polícias Militares e Civis que atuam nas cidades-sede dos eventos, e as Forças Armadas. Contudo, toda essa mobilização esbarra-se na facilidade com que os Grupos terroristas têm para adquirir equipamentos de alta tecnologia. É provável que esses grupos sejam financiados por atividades criminosas e, abastecidos pelo mercado negro de material bélico, sem as exigências que o Governo deve cumprir quando deseja adquirir equipamentos e materiais condizentes no combate às ações terroristas. Além do treinamento e equipamentos, um diferencial para os agentes públicos se sobreporem às capacidades de grupos terroristas e criminosos é o estabelecimento de regras claras e o treinamento dos recursos humanos envolvidos na atividade de segurança e defesa. Essa legalidade no uso da força e os valores morais aplicados na missão são os fatores que diferenciam os agentes da lei e da ordem dos criminosos. As regras para o uso da força são denominadas Regras de Engajamento (RE), ou Rules of Engagement (ROE), são normas que limitam o uso da força, de modo a evitar ex-

cessos e abusos arbitrários, ao mesmo tempo em que respaldam a ação legítima do Estado frente à opinião pública e a eventuais demandas judiciais. Importante salientar que as RE não têm o condão de limitar as táticas, técnicas e procedimentos do emprego da tropa, mas apenas de disciplinar o uso da força, permitindo aos Comandantes a manutenção da disciplina de suas tropas, levando-as a atuarem com o profissionalismo necessário. A definição para Regras de Engajamento no Brasil é dada pelo “Glossário das Forças Armadas” (MD35-G-01): Caracteriza-se por uma série de instruções pré-definidas que orientam o emprego das unidades que se encontram na área de operações, consentindo ou limitando determinados tipos de comportamento, em particular o uso da força, a fim de permitir atingir os objetivos políticos e militares estabelecidos pelas autoridades responsáveis. Dizem respeito à preparação e à forma de condução tática dos combates e engajamentos, descrevendo ações individuais e coletivas, incluindo as ações defensivas e de pronta resposta (BRASIL, 2015, p. 238) As RE são elaboradas de acordo com a natureza e especificidade de cada missão. Assim elas incorporam fundamentos de direitos humanos (DH), em situação de normalidade institucional, e/ou de direito internacional humanitário (DIH) , diante de crise institucional, como o estado de sítio em caso de beligerância, bem como na conduta contra Forças Adversas. O critério para utilização do arcabouço jurídico adequado, seja o DH ou o DIH, reside na hipótese de emprego. A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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visualizada. Portanto, assim como as diversas tropas do Exército, tais como: as Tropas Paraquedistas, Aeromóveis, da Aviação do Exército, as Blindadas e as Mecanizadas, devem possuir RE específicas; os elementos de Operações Especiais, como os Destacamentos de Ações de Comandos (DAC) e os Destacamentos de Operações de Forças Especiais (DOFEsp), devem ter suas ações discriminadas e autorizadas, para desempenharem suas missões, visto que seu engajamento ocorre em situações que extrapolam as capacidades das demais tropas citadas.

Ilustração Operações Especiais

Independente das situações supracitadas há um núcleo duro presente em todas as RE: • Todas as pessoas envolvidas devem ser tratadas com humanidade, independente de sua conduta; • Deve-se sempre respeitar a lei aplicável à situação; • Os alvos das ofensivas devem ser necessários para o cumprimento da missão, evitando (no caso do DH) ou reduzindo ao mínimo (em aplicando o DIH) a possibilidade de dano colateral (contra vítimas que não participam das hostilidades); • O uso da força deve ser proporcional à ameaça perpetrada, e cessar assim que neutralizada a ameaça; • O aumento do uso da força deve ser progressivo, priorizando as opções menos ofensivas, caso haja tempo e oportunidade para tanto; • São vedadas a tortura e outros tratamentos de-

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sumanos, independente do local, do momento ou da situação. As consequências de usar a força além dos limites legais são várias: a escalada do conflito, o repúdio da população atingida, a crítica da mídia, e a persecução civil, administrativa ou criminal, tanto na decisão política do uso da força (Jus ad Bellum) como nas ordens e regulamentos para a conduta das hostilidades (Jus in Bello). A imputação de responsabilidade, seja administrativa ou criminal, recairá tanto sobre o agente que praticou quanto em seu comandante. Importante esclarecer que o crime pode ser de direito interno ou, dependendo da gravidade, duração e extensão, de direito internacional (Crimes de Guerra ou Crimes contra a Humanidade). As Regras de Engajamento devem ser confeccionadas para cada operação e tipo de atuação

CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE O EMPREGO DA FORÇA O uso da força coercitiva é monopólio do Estado. Segundo Max Weber, ao Estado cabe prover e garantir os direitos fundamentais de seu povo. O uso da força pelo cidadão comum é exceção a essa regra, ocorrendo em casos específicos. O Estado exerce sua autoridade com o uso da violência, ou se preferirmos, o uso da força, por meio de seus agentes, atribuindo-lhes esta competência, e normatizando sua atuação em razão do lugar, do tempo e da matéria. Dessa forma, caso o agente do poder público contrarie as normas para o emprego dessa força coercitiva, haverá a configuração do abuso de autoridade, com efeitos nas esferas administrativa e criminal. Elencamos abaixo, dentro de uma ordem de prioridade a ser observada, alguns dos principais bens juridicamente relevantes tutelados pelo Estado. 1. a vida; 2. a saúde e a integridade física; 3. o respeito às leis; 4. a liberdade de locomoção, reunião, manifestação da opinião, dentre outras liberdades do Estado de Direito;

5. a honra e imagem pública e privada; e 6. a propriedade. Como regra geral, o uso da força para proteger um bem juridicamente relevante não pode prejudicar outro de maior prioridade. Dessa forma, para defender a liberdade de locomoção dos cidadãos de uma determinada localidade, preterida por um bloqueio de rua, os agentes públicos devem limitar-se a realizar ações que sejam proporcionais e suficientes para neutralizar a ação indesejada. Entretanto, quando os agentes da lei se sentirem ameaçados fisicamente pela ação violenta de qualquer ator hostil, ou ainda, ameaçar a população, o Estado deve proteger a integridade dos profissionais da defesa e do cidadão comum, ainda que em detrimento da integridade física daquele que realiza a ação hostil. Assim, havendo a ameaça à vida, o uso de força letal é juridicamente válido. Neste contexto, de sacrifício de um bem juridicamente relevante para a preservação de outro, de igual ou maior relevância, estão inseridas as hipóteses de uso da força pelo Estado, ou seja, é neste sistema jurídico que gravitam as RE.

PARTICULARIDADES DAS RE DAS OPERAÇÕES ESPECIAIS Para compreender as peculiaridades das RE das Operações Especiais é necessário ter em mente os tipos de missões desempenhadas por esta tropa especializada. No que tange aos Grandes Eventos, são elas: • Operações de Contraterrorismo: atividades e medidas de caráter eminentemente preventivo e repressivo, destinadas a dissuadir indivíduos ou grupos (nacionais, estrangeiros ou transnacionais), que têm a intenção de empregar táticas, técnicas e procedimentos A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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(TTP) típicos de organizações terroristas, não pecial os grupos de intervenção, formados importa quais sejam seus motivos, crenças ou por equipes de atiradores, times táticos e ideologias, a impedir a realização de atenta- unidades aéreas, faz surgir a pessoa do Codos terroristas, e a responder a atos crimino- ordenador de Defesa de Área (CDA), nomeasos praticados por indivíduos ou grupos que do pelo Ministério da Defesa, previsto nas RE empreguem TTP típicos de grupos terroristas; como responsável pela coordenação e sincro• Defesa contra Armas de Destruição em nização de todos os elementos envolvidos. Segundo a doutrina de gerenciamenMassa (ADM), como Armas Químicas, Biológicas, Radiológicas e Nucleares (QBRN) e Dispo- to de crises, o uso diferenciado da força ensitivos Explosivos Improvisados (DEI): medi- globa as seguintes alternativas táticas, sedas para atuar e apoiar de forma preventiva na guindo o escalonamento do uso da força: ocorrência de contaminação de determinada • Negociação; • Emprego de agentes não letais; área por agentes químicos, biológicos, radioló- • Emprego de atiradores; e gicos ou nucleares, em combinação ou não com • Entrada tática. a detonação de artefatos “A presença de elementos militares, uniexplosivos, empregados de maneira siste- formizados e portando armas ostensivamática ou localizada. mente, é uma forma de engajamento, ainPercebe-se, pelas da que mínima, uma vez que sua presença missões supracitadas, gera uma relativa sensação de seguranque o ambiente institu- ça para a população e um receio por parcional no qual as Opera- te daqueles com intenções criminosas.” ções Especiais são empregadas difere das tropas regulares. Missões Essas são as particularidades mais imcomo patrulhamento de fronteira, áreas indíge- portantes das Regras de Engajamento nas, reservas ambientais, garantia de votação e das Operações Especiais, que as diferenapuração eleitoral e garantia da lei e da ordem, ciam das empregadas pelas demais tropas. levadas a efeito por tropas regulares, ocorrem A presença de elementos militares, uniformiem um ambiente de normalidade institucional. zados e portando armas ostensivamente, é uma Por outro lado, operações de Contraterrorismo forma de engajamento, ainda que mínima, uma e de Defesa ADM, QBRN e DEI podem ocor- vez que sua presença gera uma relativa sensarer em ambiente mais sensível às instituições. ção de segurança para a população e um receio Dependendo da vultosidade da cri- por parte daqueles com intenções criminosas. se, pode ser decretado estado de defeNesse tipo de engajamento, o uso da persuasa, de sítio, de beligerância ou de emer- são, também está disponível às tropas especiais, gência, e neste contexto o emprego das que realizam precipuamente operações de baitropas especiais é mais que recomendado, xa assinatura (Low profile), na repressão de em paralelo com o emprego de outras tropas. um atentado terrorista (contraterrorismo), por A integração dos elementos de opera- exemplo. Entretanto, nas operações antiterrorisções especiais militares e policiais, em es- mo (prevenção do ato), a presença da tropa com 30 operações especiais | ano 2021

armas e equipamentos especiais e sua aparição na mídia, são ferramentas que podem transmitir segurança à população e dissuadir o terrorista. A negociação é uma forma branda de emprego da força, visando a dissuadir o agressor através do diálogo, expondo a ele, a possibilidade de alternativas mais benéficas caso ele desista de sua ação, diminuindo, assim, sua resistência psicoemocional. Para ser bem utilizada em sequestros, tomadas de refém e ameaças com explosivos, apenas pessoal especializado e treinado deve travar diálogo com o agressor; pois o risco de escalada da crise é grande se a negociação for mal conduzida. Agentes não letais, ou menos letais, incluem progressivamente: o canhão d'água, gás lacrimogêneo, gás pimenta, cassetete, projéteis de borracha e cães treinados. Caso haja mais de um meio disponível, as RE devem prever a progressividade do seu uso, bem como as hipóteses de não emprego (não usar gás quando os reféns forem crianças, canhão d'água com gás lacrimogêneo, entre outros). Dependendo da ameaça, o uso de agentes não letais podem ser inviáveis pela ausência de tempo ou evolução da situação; assim, as RE devem prever flexibilidade no uso das diversas alternativas táticas, permitindo o emprego imediato de força letal devido à premência de tempo. As tropas especiais podem usar destes meios isoladamente ou em conjunto com os letais no caso das entradas táticas. O emprego de atiradores , é forma de neutralização da ameaça através da incapacitação completa e instantânea do alvo (tiro de comprometimento)através de armas de precisão, utilizados por pessoal especializado. Saliente-se que um tiro de comprometimento efetuado com arma comum, por pessoal sem treinamento, eleva a possibilidade

