Primeira Infância e Maternidade nas Ruas de São Paulo

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A solução caseira, improvisada, dos serviços de saúde para garantir que as crianças, em seus primeiros dias de vida, não passem por privações que podem levar à sua morte – como exposição ao frio e chuva, falta de condições de higiene e nutrição – tem sido o acionamento das Varas da Infância e Juventude, como mencionamos, para que as crianças sejam recebidas por centros de acolhida especializados. No limite, nestes casos, o melhor interesse da criança é tutelado, quando visto a partir da ótica do cuidado material, alimentar da criança. E os direitos à convivência familiar? Amamentação? Permanência com a família de origem? Não seriam também direitos quem compõem o “melhor interesse da criança”? Encaminhar a criança a um centro de acolhida significa mantê-la no hospital após a alta médica da mãe, significa o aumento das dificuldades na visitação e formação de vínculos, a não amamentação da criança, o cerceamento da defesa administrativa e judicial da mãe, que não possui voz ao longo das decisões tomadas, e que, na prática, não acessa a Defensoria Pública do Estado de São Paulo para conhecer seus direitos. Esses encaminhamentos para as Varas da Infância, que muitas vezes acarretam na destituição do poder familiar dessas mulheres, e no retorno destas às ruas sem suas filhas, têm incomodado as profissionais dos diversos setores de atendimento. O sofrimento, para as profissionais que atuam diretamente nestes casos, é manifesto. Angústia e tristeza diante das separações são algumas das emoções expressas ao narrar casos tão complexos. Mesmo com as adoções bem-sucedidas ou com o retorno à família de origem, as profissionais entrevistadas sentem a necessidade de aprofundar os debates e melhorar a prestação do serviço público nestes casos. Será que essa criança está melhor sem sua mãe? Será que essa mulher não poderia ter exercido a maternidade, se fosse apoiada? Será que essa ruptura não foi violenta para mãe e criança? Quais os impactos desses afastamentos? Quantas crianças separadas são efetivamente adotadas? Quantas delas irão crescer nos abrigos sem acesso às suas histórias de vida e às suas famílias de origem? Quantas, adotadas, crescerão acreditando terem sido negligenciadas quando suas mães biológicas gostariam que elas crescessem sabendo que foram amadas e desejadas, mesmo ante tantas adversidades?

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