Guia de Eventos - jul | ago'17

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JULHO | AGOSTO 2017

Um banho em Asnières Georges Seurat pintou Um banho em Asnières em 1884, quando tinha 24 anos. Morreria sete anos depois, deixando uma obra coerente e ousada, marcada sobretudo pela utilização da técnica pontilhista, por si criada como que para disciplinar a pincelada solta típica dos seus contemporâneos impressionistas, assim como as suas composições. Contudo, neste quadro ele não aplica nem uma nem a outra técnica, mas pinceladas esbatidas, suavizadas pelo pouco relevo de tinta e por delicadas nuances de tom habilmente aplicadas. Aliás, as pinceladas são praticamente impercetíveis na pele dos banhistas. Da globalidade do quadro ressalta a forte luminosidade dum dia de calor e céu limpo, onde se harmonizam cores frias e quentes, claras e escuras, com as frias e as claras a tender para o branco, cor esta que, só por si, marca uma forte presença. Além de cativar pela beleza do colorido, pela singularidade da técnica e pela serenidade geral que emana, o quadro contém um curioso condimento que torna a cena algo enigmática e que também nos prende. Os homens e rapazes que se banham no rio ou repousam nas suas margens têm algo em comum no olhar:

todos eles o viram para qualquer coisa que não está acessível a quem vê o quadro. Quase todas as figuras, incluindo o cão, olham para a direita, para o rio ou para a outra margem, sem que saibamos o que lhes prende a atenção por se encontrar fora do quadro. O rapaz que olha para baixo de água repara em algo que também não sabemos o que é. E as figuras que estão na embarcação, tão pequenas de distantes, naturalmente se podem incluir nesta atitude. A cena ocorre em Asnières-sur-Seine, nos arredores de Paris, mais concretamente numa margem do rio Sena. Pouco tempo depois, no quadro Uma tarde de domingo na Ilha de Grande Jatte, local bem próximo deste e igualmente numa cena de lazer junto do rio, Seurat coloca também quase todas as cerca de 50 figuras a olhar para algo a que não temos acesso. Este aspeto enigmático e um pouco inquietante parece ter tido uma especial atenção por parte do pintor. Contudo, é só nestes dois quadros, talvez os mais relevantes da sua curta carreira, que ele o aplica. António Galrinho Artista plástico


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