Hitchcock: Superfície, Sutura, Textura

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A câmera que vai e vem, assim como o filme, dão o tom e o nome do filme: Vertigo, ou Vertigem, o que descreve o medo de altura do protagonista. O filme possui um colorido rico, magnético, que transborda de tons vermelhos crepusculares e verdes explosivos. As cores da roupa da personagem feminina nunca são gratuitas; há sempre uma razão para cada peça, para cada cor (críticos se referiram ao filme, em 1958, como um “pesadelo em technicolor”, uma definição impecável). A inesquecível cena em que Madeleine se transforma em Judy, iluminada pelo néon verde do hotel em que ela está hospedada, tem uma qualidade fantasmagórica raríssima de encontrar. Além disso, as paisagens de San Francisco evocam um senso de melancolia que nenhum outro filme de Hitchcock possui. O mistério que emana da mulher é maior do que se supõe a princípio. Madeleine não é apenas uma mulher fugidia, ela não existe. É um personagem ficcional, que saiu da imaginação de um homem calculista que, para matar a esposa, precisa de uma cúmplice (Judy, ao se passar por Madeleine) e de um bode expiatório (Scottie). Ela é, como se dizia, literatura, porque Scottie, cego apaixonado, a recupera quando transforma Judy, para encontrar a mulher perdida, em um objeto de arte. A mulher, hora se assemelha às estátuas gregas e ora a um quadro impressionista. O ambiente cinza de Scottie e vestes cinzas de Madeleine fazem intensificar a explosão de cores em que a musa está mergulhada, emoldurando-a para seu principal espectador. O modo como Madeleine observa sua bisavó no quadro é semelhante ao modo como Scottie observa Madeleine, e é o ramalhete de rosas que levará Scottie casualmente a encontrar Judy. 51


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