de dano colateral, cuja responsabilidade, em princípio, é imputável ao atirador imprudente. Para ser lícito o emprego do tiro de comprometimento, o perpetrador deve ter condições de retirar a vida de uma ou mais vítimas, diretamente ou por meio de ordem. Não é razoável aguardar que o perpetrador mate a vítima ou esteja prestes a matá-la para realizar o tiro, pois esta ação é necessária para preservar o bem jurídico de maior prioridade, a vida da vítima em detrimento da vida do agressor. A vida da vítima é o bem jurídico alvo da proteção do Estado, uma vez consumada sua perda já não há a necessidade de neutralizar o agressor. Caso ocorra sem a justificativa da proteção da vítima, será inevitável a imputação de crime aos agentes da defesa envolvidos na ação. Entretanto, a ameaça deve ser real, ou levar o agente a crer, inequivocamente, que o perpetrador, teria condições de executar sua ação hostil. É muito comum o uso de armas de brinquedo, armas sem munições, simulacros de explosivos e outros recursos insidiosos, e seu uso não retira do Agente do Estado, a legitimidade do tiro de comprometimento, eis que este agiu de boa fé na defesa da vida da vítima. A Entrada Tática é a última alternativa, pois o risco de morte para os agentes e para as vítimas é elevado. Entretanto, neste caso nem sempre ocorre a incapacitação completa e instantânea de alguns dos alvos, que podem se render e entregar suas armas ao presenciarem o fim de seus companheiros. O emprego desse tipo de operação exige o uso combinado de armas de precisão para curta distância, explosivos, escudo balístico, granadas de luz e som, equipamentos de visão noturna ou termográfica, e pessoal adestrado para esta finalidade, portanto não deve ser feito por pessoal não especializado. A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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LIMITAÇÕES DAS RE À LUZ DO MARCO JURÍDICO BRASILEIRO Dentre as diversas limitações apresentadas pelo ordenamento jurídico brasileiro ao engajamento de tropas, de antemão surge o Princípio da Legalidade Estrita, segundo o qual os agentes estatais podem praticar apenas o que a lei permite e autoriza. Em outras palavras, para fazer respeitar a lei é necessário antes de tudo respeitar a lei. O uso da força, através de atos como lançamento de gás lacrimogêneo, cassetetes, jatos d'água, cães, e disparos de arma de fogo com projéteis de borracha ou de metal, configuram fatos típicos, ou seja, previstos na lei penal, dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, em uma análise isolada, o agente comete o ato previsto como lesão corporal, constrangimento ilegal ou homicídio. Entretanto, tal fato típico precisa ser analisado dentro do ordenamento jurídico onde ele se encontra. Assim, para configurar um crime, não basta o fato ser típico (previsto na lei penal), ele precisa ser também antijurídico, ou seja, ser contrário ao conjunto da legislação. A legislação brasileira, em tempo de paz, exclui a antijuridicidade da conduta nas hipóteses de legítima defesa, própria ou de terceiro, ou de estrito cumprimento do dever legal, dentre outras que não afetam este trabalho. Na legítima defesa, a atitude de qualquer do povo em defender seu bem juridicamente relevante em detrimento do bem jurídico do ofensor, de igual ou menor relevância. Como exemplo, temos o sacrifício da vida do agressor para proteção da vida da vítima. É um direito, que a pessoa pode exercer ou não, dependendo de seus meios ou vontade. A atitude de qualquer do povo em defender seu bem juridicamente relevan32 operações especiais | ano 2021

te em detrimento do bem jurídico do ofensor, de igual ou menor relevância é justificada pela hipótese da legítima defesa. Podemos citar como exemplo, o sacrifício da vida do agressor para proteção da vida da vítima. O Estrito Cumprimento do Dever Legal é um dever do Estado, realizado através de seus agentes, em garantir os bens jurídicos relevantes de sua população (vida, integridade física, saúde, liberdades, etc). Note bem: o que é um direito do cidadão (defender a si mesmo e a seu próximo) torna-se uma obrigação para o Estado (cumprir seu dever legal), já que este detém o monopólio do uso da força, passível de responsabilidade em caso de omissão. Por outro lado, é dever do Estado, através de seus agentes, realizar a garantia dos bens jurídicos relevantes de sua população (vida, integridade física, saúde, liberdades, etc). Infere-se, portanto, que um direito do cidadão (defender a si mesmo e a seu próximo) torna-se uma obrigação para o Estado (cumprir seu dever legal), já que esse detém o monopólio do uso da força, passível de responsabilidade em caso de omissão. Sem dúvida a motivação do crime, o dolus, integra a conduta ilícita do agente. Mas, se o fato é típico e antijurídico, e o autor conhecia o caráter ilícito de sua conduta e, podia decidir sobre este conhecimento, o quadro do crime está formado. Se a motivação é política, ideológica, econômica, ou pura vaidade, o importante é que para o autor havia um motivo, o que

por si mesmo já configura o dolo de sua conduta. No nível estratégico, a ausência de previsão legal do crime de terrorismo no Brasil, até a promulgação da Lei 10.260/16, não impediu que fosse realizada a prevenção e a repressão de atos com efeito terrorista, dado que, os diversos crimes praticados em uma ação terrorista, já estavam presentes no Código Penal à época em que não era tipificada essa categoria de crime – matar, privar a liberdade, expor a vida e a saúde de alguém, incendiar, explodir, entre outros atos, que sempre foram considerados crimes em nosso país desde as Ordenações Filipinas de 1603. O preâmbulo da atual Lei de Terrorismo no Brasil dispõe que ela “regulamenta o disposto no inciso XLIII da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista (...)” (BRASIL, 2016, grifo nosso) Percebe-se que a intenção do legislador, à época, não era prevenir, combater ou enfrentar o terrorismo, mas apenas discipliná-lo, ou seja, elencar as hipóteses em que o uso da violência contra civis com a finalidade de obter mudança política seria ilícito, deixando margem para outras hipóteses em que o mesmo fato típico de terrorismo não fosse, em tese, caracterizado como crime. A Lei Nº 13.260, de 16 de março de 2016, em seu §2º

do Art. 2º, prevê que não é terrorismo:

a conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei. ( BRASIL, 2016,)

Uma vez que foram excluídas todas essas condutas, sobrou algum fato típico para ser chamado de terrorismo no Brasil pela legislação atual? Apenas os lone wolves e grupos desorganizados, pessoas que em muitos casos não estão em seu pleno juízo e merecem sofrer medidas de segurança psiquiátricas, não o rigor da lei penal. Promulgada três meses antes dos Jogos Olímpicos de 2016, realizado no Rio de Janeiro, denota-se que a Lei nº 13.260, nos moldes em que se encontra, foi feita “para americano ver”, fazendo alusão à Lei Imperial de 7 de novembro de 1831 (Lei Feijó), feita “para inglês ver”, uma vez que esta lei proibia o tráfico negreiro apenas no papel; e a Lei 13.260 seguiu o mesmo rumo, gerando mero aspecto de proteção jurídica para as delegações americanas. No nível tático aflora outra limitação, referente às hipóteses de emprego de força letal (tanto atiradores como na entrada tática). As RE específicas das tropas especiais preveem hipóteses de uso da força mais contundentes, cabíveis tanto em tempo de normalidade (DH) como de crise institucional (DIH). No entanto, a passagem de um arcabouço jurídico para outro traz novos paradigmas. Os perpetradores tornam-se Forças Adversas, alvos legítimos em operações militares, mesmo

A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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que não ofendendo bens jurídicos relevantes como a vida ou a integridade física. A missão não é mais impor a lei e a ordem, mas a defesa do Estado e de suas instituições. Mais importante, o dano colateral, incabível dentro do regramento dos Direitos Humanos, passa a ser aceitável no Direito Internacional Humanitário, desde que em níveis proporcionais e necessários. Esta mudança de paradigma não é clara na ocorrência de um atentado terrorista. Crime comum, militar, contra a humanidade ou ato de agressão? Justiça Comum, Militar, ou Internacional? Dar voz de prisão a uma pessoa presa em flagrante, lendo-lhe seus direitos, ou conceder-lhe o estatuto de Prisioneiro de Guerra, dando-lhe quartel? Estas dubiedades na aplicação da legislação cabível atormentam os operadores militares e policiais em toda fase preparatória que antecede uma operação, ainda mais quando se trata de um Grande Evento como os já mencionados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A preparação dos profissionais das armas e dos mantenedores da lei e da ordem abrange o treinamento no uso de armas, equipamentos diversos, defesa pessoal, condicionamento físico, meios de transporte, desenvolvimento de atributos como a disciplina e o espírito de equipe, bem como a aquisição de conhecimentos básicos de legislação, tudo isso é fundamental para o sucesso das operações especiais no contexto apresentado até o momento. Assim, sendo o Estado detentor do monopólio do uso da força, para disciplinar seu uso e evitar excessos e desvios, utiliza-se de documentos denominados Regras de Engajamento, que tem como objetivo regular e nortear a conduta dos agentes estatais nas suas atribuições específicas. Sem dúvida as RE não vão abarcar todas as situações possíveis e imagináveis, e nem 34 operações especiais | ano 2021

se espera isso delas. Elas são diretrizes, princípios a serem seguidos, proporcionando ao agente estatal os limites para sua atuação, e confiando em seu bom senso na interpretação e aplicação destes conceitos teóricos ao caso concreto. Ao mesmo tempo em que lhe é dado o poder para usar a força legitimamente, é dada também responsabilidade civil, administrativa e criminal, caso viole as regras. Apesar de receberem a classificação de documento de acesso restrito, as RE devem ser devidamente divulgadas a todos os elementos empregados nas operações, com a ressalva de que elas não podem ser retransmitidas a terceiros, de forma a manter o sigilo necessário do documento. Cada tropa especializada deve possuir suas próprias RE, elencando os tipos de armamentos utilizados e possíveis situações, e atentar para eventuais conflitos entre elas, como o uso de atiradores dentro de helicópteros, disparo de projéteis de grosso calibre contra aeromodelos (sejam Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT) ou drones), preservação da cena do crime para investigações em atentados com Dispositivos Explosivos Improvisados (DEI) ou elementos Químicos, Biológicos, Radiológicos e Nucleares (QBRN), entre outros. Mesmo com suas limitações, as RE visam a um bom combate, com justiça e respeito à dignidade da pessoa humana, e são essenciais para preservação da disciplina perante os elementos subordinados, e para a solução de situações de crise respeitando o Estado de Direito do qual fazemos parte, em especial durante os Grandes Eventos sediados pelo Brasil recentemente.

