REVISTA NÓ NA PALAVRA 2019

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Dara Basali

Pai contra Mãe Apesar de minha mãe ter falecido pouco depois de eu nascer e meu pai nunca ter sido um rosto conhecido para mim, não posso dizer que minha infância foi ruim. Passei a minha vida com minha tia Mônica, irmã da minha mãe, que se surpreendeu ao saber da morte dela e do meu nascimento, minha mãe era uma moça misteriosa. Quando pequena minha atividade preferida era dançar, eu não era boa como essas outras mulheres, apenas mexia meu corpo sem ritmo algum. Conforme eu fui crescendo essa atividade foi se afastando mais de mim, afinal, costurando diariamente com a titia era difícil fazer qualquer outra coisa, mas não estou tentando me fazer de coitada. Quando fiz doze anos tive meu primeiro namorado, eu sempre fui atrasada comparada às outras garotas, minha tia não se importava tanto, eu, por outro lado ficava muito aborrecida. Com essa idade as moças já se casavam, e eu não era feia, era apenas comum. Aos vinte e dois conseguia contar alguns, não muitos, relacionamentos que tive durante esses dez anos de mulher, eu estava passando da idade de casar e, mesmo que eu ame minha tia, não gostaria de acabar como ela. Eu não era exigente, se fosse pedida casaria com qualquer um que eu havia namorado, mas por algum motivo nenhum se interessava por mim a nível de casar, mas no mesmo ano conheci Cândido, ele já estava mais velho e trabalhava entalhando ofícios. Já namorávamos há quase um ano quando Candinho, comecei a chamá-lo assim para ser mais carinhosa, pediu a minha mão, eu aceitei sem hesitar ou escutar os conselhos que minhas amigas davam, era a minha única chance e ele não era um homem ruim, apesar de não ter emprego no momento. Mas eu não o amava mais ou menos do que qualquer outro homem que fizera parte da minha vida, como eu disse, casaria-me com qualquer um. Acho que essa é a minha justificativa por tê-lo traído. Foi pouco após o nosso casamento que comecei a conversar com outro homem, não sei explicar o que me levou a fazer isso, afinal Candinho não era ruim, acho que eu buscava intensidade.

Algumas semanas depois percebi que estava grávida, contei ao meu marido e à titia, Cândido ficou muito animado ao saber da novidade, ele pensava que o filho era dele, minha tia, por outro lado, sabia do meu caso com outro homem, e acho que esse foi um dos motivos para ela ter sido contra esse bebê desde o início, sugerindo que o colocássemos na roda. No começo discordei da ideia, assim como Candinho, mas ao passar das 38 semanas ambos percebemos que ter mais uma boca para alimentar não era uma ideia sensata. No dia nove de junho nasceu meu filho, mulato. Meu marido não disse nada a respeito, mas começou a olhar para mim diferente, parecia desprezar-me. Não muito tempo depois do nascimento, Cândido foi levá-lo à roda. No momento em que a porta fechou eu desabei, chorei por uma hora seguida, sabendo que nunca mais veria meu bebê, e que eu era a única que se importava com ele, pois assim como eu, meu filho nunca conhecera o rosto de seu real pai. Fiquei aflita por muitas horas, seis ou sete, talvez mais, foi quando ouvi a porta se abrindo e vi não só Candinho, como meu pequeno, que ainda não havia sido nomeado. Na hora acho que o sentimento foi alívio, um alívio bem maior do que eu já tinha sentido na vida, não só por ter meu pequeno comigo, mas também por saber que meu companheiro havia, de certo modo, o aceitado como seu também. Enquanto peguei meu neném, titia já perguntava o que ele estava fazendo dentro de casa, e Cândido contou que enquanto andava na rua encontrou Arminda, uma escrava que estava sendo procurada e quem a encontrasse ganharia uma recompensa de cem-mil réis. Ele então fez o procedimento de captura, apesar de a escrava estar grávida, assim como eu estava pouco tempo antes, e quem sabe, do mesmo homem. Não conseguia parar de pensar em como éramos parecidas, eu e Arminda, apesar de nunca tê-la conhecido, e também não parava de pensar que talvez eu estivesse errada em relação ao meu marido e que talvez meu filho nunca seja dele.


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