Ed. 151 - Revista Caros Amigos

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falar brasileiro Marcos Bagno

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Caros amigos,

muito obrigado!

Brasileiro fala banto?

Fundei a APAFUNK

a dia e referentes aos mais diversos campos da vida humana. As palavras do iorubá que empregamos, por outro lado, se referem quase exclusivamente ao universo religioso e têm uma difusão muito mais restrita geograficamente. Com isso, se quisermos de fato nos aproximar das nossas raízes africanas mais profundas, é nas línguas do grupo banto que devemos procurá-las. É delas que vêm, entre tantas outras, as já brasileiríssimas caçula, carimbo, cachaça, dengo, samba, sacana, biboca, maconha, bagunça, jiló, cachimbo, cafungar, fungar, cabular, catinga, catimba, ginga, lambada, cangaço, mocambo, moleque, miçanga, moqueca, muamba, olelê-olalá, tutu, titica, xingar, quiabo, quitanda, quitute, muxoxo, cochilo, banguela, beleléu, zanzar, ziquizira, songamonga, moringa, camundongo, babaca, senzala, mucama, macaco, babau, caxumba, capanga, canga, tanga, lengalenga, mandinga, coroca, cotó, fubá, cafuné, jagunço, meganha... sem falar, é claro, da grande unanimidade nacional — a bunda! Marcos Bagno é linguista e escritor. www.marcosbagno.com.br

(Associação dos Profissionais e Amigos do Funk), para exigir do Estado do Rio um olhar cultural e não policial do movimento que tanto conheço há dezessete anos. Participamos de fóruns, debates, palestras, encontros com movimentos sociais e não nos negamos a entrar nos gabinetes dos deputados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro pra exigir uma política cultural para nosso movimento. A 1º de setembro de 2009, foram votados dois Projetos de Lei que vão ajudar - e muito - nesse processo de descriminalização. Um revoga uma Lei que dificultava os bailes em nosso Estado e o outro faz o Estado reconhecer o Funk como cultura popular. Agradecemos a todos os deputados, mesmo sabendo que eles cumpriram com suas obrigações, sabemos que isso é muito difícil de acontecer nas assembleias legislativas do nosso Brasil. Sei que não teríamos conseguido ser compreendidos nessa luta de convencimento a um ritmo tão massacrado pela mídia nos últimos anos, se não fosse a mídia “magra”. Mídia alternativa, nunca duvide do seu poder: quero dizer que alguns sites, jornais e revistas fizeram nosso grito ecoar Brasil afora. Primeiramente agradeço aos sites www.funkderaiz.com.br, que foi o primeiro a publicar nossa batalha, ao www.fazendomedia, ao Observatório da Indústria Cultural (oicult.blogspot.com.br), à Agencia de Notícias da Favela (www.anf.org.br), ao www.foque.com.br, e a todos os outros sites que eu não me lembro agora. Ao Jornal Cidadão, ao Jornal Brasil de Fato, aos jornais sindicais, universitários e dos movimentos sociais. À revista Vírus Planetário, ao Núcleo Piratininga de Comunicação, a Radio Muda de Campinas e, claro que eu não podia esquecer, da revista Caros Amigos, que me convidou para ocupar o espaço desta coluna. Obrigado a todos vocês que não só nos ajudaram a divulgar nossa batalha, como nos ensinaram que a mídia somos nós que fazemos. Mas uma vez, MUITO OBRIGADO A TODOS! MC Leonardo é compositor, autor, com seu irmão MC Junior, de funks de protesto, como o Rap das Armas. mcleonardo@carosamigos.com.br http://mcjunioreleonardo.wordpress.com

Ilustração: Debora Borba/deboraborba@gmail.com

Dia desses, uma gaúcha veio me contar, entusiasmada, que tinha aberto uma escola de línguas em Porto Alegre, que não queria se limitar ao ensino das línguas europeias (inglês, francês, espanhol, italiano, alemão) mas pensava em oferecer também o iorubá, para ser uma escola “politicamente correta”, que contemple as línguas que “influenciaram” o português brasileiro. Pensei com meus botões: “Mais uma iludida”. O desconhecimento, por parte da maioria dos brasileiros, inclusive linguistas profissionais, da história linguística do nosso país é impressionante. Quando, com base nos excelentes estudos de Yeda Pessoa de Castro, digo às pessoas que, das línguas africanas trazidas para cá com o tráfico de escravos, a que menos impacto exerceu sobre o português brasileiro foi o iorubá, as reações costumam ir da surpresa à indignação. O iorubá é uma língua oeste-africana. Seus falantes só começaram a ser trazidos para o Brasil no final do século XVIII, com a destruição do reino de Queto, e também depois de 1830, quando foi arrasado o império de Oió. Ficaram concentrados nas zonas litorâneas, com especial destaque para a região do Recôncavo baiano. Com os falantes de iorubá e de outras línguas oesteafricanas vieram os cultos religiosos que se tornaram conhecidos como candomblé. Por causa do prestígio cultural que essas manifestações religiosas alcançaram é que se fixou, entre nós, o mito de que o iorubá é a principal (quando não a única!) língua africana que exerceu “influência” sobre o português brasileiro. Desse mito decorrem inúmeras distorções como, por exemplo, a do filme “Quilombo”, de Cacá Diegues (1984), em que Zumbi dos Palmares e demais quilombolas falam iorubá, em pleno século XVII, quando ainda não tinham chegado ao Brasil os falantes dessa língua. O mesmo se pode dizer dos inúmeros cursos de iorubá oferecidos Brasil afora e que muitas pessoas vão frequentar na crença de que, assim, se aproximariam mais das raízes africanas da nossa população e da nossa cultura. Ora, as línguas que de fato mais confluíram para a formação do português brasileiro são de uma outra família, chamada Banto. São de línguas bantas (quicongo, quimbundo, umbundo) a maioria dos escravos trazidos a partir do século XVII e que serão distribuídos por todo o território brasileiro. A antiguidade da presença dos bantos é que explica a grande quantidade de vocábulos plenamente integrados ao falar brasileiro do dia

Mc Leonardo

caros amigos outubro 2009

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