REFERÊNCIAS

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_______. Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, que fixa as diretrizes para o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/> Acesso em 07 Ago 2020. _______. que vel

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as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Disponível em < http://www.planalto.gov.br> Acesso em 07 Ago 2020. _______. Lei 13.260, de 16 de março de 2016, que regulamenta o inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo. Disponível em < http://www.planalto.gov.br> Acesso em 07 Ago 2020. Plano

Operacional

de

Prevenção

e

Comba-

te ao Terrorismo para a Copa do Mundo FIFA 2014 (Anexo “K” Regras

de

Engajamento),

do

Centro

de

Coordenação

de

Contribua com a Doutrina Militar.

2020.

_______. Lei complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, que dispõe sobre

_______.

Desafie-se!

Operações Especiais, é a Revista do Comando de Operações Especiais que traz um ambiente harmônico de discussão de ideias e experiências.

Preven-

ção e Combate ao Terrorismo (CCPCT), de 20 de março de 2014. _______. Portaria Normativa Nº 1.069/MD, de 5 de maio de 2011, que aprova o Manual de Emprego do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) nas Forças Armadas – MD 34-M-03. _______. Portaria Normativa Nº 2.221/MD, de 20 de agosto de 2012, que aprova a Diretriz Ministerial que estabelece orientações para a atuação do Ministério da Defesa nas atividades compreendidas nos Grandes Eventos determinados pela Presidência da República. _______. Portaria Normativa Nº 186/MD, de 31 de janeiro de 2014,

Se você gosta de assuntos relacionados aos diversos vetores das Operações Especiais, e gostaria de compartilhar seus conhecimentos e experiências, entre em contato com a Seção de Doutrina e Lições Aprendidas do Comando de Operações Especiais.

que aprova a publicação “Garantia da Lei e da Ordem”, MD-33-M-10 CONVENÇÕES

de

Genebra

e

Disponível em < http://www.icrc.org>

seus

Protocolos

Adicionais.

Acesso em 07 Ago 2020.

ACESSE:

ORDENAÇÕES Filipinas. Codigo Philippino, ou, Ordenações e leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d’El-Rey D. Philippe I. Disponível em < http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/242733> Acesso em 07 Ago 2020. WEBER, Max. A Política como Vocação (Politik als Beruf). Disponível em <http://www.conjur.com.br>

Acesso em 07 Ago 2020.

www.copesp.eb.mil.br


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A

OS 15 ANOS DOS DESTACAMENTOS DE SEGURANÇA DE EMBAIXADAS NA ÁFRICA Filipo Linhares Martins Major de Infantaria, comandante do Destacamento de Segurança da Embaixada do Brasil na República Democrática do Congo.

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s Operações Especiais (Op Esp) do Brasil englobam um amplo espectro de atividades, notadamente aquelas que não se enquadram em formatos pré-estabelecidos, com soluções padronizadas para problemas já vivenciados. Grande parte dessas atividades, particularmente as ligadas às ações indiretas, envolvem capacidades pouco praticadas em ambientes controlados, ou seja, elas requerem circunstâncias imponderáveis para serem desenvolvidas em sua plenitude. O continente africano, marcado pela instabilidade política, por conturbadas relações sociais e pela presença de grupos rebeldes armados, é o tipo de ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo que exige práticas não ortodoxas para a consecução de objetivos em todos os campos do poder. Desde 2004, nesse continente, as embaixadas brasileiras, na República da Costa do Marfim e na República Democrática do Congo (RDC), têm contado com destacamentos de segurança de embaixadas (Dst Seg Emb) compostos, em sua maioria, por operadores especiais do Exército Brasileiro (EB). Particularmente para a primeira missão na Costa do Marfim, a capacidade de pronta resposta do Comando de Operações Especiais (C Op Esp) do EB foi colocada à prova. O destacamento de operações especiais, denominado Destacamento Tigre (Dst Tigre) foi constituído, equipado e desdobrado em 48 horas. Salienta-se que a infiltração foi realizada por meio da Força Aérea Brasileira. Essa experiência gerou ensinamentos como a necessidade de se manter, em tempo de paz, frações constituídas e adestradas, prontas para o emprego imediato, e a necessidade de maior integração com as outras forças singulares. O excelente desempenho do Dst Tigre credenciou o C Op Esp como uma solução confiável para problemas com nacionais em outros

países. Logo, a embaixada brasileira na RDC solicitou, via Ministério das Relações Exteriores (MRE), a sua versão de Dst Seg Emb: o Destacamento Diamante (Dst Diamante), desdobrado em 2006. Além desse, foram preparados destacamentos para o Iraque, Mali e Síria, mas esses não chegaram a ser desdobrados. As operações de evacuação de não-combatentes são executadas por um comando conjunto (C Cj), conforme o manual de Operações de Evacuação de Não-Combatentes (MD33-M-08), do Ministério da Defesa (MD). Entre outras frações que compõem o C Cj, está o grupo avançado (Gp Avçd), que cumpre tarefas preparatórias para facilitar a evacuação, tais como: » teste das comunicações; » estudo de situação de cartas; » análise do plano de emergência de embaixada quanto à situação fática; » elaboração das informações para a operação; » identificação de ameaças; » manutenção do contato com as autoridades locais; e » informação ao comandante ou ao embaixador sobre a necessidade de destruição de material.

O manual de Operações de Evacuação de Não-Combatentes ressalta que este grupo trabalhará em ambiente hostil. Tudo isso requer tempo e conhecimento técnico para ser melhor executado. Nesse contexto, segundo a Portaria nº 353 do Estado-Maior do Exército (EME), de 23 de dezembro de 2015, os Dst Seg Emb têm a missão de prover a segurança do corpo diplomático e das instalações da embaixada, bem como de preparar uma estrutura de apoio à evacuação dos brasileiros residentes no país, denominada rede de evacuação de não comA Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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“O Dst Seg Emb realiza atividades de inteligência com o intuito de reduzir os riscos para o embaixador e para o próprio destacamento. Além disso, assessora o chefe da representação diplomática com dados de outras fontes para seus trabalhos e contribui com a produção de conhecimento dos órgãos competentes.”

batentes, e de executar, desde o seu desdobramento, diversas tarefas deduzidas. Essas ações têm favorecido os interesses do MRE e do MD, trazendo benefícios para o Estado Brasileiro. Em 2019, os operadores especiais, conhecidos pelos seus “gorros pretos”, completaram 15 anos de presença no continente africano. Mais de duzentos militares integraram 13 destacamentos na Costa do Marfim e 17 na RDC, nessa oportunidade, empregaram em idiomas e culturas diferentes, técnicas, táticas e procedimentos (TTP) especializados, trazendo enormes contribuições para o desenvolvimento doutrinário. ATIVIDADES E BENEFÍCIOS PARA O CAMPO DA DIPLOMACIA

» Segurança pessoal e patrimonial Diariamente, militares adestrados e bem equipados acompanham os chefes das representações diplomáticas e seus familiares em qualquer circunstância. Durante o expediente das embaixadas, há sempre outros militares de prontidão em locais estratégicos previamente estabelecidos. Além disso, antes dos eventos diplomáticos, operadores reconhecem os locais com antecedência, estabelecendo os contatos pessoais, verificando possíveis ameaças e planejando procedimentos em caso de contingências. Nesse contexto, pode-se destacar a busca de dados relativos à segurança no sentido de prevenir o contato com possíveis distúrbios civis com os quais as autoridades possam se deparar durante os deslocamentos. Esses procedimentos garantem a integridade física e moral dos diplomatas, permitindo a eles que desempenhem plenamente as suas atividades.

» Representatividade A presença de um representante militar junto ao embaixador do Brasil em reuniões e eventos, a exemplo do que fazem os países desenvolvidos, faz parte da rotina. Seja nas comemorações de datas nacionais, seja nas reuniões do corpo diplomático, um militar do Dst Seg permanece junto aos adidos militares de diversos países. Nessas oportunidades são tratados assuntos relativos ao campo militar, como a cooperação militar bilateral e multilateral, o acompanhamento das operações das Forças Armadas da RDC e da ONU, a atuação dos grupos rebeldes e as questões de segurança. Na RDC, o Dst integra a associação dos adidos militares de Kinshasa, capital daquele país, devido à inexistência de uma aditância militar brasileira. Tudo isso contribui para uma melhora nas relações exteriores do Brasil, projetando a expressão militar do poder nacional. » Assessoramento na área de segurança e defesa Os militares destacados em embaixadas podem contribuir com a produção do conhecimento, por interagirem com fontes de dados diferentes daquelas com as quais os embaixadores mantêm contato. A própria formação militar dá aos operadores especiais pontos de vista complementares em relação aos do corpo diplomático da embaixada. Cabe destacar a facilidade de acesso que o Dst Seg Emb possui em relação às autoridades militares locais e estrangeiras nos países. Via de regra, soma-se a isso o contato com militares brasileiros em funções destacadas nas missões da ONU, o que

A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

40 operações especiais | ano 2021 Foto do portalconsular.Itamaraty

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Foto do autor

Foto do autor Integrantes do Dst Seg Emb do Brasil no adestramento de tiro

facilita a troca de informações. Dessa forma, o assessoramento militar contribui para o aumento da consciência situacional dos embaixadores brasileiros e, consequentemente, do MRE.

» Relacionamento com nacionais expatriados Os Dst Seg Emb cadastram e visitam os brasileiros presentes nos respectivos países. Nessas oportunidades, busca-se orientar os compatriotas em relação aos procedimentos a serem adotados em caso de ocorrência de crises. Essa tarefa faz parte do plano de emergência de embaixada que prevê áreas de reunião de evacuados a serem estabelecidas conforme a necessidade. Os destacamentos mantêm redes de comunicações permanentes com esses brasileiros por meio das quais todos monitoram os níveis de alerta e a possível intensificação dos preparativos para as crises. Destaca-se a exe42 operações especiais | ano 2021

cução anual de um encontro centralizado, envolvendo a embaixada e todos os nacionais expatriados, com o objetivo de estreitar os laços entre a embaixada e a comunidade brasileira. Assim, os militares facilitam o acesso à embaixada para os brasileiros, aumentando a integração dessa comunidade no país.

