O Jeitinho no Direito Administrativo Brasileiro (e seus efeitos no desenvolvimento)

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humana, que o homem do Brasil entra na história com um elemento inédito, revolucionário e criador: a molecagem.19 Também, o modo de ser do cafajeste20 que não tem nada a ver com grosso, mal-educado, pois é um estado de espírito, o cara que dá a volta por cima, leva tudo numa boa, que é capaz de tirar de letra qualquer problema e vai em frente.21 A Roma Antiga conheceu o ditado popular: Ele é de todas as horas, que se referia à adaptabilidade necessária aos homens no enfrentamento de situações inusitadas,22 em resumo, nosso jeitinho latino de ser. Na questão cultural, do nosso ethos, o jeitinho se faz na expressão dos dilemas da cultura brasileira e dos padrões de comportamento: pela ausência de demarcação entre o público e o privado; o fetichismo do oficial e do patrimonial; a dificuldade de criar coesão duradoura e a frouxidão das instituições; a dissociação entre a vida social e a política, e ainda, a ambivalência da nossa cordialidade.23 Dos mais excluídos aos mais abastados, das famílias de classe média, alimentadas e educadas – todos compartilham do mesmo ideal: o de se dar bem, tirar vantagem, pseudo-valores que perpassam as classes e os mais diferentes grupos da sociedade.24 Na ausência de parâmetros éticos, a esperteza é de fato o valor que orienta as ações, sempre que está em jogo a lida com a coisa pública,25 e, em consequência, entendemos, no Direito Administrativo, do mais baixo ao mais alto escalão, numa variação sutil do malandro cordial, a cordialidade e o banditismo convivem como duas faces de Janus.26 BUARQUE cita no clássico Raízes do Brasil27 a obra O soldado prático de 1612, um diálogo entre três personagens: um soldado 19

RODRIGUES, Nelson. O escrete de loucos, p. 79-82 In A pátria em chuteiras: novas crônicas de futebol. Seleção e notas: Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 81. 20 CONY, Carlos Heitor. A Ave-Maria de Schubert, p. 29-66 In BLANC, Aldir et alii Meu Querido Canalha. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 65. “Esperei pouco pelo elevador, que veio estranhamente vazio. Tive tempo e vontade de me olhar no espelho que ocupava uma das suas paredes. Lá estava eu, de cara amarrada, um galinha fatigado, mas nem por isso um cafajeste. Consolo besta, que nem chegava a ser consolo: preferia ser um cafajeste bemsucedido a um galinha fracassado.” 21 VALADÃO, Jece. Memórias de um cafajeste: entrevista e redação Maria Teresa Artacho Eça. São Paulo: Geração Editorial, 1996, p. 7. 22 TOSI, Renzo. Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas: mais de 10.000 citações da Antiguidade ao Renascimento no original e traduzidas com comentário histórico. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 270. Esse eum omnium horaru. (Quintiliano 6, 3, 110); Cuiusvis temporis hominem esse. (Cícero, De Oratore, 2, 67, 271). 23 VELOSO, Mariza e MADEIRA, Angélica. Leituras brasileiras: itinerários no pensamento social e na literatura. 2ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 165. 24 VELOSO, Mariza e MADEIRA, Angélica. Idem, p.169. 25 Idem, ibidem. 26 Idem, ibidem. 27 BUARQUE, Sérgio. Raízes do Brasil. Primeira edição em 1936.

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