Coletânea Ciclo Tristão de Athayde - Alceu Amoroso Lima 2017

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da minha tentativa insistente de participar, intelectual e tecnologicamente, em dueto inesquecível com ela, da reconstrução da figura admirada e amada do nosso pai. Estou convencido de que estamos deixando às pessoas que, de alguma forma, tiverem interesse em conhecer melhor o Tristão, uma leitura original e muito importante que, além de retratar sua personalidade, mostra seus comentários sobre os eventos dos quais participou, direta ou indiretamente, em sua vida, nesse período. As cartas, pessoais por natureza, retratam um viver e transmitir diário, seja doméstico, seja político, seja de comentários gerais sobre eventos e/ou pessoas ou instituições. Nada acrescentamos ao texto das cartas (salvo correções, a nosso ver, de alguns erros de português e de repetições a título de ênfase!), se bem que tenhamos suprimido algumas poucas passagens íntimas e/ou domésticas por julgá-las desnecessárias e/ou desinteressantes para o público leitor. Chegamos a 1968 e resolvemos parar, seja devido ao momento crítico da revolução de 1964, a edição do Ato Institucional número 5, que consolidava a ditadura militar, seja pelo tamanho grande, pouco prático, que o livro alcançaria, até o fim da última carta, de 31 de dezembro de 1968 (texto de 671 páginas, mais fotos). O segundo livro, Diário de um ano de trevas (a última carta é de 28 de Fevereiro de 1970, 264 páginas), é composto essencialmente por comentários em torno da atividade política, pois se trata do tempo da ditadura com todas as restrições criadas pelo poder militar. Aliás, diga-se a bem da verdade, Tristão muito poucas vezes foi impedido pela censura de publicar seus artigos nos jornais: livre que conseguiu ficar de segundas intenções visando ganhos financeiros ou políticos, dizia o que pensava, e, acrescento eu, ideias e opiniões, no mínimo, são difíceis de aprisionar... Além disso, o segundo livro, da metade para frente, reflete bastante a melancolia de Tristão, desiludido com a impossibilidade de redemocratização do Brasil, e com crescente desilusão, causada pelas mortes dos dois “Joões”, como ele dizia (John Kennedy e o Papa João XXIII), vistos por ele com tanta esperança no futuro da Igreja Católica e na paz mundial. O segundo livro foi encerrado devido a problemas de saúde de Tuca, cuja deficiência visual agravou-se, resultado da diabete, e ela passou a não poder mais ler os hieróglifos de Tristão.

Restam, inéditas, cerca de 10 anos de cartas (Tristão faleceu em agosto de 1983), manuscritas ainda, cuja decifração está sendo tentada por pesquisadores/ paleógrafos, para tentar completar a autobiografia, que algum dia ficará pronta, se Deus quiser. Chamemos à conversa os biógrafos de Tristão, Medeiros Lima (Memórias Improvisadas), Francisco Assis Barbosa (Memorando dos 90), Candido Mendes (Da persona à pessoa), Marcelo Timóteo da Costa (Um itinerário no século) e outros que poderão ter se referido a ele circunstancialmente, e procuremos acolher para uma troca de ideias e de opiniões com ele mesmo (via Tuca!). O tema passou a ser a mudança de Tristão, no modo de ver o mundo e o Brasil, da infância na burguesia da direita (único homem, três irmãs), não foi ao colégio primário, aprendia em casa com o (extraordinário professor) Kopke, muitas incursões pela Europa (belle époque, festas, namoradas, les argentines en fleur...) – enviesando para a “esquerda”... – ao contrário do normal dos jovens, que começam contestadores e crescem evoluindo da esquerda para a direita ao longo da vida. Tristão, como disse a Medeiros Lima, na juventude foi pela disciplina e na velhice pela liberdade, uma trajetória que, não por acaso, foi da naturalidade na infância para a autenticidade e, na conversão, para a liberdade, esta última cada vez mais sua maior convicção, no fim da vida. De Affonso Arinos surpreendeu-se ao ouvir: não presta para nada, a propósito de um conto passado na França, em francês, que escrevera e o mostrou a Arinos; e dele também ouviu um comentário ao informar-lhe que nunca lera nada de Eça de Queirós: que homem feliz! Machado de Assis foi seu vizinho no Cosme Velho, bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro; passava a mão pela cabeça do menino Alceu, que o espiava pelas grades da Casa Azul, onde nascera e morava, ao passar pela calçada com a esposa Carolina pelo braço; e Alceu foi ao seu enterro, acompanhado pelo padrinho Antônio Martins Marinhas. Manoel Bandeira, grande amigo, escreveu o poema A velha chácara, celebrando a Casa Azul, “já não existe mais a casa, mas o menino ainda existe!” Carlos Drummond de Andrade sobre Tristão, ao completar 70 anos: “[...] Tristão e Alceu, a mesma fiel cristalinidade, no sábio à sombra de Deus!”


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