» Interação entre militares e diplomatas Ao longo desses quinze anos, os integrantes dos destacamentos serviram com muitos diplomatas na África. Embora sejam carreiras de estado, com valores em comum, esses servidores dificilmente teriam a oportunidade de conhecer a outra instituição se não houvessem passado por essa experiência. Em 2019, os militares que integraram o primeiro Dst Tigre foram agraciados pelo Presidente da República com a medalha Ordem de Rio Branco, como reconhecimento pelos servi-

Integrantes do Dst Seg Emb do Brasil e militares das Nações Amigas

ços meritórios prestados na primeira missão na Costa do Marfim em 2004. Atualmente, os Dst Seg Emb confeccionam o plano de emergência da embaixada em coordenação com o corpo diplomático. Esse modelo de planejamento está consolidado e já foi exportado para embaixadas brasileiras em outros países. A consequência natural dessa convivência é o maior conhecimento mútuo, resultando um aumento da integração institucional entre o EB e o MRE. ATIVIDADES E BENEFÍCIOS PARA O CAMPO DA DEFESA

» Emprego de técnicas operacionais de inteligência O Dst Seg Emb realiza atividades de inteligência com o intuito de reduzir os riscos para o embaixador e para o próprio destacamento. Além disso, assessora o chefe da representação diplo-

mática com dados de outras fontes para seus trabalhos e contribui com a produção de conhecimento dos órgãos competentes. Ademais, essas técnicas são empregadas para o recrutamento e controle de colaboradores, em diversos círculos, com o objetivo de facilitar as tarefas logísticas e operacionais relativas à rede de evacuação de não combatentes. O emprego dessas técnicas em ambiente não controlado e sem a possibilidade de apoio convencional, que receberia em território nacional, possibilita a experimentação doutrinária, contribuindo para o aprimoramento técnico das operações especiais do Brasil. Segundo o manual de Operações Especiais (EB70-MC-10.212), muito utilizado no COpEsp, os planejadores devem ter sempre em mente que o emprego das forças de operações especiais (F Op Esp) destina-se a complementar, ampliar e apoiar os esforços de coleta e busca de dados das demais fontes de inteliA Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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gência. Portanto, a questão central encontra-se na habilidade de integrar, em toda sua plenitude, as capacidades dos meios disponíveis.

sa forma, pode-se comparar as táticas, técnicas e procedimentos (TTP) empregados pelos diversos países e adotar as melhores práticas.

» Contato com Dst Seg Emb de países da OTAN Periodicamente, os destacamentos se reúnem para a troca de informações, onde os idiomas utilizados são o francês e o inglês. Os Dst Seg Emb de Portugal, Itália e Bélgica, sendo esse último composto por operadores de forças especiais, estão entre os elementos que compõem as equipes. Esses destacamentos se revezam na condução das atividades, onde se percebe a relação profícua de apoio mútuo. É nesse convívio que surge a possibilidade de verificar o planejamento e a atuação, de cada um deles, em uma operação de evacuação. Toda essa interação possibilita que alguns militares participem de adestramentos de tiro de outras equipes, travando contato com os armamentos e equipamentos utilizados. Des-

» Motivação profissional e ganhos pessoais Para o militar integrante de um Dst Seg Emb, essa missão representa o reconhecimento profissional da instituição, pois valoriza a dedicação do militar ao aperfeiçoamento técnico-profissional e às operações especiais, muitas vezes limitadas ao emprego no âmbito do EB. As novas chances de crescimento pessoal e profissional, incluindo a compensação remuneratória, proporcionam maiores possibilidades para a consecução de objetivos familiares, os quais dificilmente seriam concretizados sem essa oportunidade. Além dos benefícios citados, a missão no exterior constitui um fator motivador para os operadores especiais, retendo, em suas fileiras, profissionais de elevado padrão e, ainda, atraindo voluntários de qualidade para os quadros do COpEsp.

» Emprego de operações psicológicas (em caráter limitado) As Operações Psicológicas são bastante utilizadas na conquista e manutenção dos colaboradores e de outros alvos de interesse para a segurança ou evacuação de brasileiros. O contato pessoal é a técnica mais empregada, embora a motivação financeira ainda seja predominante naquele tipo de ambiente. Nesse contexto, o destacamento se inseriu em círculos de todos os níveis, desde adidos militares até grupos estrangeiros de segurança armada privada, passando por autoridades locais e funcionários de outras embaixadas. Este procedimento requer posturas e abordagens completamente diferentes para cada contexto, permitindo a prática de técnicas típicas de forças especiais.

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» Aprofundamento da prática de idiomas A língua oficial dos países do continente africano em que atuam os Dst Seg Emb é o francês, assim, a maior parte dos contatos são estabelecidos nesse idioma. A comunidade internacional emprega, também, o idioma inglês. Portanto, a fim de não sofrer grande limitação no cumprimento de suas tarefas básicas, o militar brasileiro se vê obrigado a praticar e melhorar as habilidades em ambos os idiomas. As missões da ONU, as quais o Brasil tem demostrado interesse em participar, são desenvolvidas, em grande parte, em países de língua inglesa e francesa. Essa necessidade tem permitido que mais militares, voluntários para essas missões, procurem a habilitação nesses idiomas, o que gera maior qualificação dos quadros do EB.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao completarem o décimo quinto ano, as missões de segurança de embaixada brasileira na África já permitem a identificação de um grande legado. Em síntese, essas missões têm sido muito proveitosas tanto para as relações exteriores quanto para a defesa do Brasil, aumentando, assim, a projeção da expressão militar do poder nacional. Para as relações exteriores, a presença constante de militares brasileiros dos Dst Seg Emb facilita a missão da representação diplomática, tornando-a mais segura e mais bem informada. Para a defesa, as missões de segurança de embaixada permitem o aperfeiçoamento da doutrina e geram quadros mais qualificados e motivados pelo constante emprego de técnicas em ambiente não controlado e pelas oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional que são difíceis na carreira. Concluindo, as operações especiais do Brasil estão sempre evoluindo e o seu emprego no continente africano tem sido um dos vetores que compõem esse processo de evolução. Nessas missões, os destacamentos têm executado muito mais do que a simples segurança, eles são mais um instrumento de projeção do poder nacional, aproveitando a oportunidade para praticar técnicas táticas e procedimentos que dificilmente seriam treinados em ambientes controlados.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Defesa. Abreviaturas, Siglas, Símbolos e Convenções Cartográficas das Forças Armadas (MD33-M-02), 3. ed. Brasília: 2008. ______. Ministério da Defesa. Operações de Evacuação de Não Combatentes (MD33-M-08), 4. ed. Brasília: 2013. ______. Ministério da Defesa. Diretriz para as atividades relacionadas ao preparo, ao emprego e à desmobilização de militares do Exército Brasileiro empregados nos Destacamento de Segurança de Representações Diplomáticas do Brasil no exterior. Portaria nº 353 do Estado-Maior do Exército, Brasília: 2015. ______. Ministério da Defesa. Glossário das Forças Armadas (MD35-G-01), 4. ed. Brasília: 2015. ______. Ministério da Defesa. O Comando de Operações Especiais (EB70-MC-10.305) 1. ed. Brasília, DF: 2019. BRASIL. Ministério da Defesa. Operações Especiais (EB70-MC-10.212) 3. ed. Brasília: 2017.

Foto do autor Operador de Forças Especiais em treinamento de tiro

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A doutrina do Método

Sherpa Um lançamento preciso no apoio às Operações Especiais POR Bruno Fuzatto Costa Capitão do Exército Brasileiro Especialista DOMPSA

Após o atentado de 11 de setembro realizado por onze terroristas em uma série de ataques suicidas contra os Estados Unidos, os governos de vários países perceberam a necessidade de possuírem forças militares capazes de fazerem frente a esse tipo de ação. Apesar do Brasil já contar com uma força capacitada em Técnicas, Táticas e Procedimentos para combater o terrorismo, o efetivo dessas forças não condiz com as dimensões continentais do país.

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Dessa forma, em 27 de junho de 2002, por meio do Decreto Presidencial nº 4.289, foi criada a Brigada de Operações Especiais, hoje Comando de Operações Especiais (C Op Esp). Na sua organização, contava, desde o início, com Organizações Militares (OM) operativas e não operativas, as quais, integrando suas capacidades e especificidades, contribuíam para que este Grande Comando cumprisse suas missões (BRASIL, 2019, P2-3). Dentro do universo das OM não operativas, enquadrava-se o Destacamento de Apoio às Operações Especiais, que foi criado em 22 de julho de 2002, por meio do Decreto nº 336, do Comandante do Exército. Essa OM teve a sua evolução para Batalhão de Apoio às Operações Especiais (B Ap Op Esp) no ano de 2013, cuja finalidade era atender às necessidades logísticas, prover o apoio de Comando e Controle (C2) e, também, apoiar, com pessoal e material, a infiltração, por terra, mar e ar, dos elementos operacionais (BRASIL, 2005, p. 1-2). Devido às características singulares das Forças de Operações Especiais (F Op Esp), a logística é de fundamental importância, visto que sua atuação será, via de regra, em ambientes hostis, negados ou politicamente sensíveis. Assim, a partir da infiltração dos elementos operativos, ela se torna bastante restrita, chegando, em alguns casos, a cessar por completo. Tal situação limita as F Op Esp, porém, mesmo com as dificuldades existentes e as restrições impostas, o sistema logístico deve estar apto a proporcionar, com precisão e com eficácia, o apoio necessário. (BRASIL, 2005, p1-1). Nesse contexto, a organização do fluxo de suprimento para as F Op Esp é feita em 04 tipos, descritos a seguir:

a) acompanhamento: suprimento infiltrado junto com a fração das F Op Esp, para uso imediato e composto por todas as classes; b) automático: suprimento previamente planejado com o propósito de manter os níveis de suprimento; c) a pedido: suprimento eventual de qualquer classe, com itens previstos em catálogo; e d) emergencial: suprimento destinado a situações de emergência, composto por itens críticos. Devido às restrições logísticas impostas pela missão das F Op Esp e com o objetivo de aumentar a capacidade de apoio aos elementos do C Op Esp, o B Ap Op Esp iniciou os estudos para a aquisição de um meio inovador, capaz de ser empregado em favor do Comando, pois a logística das tropas de Op Esp deve estar apta a empregar meios não convencionais de suprimento (BRASIL, 2005, p. 1-1). Dessa forma, o B Ap Op Esp agregaria capacidade logística para atuação em ambiente operacional moderno, cujas características marcantes são a alta complexidade e imprevisibilidade, componentes presentes nas Operações de Amplo Espectro.

Foto do autor

Suprimentos - equipamentos e acessórios

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Em 1993, o Exército e a Força Aérea dos EUA começaram a trabalhar em direção a uma iniciativa de co-desenvolvimento que finalmente uniria seus respectivos Precision and Extended Glide Airdrop System (PEGASYS) e Precision Airdrop System (PADS) em um único programa para atender às suas necessidades operacionais combinadas. O resultado, conhecido como Joint Precision Airdrop System (JPADS), combina um paraquedas direcionável, controlado por uma unidade autônoma de orientação (equipped autonomous guidance unit - AGU) equipada com GPS, usando software avançado de controle de navegação e planejamento de missão e alimentado por uma bateria de bordo. Tudo isso acrescenta níveis incomparáveis de precisão, aumentando a capacidade de sobrevivência de aeronaves e tripulações, permitindo várias descargas de carga/vários destinos a partir de um único ponto, abrindo o uso de zonas de lançamentos menores e mais numerosas e com menos terreno para ocupar e proteger, reduzindo também o risco de detecção de tropas em terra.

