O feminino nas literaturas africanas em língua portuguesa

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Na voz do outro. A representação da mulher guineense pela perspectiva masculina

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Outro aspecto abordado por Tcheka é a fascinação pela cidade, fascinação que se agudiza em um impulso irreprimível: a jovem que sai da sua aldeia natal para tentar a vida em um meio mais adiantado. O escritor, tendo vivido por várias vezes longos períodos em Lisboa, bem conhece a falta de perspectiva, tanto do ponto de vista de uma possibilidade de formação ou de trabalho ou de lazer, que caracteriza o estagnante ambiente dos lugares pequenos, desinteressantes e sem atrativos de nenhuma espécie, e isto não só na Guiné-Bissau. No poema Nobas di prasa (novidades da cidade), a sedução da cidade, a “praça”, e a rejeição da aldeia são insinuadas em apenas uma frase, o autor confrontando antiteticamente os dois enunciados sabi e kasabi, de múltiplas conotações: kuma / sabi i li na prasa / kasabi i la na tabanka (assim como é bom, gostoso, aqui na praça, lá na tabanca é ruim, sem encantos). Com pinceladas rápidas, com a ajuda de oxímoros e pormenores particularizantes, alinhados numa série de contrastes, o poeta completa seu quadro: enquanto a escuridão domina o mato, as luzes da cidade ainda brilham, como se o sol ainda ali continuasse a arder: ora ku sukuru / iabri si mantu na matu / sol ta iardi na prasa. E o poeta, consciente da sua arte, busca os sons fechados para sinalizar a escuridão, passando aos sons abertos para indicar os atrativos do outro lado. Os encantos do progresso e do bem estar do mundo urbano podem ser ilusórios, não trazem nem a esperada fartura (tarbadju keia / diñeru nin pliu isto é, nenhum trabalho, nem um pingo de dinheiro), nem tão pouco a almejada felicidade (é barankial bida / kurpu sinti). De todo modo, nem o conforto nem o brilho da cidade conseguem arrefecer a falta que a jovem sente do lugar de origem, a saudade do vento a soprar nas bolanhas, isto é, nos campos de arroz (sodadi di bentu di blaña), misturada à sede da água da fonte: djagasi ku sidi di iagu / di fonti (Noba di prasa, ibidem, pp. 21-22). Em Guiné sabura que dói (2008), o segundo livro de poemas de Tony Theka, a presença feminina avulta com grande eloquência. Não se trata mais da mulher amada e sim notadamente da mulher guineense, em sua dimensão quase heróica, a mulher do povo que labuta pelo pão

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