Cidade 44

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COMPORTAMENTO

QUE A GENTE APRENDA A LIDAR COM NOSSAS DIFERENÇAS SEM MENOSPREZAR O ASSUNTO OU A OPINIÃO DO OUTRO” MARCIA DE LUCA, PROFESSORA DE IOGA

COMO TER MELH O RES CONVERSAS ? ESTEJA PRESENTE. Sim, as tentações são muitas e na maioria das vezes é difícil controlar os pensamentos e ignorar o celular vibrando, mas é melhor encerrar uma conversa mais cedo do que estar nela pensando ou fazendo outra coisa. É SEMPRE POSSÍVEL APRENDER EM UMA CONVERSA, afinal todo mundo sabe algo que você não sabe. A escuta verdadeira depende um pouco de acreditar nisso. NADA MAIS NATURAL QUE SER INVADIDO POR PENSAMENTOS durante uma conversa ou ter vontade de interromper para contar uma história e dar uma opinião. O que fazer nesses casos? Deixe fluir. Do mesmo jeito que a vontade chega, ela vai embora. NÃO TRANSFORME A CONVERSA EM UM MONÓLOGO. Ninguém tem paciência para te ouvir eternamente a não ser seu próprio analista, que cobra para isso. EVITE COMPARAR EXPERIÊNCIAS. Alguém está te contando sobre o término de um relacionamento? Não comece a explicar como o seu primeiro namoro acabou. Experiências são totalmente individuais e aquela conversa não é sobre você. NINGUÉM PRECISA TER OPINIÃO FORMADA SOBRE TUDO. Mil vezes uma pessoa honesta, que admite não se sentir confortável para opinar, do que outra que sai dizendo qualquer coisa, sem nem refletir sobre a questão. DESENVOLVA UM INTERESSE GENUÍNO PELO OUTRO E APRENDA A ESCUTAR. A maioria das pessoas não está disposta a ser transformada por uma conversa, quer apenas dizer o que pensa. FONTES: MARCIA DE LUCA, ANA CLAUDIA ARANTES E PEDRO DE SANTI

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conversando para espiar a mensagem que acaba de chegar ou como já se tornou comum encontrar pessoas jantando em restaurantes sem se falar, meio hipnotizadas pelas telas de seus celulares. A tecnologia, por sinal, é fator determinante para esse comportamento pouco interessado que tem nos guiado. Se por um lado traz novas – e excitantes – possibilidades de comunicação, por outro cria ambientes que servem apenas para estimular nossa necessidade de autoafirmação. “As redes sociais, por exemplo, podem passar a falsa impressão de facilitar o debate, mas ninguém entra ali disposto a ler, ponderar e, quem sabe, mudar de ponto de vista. O objetivo é um só: falar”, defende Pedro Calabrez, pesquisador do Laboratório de Neurociências Clínicas da Escola Paulista de Medicina. A necessidade de expor uma opinião é mesmo algo que tem nos movido. Atire a primeira pedra quem nunca se flagrou esperando o momento em que o outro finalmente encerra o que está dizendo e chega a nossa vez de tagarelar. “O século 21 é o século da ação. As pessoas sentem necessidade de ter opinião sobre tudo e querem expor o que pensam sempre que possível. Por isso, tem sido tão frequente entrar em conflito”, explica o psicanalista e mestre em filosofia pela USP Pedro De Santi. Mas por que tanta dificuldade em lidar com quem pensa diferente de nós? Por que parece que toda conversa tem o potencial de se tornar uma discussão e toda questão trivial gera posicionamentos passionais a favor e contra? Apesar de vivermos um tempo de opiniões polarizadas e dis-

cursos inflamados, De Santi é categórico ao afirmar que não estamos mais intolerantes: “Temos essa impressão porque estamos expondo nossas discrepâncias mais do que nunca, mas acredito que isso tem nos feito evoluir. Só falta aprender a diferenciar o debate, que implica refletir sobre o que o outro diz, da vontade vaidosa de querer convencer alguém”, afirma. Já o ex-ministro da Educação e professor de ética e filosofia Renato Janine Ribeiro é mais pessimista. “Acho que estamos em um momento de não prosperidade. Vejo as pessoas na defensiva, com pânico de considerar a possibilidade de mudar de opinião. A sensação que dá é a de que quando não estamos falando para as paredes, estamos pregando para convertidos. Nossa capacidade de conversa está bastante diminuída”, diz. BOM DE PAPO Estimular essa habilidade dividindo todo o conhecimento adquirido no dia a dia de sua profissão é justamente o que a médica Ana Claudia Arantes, especialista em cuidados paliativos, se propõe a fazer ao mediar o curso Como Ter Melhores Conversas?, na The School of Life, em São Paulo. “Convivo todos os dias com pessoas que estão morrendo e isso me permite ter conversas muito intensas. Não necessariamente tristes, mas quase sempre transformadoras”, diz. Nesses momentos, ela conta, ninguém quer ter razão ou manter qualquer aparência. Há muito mais disponibilidade para falar e ouvir de coração aberto, sem as armaduras de que costumamos nos valer enquanto a opinião dos outros ainda faz algum sentido. “Os