Por conseguinte, a Guerra do Afeganistão (7 de outubro de 2001) serviu de palco para o batismo do produto militar, conforme relatado pelo 48 operações especiais | ano 2021

Tenente-General Gary North (2006), na entrevista para o sítio digital Air Force Technology (Air Force Technology, 2016 apud ALVES, 2015, p.21):

O JPADS oferece maior precisão do que os métodos convencionais de lançamento aéreo para fornecer suprimentos às tropas terrestres em locais extremamente remotos. Ele também realiza lançamentos de altitudes mais altas, protegendo melhor as aeronaves de entrega contra ameaças inimigas. (New Airdrop System Offers More Precision from Higher Altitudes, 2006, tradução do autor).

O Exército Brasileiro (EB) já possuía a expertise nos lançamentos aéreos de suprimento, em conjunto com a Força Aérea Brasileira (FAB), entre 600 e 1.100 pés de altura (CARVALHO, 2019, p. 13). Todavia, era latente a lacuna de capacidade nos lançamentos à grande altitude e em Zonas de Lançamentos (ZL) restritas. Assim, no ano de 2008, o EB realizou um Pedido de Cotação Internacional (PCI) para, em 2010, adquirir o equipamento guiado por GPS para entrega aérea precisa, SHERPA PADS – Ranger 700-, da empresa canadense Mist Mobility Integrated Systems Technology Inc. (MMIST), ao custo de US$ 390.000,00, valor já com a contratação do treinamento de 14 militares (SOUZA, 2017, p. 35). O produto adquirido caracteriza-se por um paraquedas de salto livre, uma unidade de controle, um controle remoto, um iPod, um computador robustecido, um repetidor de GPS, materiais de consumo sobressalentes e conjunto de baterias extras com carregador específico, além das caixas para transporte. O paraquedas possui área de 400 ft2(pés quadrados), com 09 (nove) células, linhas direcionáveis, slider (porção de velame que evita o entrelaçamento das linhas

do paraquedas, além de suavizar o choque de abertura do paraquedas principal) e uma drogue, que é um “miniparaquedas”, cujas funções são diminuir a velocidade na queda livre, estabilizar o conjunto SHERPA-caga até o comandamento do paraquedas principal, além de auxiliar o processo de abertura do paraquedas. Já a unidade de controle é a parte em que se encontram os sistemas eletrônicos, o equipamento de GPS, o barômetro, o painel de controle, encaixe para a antena e os braços direcionáveis, responsáveis por agir nas linhas direcionais e, assim, realizar as curvas necessárias para a navegação do paraquedas. Para o planejamento da missão e a inserção dos dados de massa da carga, do ponto de saída (PS), do ponto de pouso, da direção e velocidade do vento, dos pontos de controle, da seleção da forma de pouso (ideal ou eixo) e também do uso em silêncio ou em contato com

o rádio, há o computador robustecido, com software próprio. Para modificações rápidas no planejamento inicial, pode-se optar pelo uso do Ipod, que faz a modificação pela rede wifi. O controle oferece a possibilidade de direcionar a carga, de acordo com a necessidade do operador em solo, mudando, o local de pouso frente às novas condições impostas no combate. Para isso, há um botão do tipo joystick que realiza as curvas necessárias, além da frenagem antes do toque no solo, o flare, diminuindo o choque da carga no terreno. O equipamento conta, ainda com um repetidor de GPS que amplifica o sinal do mesmo para a unidade de controle, evitando perda do sinal dentro da aeronave, ou quando as condições climáticas externas forem desfavoráveis, como tempo nublado. A partir do recebimento de tal material, a lacuna existente no lançamento aéreo em al-

Imagem do autor

Assim, com a necessidade de uma logística com grande flexibilidade e adaptação às mudanças constantes e após diversificada pesquisa, verificou-se que o sistema PADS (Precision Air Drop System) era o mais viável para o tipo de apoio logístico necessário às atividades de Forças Especiais. (OLIVEIRA, 2018, p.8) Tal equipamento foi empregado com sucesso pelos Estados Unidos da América, pela primeira vez, na Guerra do Golfo (2 AGO 90 – 28 FEV 91), como exemplifica o sítio digital Air Force Technology (2016):

Material classe VII (comunicações) aproximando do alvo

Foto do autor A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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titudes mais elevadas e com maior precisão no pouso pode ser completada, uma vez que o equipamento permite lançamentos entre 5.000 AGL (limite mínimo) e 30.000 MSL pés (limite máximo) (MMIST, 2013, p. 8), podendo ser lançado como High Altitude High Opening/ High Altitude Low Opening (HAHO/HALO), ou seja, lançamentos a grande altitude, com abertura a grande altitude do velame (HAHO) e também lançamento a grande altitude, mas com abertura a baixa altitude do paraquedas (HAHO) (McGRATH; STRONG; BENNEY, 2005). Com a chegada do material ao Brasil, foi percebido que não havia manuais ou boletins técnicos nacionais para basear os adestramentos. Dessa forma, a aquisição, como já mencionada, foi de fundamental importância. A instrução básica de uso do Sherpa foi conduzida pelos instrutores do MMIST Learning Centre, responsáveis por ministrar o Ranger 700 Basic Operator Course. Ela tinha o objetivo de tornar os especialistas em Dobragem e Manutenção de Paraquedas e Suprimento pelo Ar (DOMPSA) aptos a planejarem a missão aérea por meio de um sistema informatizado, executarem a dobragem do paraquedas, a acoplagem do material à carga, o devido lançamento aéreo, o recebimento dos suprimentos pela equipe de terra e realizar a análise pós-ação, com a verificação dos dados decorrentes dos lançamentos aéreos (ALVES, 2017). Superadas as instruções básicas para operação do equipamento, os militares retornaram à sede, em Goiânia-GO, para darem início ao adestramento junto aos elementos operativos do C Op Esp, adaptando os conhecimentos adquiridos à realidade imposta pelas necessidades das F Op Esp. Tendo vista o pioneirismo na atividade de lançamento de carga inteligente, o conhecimento das possibilidades e limitações do equi50 operações especiais | ano 2021

pamento militar, por parte dos especialistas DOMPSA, foram adquiridos nos diversos adestramentos aeroterrestres. As instruções foram aumentando o nível de complexidade, com a realização de lançamentos em alturas mais elevadas, o uso do controle do equipamento em solo, a preparação de cargas diferentes e a maior interação entre os elementos DOMPSA e os Op Esp. Para o planejamento das missões de suprimento pelo ar empregando o SHERPA, os especialistas DOMPSA e Operadores Especiais levam em conta algumas limitações impostas pelo equipamento que devem, obrigatoriamente, respeitar os dados do fabricante, sob pena de não funcionamento do produto, a saber:

Material CL IX (motocicleta) em solo

a) capacidade mínima da carga suspensa de 100 libras a 700 libras (MMIST, 2013, p. 9); b) altura mínima de lançamento de 5000 ft AGL e máxima de 30.000 ft MSL (MMIST, 2013, p. 8); c) a Zona de Lançamento (ZL), em tempos de paz, deve ter um raio de 200 m, sem obstáculos que atrapalhem o pouso (cercas, árvores, cabos de rede elétrica, viaturas, construções etc (MMIST, 2013, p. 11); e d) respeito ao limite máximo da velocidade do vento de 15 knots (nós), após o velame aberto, para lançamento em segurança (MMIST, 2013, p. 11). Em relação à visibilidade e ao período

Foto do autor

(diurno ou noturno), não há limitações, podendo ser empregado conforme necessidade do planejamento da operação, sendo uma forma de ressuprimento sigiloso. Ainda sobre o mesmo aspecto, não há restrições quanto à falta de contato visual com o ponto de pouso da carga, pois o Ponto de Saída (PS) pode ser com o uso do equipamento GPS, com as coordenadas repassadas ao piloto ou ao navegador. O planejamento da missão de suprimento aéreo empregando este meio deve ser integrado com o da tripulação para acerto de detalhes como eixo de entrada da aeronave, altura de lançamento e o PS da carga. No mesmo sentido, a tripulação deve conhecer, sumariamente, o funcionamento do Material de Emprego Militar, de modo a gerar maior segurança para equipe. Outra vantagem observada no uso do material é que ele não se limita às aeronaves militares/militarizadas, podendo ser lançado também pelas civis, sejam de asa fixa ou rotativa, desde que seja possível passar com o material pela porta e permitir a ancoragem do gancho de abertura do equipamento em algum ponto. Essa flexibilidade quanto ao uso do meio aéreo, é uma característica benéfica, pois oferta flexibilidade às F Op Esp quanto à manutenção do sigilo no ressuprimento. Além disso, devido à grande envergadura do velame, ser lançado em até 30000ft MSL, e por ser um paraquedas navegável, o equipamento tem a possibilidade de uso como velame aberto, sendo lançado em um PS diferente da área de pouso, contribuindo para o sigilo do ressuprimento, aliado à precisão do sistema de posicionamento global (GPS). Sobre as cargas, não há limitação de tipo ou volume, mas apenas, como já informado, das capacidades mínima (100 libras) e máxima (700 libras) da carga suspensa , pois o modelo adquirido é o Sherpa PADS – Ranger 700. Nesse contexto, o Batalhão de Apoio às Operações Especiais já realizou ressuprimentos de CL I (gêneros de subsistência), CL II (material de intendência), CL III (combustível), CL V (munições, armamento pronto, peças de armamenA Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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to, material DQBRN), CL VI (geradores de energia), CL VIII (remédios e material médico), CL IX (motocicletas), CL X (água potável), tanto de aeronaves militares, como de aeronaves civis. Em relação à aplicabilidade do Sherpa no contexto do C Op Esp, observa-se que as Op Esp se caracterizam por diferenciada flexibilidade doutrinária (BRASIL, 2017, p. 1-2). Também, as ações de baixa visibilidade são as mais adequadas (BRASIL, 2017, p. 2-3), além das missões realizadas por F Op Esp serem, via de regra, de caráter sigiloso, tanto no seu planejamento quanto na sua execução (BRASIL, 2017, p. 2-4). Portanto, as características de sigilo e dissimulação do Sherpa, permitem, em alto grau, o processo especial de ressuprimento para a tropa que se encontra no terreno. Concluindo, as possibilidades do Sherpa já mencionadas, como o lançamento a altitudes enquadradas entre o intervalo de 5000ft AGL e 30000 ft MSL, a dirigibilidade e consequente precisão de chegada à ZL, a realização de navegação de velame aberto, com PS diferente da ZL, a capacidade de carga e de volume, dentre outras, permitem a sua utilização para o ressuprimento, sejam eles de acompanhamento, automático, a pedido ou de emergência às F Op Esp. Por fim, o emprego do Sherpa PADS – Ranger 700 permite o ressuprimento das F Op Esp em excelentes condições, sendo possível empregá-lo em ambientes hostis, negados ou politicamente sensíveis, nos quais, geralmente, as Op Esp são desenvolvidas. Dessa forma, ao B Ap Op Esp integrado com os Elm Op do C Op Esp pode aumentar a continuidade de emprego das F Op Esp infiltradas.

