Canguru | BH | Setembro de 2017 | Número 24

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Toda vez que a criança for tratada como soberana ela se comportará desse modo. A vida não é marcada pela soberania, ela tem que ser marcada pela autonomia. Uma pessoa autônoma é aquela que faz o que ela quer no âmbito da responsabilidade dela, desde que não colida com as outras perspectivas. Uma pessoa que é soberana fala o que deseja e não dá referência e nem atenção a quem não pensa como ela ou quem está à sua volta. Essa soberanização de uma parcela das crianças cria personalidades deformadas para a capacidade de convivências. A soberanização de crianças é malévola para o adulto que virá, e é assim, inclusive, que começa a degradação de valores decentes. O senhor diz que desejos não são direitos. Por que é difícil viver em coletividade e entender que temos limites?

Nesta geração, não há a obrigatoriedade da participação mais direta de crianças e jovens no sustento da família numa parte significativa das classes sociais. Uma parcela dessas crianças e jovens começa a entender que aquilo que deseja tem que a ela vir e que a tarefa de pais e mães é a de serem provedores, e não cuidadores. Há aí uma deturpação do que seria a própria estrutura da convivência familiar. Mais do que isso: confundir desejos com direitos, que é algo que uma parte das crianças faz,

é uma responsabilidade dos adultos. Uma parcela de nós foi educada para que, se algo quisesse, fosse buscar com esforço, dedicação, decência e inteligência. Não era algo que você aguardava magicamente, que chegaria e pousaria no teu colo. É necessário que os pais retomem essa perspectiva de que quem deseja algo tem o dever de construí-lo, de elaborá-lo e de utilizar a inteligência e o esforço na obtenção disso. E aqueles pais que fazem dos filhos um investimento de longo prazo?

É absolutamente indecente que um pai ou uma mãe seja capaz de olhar seus filhos como sendo uma aplicação financeira. É preciso que a orientação em relação à profissão do filho não seja uma determinação dos pais. Que, acima de qualquer coisa, se respeite a individualidade, a autonomia que essa pessoa deve ter, e não olhar aquele que mais adiante será apenas uma forma de retorno financeiro. O que é preciso fazer para criar filhos melhores para o mundo?

Primeiro, uma dedicação maior do que aquela que se vem tendo, um esforço maior em relação ao exercício da maternidade e da paternidade. Segundo, humildade para saber que a gente não sabe muitas coisas e que precisa aprender com outros, e não supor que criar filhos seja uma atividade automática. Em terceiro lugar, imaginar que tudo isso requererá a parceria maior entre as pessoas que formam crianças. Os adultos que têm autoridade e responsabilidade não precisam pensar de maneira idêntica, mas têm que agir de maneira unida. Pais e mães, antes de agir em relação aos filhos, precisam conversar entre si e chegar a um consenso. A divisão tem que se dar antes da reflexão, e não na hora da ação. 

FOTO: NANA HIGA / DIVULGAÇÃO; ILUSTRAÇÃO: FREEPIK

hoje filhos e filhas serem tratados como príncipes e princesas até na decoração de seus quartos.


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