Manuel Jardim Memória de um Percurso Inacabado

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MANUEL JARDIM Memória de um percurso inacabado 1884-1923

III. 1. A vanguarda europeia e o modernismo português Abstraindo-se das fortes tensões políticas provocadas pelo desenrolar da Iª Guerra Mundial (1914-1918), Paris respira agora de alívio face ao afastamento da frente ocidental do conflito. No entanto, no campo artístico, as vanguardas prosseguem os seus caminhos divergentes, esgrimindo diferentes argumentos culturais. Entre a figuração e a abstracção, expressionistas, cubistas, futuristas e abstractos vão traduzindo diferentes experiências, ora valorizando mais uma realidade pura e objectiva, ora apostando mais na ilusão e subjectividade sensorial da arte.

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Ao mesmo tempo começam a ser formuladas as primeiras propostas precursoras do surrealismo e que têm em consideração alguns pressupostos da psicologia freudiana, valorizando o inconsciente e o subconsciente da mente humana. Procurando uma tendência mais transcendental situa-se a denominada pintura metafísica, corrente assumida por pintores italianos, a partir de 19131915, entre os quais se destacam Giorgio de Chirico (1888-1978), o antigo futurista Carlo Carrà (1881-1966) e Giorgio Morandi (1890-1966). De Chirico será mesmo o teorizador desta corrente, que pretende explorar os efeitos de fenómenos sobrenaturais, associando, de modo imprevisível, objectos comuns imobilizados com paisagens grandiosas, imersas num profundo silêncio. O resultado é uma forte impressão de mistério e de magia. Por sua vez, Morandi reactualiza a linguagem geométrica de Cézanne, introduzindo-lhe uma dimensão etérea na análise da geometria compositiva das formas e dos volumes, traduzida numa gradativa gama de tonalidades e de combinações cromáticas. Outra tendência começa a tomar forma em Zurique, no ano de 1916, formulada por um grupo de poetas e artistas plásticos exilados, de origem francesa, alemã, holandesa ou romena, entre outras, que se reunem no espaço do Cabaret Voltaire, entre os quais podemos referir Hans Arp (1886-1966), Hugo Ball (1886-1927), Tristan Tzara (1896-1963), Francis Picabia (1879-1953) ou Marcel Duchamp (1887-1968). Os promotores deste movimento utilizaram o bizarro nome de Dada, uma palavra infantil de origem francesa, cujo significado se pode traduzir por cavalo de pau. Pretendiam que toda a expressão artística ficasse livre das amarras do racionalismo e se processasse de uma forma aleatória e instintiva, resultando apenas de um sistema automático da psique, traduzido por elementos associados livremente. Diante da irracionalidade da guerra defendem uma mudança radical da cultura e da arte, obtida pela utilização do non-sense e pela valorização do ab-


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