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REFERÊNCIAS AIR FORCE TECHNOLOGY. JPADS: circumventing GPS for next-gen precision airdrops. Disponível em <https://www.airforce-technology.com/features/ featurejpads-circumventing-gps-for-next-gen-precision-airdrops-4872436/>. Acesso em 26 de mar. 2020 ALVES, Gabriel Leite. O lançamento de cargas inteligentes e seus reflexos nas operações no amplo espectro: uma análise quanto ao seu emprego operacional. 2015. 88 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Aperfeiçoamento em Operações Militares) - Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Rio de Janeiro, 2015 BENNEY, R. et al. The joint precision airdrop system advanced concept technology demonstration. In: AIAA AERODYNAMIC DECELERATOR SYSTEM TECHNOLOGY CONFERENCE AND SEMINAR, n. 18, 2005. Proceedings of… Virgínia, 2005. BRASIL. EXÉRCITO. C 20-1. Glossário para termos e expressões usadas no Exército. Brasília, 4 .ed. Brasília, DF, 2009. ______. ______. C 31-25. Batalhão de Apoio às Operações Especiais. 1 ed. Brasília, DF, 2005. ______._______. EB 70-MC-10.305. O Comando de Operações Especiais. 1 ed. Brasília, 2019. ______. ______. EB70-MC-10.212. Operações Especiais. 3 ed. Brasília, DF, 2017. ______. MINISTÉRIO DA DEFESA. MD33-M-02. Manual de Abreviaturas do Ministério da Defesa. 3 ed. Brasília, DF. 2008. CARVALHO, Rafael Marzullo. Emprego do lançamento inteligente de cargas em apoio à companhia de precursores paraquedistas em operações aeroterrestres. 2019. 27 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Aperfeiçoamento em Operações Militares) - Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Rio de Janeiro, 2019. MMIST. Parachute System Manual (065003-007 BRAZIL). Ontário, 2014. MORELANDS, S.; JASPER, S. A comprehensive approach to operations in complex enviroments. Monterrey: Calhoun, 2014. OLIVEIRA, André Santos De. Estudo da eficiência e efetividade do lançamento de bordo rasante em comparação com o lançamento de cargas inteligentes nas Forças Armadas brasileiras. 2018. 27 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Aperfeiçoamento em Operações Militares) - Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Rio de Janeiro, 2018. SOUZA, Erick Cozzo Betat de. Emprego estratégico de lançamento inteligente de cargas. Revista da UNIFA, v. 30, n. 1. Rio de Janeiro, 2017.

Lançamento livre de ressuprimento em apoio às F Op Esp Foto do autor

Glossário: No que diz respeito ao apoio logístico às Forças de Operações Especiais, empregando a técnica de suprimento pelo ar, que foi focado no presente artigo, cabe esclarecer alguns conceitos para o melhor entendimento do trabalho. Nesse sentido, descrevem-se a seguir alguns conceitos extraídos do EB70-MC-10.305 – O Comando de Operações Especiais (2019): Operações Especiais (Op Esp): são operações conduzidas por forças militares especialmente organizadas, treinadas e equipadas, em ambientes hostis, negados ou politicamente sensíveis, visando a atingir objetivos militares, políticos, psicossociais e/ou econômicos, empregando capacitações militares específicas não encontradas nas forças convencionais. Podem ser conduzidas de forma singular, conjunta ou combinada, normalmente em ambiente interagências, em qualquer parte do espectro dos conflitos;

Força(s) de Operações Especiais (F Op Esp): são forças destinadas à execução das Operações Especiais - frações de Forças Especiais, Comandos e os seus apoios que possuem habilitações e especializações para operar em ambientes hostis, negados ou politicamente sensíveis. As F Op Esp, em termos gerais, podem ser caracterizadas por serem tropas de altíssimo desempenho que realizam missões especiais baseadas em suas capacidades específicas. Também são consideradas F Op Esp as tropas especiais análogas das demais Forças Singulares;

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Por Ruan Schettine

Nesse sentido, destaca-se a importância do combate contra os dispositivos explosivos improvisados (DEI), também chamados de artefatos explosivos improvisados (AEI) ou do contra o outro deu lugar aos improvised explosive device chamados conflitos humaniza- (IED). Na Colômbia, tais métodos, no qual a população en- dos foram utilizados pelas Forcontra-se inserida no meio da ças Armadas Revolucionárias guerra. São bons exemplos: a Colombianas (FARC) e pelo invasão do Afeganistão e as in- Exército de Libertação Naciocursões no norte do Paquistão nal (ELN) contra o Exército realizadas pelos Estados Uni- Colombiano. Nos confrontos dos, os conflitos Israel-Pales- do Oriente Médio, os DEI fotina e Israel-Hezbolah. Esses ram responsáveis por inconconflitos, chamados por alguns táveis baixas nas Forças de especialistas de irregulares e Segurança da OTAN, além de assimétricos, estão presentes causar um grande impacto na no contexto das operações de opinião pública internacional. A ação contundente de amplo espectro, fomentados pelo avanço da tecnologia e grupos terroristas, de orpor interesses econômicos. ganizações criminosas e do

Capitão do Exército Atual Subcomandante da Companhia de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear do Comando de Operações Especiais

A

Defesa Química, Biológica, Radiológica, Nuclear (DQBRN) vem assumindo importância cada vez maior no cenário mundial, notadamente nos conflitos atuais, nos quais emerge a possibilidade de emprego de agentes QBRN como armas do terror. Após o final da Guerra Fria ocorreu uma mudança na ordem mundial que pôde ser refletida na caracterização de novos padrões de conflitos. O espaço de batalha que antes era caracterizado por um Esta-

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Imagem do filme The Hurt Locker

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? Técnicas de reconhecimento de um DEI narcotráfico tornou o terrorismo globalizado e gerou grandes ameaças à estabilidade mundial, desafiando o poder estatal. Desta forma, urge a preocupação de Estados e organismos internacionais de defesa com a ameaça das armas de destruição em massa, como agentes químicos, biológicos, radiológicos e nucleares, integrados em dispositivos explosivos. A utilização de um explosivo combinado com algum agente QBRN tem duplo efeito: a alta capacidade destrutiva da onda de choque e o efeito tóxico dos agentes, tornando-se uma excelente arma do terror. O grupo terrorista Estado Islâmico manifestou por meio de sua revista “Dabiq”, o interesse em desenvolver armas de destruição em massa, conforme publicado: O Estado Islâmico (EI) tem em mãos material radioativo suficiente para construir uma grande e devastadora “bomba suja”, que combinaria mate-

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Imagem do autor

rial radioativo com explosivos convencionais, informou ontem o jornal britânico “Independent”, citando relatórios da Inteligência australiana. O EI já declarou à revista jihadista “Dabiq” sua ambição de desenvolver armas de destruição em massa. Autoridades de Defesa da Índia já haviam alertado para a possibilidade de o EI conseguir armas nucleares no Paquistão (Agência O Globo, 2015).

No dia 20 de março de 1995, um ataque terrorista executado por membros de um culto religioso chamado Aum Shinrikyo no metrô de Tóquio, terminou com a morte de dezenas de pessoas e centenas de feridos. Naquela ocasião foi utilizado o agente químico de guerra Sarín. No dia 13 de agosto de 2013 em Damasco na Síria, o Estado Islâmico lançou foguetes contendo gás Sarín sobre a população local causando centenas de baixas e feridos. Esse fato foi confirmado pela Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ).

Acionamento eletrônico - Circuitos integrados, componentes complexos que permitem funções de acionamento diversificadas e sofisticadas; Acionamento elétrico - Acionamento pelo simples contato de polos positivo/ negativo; e Acionamento mecânico - Acionados por sistemas de percussão ferem uma cápsula iniciadora que detona uma espoleta pirotécnica. Cabe destacar que esses dispositivos podem ser combinados com outros elementos, como materiais que se fragmentam, agentes químicos, toxinas biológicas e material radiológico. Indiscutivelmente, a perspectiva mais alarmante de todas é o ataque com agentes radiológicos, uma vez que não existe nenhuma fórmula de descontaminação contra radiação ionizante e os efeitos podem ser imediatos e duradouros. Como exemplo da letalidade desses agentes, podemos citar a morte do ex-espião russo Alexander Litvinenko em 2006 e do Líder Palestino Yasser Arafat em 2004, ambos suspeitos de terem sido envenenados por Polônio-210. Um Dispositivo Nuclear Improvisado (DNI) é um tipo de artefato explosivo integrado com material radiológico. Pode ser apresentado sob duas formas: DDR (Dispositivo de Dispersão Radiológica) e DER (Dispositivo de Exposição Radiológica). O DDR é composto por explosivos comerciais, uma fonte radioativa e um simples sistema de acionamento. Com a detonação de um DDR, uma onda de choque é causada gerando uma expansão de gases e uma zona de alta pressão, que servirá de propulsão para o material radioativo sobre um Foto do autor determinado local, podendo atingir uma área Dispositivo explosivo improvisado muito maior do que a da explosão e produzir consequências danosas. Os DDR são conhecidos Essesdispositivos,namaioriadoscasos,dividem- também como bombas sujas (Dirty Bombs) e -se em três formas fundamentais de acionamento: geram danos físicos, biológicos e psicológicos. Para referir-se aos artefatos explosivos feitos de maneira artesanal, o Exército Brasileiro utiliza-se da nomenclatura – dispositivo explosivo improvisado (DEI), que tem o poder altamente destrutivo, uma confecção relativamente fácil e ainda podem ser escondido sem maiores dificuldades. O termo dispositivo explosivo inclui mísseis, morteiros, foguetes, minas, cargas de demolição, materiais pirotécnicos, granadas, torpedos, dentre outros. De forma geral, podem ser convencionais (munições) ou improvisados. O Manual de Campanha de Minas e Armadilhas (C 5-37) utiliza a nomenclatura “outros artefatos” para referir-se aos dispositivos explosivos improvisados: São armas e artefatos colocados manualmente, inclusive artefatos explosivos improvisados concebidos para matar, ferir ou danificar, e que são ativados manualmente, por controle ou automaticamente, após algum tempo” (BRASIL, 2000, p. 8-1).

