CITE'IN'FORMA Nº17

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nos séculos anteriores à era moderna deixaram de ser convincentes, sem que outros os substituíssem eficazmente. Adoptamos, assim atitudes de passividade e apatia, levando uma existência rotineira, mecânica, ano após ano, onde o vazio e o tédio se instalam, inundando-nos rapidamente de uma sensação de inutilidade e desespero. O conformismo elevou-se a algo parecido com uma religião num substituto moralista duma falsa integridade e não na própria integridade, impedindo-nos, assim o contacto com o nosso verdadeiro eu. É, talvez, mesmo por isso, que o homem de hoje não se destaca pelas suas motivações e desenvolvimento das suas potencialidades mas sim tenta adaptar-se em função daquilo que os outros esperam dele. No actual contexto da civilização ocidental a alienação surge do isolamento afectivo a que o homem de hoje é remetido pelo mundo do "ter" em detrimento do "ser". A valorização do material leva-nos a um isolamento cada vez maior dos outros e de nós próprios. Vivemos socialmente num "eu-isso" de Buber que exige menos riscos emocionais o que paradoxalmente, poderá parecer mais seguro, mas pouco compensador emocionalmente. Parece assim que caminhamos em espiral: "quanto mais temos, melhor somos considerados", quanto mais temos mais isolados, quanto mais isolados mais vazios, mais sofridos, mais tristes, mais perdidos na capacidade de antecipação, e eis-nos presos numa armadilha que é a anestesia afectiva, é o renunciar a qualquer forma de prazer seja ele intelectual, estético, passional ou físico. A incapacidade de manter os hábitos, e a inabilidade na construção do projecto dão lugar à culpabilidade numa vivência dolorosa. A vida dói e aí está ela ... a depressão. Mas o que é estar deprimido? É a angústia existencial do viver e maneira de Ser ou Estar no mundo do Homem? É um estado mórbido codificado e descrito nos diversos sistemas de classificação psiquiátricos? É um quadro clínico caracterizado por três sintomas básicos, tristeza, inibição e angústia? É a doença do amor não correspondido, duma perda de amor irreparável e da perda de auto-estima? É, numa sociedade protegida contra o sentido trágico da vida uma inimiga, uma doença irredimível? Ou, em compensação, será que o vazio e obscuridade da depressão evocam uma consciência e uma articulação de ideias que, de outro modo permaneceria escondida sob o véu de estados de espírito mais alegres? Sabemos que certas depressões estão ligadas a ocorrências psicológicas, a uma rotura, a uma provação, uma falência. Outras há que chamamos de iniciáticas, onde a vida nos ensina através de um acidente ou de uma provação, que devemos mudar o nosso modo de viver; tentar reencontrar o nosso verdadeiro eixo. Qualquer que seja o sentido da resposta para cada uma das questões levantadas parece-nos que a depressão outorga o dom da experiência não como um facto literal, mas sim como uma atitude para connosco próprios, tal como nos diz Pessoa: "Não tenho ambições nem desejos Ser poeta não é uma ambição minha É a minha maneira de estar sózinho."


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