António Jacinto e a sua época. A modernidade nas literaturas africanas em língua portuguesa

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Francisco Soares

linhas de leitura orientadoras em vez de condicionadoras. Por exemplo a de estudar a poesia de Jacinto vendo o quanto ela enforma esteticamente uma angolanidade, na sequência aliás do que já tinha feito M. António em texto recolhido no Reler África – tanto para Jacinto quanto (e sobretudo) para Viriato da Cruz. Em termos de comparativismo, a direção não se orienta para os EUA, a França, a URSS, mas principalmente se encaminha para o modernismo brasileiro (bem como para o regionalismo nordestino), para o modernismo cabo-verdiano, até para o modernismo e o neo-realismo portugueses. Esses movimentos deram-nos na altura parâmetros e instrumentos para trazermos à superfície do texto, com sentido crítico, o que então diacriticamente se definia como angolanidade. Tendo essa direção já sido explorada varia e competentemente, e continuando os estudos desse tipo a ser aprofundados em universidades brasileiras e portuguesas, procuro outra leitura, precisamente a que os militantes rejeitavam: a “linguística”, “estética” – ou seja: artística também no que diz respeito às formas. Perceber hoje a poesia lírica e a narrativa de António Jacinto reduzindo-a à articulação com a sua militância sugere que não há mais nenhum interesse nela. Mesmo olhar apenas ao conteúdo, dado o nosso percurso estético, pode ainda ser interpretado assim. Nomeadamente, não se vinca a relevância artística da obra, que é tarefa de um crítico literário considerar, ao invés do sociólogo da literatura. Uma crítica militante parafrástica não se ajusta, portanto, ao trabalho artístico de António Jacinto. Podemos, sim, dizer que há uma incompletude, na medida em que há um projeto que não se completa e a consciência disso, um projeto que não se desenvolve até ao ponto de poder cristalizar e. . . terminar. As tentativas, no entanto, nos dão notícia de uma inquietação estética que levava um artesão habilidoso e inspirado a constantemente experimentar recursos, a testar o seu alcance percetivo. Não chega a fixar-se em um ou dois, depois repetidos como se o homem estivesse completo e a obra ficasse perfeita. Isto pressupõe uma aguda consciência poética.

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