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Cia DQBRN, destacam-se as seguintes missões:

Foto do autor

Dispositivo de dispersão radiológica

Um DER pode ser encontrado sob a forma de fontes radiológicas isoladas na natureza, como aparelhos de radiografias e equipamentos industriais. O acidente com o agente radiológico Césio – 137 ocorrido em Goiânia em 1987, pode ser citado como um exemplo de um dispositivo de exposição radiológica. Proteção Contra Dispositivos Explosivos Improvisados Integrados Com Agentes QBRN

O Exército Brasileiro, por intermédio do Sistema de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (SISDQBRNEx) vem aprimorando sua capacidade de resposta no enfrentamento aos perigos QBRN. A Companhia de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear do Comando de Operações Especiais, Força de Emprego Estratégico do Exército, caracteriza-se como uma Organização Militar que possui quadros altamente especializados devido a sua natureza de emprego e equipamentos de DQBRN com elevado valor agregado, com a missão peculiar de prestar o apoio de DQBRN às Operações Especiais. Segundo a doutrina atual de emprego da 58 operações especiais | ano 2021

a. Apoiar a instrução e o adestramento do C Op Esp nos assuntos pertinentes às operações de DQBRN; b. Propor ao C Op Esp as necessidades de especialização e de capacitação de pessoal na área de DQBRN; c. Assessorar e prestar apoio ao COpEsp, no que se refere ao combate especializado nos aspectos relativos à Defesa QBRN, ao uso de agentes não letais e à proteção contra Dispositivos de Dispersão Radiológica (DDR) e Dispositivos Explosivos Improvisados (DEI) que utilizem agentes QBRN; e d. Realizar a neutralização/desativação de DDR e DEI no âmbito das operações do C Op Esp.

Recentemente, o Brasil foi sede de importantes eventos que contaram com um esquema de segurança bastante complexo. Nessas oportunidades, a Cia DQBRN realizou atividades de reconhecimento e vigilância QBRN em coordenação com equipes especializadas em desativação de artefatos explosivos da Polícia Federal, da Força Nacional de Segurança Pública e do Destacamento Especial de Engenharia de Desativação de Artefatos Explosivos do Exército Brasileiro, esse último formado especificamente para atuar durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, Rio 2016. Atualmente a Cia DQBRN possui em seu Quadro de Cargos (QC) um Pelotão de Desativação de Artefatos Explosivos QBRN, que se encontra em fase de estudo para ativação, na seguinte composição: uma Seção de Comando, uma Seção de Explosivos e uma Seção de Cães de Guerra. Cabe ressal-

tar, que esta Subunidade DQBRN tem a necessidade de constante atualização de seus quadros, visando uma eficiente atuação no combate e na proteção contra os DEI e agentes QBRN. No tocante ao material específico para o emprego dentro de um cenário DEI + agentes QBRN, a Cia DQBRN conta com materiais específicos para a proteção, reconhecimento e identificação de explosivos e agentes QBRN, bem como equipamentos de descontaminação, conforme quadro abaixo:

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso de agentes QBRN associados a explosivos vem chamando a atenção de autoridades e organismos de defesa em todo o mundo. O Exército Brasileiro, por meio do SISDQBRNEx, atribuiu à Companhia DQBRN a missão de apoio ao ao Comando de Operações Especiais no tocante à Defesa QBRN e a neutralização/desativação de Dispositivos de Dispersão Radiológica (DDR) e DispositivWos Explosivos Improvisados (DEI) que utilizem agentes QBRN. Nesse sentido, a Cia DQBRN vem buscando atualizar sua doutrina, organização, adestramento, material, educação, pessoal e infraestrutura (DOAMEPI), realizando exercícios, participando de adestramentos conjuntos e operações interagências, com o objetivo de proporcionar ao Comando de Operações Especiais e ao Exército Brasileiro uma Defesa QBRN cada vez mais eficiente e eficaz. Além disso, vem mantendo uma estreita ligação com equipes especializadas em desativação de dispositivos explosivos do EB e de outras agências, por meio de pedidos de cooperação de instrução, possibilitando o treinamento de técnicas, táticas e procedimentos referentes à ocorrência de incidentes/acidentes envolvendo explosivos e agentes QBRN.

REFERÊNCIAS Foto: Sputnik – de Nova Délhi

Explosão de Dispositivo Explosivo Improvisado perto da embaixada israelense em Nova Delhi, Índia, em 29 de janeiro de 2021.

Foto: Exame.com

Foram encontradas bombas caseiras no Capitólio, Washington, nas manifestações durante a contagem de votos para presidente dos Estados Unidos da América em janeiro de 2021. 60 operações especiais | ano 2021

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A SINERGIA ENTRE AS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS E AS OPERAÇÕES ESPECIAIS Cap Cav VINICIOS MARTINS DO VALE Cap QMB DIEGO AMARO PEREIRA

A evolução da doutrina de combate tem exigido cada vez mais de seus atores o aperfeiçoamento de Técnicas, Táticas e Procedimentos (TTP), tornando o soldado de hoje um profissional altamente especializado. Tamanha especialização permite uma melhora substancial na qualidade dos trabalhos realizados por uma força, porém exige que haja maior integração entre suas diferentes capacidades. Especialistas de diferentes áreas, ao sincronizar esforços, resultam em maior poder de combate – é a chamada interoperabilidade. Este conceito, porém, não é novo. Forças armadas ao redor do mundo vêm, há tempo, buscando meios de assegurar a eficiência nos trabalhos integrados entre diferentes especialidades. A capacidade que tropas de natureza singular entre si têm de operar juntas, também é balizada pelo conceito de complementariedade, ou seja, quando os trabalhos das duas frações se somam e anulam possíveis deficiências que elas possam apresentar individualmente. As Operações Psicológicas (Op Psc) e as Operações Especiais (Op Esp) são um excelente exemplo desta necessidade de integração. Conhecidas por sua forma incomum de combater, ambas as especialidades possuem maneiras bem características de conduzir seus trabalhos. Enquanto as Op Psc buscam a mudança de comportamento de públicos-alvo estabelecidos, as Op Esp trabalham com alvos estratégicos de altíssimo risco, sendo especialistas em guerra não convencional, reconhecimento especial, operações contra forças irregulares e contraterrorismo. Porém, é na integração destas duas capacidades que o poder de combate é multiplicado. Diversos são os exércitos no mundo que entendem que a sinergia entre essas duas tropas é essencial. A própria história militar moderna é repleta de exemplos nos quais as operações psicológicas nascem praticamente na clandestinidade e, com o passar do tempo, vão sendo sistematizadas e aproximadas das operações especiais. 62 operações especiais | ano 2021

Foto do autor Operadores psicológicos utilizando a panfletagem em operações

OP PSC E OP ESP EM ALGUMAS NAÇÕES pondentes. Face ao seu emprego estratégico, DA OTAN a Wellington House esteve sempre subordinada aos mais altos níveis do Gabinete de GuerNo exército britânico, por exemplo, o uso do ra Britânico. Diferentemente da propaganque hoje chamamos de operações psicológicas da alemã, a britânica não tinha assinatura foi feito pela primeira vez durante a Primeira estatal, valendo-se de intermediários para a Guerra Mundial, fruto da necessidade em se fa- disseminação dos produtos (SANDERS, 1975). zer frente à disseminação de notícias falsas pelos Hoje, o Exército Britânico conta com a 77th alemães. Desta forma, foi criada uma organiza- Brigade como elemento apto a conduzir suas ção de atuação secreta que fosse capaz de coor- operações psicológicas. Esta estrutura é subordenar atividades de propaganda direcionadas à dinada à 6th Division, escalão que reúne outras opinião pública estrangeira: a Wellington House. brigadas cujas capacidades incluem a condução Esta organização governamental britâni- de guerra irregular, exploração do ambiente ca tinha como missão estudar a imprensa es- eletrônico, cibernético e informacional, além de trangeira, conhecer as tendências da opinião atividades de contrainteligência. Integram a 6th pública, traduzir e publicar qualquer matéria Division duas unidades de forças especiais (21 que pudesse ter efeito positivo e alimentar & 23 Special Air Service Regiment). Apesar da com notícias favoráveis os jornalistas corres- 77th Brigade não estar subordinada à estrutuA Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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ra conjunta de operações especiais (United desmobilizar toda sua capacidade de propaKingdom Special Forces), vemos que seu ganda, vindo a resgatá-la somente em 1941, escalão enquadrante (6th Division) possui durante a 2ª Guerra Mundial. Neste conflia capacidade de integrar as atividades de to, grande foi a contribuição das operações operações psicológicas e de forças especiais. psicológicas, principalmente eliminando a Nos Estados Unidos, o uso de técnicas intenção de combate por parte do inimigo. de propaganda para influenciar o inimiEm 1950, já no período pós-guerra, o Gego também foi sistematizado na Primeira neral de Brigada Robert McClure foi nomeaGuerra Mundial. A partir de 1918, o Exérdo Chefe da Divisão de Guerra Psicológica do cito dos Estados Unidos sentiu a necessidaExército Americano, tendo como um dos seus de de “implementar o fator psicológico no grandes feitos a criação do Centro e Escola de combate”, comissionando o jornalista HeGuerra Psicológica (U.S. Army Psychological ber Blankenhorn diretamente como CapiWarfare Center and School), no Forte Riley, tão para levar a cabo esta ideia. Sua missão Kansas. Este centro tinha como missão dar foi desenvolver e comandar a recém-criada o suporte doutrinário e o treinamento adeSubseção de Propaquado tanto em guerganda, subordinada ra psicológica quanto à Seção de InteligênA partir de 1918, o Exército dos em guerra irregular. cia Militar do Depar- Estados Unidos sentiu a necessidaAnos depois, em tamento de Guerra. de de “implementar o fator psicoló- 1952, esta estrutura foi (BRUNTZ, 1938). gico no combate”, transferida para o Forte Face à natureza Bragg e, em 1956, muheterodoxa das ações propostas, inúmeras dou sua denominação para Centro de Operaforam as dificuldades encontradas pelo Cap ções Especiais/Escola de Operações Especiais Blankenhorn para convencer seus chefes da do Exército dos EUA (U.S. Army Center for importância em se conduzir uma campanha Special Warfare/U.S. Army Special Warfare orquestrada de operações psicológicas sobre School), mantendo sua missão de desenvolver a tropa inimiga. O próprio presidente dos EUA doutrina e fornecer treinamento para tropas à época, Woodrow Wilson, se opunha a essa de Forças Especiais e Operações Psicológicas. ideia, sendo convencido do contrário apenas Desde então, as unidades de forças esapós longo assessoramento do seu Secretápeciais e operações psicológicas do Exérrio da Guerra, Newton Baker. (TRACY, 2018). cito Americano compartilham não só a No improviso, a equipe de 28 homens subordinação ao 1º Comando de Forças do Cap Blankenhorn produziu mais de Especiais (1st Special Forces Command), três milhões de cópias de 21 panfletos mas também aspectos doutrinários de emdistintos durante o conflito, contribuinprego, fator primordial na garantia da indo para o abatimento do moral e comproteroperabilidade entre seus especialistas. metimento da coesão das tropas alemãs. Na Itália, também verificamos a estrutura Apesar do reconhecido êxito das ações de operações psicológicas subordinadas a um psicológicas, o Exército Americano resolveu comando de operações especiais. O 28º Re64 operações especiais | ano 2021

