António Jacinto e a sua época. A modernidade nas literaturas africanas em língua portuguesa

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Maria Fernanda Afonso

Craveirinha, poemas e contos, são vários os tipos sociais que estigmatizam a miséria da cidade, Lourenço Marques e, entre eles, a mulher vilipendiada pelo colonizador ocupa lugar proeminente como Felismina, a Mulata Margarida, Mamana Fanisse e Hamina. Poetas da memória da tribo, em nome da qual exaltam os valores culturais africanos, integram-se no meio dos seus, evocando a toponímia africana, os nomes de pessoas, de animais e de frutos, de instrumentos musicais, de danças, e de tradições africanas. A música, os esquemas rítmicos próprios da literatura oral ocupam lugar importante no verso destes poetas. Quando se refere a Craveirinha, Ana Mafalda Leite afirma que o “som é metaforicamente corporizado e o corpo torna-se o instrumento musical [. . . ] o poeta funciona como médium e como câmara de eco, depositário cultural e ideológico da sua comunidade” (L EITE, 1991, p. 106). No poema intitulado “Xigubo”, pórtico do primeiro livro do poeta moçambicano, com o mesmo nome, palavra ronga que significa dança guerreira, o verso mima, pelo martelamento regular de repetições, anáforas e simetrias, o bater do tambor, o instrumento primordial da música e da comunicação em África, adaptando-se ao frenesim dos pés dos dançarinos, criando uma tensão rítmica, um rápido crescendo que explode por fim num feixe de imagens nostálgicas, restabelecendo-se a consonância entre a África milenar e os seus filhos: “E as vozes rasgam o silêncio da terra / enquanto os pés batem / enquanto os tambores batem / e enquanto a planície vibra os ecos milenários / aqui outra vez os homens desta terra / dançam as danças do tempo da guerra / das velhas tribos juntas na margem do rio” (C RAVEIRINHA, 1980, p. 10). António Jacinto e José Craveirinha escrevem em língua portuguesa, incrustando no verso palavras e estruturas das línguas de Angola e Moçambique. Ao invés de outros países africanos, principalmente os de língua francesa, em que, frequentemente, os escritores se insurgem de forma dramática contra o uso da língua do colonizador, vivendo o drama linguístico de que fala Albert Memmi na sua obra Portrait du

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