encontros que tive com essas pessoas me fizeram entender que muito mais importante que parecer uma pessoa interessante é ser uma pessoa interessada. Ganhamos muito quando substituímos a desconfiança por curiosidade”, afirma. Claro que ninguém precisa estar morrendo – ou cuidando de pessoas que estão – para aprender a estar aberto e presente nas relações. A pressa do cotidiano e o cansaço da rotina atrapalham, mas será que estamos verdadeiramente interessados em ouvir quem gostamos? Falar de si ou de um assunto do seu

que já tivemos aquela idade e já sentimos as emoções afloradas daquela maneira. Além disso, as gerações são diferentes, é preciso tentar ser mais flexível para acompanhar”, diz. MEA-CULPA Ser flexível, na verdade, nada mais é do que controlar a vontade de julgar e achar que só nós estamos certos. Como exercício, vale a reflexão: estou ouvindo com a intenção de entender ou de responder? No livro Comunicação não violenta, o psicólogo americano Marshall Rosenberg afirma que observar

“MUITO MAIS IMPORTANTE QUE PARECER UMA PESSOA INTERESSANTE É SER UMA PESSOA INTERESSADA” ANA CLAUDIA ARANTES, MÉDICA

FOTOS ARQUIVO PESSOAL

“É FUNDAMENTAL

universo é fácil, mas e quando o marido quer contar do trabalho ou do futebol? “Muitos pais reclamam que estão se sentindo distantes do filho adolescente, por exemplo, mas será que estão se esforçando para mergulhar nos assuntos dele e, se for preciso, ouvi-lo falar horas sobre um novo game para estabelecer uma conexão?”, questiona. Marcia concorda: “É fundamental que a gente aprenda a lidar com nossas diferenças sem menosprezar o assunto ou a opinião do outro. Na conversa com um filho, por exemplo, não dá para esquecer

sem julgar é a forma mais elevada de inteligência humana. Segundo ele, a maioria de nós cresceu usando uma linguagem que, em vez de nos encorajar a perceber o que estamos sentindo e o que precisamos, nos estimula a rotular, exigir e proferir julgamentos. “É uma comunicação alienante porque implica achar que aqueles que não agem em consonância com nossos valores estão errados ou são maus”, diz. Para ele, no lugar de falar “Você é um bagunceiro. Olhe o seu quarto, como está sempre uma zona”, seria mais justo dizer “Fiquei mui-

to irritado quando vi o quarto bagunçado, porque eu preciso de um mínimo de organização e ordem na casa para me sentir confortável”, pois, desta forma, a responsabilidade pelo que você está sentindo deixa de ser só do outro e passa a ser sua também. “Não tem sentido entrar em diálogo, a não ser que você esteja preparado para mudar com o encontro, e isso não significa que você tem que aderir ao lado oposto, mas que algo na sua própria confiança será levemente abalado e você começará a entender o outro com maior clareza”, explica. Ensinamentos como esse deixam clara a necessidade de reavaliar hábitos antigos que fazemos automaticamente, quase sem perceber, e que prejudicam muito o nível de nossas conversas. É assim também com a empatia, que deveria ser uma coisa boa, pois nos coloca no lugar do outro para sentir o que ele sente, mas esconde armadilhas perigosas. A cena é clássica: uma amiga conta que está se divorciando e, antes que ela termine a história, você diz: “Eu sei como você está se sentindo, vivi o mesmo quando terminei meu relacionamento”. Sim, fazemos com a melhor das intenções, mas não deixa de ser cruel. “Esse comportamento sequestra do outro o direito àquele sofrimento. Cada experiência é única, não há por que ficar comparando”, avalia Ana Claudia. Para ser melhor, ela ensina: substitua empatia por compaixão. “Essa, sim, é segura, capaz de empoderar o outro.” Talvez seja justamente compaixão que nos falta para acreditar que compensa ouvir, respeitar e acolher a opinião de quem quer que seja. Vale pensar no assunto, não é? Boas conversas.

UMA C ONVE R SA É BOA QUA NDO. . . “Temos a chance de dar e receber, o que só acontece quando estamos com o coração aberto, trabalhando nossa atenção e presença” LAMA MICHEL, LÍDER ESPIRITUAL

“Não é politicamente correta nem parece um esforço para tentar agradar alguém” LUIZ FELIPE PONDÉ, FILÓSOFO

“ A pessoa não se acha a dona da verdade, o hálito dela é agradável e o senso de humor impera” TATI BERNARDI, ROTEIRISTA

“ O outro sabe ouvir enquanto eu falo e vice-versa. Já no caso de uma entrevista, a conversa só é boa quando sabemos fazer as perguntas certas” RUY CASTRO, ESCRITOR

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