Foto do autor

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gimento “Pavia”, unidade singular responsável pela condução de operações psicológicas, que é subordinado diretamente ao Comando delle Forze Speciali dell'Esercito, unidade no nível brigada responsável por adestrar e empregar as forças de operações especiais do exército italiano. Diferentemente do que vimos nos EUA e Grã-Bretanha, na Itália as operações psicológicas são vistas como apoio às operações especiais, sendo o 28º Regimento “Pavia” classificado como Unidade de Suporte Operativo das Operações Especiais (SOOS-TIER 2). Seus integrantes acumulam diversas participações em conflitos ao redor do mundo, como Iraque, Afeganistão, Kosovo e Líbano. OP PSC E OP ESP NO BRASIL

As Operações Especiais foram implantadas e desenvolvidas no EB a partir de experiências obtidas por militares brasileiros em visitas, cursos e estágios realizados nas instalações do Exército dos EUA. Mais tarde, as Op Psc do Exército Brasileiro (EB) seriam desenvolvidas após a observação de novas demandas nas atividades de Op Esp. O primeiro curso de Op Esp do EB foi iniciado em 1957 graças à iniciativa do então Maj Gilberto Antônio Azevedo e Silva. Oficial de Infantaria e Paraquedista, o Maj Gilberto realizou diversos treinamentos no Exército dos EUA no ano de 1956 e vislumbrou a necessidade de disseminar os conhecimentos lá adquiridos na Força Terrestre brasileira. Esse esforço culminou na formação da primeira turma de concludentes do curso de Op Esp do EB, os chamados “pioneiros”, a qual era composta por 16 militares, sendo 11 oficiais e 05 praças. Dois dos oficiais “pioneiros”, Cap Thaumaturgo Sotero Vaz e Cap José Carlos de Saraiva dos Santos, foram os responsáveis pela im66 operações especiais | ano 2021

plementação do primeiro curso de operações psicológicas do EB. O curso foi realizado no CEP, em 1966, e seu conteúdo programático foi elaborado a partir das experiências adquiridas pelo Cap Thaumaturgo no curso de Op Esp e também em intercâmbio com militares de outras nações quando participou do curso de contrainsurgência na “Escola das Américas”, no Panamá, no início da década de 1960. SINERGIA ENTRE OP PSC E OP ESP: O CASO DA CRIMEIA

Caso emblemático e de repercussão mundial, o conflito da Crimeia, em 2014, expôs o desenvolvimento de modernas estratégias de guerra irregular. Ao não assinar um acordo de cooperação econômica com a União Europeia (UE) no final de 2013, o Presidente da Ucrânia, aliado do governo da Federação Russa, despertou o descontentamento de grande parte da população de seu país. Ocupações de praças públicas e protestos pacíficos irromperam em diversas localidades, desafiando a autoridade do Governo Ucraniano. Os descontentes situavam-se principalmente no oeste e centro do país, já que os habitantes das porções sul e leste, incluindo aí a estratégica península da Crimeia, possuem estreitos laços culturais e étnicos com a Rússia. A Federação Russa, antevendo a possibilidade da derrubada de um governo aliado, iniciou a execução massiva de Operações de Informação1, ainda em 2013. Visando influen1 As Operações de Informação (Op Info) consistem na atuação metodologicamente integrada de capacidades relacionadas à informação, em conjunto com outros vetores, para informar e influenciar grupos e indivíduos, bem como afetar o ciclo decisório de oponentes, ao mesmo tempo protegendo o nosso. Além disso, visam a evitar, impedir ou neutralizar os efeitos das ações adversas na Dimensão Informacional (BRASIL, 2014, p. 3-1).

Foto do autor Operadores psicológicos em operações

ciar distintos públicos-alvo, coletou dados negados por meio de ataques cibernéticos, guerra eletrônica e ações de inteligência, utilizando os produtos dessa coleta para operacionalizar uma sofisticada campanha de propaganda. Para obterem-se os efeitos psicológicos desejados, campanhas distintas foram empregadas para diferentes públicos-alvo. Pretendendo insuflar segmentos populacionais favoráveis à Rússia, disseminaram-se boatos sobre perseguições à russos étnicos e atitudes nazistas por parte das forças armadas ucranianas. Com o propósito de atrair a simpatia de países com forte sentimento antiamericano, as massas revoltosas da Ucrânia foram retratadas

como marionetes utilizadas na campanha contra a Rússia, promovida pelos EUA e pela OTAN. Quando o presidente pró-Rússia foi destituído pela Câmara Ucraniana, em 22 de fevereiro de 2014, iniciou-se a fase cinética das ações russas. Além de tropas regulares serem deslocadas para a região fronteiriça entre os dois países como forma de dissuasão, forças especiais russas iniciaram uma extensa infiltração em território ucraniano, principalmente na Crimeia, utilizando uniformes sem insígnias. Esses militares receberam a alcunha de “Little Green Men”, “Pequenos Homens Verdes” na tradução livre para o português. Os militares infiltrados contaram com A Revista do COpEsp | Edição Nº 1

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o valioso apoio dos habitantes locais. Apelando para os sentimentos de pertencimento a um grupo étnico e conclamando este grupo a lutar contra um inimigo comum, as Op Psc russas criaram condições para a atuação de forças especiais russas nas áreas de interesse. Depois de infiltradas, as equipes lograram realizar eficientes ações indiretas2, mobilizando, adestrando e equipando milícias pró-Rússia. Na Crimeia, essas forças irregulares expulsaram as tropas ucranianas das bases ali presentes, criando as condições para que a Câmara Autônoma da Crimeia convocasse um plebiscito versando sobre a separação do território da Ucrânia. Tanto na Crimeia como em outras regiões rebeldes da Ucrânia, as primeiras instalações a serem ocupadas pelas milícias eram estações de rádio e emissoras de televisão. Dominadas, elas passavam a retransmitir grades de programação de canais russos ao invés da programação ucraniana (SAZONOV; KOPÕTIN, 2015). O emprego sinérgico de diversas Capacidades Relacionadas à Informação (CRI) e das Operações Especiais por parte da Federação Russa, demonstrou-se um poderoso instrumento para alcançar Estados Finais Desejados3 com grande economia de meios. Conforme atesta Giles (2015), especialista da OTAN: Isso demonstra que a competência em telecomunicações adequada estava disponível para as forças especiais russas envolvidas na operação e aponta para uma interface totalmen-

2 Consiste na organização, desenvolvimento, equipagem, instrução, direção e/ou assessoramento de forças irregulares, regulares, auxiliares e de atores estatais e não estatais, para a consecução de objetivos políticos, econômicos, psicossociais e/ou militares em situação de guerra e de não guerra. As ações indiretas são realizadas por integrantes das forças especiais (BRASIL, 2017, p. 3-6). 3 Situação política ou militar a ser alcançada ao final das operações e que indica se o efeito desejado foi alcançado (BRASIL, 2015, p. 108).

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te nova entre operações cibernéticas, operações de informação e operações cinéticas, algo que os planejadores ocidentais devem estudar de perto (GILES, 2015, p. 13, tradução nossa).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aproximação entre operadores de forças especiais e operadores psicológicos encontra inúmeras justificativas. Ambas as capacidades operativas têm como cerne a constante especialização dos seus operadores, tornando-os aptos a se adaptarem às evoluções do combate moderno. Tamanha especialização tem elevado sobremaneira a qualidade no cumprimento das missões, haja vista estas tropas terem de enfrentar um ambiente operacional cada dia mais complexo. Assim, para que se possa aproveitar plenamente a expertise de cada especialidade, é importante que haja sinergia não só entre os operadores, mas principalmente doutrinária. Pela própria característica das operações especiais, é imprescindível que se busque sempre agregar valor psicológico às ações de combate. Um Destacamento Operacional de Forças Especiais (DOFEsp), com suas refinadas táticas, técnicas e procedimentos, pode e deve sempre contar com a capacidade dos Destacamentos de Operações Psicológicas (Dst Op Psc), no que diz respeito à atuação nas dimensões humana e informacional. Devidamente integradas, estas duas frações são capazes de multiplicar poder de combate e contribuir de maneira única para o êxito das ações conduzidas por uma Força de Operações Especiais. Esta coordenação é conduzida pelo Comando de Operações Especiais (COpEsp), Grande Unidade do Exército Brasileiro que enquadra tanto o 1º Batalhão de Forças Especiais como o 1º Batalhão de Operações Psicológicas. O trabalho conjunto destas duas ca-

pacidades operativas se faz ainda mais importante no contexto da guerra irregular. Não por acaso, o COpEsp é o responsável, no âmbito do EB, pelo planejamento e condução de uma campanha de guerra irregular. Sua capacidade de empregar e integrar estas forças, sob um comando único, materializa a sinergia e interoperabilidades desejadas. Na guerra irregular, o emprego das operações especiais se dará principalmente por meio das chamadas ações indiretas. Este tipo de ação tem por base o trabalho com a população local, sendo condição indispensável desde o início dos trabalhos a conquista de seus “corações e mentes”. Os DOFEsp possuem capacidade limitada de conduzir uma campanha de operações psicológicas, cabendo aos Dst Op Psc o seu desenvolvimento de forma plena. Assim, ainda no contexto da guerra irregular, esta integração deve ser feita de maneira metódica, já que algumas das ações propostas no plano de campanhas de operações psicológicas poderão ser levadas a cabo por elementos de forças especiais. Dessa forma, o Comando de Operações Especiais é peça chave na garantia da interoperabilidade e complementariedade entre essas duas capacidades operativas. O emprego sinérgico das capacidades depende do conhecimento mútuo de suas formas de emprego, das características, limitações e demais peculiaridades tanto das Op Psc como das Op Esp. No âmbito do COpEsp, o adestramento e o emprego conjunto têm assegurado que estes dois importantes vetores de dissuasão da Força Terrestre estejam cada vez mais integrados, multiplicando, assim, poder de combate.

REFERÊNCIAS GILES, KEIR. The Next Phase Of Russian Information Warfare. Estônia, 2016: NATO Strategic Communications Centre of Excellence. Disponível em: <https://www.stratcomcoe.org/download/ file/fid/5134>. Acesso em: 07 abr. 2020. LANOSZKA, ALEXANDER. Russian hybrid warfare and extended deterrence in eastern Europe. Oxford, 2016: The Royal Institute of International Affairs. Disponível em: <https://www.stratcomcoe.org/download/file/fid/3512>. Acesso em: 07 abr. 2020. SANDERS, M. L. Wellington House and British Propaganda during the First World War. The Historical Journal, 1973. SAZONOV, V.; KOPÕTIN, L. Russia’s information warfare against Ukraine. In: Russian Information Campaign Against The Ukrainian State And Defence Forces. Estônia, 2016: NATO Strategic Communications Centre of Excellence. Disponível em: <https://www.stratcomcoe.org/ download/file/fid/5234>. Acesso em: 07 abr. 2020. TRACY, JARED M. 100 years of subterfuge: the history of Army psychological operations. US Army, 2018. Disponível em: <https://www.army. mil/article/199431/100_years_of_subterfuge_ the_history_of_army_psychological_operations>. Acesso em: 05 abr. 2020.

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V AL O R E S M I L I TAR E S

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“Tudo por um ideal.”


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